A transação penal está prevista na lei nº. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), sendo clara decorrência do art. 98, inciso I da Constituição Federal. O advento deste diploma legal acarretou no surgimento dos Juizados Especiais Criminais, cuja competência visa o julgamento e as tentativas de conciliação de infrações penais de menos potencial lesivo, cuja pena máxima não exceda dois anos, nos moldes do rito sumaríssimo do Código de Processo Penal. 

Neste esteio, o advento dos Juizados Especiais Criminais[1] possibilitou a diminuição no número de condenações penais, sobretudo através da utilização de penas alternativas em detrimento de prisões, utilizando, para tanto, a própria transação penal e o uso de penas restritivas de direitos.

Para a concessão da transação penal, alguns requisitos são necessários[2]: O réu deverá ser primário e os crimes imputados não poderão exceder a pena máxima de dois anos. Da mesma forma, o acusado não poderá ter utilizado este mesmo acordo nos últimos cinco anos consecutivos (a contar da última homologação de transação), devendo a sua aplicação ser necessária e suficiente. Por fim, é necessário que o réu aceite a transação.

Neste sentido, após o conhecimento do Poder Judiciário sobre a existência de determinada ocorrência delitiva de menor potencial ofensivo (crimes ou contravenções), a ocorrência é transformada em autos, onde, posteriormente, as partes são intimadas a comparecer em audiência preliminar, tendo em vista a sua natureza conciliatória[3].

Assim, ultrapassada a análise dos requisitos legais conforme o caso concreto, a transação penal deverá ser oferecida pelo representante do Ministério Público ao réu na audiência preliminar, conforma dispõe o art. 76 da lei 9.099/95, in verbis:

Art. 76 - Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Nesta seara, caso não haja a aceitação por parte do mesmo, é marcada uma nova audiência de instrução e julgamento, nos moldes do que preconiza o art. 79 da mesma lei, onde a proposta, novamente poderá ser oferecida pelo parquet, nestes termos:

Art. 79. No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 75 desta Lei.

Segundo GRINOVER[4], após a aceitação da proposta de transação penal pelo réu, haverá a possibilidade da extinção da sua punibilidade sem o ingresso na esfera probatória, ficando tão somente registrado o seu uso para que o acusado não venha a ser beneficiado com a mesma proposta nos cinco anos conseguintes. Da mesma maneira, a utilização da transação não afetará a sua primariedade.

De qualquer sorte[5], importante ponderar o caráter personalíssimo da transação penal, ou seja, ela somente poderá ser oferecida ao réu, não sendo defesa a sua utilização por terceira pessoa, independentemente se familiar ou procurador constituído.

Por fim, a utilização da transação penal sempre estará atrelada a livre escolha e a voluntariedade do acusado na sua aceitação[6], de maneira que, este deverá ser previamente informado sobre a assunção de determinados riscos no tocante a obrigação transacionada, ou seja, deverá ter consciência sobre a disponibilidade de alguns direitos constitucionais fundamentais na sua aceitação, como por exemplo, a comprovação de inocência, o duplo grau de jurisdição, a presunção de inocência, entre outras coisas, haja vista a substituição de uma verdade material por uma consensual através da aceitação do acordo.

O DESCUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL

Na hipótese do descumprimento da transação penal por parte do acusado perduram divergências doutrinárias e jurisprudenciais com relação às consequências penais cabíveis.

Consoante entendimento de NICOLITT[7] na hipótese do descumprimento do acordo por parte do réu deverá o Ministério Público propor a denúncia, vez que, sem a perfeita homologação da transação penal inexistirá a possibilidade da execução do acordo, situação onde, haverá o regresso do feito ao juízo a quo para o encaminhamento das medidas penais cabíveis, como é o caso do reinício do processo através de uma denúncia ministerial, com a possibilidade de uma futura sanção penal mais rigorosa (penas restritivas de direito ou privativas de liberdade), ou, igualmente de uma absolvição, haja vista a existência de um devido processo legal neste caso.

Com relação ao posicionamento supracitado, há decisões interessantes decisões jurisprudenciais, senão vejamos:

HABEAS CORPUS DESCRUMPRIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL E DA SUSPENÇÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REVOGAÇÃO DOS BENEFICIOS. AUSENCIA DE INTIMAÇÃO. NULIDADE. Descumprida a transação penal, deve o processo retornar ao status quo ante, possibilitando-se ao órgão acusador prosseguir na persecução penal. Em relação à revogação do “sursis”, nem a defesa nem o acusado foram intimados, devendo ser declarada a nulidade do feito a contar da revogação da mesma, oportunizando-se ao acusado pronunciar-se quanto ao não cumprimento das condições. HABEAS PARCIALMENTE CONCEDIDO.  (Habeas Corpus Nº 71002818573. Turma Recursal Criminal. Turmas Recursais. Relator: Edson Jorge Cechet, julgado em 18/10/2010)

De outra banda, GIACOMOLLI[8] posiciona-se no sentido da impossibilidade da transformação da transação penal descumprida em uma pena privativa de liberdade, haja vista a existência de uma expressa vedação legal, uma vez que o art. 51 do CP e o art. 182 da LEP proíbem a transformação da pena de multa (pecúnia) em uma pena privativa de liberdade, sendo cabível nesta hipótese a conversão do valor não cumprido em uma dívida monetária.

Neste viés, igualmente a jurisprudência colaciona[9]:

TRANSAÇÃO PENAL. DESCUMPRIMENTO. Faz coisa julgada formal e material a sentença que homologa a aplicação, De pena restritiva de direitos decorrente de transação penal (art. 76 da lei n. 9.099/1995). Assim transcorrido in albis o prazo recursal e sobrevindo descumprimento do acordo, mostra-se inviável restabelecer a persecução penal.

Ainda[10], caso não existisse a norma proibitiva do art. 51 do CP no sentido da proibição da conversão de uma pena pecuniária em uma restritiva de liberdade, ainda sim, não haveria lugar para tal prática penal, haja vista o fato da transação penal não possuir qualquer juízo de ilicitude ou culpabilidade. Do mesmo modo, tal utilização seria contrária a própria natureza da Lei 9.099/95, cujos preceitos encontram-se caracterizados pela busca de soluções criminais alternativas, distintamente do que ocorre no âmbito do Código Penal.

Finalmente, há doutrinadores[11]que questionam a ausência de mecanismos legais capazes de executar uma pena restritiva de direitos na hipótese do descumprimento da transação penal pelo réu, uma vez que, a sentença homologatória em juízo produz a eficácia de coisa julgada, sendo incabível a posteriori, qualquer discussão sobre a incidência ou não de ius puniendi pelos menos fatos objeto do acordo não cumprido, colocando em descrédito o sistema de justiça consensual proposta pela Lei 9.099/95.



[1] GRINOVER, Ada Pellegrini; FILHO, Antonio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarange; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.41.

[2] BONFIM,Edilson Mougenot; Curso de Processo Penal.7ª edição, 2012; Editora Saraiva, p. 689, p. 690, p. 691.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I, 14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 657.

[4]GRINOVER, Ada Pellegrini; FILHO, Antonio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarange; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.41.

[5]BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I, 14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 657, p. 658, p. 659.

[6]BITENCOURT, Cezar Roberto; Tratado de Direito Penal, Parte Geral, I, 14ª edição, 2009; Editora Saraiva, p. 657, p. 658, p. 659.

[7] NICOLITT, André Luiz. Juizados Especiais Criminais, Tema Controversos. Rio de Janeiro; Lumem Juris, 2004, p.23.

[8] GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 143.

[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Precedentes citados: HC 91.054-RJ, DJe, 19/4/2010; AgRg no Ag 1.131.076-MT, djE 8/6/2009; HC 33.487-SP, DJ 1º/7/2004, e Resp 226.570-SP, DJ 22/11/2004. HC 90.126-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10/06/2010.

[10] GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 143.

[11] GIACOMOLLI, Nereu José. Juizados Especiais criminais; 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 145 e p. 146.