A tragicidade no conto "Uma Rosa para Emily"
Jonathã Marques de Abreu

Compreendemos que a tragédia é uma forma dramática que tem por finalidade suscitar o terror e a piedade ao ponto de obter a libertação de tais emoções. Partindo desse conceito podemos dizer que o conto "Uma Rosa para Emily" possui características de um texto trágico. Nesse conto encontramos, por exemplo, a ironia trágica, a peripécia, hubris, a falha trágica, catarse e catástrofe, que em geral são todos elementos de um texto trágico.
Ao nos depararmos com esse conto pela primeira vez, logo observamos que a ordem dos acontecimentos é exposta de maneira "decrescente", onde os momentos são vistos como cenas que desempenham o papel de mostrar o ponto de vista de uma sociedade. O coro, portanto, terá a função de comentar tais ações e fazer a ponte entre os acontecimentos e consequentemente expor nossa heroína trágica.
Miss Emily, como o herói trágico, vive entre duas forças opostas: o ethos, que no caso é seu próprio caráter, e daimon (destino), e se movimenta em um mundo também trágico, no qual se encontra a organização social e jurídica caracterizadora da época. O mundo que ela vive agora não é mais o mundo de seu pai, dividido em classes do norte e sulistas. Os yankees agora ocupam o mesmo lugar que os dixies, porém Miss Emily se nega a deixar seu mundo, vivendo recruza no seu espaço particular em que a mulher é tida como força fundamental:
Era um casarão quadrado, de madeira, outrora branco. Decorado de cúpulas, de flechas, de balcões, no estilo pesadamente frívolo da época de 1870, situado na rua que já tinha sido a mais distinta da cidade. Mas as garagens e as debulhadoras de algodão, multiplicando-se em derredor, acabaram por fazer desaparecer até os nomes augustos daquele bairro. A casa de Miss Emily era a única (...)
(FAULKNER, p. 209)

Para que o herói trágico caia em desgraça é necessário que vivencie um desequilíbrio, um fator negativo. A hubris que coloca o erro inconscientemente. Nesse conto o fator predominador da hubris é a sociedade coronelista. Durante vivo o pai de Emily a obriga viver recruza em casa, sem nenhuma possibilidade de comunicação com outras pessoas. Tudo isso expõe a fragilidade de uma sociedade escravista, de uma aristocracia falida, que apesar disso, demonstra arrogância e status de superioridade perante os outros. Isso fica explícito no trecho que nos relata o fato do pai de Emily não a deixar encontrar alguém para se casar, com o medo dela se "misturar":
Não se disse, então que estava louca. Pensamos que tinha agido como devia. Lembrávamo-nos de todos os moços que seu pai afastara, e sabíamos que, achando-se sem nada, ela deveria agarrar-se aquele que a despojara de tudo, como em geral acontece.
(FAULKNER, p. 213)

Ainda relacionado com a hubris a falha trágica no conto é quando Emily se envolve com Homer. Como representante de uma cultura sulista ela jamais deveria se envolver e se apaixonar por um yankee. Ao fazer isso ela trai as leis da sociedade, que dividia brancos de negros, ricos de pobres, dixies de yankees:

(...) cada vez que se ouviam ruidosas gargalhadas na praça, podia-se jurar que Homer Barron estava no centro do grupo. Não tardamos a avistá-lo, nos domingos à tarde, passeando com Miss Emily (...)
Mas havia outras pessoas, as mais velhas, que achavam que nem mesmo o desgosto deveria fazer com que uma verdadeira senhora se esquecesse de que "noblesse obligue".
(FAULKNER, p. 213, 214)


Entendendo Peripécia como um acontecimento imprevisível que altera o normal rumo dos acontecimentos da ação dramática, ao contrário do que a situação até então poderia fazer esperar, podemos afirmar que a peripécia é quando Emily se apaixona pelo Homer, fazendo desse sentimento o instrumento para matá-lo, ultrapassando os seus limites sociais.
Constatamos então que a catástrofe nesse conto é o envenenamento de Homer, já que podemos definir esse termo, segundo Aristóteles como "uma ação perniciosa e dolorosa, como são as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos e mais casos semelhantes."
A catástrofe nos leva para a catarse, que no caso de "Uma Rosa para Emily" são duas. A primeira catarse é o assassinato de Homer, que limpa a honra de Emily. Já a segunda é a própria morte da heroína trágica, trazendo para a sociedade a purificação:

Viva, Miss Emily fora uma tradição, um dever e um aborrecimento: espécie de obrigação hereditária, pesando sobre a cidade (...)
(FAULKNER, p. 209)


Já o título desse texto trágico faz referência ao teatro. Aristóteles, no livro IV de sua Poética, conceitua a tragédia como a mimeses de uma ação de caráter elevado, executada por atores. Miss Emily dessa forma pode ser considerada uma atriz brilhante, que desempenhou seu papel muito bem, enganando todos da sociedade, o coro e o leitor. Daí o motivo do título: "Uma Rosa para Emily". Se a atriz desempenha o seu papel de maneira majestosa recebe uma rosa, simbolizando a sua grande atuação.