INTRODUÇÃO

            O texto de SEVCENKO que inicia com descrição das sensações vividas por uma pessoa que utiliza o brinquedo montanha russa, levando-nos a crer, a princípio, que haverá uma comparação com a vida de um indivíduo e nos surpreende com uma competente análise histórica da humanidade revelando seu progresso, seu ápice, bem como suas crises, suas quedas. O texto deixa uma porta para uma reflexão individual, o que não é o caso agora.

            Propõe a Mestre que façamos uma resenha vinculando a realidade vivida por nós na construção ou e desconstrução do texto proposto. Em alguns momentos construiremos, e em outros destruiremos.

            Tratar do dia a dia, é relatar a rotina de um trabalhador de uma área sensível, que é a segurança pública. É relembrar casos de sucesso e de fracasso. É não ter a resposta esperada pelo cliente do serviço. É não alcançar as metas estabelecidas pelos superiores. É não ter equipamentos suficientes para o desempenho das funções. É não ter uma remuneração compatível, é finalmente lutar contra si mesmo, contra os valores construídos no estado de exceção e que não foram totalmente sucumbidos e que ainda tem em nosso meio e no meio da sociedade seus defensores e saudosistas, que lhe oferecem práticas violadoras dos direitos humanos, como a panacéia que vai resolver o problema da violência.

            O trabalhador de segurança pública é um individuo em confronto. Trata com bens inegociáveis como a vida e a liberdade, própria e dos outros. Lida com seres humanos no limite. Transita por lugares eivados de expectativas quanto a sua ação, que certamente deixará uma das partes insatisfeitas, exceto quando atua como mediador de conflitos, mas isto é outro contexto.

            De modo que o loop da montanha russa, no caso do trabalhador em segurança pública é bem freqüente e os valores éticos são confrontados, quase que diariamente e em uma diversidade de situações, que vão do inusitado ao corriqueiro em assombrosa velocidade.

 

 A TRANSFORMAÇÃO DA POLÍCIA COM OS ACONTECIMENTOS DO SÉCULO XX: UMA PERSPECTIVA PERNAMBUCANA.

 

            A Polícia tem seu papel definido na Constituição Federal de 1988, o texto é bastante objetivo, estabelecendo atribuições de acordo com cada órgão de alçada federal, estadual e municipal, além das subdivisões de acordo com a área de atuação dos citados órgãos. Vista esta parte passamos a relatar as experiências relatadas por policiais mais antigos e as recordações da infância.

            A visão que nós tínhamos do policial naquela época, era do homem valente e violento que resolvia os problemas da vizinhança primeiro ameaçando “botar na cadeia” todos os envolvidos na briga, era o homem que batia e matava o ladrão, que quando vinha pela rua à noite, os jovens ao avistarem já se dirigiam para casa num misto de medo e respeito. A criminalidade era baixa, quase não se ouvia falar em roubo. Homicídio era um acontecimento e furto só de galinhas. O contingente policial era formado pela Polícia Militar e Polícia Civil, esta última com seus quadros egressos da Guarda Civil e da Guarda Noturna, sendo também incorporados funcionários públicos oriundos de outros órgãos públicos. O delegado de polícia era um cargo comissionado. Os comissários eram os gestores e funcionários efetivos da Polícia Civil. No início dos anos 1970 foi então criada à polícia de carreira em consonância com as transformações tecnológicas do século XX. A academia de Polícia Civil localizada na Rua Tabira é construída com doações Norte- americanas e suas estruturas em forma de iglu em zinco obedecem à arquitetura utilizada por tropas americanas montadas em campos de treinamento dentro e fora do país. Os equipamentos do IPT – Instituto de Polícia Técnica, atual Instituto de Criminalística foram também doados pelos americanos, inclusive, a grade curricular para os cursos de formação era baseado num modelo americano. Em 1985, quando aluno do curso de formação profissional, uma coordenação chamava a atenção era a coordenação de educação física e adestramento.

 

            Responsável pela prática de exercícios físicos e esportes, era também a coordenação incumbida, pelo menos em tese, pelo adestramento dos policiais civis, (mas isso não é coisa de militar). Embora na minha época, já não éramos tão adestrados, os mais antigos falam de uma rigidez e preparo para combater o inimigo, principalmente se este fosse subversivo, comunista.

             A abertura política proporcionou uma acentuada melhora nos direitos dos policiais civis em relação aos superiores. Por exemplo: foi extinta a famigerada prisão administrativa, pela qual, o policial civil era recolhido ao DOPS (DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL) na Divisão de Polícia de Política Social (DPPS) apelidada pelos policiais da época de “DEPÓSITO DE POLICIAIS SECUNDÁRIOS”, pois não se tem notícias de que delegados de polícia tenham sido presos.

            No apogeu da crise econômica do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando o salário do policial civil só dava para comprar quatro quilogramas de maçã, as primeiras greves no âmbito da segurança pública, a fundação dos primeiros sindicatos de policiais, começam de forma bastante incipiente as discussões sobre direitos humanos, bem como reações a um modelo investigativo que primava pela confissão do criminoso, ou suposto criminoso, a qualquer custo. Na verdade, a discussão sobre direitos humanos no meio policial, era mais em sentido de atacar os defensores dos direitos humanos, pois estes elegeram como alvo os policiais, generalizando a categoria como violadora dos tais direitos.

            Neste ponto, vale à pena ressaltar o que disse o Professor Ricardo balestreri, de que houve exageros de ambos os lados, no que concerne a discussão sobre os direitos humanos, por um lado às chamadas ONGs, por outros os policiais e simpatizantes. A matéria evoluiu a ponto de o citado professor ter escrito um artigo denominado “DIREITOS HUMANOS – COISA DE POLÍCIA” em que assevera que o policial é um promotor dos direitos humanos.

            A globalização, como vimos, trouxe aspectos positivos como discussões sobre direitos humanos e a visão de polícia cidadã trazida de países europeus e asiáticos, em que policiais eram vistos pelas suas comunidades como heróis, pessoas de bem e admiradas, como também promoveu achatamentos salariais e conseqüente aumento da criminalidade, bem como a reação violenta dos criminosos ás ações policiais, outrora jamais vistas, decorrente de um processo em que o SEVCENKO define como “o presentismo e o imperativo da responsabilidade”.

            Atualmente os policiais vivem a onda da eficácia, da eficiência e efetividade do trabalho, buscando alcançar as metas estabelecidas pelos governos. Cursos, capacitações, boas práticas, incentivos financeiros e outras estratégias são utilizadas para retirar o máximo destes homens e mulheres, no intuito de redução de índices de violência. Gestão de resultados é o mantra da moda. Policiais mais jovens são promovidos de forma mais rápida, os antigos passam a ser dinossauros, entram outros jovens e passam a chamar os da turma anterior de “seminovos”, de modo que, há uma relação perversa, num contexto que hoje, você é eficiente e amanhã é praticamente imprestável. Que na busca por resultados, faltem à compaixão para com os familiares dos presos e vibres na frente destes, sem constrangimento ao efetuar a prisão do ente querido.