A TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO E O FATO SOCIAL, COM ENFOQUE NO REI DOS CANGACEIROS

Layla Kamila Santos,27 de abril de 2010, acadêmica de Direito, 2° Período da Universidade Tirantes – UNIT.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. A TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO – 2.1 ASPECTOS FUNDANTES – 2.2 A SOCIOLOGIA JURÍDICA COMO ESTRUTURA TRIDIMENCIONAL – 3. A HERMENÊUTICA JURÍDICA – 3.1 AS RELAÇÕES SOCIAIS 4. Á LUZ DE LAMPIÃO – 4.1 VIRGULINO FERREIRA DA SILVA – 5. UM BANDIDO SOCIAL? – 5.1 LAMPIÃO – 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS – 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

PALAVRAS-CHAVE: HERMENÊUTICA JURÍDICA. – TRIDIMENSIONALIDADE. – LAMPIÃO. – FATO SOCIAL

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo jurídico é mostrar sob a luz da Hermenêutica Jurídica como a tridimensionalidade do direito age diretamente no fato social, enfocando aspectos do famoso cangaceiro brasileiro Virgulino Lampião.

Essa pesquisa justifica-se em virtude da importância que a tridimensionalidade do direito,assim como a hermenêutica jurídica, atua no campo da ciência social e jurídica.

Para cumprir os objetivos traçados utiliza como fontes primárias: Alaôr Alves Caffé, Miguel Reale, Émile Durkheim, Dirce Garcia, Carlos Maximiliano, Raymond Aron, Juarez Conrado, Billy Chandler.

As fontes foram localizadas mediante pesquisa bibliográfica na Biblioteca Jacinto Uchôa, da Universidade Tiradentes e consulta no acervo pessoal.

2 A TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO

2.1 ASPECTOS FUNDANTES

A Tridimensionalidade de Miguel Reale enfoca que o fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, o que norteia no sentido de que os filósofos, juristas e sociólogos não devem estudar nem analisar esses elementos de forma isolada (independente), mas, sim, associados ao cotidiano e as necessidades puramente humanas.

“O Homem não é um ser que tem necessidades puramente naturais, por isso que é Ser Humano.”

Fatos, valores e normas, uma relação difícil na compreensão do direito. Tenta-se responder à famosa pergunta em relação ao dever-ser. Durante a história do direito surgiram várias correntes do pensamento jurídico que procuravam explicar o Fenômeno Jurídico, e qual seria o seu fundamento e seu conteúdo, entre elas o Jus naturalismo, Kantismo, Culturalismo, Sociologismo, Realismo, entre outras. Todas elas apresentavam uma particularidade sobre o Direito como Fenômeno Jurídico.

Tendo em vista que a ciência jurídica é uma ciência cultural que estuda o direito como objeto cultural, pois como já fora visto, o direito é cultura enquanto obra humana

(...) é enquanto dever ser mais jamais a sua existência esgota as virtualidades de seu projetar-se temporal axiológico, nem os valores são concebíveis extrapolados ou abstraídos do existir histórico (polaridade ética entre ser e dever ser).

Assim sendo, é inevitável mencionar que o pensamento jurídico seja direcionado ao “Mundo dos Valores”. Miguel Reale defende que o direito deve ser visto sempre se considerando três concepções invariáveis em qualquer momento da vida jurídica – Direito enquanto Fato Social, relevando-se O FATO (seja no aspecto econômico, geográfico, demográfico etc.); Direito enquanto Justo revelando-se O VALOR (aspecto axiológico); Direito enquanto Norma, revelando-se A NORMA (aspecto científico). Segundo essa teoria, os elementos que pressupõem a experiência jurídica são: FATO, VALOR e NORMA, ou seja, um elemento de fato, ordenado valorativamente em um processo normativo.

“O Direito é sempre fato, valor e norma,para quem quer que o estude,havendo apenas variações no ângulo ou prisma de pesquisa. A diferença é, pois, de ordem metodológica, segundo o alvo que se tenha em vista atingir. é o que com acume Aristóteles chamava de ‘diferença específica’, de tal modo que o discurso do jurista vai do fato ao valor e culmina na norma; o discurso do sociólogo vai da norma para o valor e culmina no fato; e finalmente, nós podemos ir de fato á norma, culminando no valor, que é sempre uma modalidade do valor do justo, objeto próprio da Filosofia do Direito.”

Contudo há na tridimensionalidade do Direito, três ordens de estudos distintos, mas devidamente relacionados, com um determinado foco e objetivo específico.

2.2 A SOCIOLOGIA JURÍDICA COMO ESTRUTURA TRIDIMENSIONAL

O Direito como Fato Social, esse é o objetivo primordial da Sociologia Jurídica. Fato este, que está diretamente ligado a uma norma e ao valor que visa realiza. Assim sendo, é de grande valia frisar que o Direito é uma realidade trivalente, ou seja, tridimensional (fato, valor e norma), que não podem ser separados um dos outros.

O fato social é um dos tópicos fundamentais da Sociologia de Émile Durkheim, onde não são todos os tipos de fenômenos que se passam na sociedade, mais um conjunto de fatos com características claras, diferentes dos estudados em diversas ciências. Ou seja, o fato social é geral porque é coletivo.

Desse modo:

“É fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou então ainda, que é geral na extensão de uma determinada sociedade, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que passa ter.”

Esses tipos de condutas, entre outras são exteriores ao indivíduo, se impõe a todos e são comuns a todos de uma sociedade. Durkheim identifica nos fatos sociais três tipos de características: a exterioridade, a coercitividade e a generalidade.

Segundo Dirce Maria Falcone:

“A exterioridade diz respeito aos fatos sociais existirem fora do individuo, isto é, já existiam antes do seu nascimento e atuam sobre ele, independente da vontade ou de sua adesão consciente. A coercitividade decorre da coerção social ou força que esses fatos exercem sobre os indivíduos, levando-os a agirem de acordo com as regras estabelecidas pela sociedade em que vivem. E a generalidade, que é percebida pelo grau de difusão das crenças, das tendências, das práticas do grupo pelo conjunto da sociedade. E é por serem tornadas coletivamente que elas se constituem como fato social.

Desse modo, a estrutura tridimensional do direito é analisada sob o olhar dos sociólogos, como uma estrutura cercadas de normas e valores que circundam a vida e/ou fato social de cada individuo, a partir de suas experiências concretas ou externalidades próprias.

3 A HERMENÊUTICA JURÍDICA

3.1 AS RELAÇÕES SOCIAIS

Segundo Carlos Maximiliano:

“Hermenêutica tem por objetivo o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis, para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito.”

Assim valorando, a hermenêutica é via direta para se ter a exegese mais clara de uma conduta social. Ou seja, a partir do momento em que um indivíduo se expõe a um fato em que cabe nele várias interpretações, a hermenêutica, é a “luz” que irá guiar, enfatizando um sentido próprio e devido.

A Ars Interpretandi é uma forma particular e profunda no tocante social. Pois a partir dessa arte o Direito e a Justiça, seu fim maior tem um alcance e uma definição plena.

Miguel Real exalta, dizendo que:

“O Direito é a concretização da idéia de justiça na pluralidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores.”

Reale deposita todo o sentido do Direito, como justiça, nas relações sociais entre os indivíduos. Então o ser jurídico e social está In Totum nas relações de nossa sociedade.

Levando-se em conta que a hermenêutica pode ser definida como a arte da interpretação, a Hermenêutica Jurídica seria então a compreensão que daria o sentido à norma, e posteriormente ao valor e ao fato, como visa a corrente Sociológica do Direito. Isso quer dizer que no texto jurídico há sempre um sentido que não está explicitamente demonstrado, e é exatamente nesse tocante que age a hermenêutica, como ferramenta base na compreensão do fato.

Nesse contexto, Marx Weber vê como objetivo primordial da sociologia a captação da relação de sentido da ação humana, ou seja, chegamos a conhecer um fenômeno social quando o compreendemos como fato carregado de sentido que aponta para outros fatos significativos. O sentido, quando se manifesta, dá à ação concreta o seu caráter, quer seja ele político, econômico ou religioso.

O objetivo do sociólogo é compreender este processo, desvendando os nexos causais que dão sentido à ação social em determinado contexto. Raymond Aron assim explica esta característica do pensamento de Weber:

"Quando o objeto do conhecimento é a humanidade, é legítimo o interesse pelas características singulares de um indivíduo, de uma época ou de um grupo, tanto quanto pelas leis que comandam o funcionamento e o desenvolvimento das sociedades (...) a ciência weberiana se define, assim, como um esforço destinado a compreender e a explicar os valores aos quais os homens aderiram, e as obras que construíram".

Então, cabe ao Interprete, que é um sociólogo do Direito, dentro da Hermenêutica Jurídica, explicar, esclarecer, dar significado ao vocábulo, dentro do contexto social inserido, para que assim possa tornar mais eficaz o objeto de valor social de cada indivíduo.

4 Á LUZ DE LAMPIÃO

4.1 VIRGULINO FERREIRA DA SILVA

“Produto da conjuntura social nos sertões do Nordeste pela injustiça da natureza, marcou época no banditismo nessas terras, onde, ainda hoje, vez por outra, a lei que vigora é a do mais forte.”

Este é Ferreira da Silva, terceiro filho de José Pereira do Santos e de Maria Lopes da Conceição, nascido em Serra Talhada/PE no dia 07 de julho de 1898 (porém, só foi registrado no dia 7 de agosto de 1900.)

“Dotado de uma invulgar capacidade de aliciamento, constituiu um bando de facínoras sob seu comando, intitulou-se capitão e tornou-se, com seus bandoleiros, o terror de populações desprotegidas, das quais foi, não poucas vezes, o seu protetor contra os abusos, a violência e até o crime de forças policiais que o perseguiam.”

Virgulino, uma criança comum; jovem como muitos outros. Sofredor, abandonado, tendo presenciado a morte do próprio Pai, aos seus pés, é sim, fruto de uma sociedade corrompida pelos coronéis, pelos governantes, pela miséria, pela fome.

“Morto, em torno de suas proezas criminosas formou-se como que uma saga, que vem sendo passada de geração a geração de sertanejos. E tornou-se, por outro lado, objeto de estudos de sociólogos, criminologistas, etc. Realidade e lenda permanece a curiosidade em torno de sua pessoa e desse período por ela preenchido na vida sertaneja.”

E assim adentrou no crime (cangaço, banditismo) e como capitulo final dessa grande saga que é a sua história, foi morto no dia 28 de julho de 1938, na fazenda Angico em Poço Redondo/SE, sem ao menos combater ou lutar por suas vontades.

Morrendo com ele, muitos outros, que ao enfrentarem sua razão, eram fatalmente aniquilados, reflexo de algo interior de um menino nordestino flagelado.

5 UM BANDIDO SOCIAL

5.1 LAMPIÃO

É correto mencionar que o objetivo final da sociologia jurídica é o Fato. E esse fato sendo social interpretado pela hermenêutica, tem-se nele uma compreensão mais justa e concreta.

Sendo assim, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião tornou-se produto direito de uma Sociedade. Meio este que o gerou de forma contrária e preconceituosa. Desde sempre o nordeste brasileiro carrega consigo um fardo de injurias e desvalorização, e na época de Lampião não era diferente, pelo contrário era corroidamente pior.

“(...) ás características físicas da terra onde viveu Lampião, com seca, morte por falta de água e comida, entre outros é cenário de uma sociedade da qual ele não era um representante atípico. Influenciada por estes mesmo fatores. Contudo, esta sociedade sofreu também outras influências, e, embora sempre tivesse acobertado várias espécies de crimes, as condições, no tempo de Lampião, eram tais que favoreceriam ainda mais este comportamento.”

Vários estudos de aspectos da história social, política e econômica do sertão prova este ponto de vista. Entre eles, estão dois livros de Gustavo Barroso: Heróes e bandidos (Os cangaceiros do Nordeste) e Almas de lama e aço.

Tendo em vista que historicamente, os primeiros portugueses que vieram colonizar o nordeste brasileiro, não se estabeleceram no sertão, mais sim nas zonas úmidas do litoral.

“(...) Geralmente estes povoados não tinham mais que 80 quilômetros de extensão, e eram situados ao longo da costa, até á cidade de Natal.”

Filho de uma colônia de exploração,onde a própria sociedade os segregavam,fica uma indagação quanto a esse fato histórico-social, Lampião é ou não um bandido social?

Eric Hobsbawm, historiador social britânico, estabeleceu uma teoria para classificar os bandidos sociais, segundo suas características e opiniões.

Citando:

“Bandidos Sociais o povo considera heróis, em vez de criminosos comuns. São olhados como campeões da justiça, ou, pelo menos como tendo justificativa para seus atos. Somente matam por causa justa e são tidos como merecedores de apoio e proteção.”

Bandido?Herói?Mito?!Lampião esta cercado, por uma série de circunstâncias nas quais a culpa está nos dois lados (Social e Pessoal), e não pode ser facilmente assinalada.

“O bandido, política ou ideologicamente motivado, é umas exceção á regra, pois luta não para se preservar a si próprio, mas para conservar acesa a chama da revolta e alimentá-la.”

Assim sendo, Lampião nunca desejou alterar a estrutura básica da sociedade em que viveu, o famoso cangaceiro se aproveitou de uma sociedade injusta, para explorá-la brutalmente.

Quanto à pergunta se o banditismo (cangaço) é ou não fator social – como sugeriu Eric Hobsbawm – fica difícil dizer se é aplicável ao cangaço brasileiro, por ser uma forma de protesto primitivo, contra uma sociedade corrompida. Além do que o cangaço teve várias e diferentes origens, umas baseadas na perversidade humana, e outras, nas condições sociais externamente injustas.

“(...) talvez seja mais importante sugerir que foi um sintoma de uma sociedade desajustada.”

Contudo, a partir de várias interpretações, Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião; embora não se possa negar as fatalidades, é também um jovem corajoso, como tantos outros daquela época, que poderiam cair no banditismo (cangaço) muito facilmente, por se tratar de homens comuns, como tantos.

E hoje no século XXI, tantos se tornam traficantes, criminosos, assassinos, etc.; é diferente? Onde antigamente eram cangaceiros, coronéis, entre outros. Mas surgem não por opção ou escolha, mais por ser gerado dentro desse fato social, uma realidade própria da vida de casa indivíduo. E que adentraram nessa história, renovando os capítulos desse temeroso fascínio, como produto social corrompido, e que infelizmente, permanecem na superficialidade dos interesses públicos.

“Era brabo, era malvado,

Virgulino, o Lampião,

Mas era, pra que negá,

Nas fibra do coração

O mais perfeito retrato

Das caatingas do sertão. ”

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho realizado permitiu a compreensão da importância da hermenêutica jurídica, pelo fato de englobar valores á interpretação (exegese) dos textos jurídicos, sobretudo incluído a tridimensionalidade do direito, sob a ótica da sociologia jurídica que enfoca o fato como agente direto de uma sociedade.

Além disso, o artigo científico possibilitou a oportunidade de expressar algo que fará parte da minha vida acadêmica e profissional. Assim sendo esse contato ajudou a reafirmar minha predileção pela carreira jurídica, a partir de varias óticas, que a hermenêutica jurídica nos propõe no tocante da exegese.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Alaôr Caffé et. al. Direito, sociedade e economia, Barueri, Manole, 2005.

ARON, Raymond, As etapas do pensamento sociológico, Col. Sociedade Moderna. Ed. Martins Fontes/ Ed. UnB, São Paulo/Brasília.

CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião, o rei dos cangaceiros; tradução de Sarita Linhares Barsted. 4°ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p.18.

CONRADO, Juarez. A última semana de lampião. Aracaju/SE: Escopo, 1983.p.11.

DURKHEIM, E.O Direito como símbolo visível da consciência coletiva. In: MACHADO NETO, A.L. MACHADO NETO, Z.O direito e a vida social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966.

GARCIA, Dirce Maria Falcone. O pensamento sociológico de Émile Durkheim. In: LEMOS FILHO, Arnaldo ET AL (org.) Sociologia Geral e do direito. Campinas/SP:Editora Alínea,2005,p60.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva 1991.

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p.80.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.