É notória a visão futurista e o salto de modernidade dado pela lei 9.099/95, revolucionando o instituto jurídico penal, seguindo preceitos preconizados pelo inciso I do artigo 98 da Constituição Federal. Nesta esfera, a partir do incremento desta lei no ano de 1995, foi colocando em plano executório um sistema jurídico-penal causador de um estrondoso impacto social, ao menos em um primeiro momento. Esta inovação no tratamento de uma série de problemas criminais alterou o pensamento jurídico predominante, possibilitando a partir de então a aplicação de princípios conciliadores e ressocilizadores que primam pela reparação do dano e a consciência da ilicitude cometida através de meios educacionais distintos da clássica sanção penal, muito utilizada e até então, e geradora de uma letargia judiciária impressionante. Assim, tem se pacificado que a criação dos Juizados Especiais se deu igualmente no sentido de uma maior economia processual, diminuindo os gastos dos cofres públicos e agilizando a resolução de lides.[1]

Adentrando neste tema, GRINOVER[2] pontua que o clássico princípio da verdade material é atualmente uma nova realidade, devendo ser admitido o surgimento de uma verdade consensual sem o óbice do processo legal e toda sorte de princípios inerentes. Certamente a despenalização defendida pela Lei n°. 9.099/95 trás consigo um plano de novas idéias mais condizentes com a atual realidade penal, consolidando-se como um pensamento mundial no sentido da aplicação da pena privativa de liberdade como última medida punitiva, somente utilizada quando não restarem demais alternativas, pois a pena de prisão é uma medida dramática e impõe um severo desgaste social.

Nesta seara, doutrinadores e juristas afirmam que através desta lei emergiu uma visão diferenciada das óticas punitivas e resolutivas de temas criminais, eliminando velhos paradigmas da processualística penal, apresentando uma rápida resposta à sociedade. Ainda, fundamental auferir que a despenalização não significa descriminalização, pois as condutas julgadas na forma do rito sumaríssimo do processo penal seguem sendo delitos, ainda que de menor potencial ofensivo, como as contravenções. [3]

Acrescendo outros posicionamentos, OLIVEIRA[4] alega que a transação penal caracteriza-se como uma revolução da aplicação das penas, pois ela busca a integridade física e emocional do réu, afastando o mesmo do terrível universo do sistema prisional brasileiro, evitando à imersão do sujeito em um antro propício à formação de novos delinquentes aptos a prática de crimes muito mais graves, sendo a ausência de carceragem uma justiça autenticamente terapêutica ao infrator.

Contrariando a compreensão majoritária da doutrina, PRADO[5] defende que o instituto da transação penal fere o âmago da Constituição Federal, criando um espaço propicio para o desencadeamento de novos conflitos, pois não há uma verdadeira resposta aos múltiplos questionamentos cotidianos sobre diferentes condutas sociais. Isto decorre do fato de que o artigo 5º da Carta Magna prevê o processo legal ao acusado, ao passo que o artigo 98 em seu inciso I se dá de forma contrária, extraindo a responsabilidade da sociedade pelo ilícito, utilizando o maquinário do judiciário de modo superficial, pois não há a busca pela justiça, mas por uma conciliação forçosa.

Assim[6], o sistema de conciliação culmina penalizando o réu sem o devido processamento do feito e igualmente sem a consolidação probatória dos fatos imputados, o que gera injustiça. Em outras palavras, a justiça promovida pelo instituto da transação penal não se encontra em harmonia com o diploma constitucional, pois há uma grande supressão de direitos do réu, onde o ordenamento encontra uma maneira simples de penalizar, resolvendo aparentemente o conflito mediante o uso de um sistema artificial e midiático, sem discussões de plano fático e concreto.

Seguindo nesta esteira de posicionamentos, AURY LOPES JÚNIOR[7] alega que o uso prático da transação penal pode ser comparado a um filme de terror, pois diante do acusado surge a figura de um juiz sem nenhuma vontade de levar o processo até o final, pois tem como missão a resolução de um determinado número de casos por mês, figurando ao lado de uma promotoria inteiramente desinteressada, desejando que aquela situação se finde com a máxima rapidez. Deste modo, percebe-se uma pauta superlotada de audiências, onde de modo displicente alguns magistrados agem em comunhão com promotores para uma resolução rápida de cada caso, com o único intuito de esvaziar o número de ocorrências, onde a prioridade é a quantidade, e não a qualidade, o que gera uma atrocidade legal no seio do judiciário, com a inobservância de uma série de direitos e deveres.

No mesmo sentido, CHERNICCHIARO[8] entende que a Lei nº. 9.099/95 fulmina com os princípios fundamentais do direito processual penal, renunciando ao contraditório e ao direito da ampla defesa, havendo a desatenção ao estado natural de inocência do acusado, onde a condenação só teria lugar com o trânsito em julgado do processo, fato que não ocorre na esfera destes crimes anões.

Outro agravante é a condenação sem a busca da veracidade fática, onde o Ministério Público acaba invertendo o seu papel legal (inquisidor, acusador), passando a auxiliar o réu no reparo de um dano causado, buscando junto a atuação parcial do juiz uma melhor conveniência ao acusado para fins penais, pois frequentemente neste rito o juiz assume uma posição diversa da sua. [9]

Ainda, acrescenta BIZZOTTO[10] que as leis que proporcionaram o surgimento dos Juizados Especiais Criminais são parcialmente inconstitucionais, pois não há uma explicação lógica para a segregação dos Juizados Especiais em duas modalidades, o âmbito cível (JEC CÍVEL) e no penal (JECRIM), uma vez que a natureza dos mesmos é uma, primando pelo reparo do dano mediante a conversão de pecúnia.

Outro fator é que a ausência da expressão “criminal” no inciso I do artigo 98 da Constituição Federal, pois há neste dispositivo a pura e simples criação dos Juizados Especiais sem qualquer prévia definição de matéria.[11]

Por fim, sustenta BIZZOTTO[12] que a própria despenalização dos Juizados Especiais Criminais não atinge uma justiça social, pois há uma autêntica descriminalização de conduta.

ANZILIERO e BASSO[13] compreendem que a Lei nº. 9.099/95 criou problemas ao sistema legal, pois ocorreu uma redução probatória, limitando ao réu a apresentação de 3 (três) testemunhas na sua defesa, sem proporcionar o direito da inquirição de demais depoentes mediante o uso de carta precatória, mecanismo utilizado quando a testemunha reside em comarca diversa ao local do processo.

 Igualmente, não há a anuência de análises periciais, sob o pretexto de que os Juizados Especiais, por serem competentes para o julgamento de crimes de menor potencial ofensivo, não denotam de uma maior complexidade elucidativa, permanecendo tal procedimento adstrito a justiça penal comum. No condizente a denúncia, a mesma pode ser oferecida sem elementos probatórios suficientes, pois frequentemente é realizada para tanto apenas a oitiva da vítima, sem a existência de qualquer depoimento do réu, o que fere o princípio da verdade real do processo penal. Finalmente, a supressão de uma série de garantias constitucionais acarreta numa aparente celeridade processual, onde o judiciário oferece uma falsa resposta ao clamor social.



[1] GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.50.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.50.

[3] GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.56.

[4] OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. Manual de Criminologia. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1996, p. 36.

[5] PRADO, Geraldo. Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais-Transação penal: Alguns aspectos Controvertidos. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2005, p.79, p. 80, p. 83.

[6] PRADO, Geraldo. Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais-Transação penal: Alguns aspectos Controvertidos. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2005, p.79, p. 80, p. 83.

[7] LOPES JÚNIOR, Aury: Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p. 31.

[8] CHERNECCHIARO, Luiz Vicente. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995: Algumas Observações. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 8, n. 2, p. 121-135, jul/dez. 1996.

[9] LOPES JÚNIOR, Aury: Sistema de Investigação Preliminar no Processo Penal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2003, p. 31.

[10] BIZZOTTO, Alexandre: QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des) construindo o Juizado Especial: Enfoque Constitucional. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 59- p.64.

[11] BIZZOTTO, Alexandre: QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des) construindo o Juizado Especial: Enfoque Constitucional. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 59- p.61.

[12] BIZZOTTO, Alexandre: QUEIROZ, Felipe Vaz de. (Des) construindo o Juizado Especial: Enfoque Constitucional. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006, p. 62- p.64.

[13] ANZILIERO, Dineia Largo; BASSO, Maura. A (in) Eficiência da Informatização da Justiça no Brasil e a Busca por um Novo Paradigma do Controle Social. In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de;CARVALHO, Salo de (org). A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006. p. 74.