A TRIBUTAÇÃO NO SETOR DE SAÚDE COMO ENTRAVE DE EFETIVIDADE DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL
Publicado em 26 de novembro de 2013 por Ingrid Fernanda Gomes Fabris
Marina Martins Mello de PAULA
Ingrid Fernanda Gomes FABRIS
Estamos na era dos Direitos Humanos, aqueles direitos que explicitam o princípio da dignidade da pessoa humana. Dentro das normas constitucionais existem ponderações sobre os valores no que se refere o Direito à saúde, um dos principais direitos do ser humano e uma das principais garantias que deve ser prevalecida e assegurada pelo Estado à todos.
Há de se ressaltar que, há uma relevante complexidade do sistema de tributação das empresas que exercem a prestação de serviços em saúde, e uma sobrecarga do contribuinte individual com tributos voltados a realização da saúde por parte do Estado.
Nota-se que a complexidade da tributação pode, de certa maneira, atrapalhar a efetividade desta garantia tão importante para todos, que é o Direito à saúde.
A saúde representa a viabilidade da vida, e não só o Estado. Schwartz define a saúde como um sistema dentro de um sistema maior (a vida). Portanto todas as pessoas têm direito à este direito, ao bem estar, ao padrão de vida adequado, a alimentação adequada, a moradia adequada, assistência médica adequada, medicamentos adequados.
A Constituição atual em seu artigo 199 nos define que a saúde é um dos nossos direitos fundamentais assegurado à todos e um dever do Estado, confirmando e nos dando a segurança de que é para ele (Estado) que devemos recorrer em casos de afronte a este direito tão importante à todas as pessoas.
Primeiramente, devemos levar em conta que a tributação deve existir para dar a efetividade do Estado Social Democrático de Direito.
Conforme dispõe Ricardo Lobo Torres, “os tributos são o preço da liberdade”. Portanto, fica claro que estes são importantes para a continuidade da eficácia plena dos direitos fundamentais, valorizando a cidadania e a dignidade humana.
O tributo deve ter como finalidade o atendimento das necessidades amparadas pelos direitos sociais, e estes direitos precisam da mediação das atividades estatais para garantir aos cidadãos condições mínimas de subsistência.
A tributação no setor da saúde fica a mercê da efetividade política da saúde pública no Brasil, a medida em que se minora a função extrafiscal dos tributos sobre serviços de saúde.
Convém analisar uma questão sobre a necessidade da intervenção do Estado para desacelerar o o caráter mercadológico da saúde que é ressaltado pelos laboratórios e empresas prestadoras de serviços hospitalares.
As empresas que fornecem serviço à saúde visa sempre o lucro, e nem sempre visa atender as necessidades das pessoas, o que acaba desviando a finalidade da saúde como um direito fundamental. Importante ressaltar a Lei n. 8.080/90, alterada pela Lei n. 12.401/2011, que regulamenta as ações e serviços de saúde.
Existem muitas controvérsias sobre a incidência na tributação nos serviços da saúde nos julgados do STF. Os tributos a serem analisados são: IRPJ, COFINS, PIS, CSLL, ICMS, Contribuição Previdenciária e a incidência do ISS.
A Lei n. 9.249/95 trata da base de cálculo do Imposto de Renda Jurídica e da Contribuição sobre o lucro líquido para empres prestadoras de serviços. A base de cálculos é de 32% para ambos os tributos, mas para empresas prestadoras de serviços hospitalares a base de cálculo é de 8% no IRPI e de 12% na CSLL.
O STF regulamentou o entendimento de que a consideração de serviços hospitalares são aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde.
O Tribunal considerou que uma empresa prestadora de serviços médicos laboratoriais exerce atividade diretamente ligada à promoção da saúde. O conceito nos traz uma ideia de ampliação da incidência do benefício e desonera empresas que prestam serviços hospitalares, expandindo a ideia para novos investimentos aumentando a efetividade do benefício tão essencial à população.
O STJ entende que os medicamentos imprescindíveis ao desempenho de atividade de entidades hospitalares integrariam seu custo, e em razão disso, receitas feitas em razão do pagamento do serviço pelos pacientes englobariam o valor dos remédios empregados na prestação de serviço e a alíquota zero não abrangeria as parcelas da receita de hospitais e clínicas médicas que sejam referentes aos medicamentos utilizados ou consumidos naquela prestação de serviços.
O princípio da isonomia é afetado quando em alguns casos, hospitais e clínicas utilizam os medicamentos como produtos a serem vendidos, sendo também uma fonte diferente de faturamento, que deveria ser considerado em separado.
O pagamento FDA contribuição previdenciária incide sobre serviços de saúde nos termos do art. 129 da lei n. 11.196/2005.
A polêmica nos tribunais quanto às contribuições previdenciárias está no fato de que cabe às operadoras de planos de saúde o recolhimento das contribuições previdenciárias referente aos valores repassados aos médicos que prestam serviços aos seus clientes.
Se existe uma relação jurídica entre cooperativa e cooperado esta não deveria ser passível de tributação e se a configuração da relação é estritamente entre a cooperativa e a empresa tomadora de serviços, afastaria a incidência da contribuição previdenciária patronal.
Importante ressaltar o Decreto Lei n. 406/68 que autoriza as sociedades uniprofissionais estarem sob o cálculo do imposto aplicando-se alíquotas fixas ou variáveis, que seriam definidas pelo Município, por profissional habilitado, seja sócio ou empregado.
Apesar de as sociedades médicas empresárias adotarem a forma de incidência especial, os municípios aplicam a diferenciação baseados no tipo societário adotado pela pessoa jurídica que presta os serviços médicos concedendo tal autorização apenas às sociedades simples e não às sociedades empresárias.
O decreto-lei supramencionado não faz diferenciação ao tipo societário adotado pela pessoa jurídica que presta os serviços médicos, gerando um conflito na interpretação, que acaba por prejudicar o contribuinte em algumas situações.
Importante citar o projeto de Lei n. 505/2009, que envolve a tributação das clínicas médicas e define o valor fixo por profissional. O resultado será o imposto calculado em relação a cada profissional que preste o serviço em nome da sociedade médica, seja empresária, seja simples.
A carga tributária ocasiona um reajuste de preço que compense o recolhimento do ISS e dos demais tributos, impedindo a população menos favorecida ao acesso dos serviços médicos que são essenciais à prevenção e diagnóstico de doenças graves.
Pende de julgamento no STF dois leading cases que balizarão o entendimento de desonerar do ICMS a importação de equipamento médico por sociedade civil não contribuinte do imposto, que se dá pela alteração da EC n. 33/2001, que alterou o art 155, parágrafo 2º, IX, e a divergência do posicionamento do STF pela súmula 660. Cabe agora ao STF concluir a temática e conferir a interpretação mais adequada que possivelmente responderá a controvérsia no julgamento do RE 594.996-RS, cuja repercussão geral foi reconhecida.
Há um entendimento em relação à tese de que a incidência do ICMS, neste caso, estaria ferindo o princípio da não cumulatividade e possibilitaria a compensação é refutado pela doutrina favorável ao Fisco. O argumento resulta no fato de que o ICMS é um tributo indireto, sendo o ônus do contribuinte de fato, no caso as empresas que utilizam o bem, mesmo em atividade finalística. A título de exemplificação, o Convênio 5/98 do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) autoriza vários Estados a concederem isenção do ICMS para esses produtos. É a ideia de efetivar o Direito à saúde, usando como instrumento, determinada renúncia fiscal.
Quanto ao segundo debate, este diz respeito à incidência do ICMS na importação via leasing.
A tese dos importadores é de que o ICMS deve incidir sobre o valor da opção de compra, devendo, portanto, haver circulação de mercadoria, configurando o fato gerador de imposto. O Fisco, por sua vez, argumenta que no caso da importação basta a entrada do bem em território nacional.
Já o STF se posicionou, em 2005, no RE 206.069/SP favorável ao Fisco. Atualmente, com a composição do Tribunal alterada, o assunto volta à pauta na Repercussão Geral no RE 540.829, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que já se posicionou favorável ao Fisco.
Conclui-se que se o Estado vai prover as condições necessárias para a concretização da saúde, será que a tributação tão complexa e com tantos entrelaçamentos não deveria ser repensada? Verifica-se que o ponto crucial é a existência de um Estado provedor que viabilize instrumentos de concretização dos direitos e garantias constitucionais. A despesa com a saúde, de fato, custa caro e envolve a tributação sobre insumos e serviços que poderiam ser desonerados, facilitando o acesso à população e até como uma renúncia fiscal que beneficiaria diretamente a sociedade. Mas falta clareza na legislação o que resulta e, lacunas na interpretação da legislação tributária causando mais um óbice ao acesso da sociedade aos serviços de saúde.
Portanto, é preciso fomentar o controle social dos gastos públicos contribuindo para a efetividade do sistema tributário, reduzindo a sonegação com procedimentos que simplifiquem e permitam à tributação servir de instrumento que assegure o exercício dos direitos sociais. A diversidade quanto à tributação e a indefinição de termos cruciais para delinear a incidência do tributo são as principais causas de obscuridade que dificultam a concretização de um direito, e o uso eficaz da tributação como elemento fiscal e extrafiscal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HADASSAH, Laís de Souza Santana. A Tributação no setor de saúde como entrave de efetividade da política de Saúde Pública no Brasil.