A TRAGÉDIA DA DESIGUALDADE NO MARANHÃO: CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS, SOCIAIS, ÉTICAS E JURÍDICAS

O retrocesso da Música Popular Maranhense nas rádios e o impacto dos modismos musicais no cotidiano dos artistas ludovicenses.

Alberto Rachid Trabulsi Sobrinho[1]

SUMÁRIO: 1 - Introdução; 2 - a lei e a música em São Luís; 3 - O reflexo da desigualdade nos artistas; 4 - Conclusão. Referências

RESUMO:

 

Este estudo tem como escopo abrir uma discussão que há muito se faz necessária sobre a atual situação da música popular maranhense à luz de argumentos éticos, morais, sociais e jurídicos. Se por um lado temos artistas sobrevivendo a cada dia mais renegados no seio de sua própria sociedade natal, temos por outro, uma enxurrada de modismos que tomam contas dos espaços físicos de forma desproporcional, interferindo assim, no cotidiano dos artistas locais de forma negativa, pois acabam sendo excludentes e desiguais as forças que se enfrentam. Analisaremos ainda, a influência das rádios nesse fenômeno, o que causa e no que resulta o mesmo.

PALAVRAS CHAVES: Desigualdade. Música. São Luís. Modismo.

1 – INTRODUÇÃO

            Musica não é só arte é também um fenômeno social. Ela congrega as pessoas em face de um mero divertimento, envolve outras que estudam horas a fio para tentar entender sua matemática inexplicável de sentimentos nota por nota e emprega milhares de pessoas formalmente e informalmente pelos mais variados cantos do mundo.

Em nosso mundo particular, São Luís do Maranhão, aqui, objeto de nosso estudo à luz desse fenômeno supracitado, iremos analisá-lo de uma forma singular, ou seja, sob um ângulo que encerra uma discussão artística, jurídica e social, posto que estes três fatores convergem no desenrolar desse tema.

            São Luís ganhou ao longo dos tempos muitos rótulos numa tentativa de adjetivar suas características notórias, diversificadas e deveras expressivas no mundo da cultura de um modo geral. Dois desses emblemas mais famosos, Atenas Brasileira e Jamaica Brasileira, são exemplos claros dessa rotulação. Um, refere-se à força literária que já teve outrora nossa capital; outro, a uma comparação descabida e até certo ponto pejorativa, que retrata um dos maiores berços culturais do Brasil erroneamente, reduzindo-o a Capital Brasileira do Reggae, apenas. De qualquer maneira, só se formaram esses rótulos porque parece ser da indisponibilidade para a valorização cultural inerente ao ludovicense, que esta capital sempre se deixou invadir esmagadoramente por modismos culturais ao longo de sua história.

Já nos tornamos Jamaica, Salvador, Fortaleza e pouco hoje somos de São Luís mesmo e seus diversos artistas e manifestações culturais. Perceba que nem pra invadir nós temos força, visto que nenhum outro lugar se tornou São Luís.

            A mídia radiológica ainda é a maior responsável pela divulgação da música no seio de uma sociedade. A cada dia, estas instituições, a exemplo de outras, se tornam mais especializadas num só estilo musical. Lógico, o estilo que por ocasião, dá mais lucro, o que está na moda. Não há mais espaço para identidade cultural, apoio cultural, ou seja, não há democratização cultural. E quando não há democratização, há desigualdade. Que por sua vez, não é só cultural, entendam. Artistas que não são ouvidos, não são lembrados, se não são lembrados, são descriminados, se são descriminados, não tocam e se não tocam, não ganham o famigerado dinheiro.

Essa não devia ser a matemática da música, porque está apenas subtraindo de alguns autênticos representantes da cultura de um lugar, ao passo que está multiplicando outros, nada autênticos, modistas e aproveitadores da música, que em sua maioria não são os músicos - sim, porque dificilmente se conhece um musico rico. São os empresários, os monopolizadores desse sistema que envolve formação de bandas, (entenda-se quartéis), pagamento de “jabá” nas rádios, e até construção de verdadeiros templos especializados e temáticos.

Dinheiro versus arte é desigual demais para se pensar numa reação que simplesmente caia do céu. Apelemos então, para a coercibilidade da Lei ou rezemos para que um dia seja moda ser democrático.

Não se pode gostar do que não se conhece e do que não se entende. Os músicos maranhenses não estão sendo entendidos em face da desigual exposição de músicas e modismos “populescos” e apelativos que invadem as rádios, os espaços culturais e o inconsciente das pessoas de forma sorrateira e, por não dizer, capitalista e neoliberal.

2 – A LEI E A MÚSICA EM SÃO LUÍS

            Vejamos a legislação orgânica municipal e como ela se comporta diante desse fenômeno por nós analisado.

ARTIGO 149 - O Município assegurará a seus habitantes o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

 

ARTIGO 151 - Constituem direitos culturais garantidos pelo Município:

 

I - o acesso à educação artística, o desenvolvimento da criatividade, principalmente nos estabelecimentos de ensino, nas escolas de arte e nos centros culturais;

 

II - o amplo acesso de todas as formas de expressão cultural, das populares às eruditas, e das regionais às universais;

 

III - o apoio e incentivo à produção, difusão e circulação dos bens culturais;

 

ARTIGO 156 - Constituem obrigações do Município:

 

I - promover e apoiar diretamente a consolidação da produção teatral, fotográfica, literária, musical, de dança, circense e de artes plásticas, bem como outras formas de manifestação cultural, criando condições que viabilizem a continuidade destas, na forma da lei;

           

Parece-nos, a priori, que não são leis e sim letras mortas apenas, pois são tão notórias suas impraticabilidades na sociedade, que perdem o sentido de ser em si e passam apenas a ser um cumprimento textual da prefeitura para com os que vivem da arte nesse município.

“... não é a existência ou não da lei igualitária. Nesse quesito, nossa folha corrida não tem muita coisa a nos recriminar. A questão é a sua prática.”[2]

Decerto, poderíamos argumentar que a classe artística é desarticulada, desorganizada e que, em contrapartida, os “movimentos invasores” são – e são mesmos – perceptivelmente eficazes. Mas esse não é o problema, ou pelo menos o principal. A lei não escusa ninguém de se fazer cumprir, nem mesmo o próprio poder municipal de sair do plano textual e agir coercivamente em prol de um bem comum e democrático.

Pensemos enfim, embora de forma reducionista, naqueles que anseiam por conhecer nossos artistas, nossa música, nossa diversidade cultural, nossos - até bem pouco tempo – imortais compositores. Que injustiça social se faz através do impacto dessa desigualdade para com aqueles que ainda cultivam uma fé nos santos de casa. E os novos artistas? Esses dependem exclusivamente da internet e da autopirataria. Mas isso é assunto pra outro estudo, pois as rádios não estão contemplando nem os “consagrados”.

Num campo mais particular temos ainda a lei que rege a obrigatoriedade de execução de um determinado percentual de músicas genuinamente maranhenses nas rádios de São Luís. É uma lei municipal N° 3423/95 que determina que 40% de toda a programação das rádios contemplem músicas maranhenses de todos os seguimentos.

É notório que isso não acontece, afirma Paulo Pellegrine, diretor musical da Rádio Universidade FM, por dois principais motivos: existe um critério e um controle de qualidade que de certa forma acaba limitando o volume de músicas a serem executadas; diz ainda, que uma lei municipal não tem eficácia, posto que as rádios obedecem às leis federais. Sendo assim qualquer advogado mais informado argumentaria e venceria em favor da não obrigatoriedade de execução.

O próprio diretor conclui, seria possível tocar mais, mas não vai ser por conta de lei e sim pro todo um processo que envolve desde boa vontade dos programadores de rádio até um maior apreço do próprio artista para com a confecção de seu material de divulgação. Conclui ainda, “na realidade não é um retrocesso, e sim, uma mudança de perfil das rádios”. Completa: “Hoje, as rádios contemplam mais as músicas com características universais a regionais e se faz necessário urgentemente que o artista entenda isso para que volte a figurar entre as mais tocadas”.

Muito se fala em mudanças, mas o que se percebe é um descaso generalizado. Em três anos, São Luís completará 400 anos, e não fosse a equivocada compreensão que o poder público tem das festas juninas e carnavalescas como únicos momentos de mostrar algum apreço pela cultura local, é bem provável que para homenagear o patrimônio cultural da humanidade em seu quarto centenário de existência, tenham shows de axé, forró e outras segmentos do gênero.

3 – O REFLEXO DA DESIGUALDADE NOS ARTISTAS

O problema é: do que e no que tem resultado essa discrepante distribuição de tempo e de atenção dispensada pelas rádios entre os estilos genuínos da cultura maranhense e os modismos devastadores que invadem São Luís intermitentemente?

Apropriar-nos-emos do termo forças do mercado, sobre o qual se expressou de forma apreensiva Alaôr Caffé:

Eu penso que a democracia, como expressão política de um abrangente consenso de pessoas numa comunidade, influindo nas decisões políticas, opõe-se a uma outra força, não propriamente política no que respeita à concentração do poder nas mãos deste ou daquele ditador ou governo autoritário, mas sim, contra aquilo que todos os dias acontece, que são as forças do mercado.[3]

Para o cantor Mano Borges, que há 15 anos sobrevive exclusivamente da música, a diminuição da execução das suas músicas advêm de um processo mercadológico originário da forças que as gravadoras multinacionais exerciam sobre as rádios. Ou seja, é sempre desproporcional a luta do artista independente contra o poderio econômico das grandes gravadoras. Relata ainda, que não há crise de criação. O que há é um desânimo causado por essa busca das rádios em sua maioria optarem pelos segmentos mais populares, o que leva, a seu ver, a essa desproporcionalidade e, consequentemente a isso que aqui chamamos de desigualdade.

Como conseqüência desse processo, aponta-se, sem sombra de dúvida, um déficit na arrecadação dos direitos autorais – que ainda é muito pouco em nosso Estado; menos shows, menos reconhecimento e menos respeito pela arte e pelos artistas locais daquele segmento intitulado MPM – Música Popular Maranhense. Com esse pensamento, concorda o compositor e cantor Beto Pereira. Autor de vários sucessos regionais, o artista se mostra preocupado com essa situação. Tanto, que como outros vários, resolveram deixar um pouco de lado sua arte e seu trabalho, para recomeçar em outras aéreas de atuação, vislumbrando assim uma segurança financeira que imaginou que a música fosse capaz de dar, mas também se viu desiludido com o esmagamento dos modismos. Beto Pereira afirma categoricamente: “É opressor, é desigual e reflete um descaso cultural muito intenso e contundente”. Completa ele, “um abismo separa a produção local da produção que vem de fora”. De fato, à luz do pensamento de Rousseau, percebe-se uma desigualdade física e moral levando-se em conta, por exemplo, a diferença de patrocínios, em termos de investimentos, que as próprias empresas locais destinam diferenciadamente para estas categorias distintas de eventos.

Se não podemos aferir nem nos argumentar no que seja legal ou ilegal, recorramos enfim ao que seja justo ou injusto. Muito nos parece injusto esse rumo obscuro da cultura. Comparato nos rememora a lição de Aristóteles em sua Ética a Nicômaco: “A igualdade é a própria essência da justiça”. Diz ainda o jurista: “O homem injusto é aquele que viola o princípio da igualdade, pois injusto diz-se, comumente, do que é desigual”.[4]

Vale lembrar que não é nosso objetivo declarar guerra às rádios, muito menos aos que sobrevivem de um ou outro estilo musical de forma honesta e que, na verdade nem identificam a existência desse fenômeno excludente. Não é necessário também discutir gosto musical, embora em nossa humilde compreensão, gosto musical seja sim, alvo de discussão a partir da premissa que este tem influência direta no comportamento da sociedade. Mas este também é objeto para outro estudo.

4 – CONCLUSÃO

Ao fim dos fatos analisados acima, concluímos que a música em São Luís passa por um processo social norteado, dentre outras coisas, por uma força de mercado cíclica que parte de uma imposição e culmina numa imposição a respeito do que se deve, querendo ou não querendo, ouvir nas rádios e nos espaços públicos. Esse fenômeno interfere de forma positiva para alguns modistas da música menor que invade a cidade transformando-a numa arena anticultural, e de forma negativa para os genuínos representantes da mais inerente cultura maranhense, estabelecendo uma forma desigual e contundente de aproveitamentos de valores, se é que há de se falar em valores sobre aqueles.

Percebe-se que esse fenômeno nasce e resulta permeado pelo sistema capitalista que nos une e pelo contexto neoliberal que nos exclui. Cria-se um ciclo vicioso: as rádios não tocam, o povo não conhece, os artistas perdem a identidade e a representatividade e, como não poderia deixar de ser, a música maranhense empobrece, o artista empobrece e os modistas enriquecem às custas dessa desigualdade.

É lamentável também perceber que o direito é ineficaz e que valores éticos e morais não permeiam mais os profissionais capazes de modificar essa história. Resta-nos descerrar uma discussão na esperança de que as diferenças diminuam a partir de uma participação conjunta entre os artistas, os juristas e o poder público.

Trata-se de uma busca por uma justiça distributiva que perpassa por igualdade e princípios éticos no seio da sociedade, como sugere Dworkin. Por outro lado, não se trata de uma fábula, onde as formigas (os modistas) trabalham e as cigarras (os artistas maranhenses) só cantam. Sim, pois, conclui-se uma desigual distribuição de espaços, tempos e investimentos entre estes segmentos. O que reflete sensivelmente em exclusão social e uma desigualdade moralmente arbitrária. e nno censomenaza de dar ue a mança lado suas artes e seu trabalho, para recomeçar em outras a chamamos de de

           

REFERÊNCIAS

 

 

ALVES, Alaôr Caffé. O que é filosofia do direito? As raízes sociais da filosofia do direito. Barueri, SP. Manole, 2004.

COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.

DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Trad. Jussara Simões. Editora Martins Fontes, São Paulo, 2005.

OLIVEIRA, Luciano. Princípio da Legalidade. Da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2009.

ROUSSEAU, Jean-Jaques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Editora L&TM. Porto Alegre, 2009.



[1] Acadêmico do segundo período de Direito da unidade de Ensino Superior Dom Bosco

E-mail: [email protected]

[2] OLIVEIRA, Luciano. Princípio da Legalidade. Da dogmática jurídica à teoria do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 122.

[3] ALVES, Alaôr Caffé. O que é filosofia do direito?. As raízes sociais da filosofia do direito. Barueri: Manole, 2004. p. 100.

[4] COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 558.