A TRAGÉDIA COMO CONSEQUENCIA DO ERRO TRÁGICO DE LEAR
Publicado em 30 de setembro de 2013 por MARIA JANIELLE LIMA FREIRE
UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ-UVA
CURSO: LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA INGLESA
MARIA JANIELLE LIMA FREIRE
A TRAGÉDIA COMO CONSEQUENCIA DO ERRO TRÁGICO DE LEAR
SOBRAL
2012
MARIA JANIELLE LIMA FREIRE
A TRAGÉDIA COMO CONSEQUENCIA DO ERRO TRÁGICO DE LEAR
Artigo elaborado para a disciplina de Literatura Inglesa II (Drama), do professor Márton Tamas Gèmes, da Universidade Estadual Vale do Acaraú, para obtenção das notas das avaliações parciais.
SOBRAL
2012
A TRAGÉDIA COMO CONSEQUENCIA DO ERRO TRÁGICO DE LEAR
MARIA JANIELLE LIMA FREIRE*
RESUMO
Esse artigo aborda a obra de William Shakespeare, Rei Lear (King Lear), com o intuito de mostrar as consequências da escolha trágica do rei que desencadeia toda uma alteração na ordem natural, provocando a mudança da Roda da Fortuna, que é conhecido como o ponto de alegria e felicidade, para a infelicidade, mostrando que o mundo é como um grande palco onde as ações humanas, e não a vida, que determinam o destino de uma pessoa, o que pode servir de alerta aos grandes erros da humanidade.
PALAVRAS-CHAVE: Shakespeare, Rei Lear, escolha trágica, ordem, ações humanas, humanidade.
ABSTRACT
This article discusses the work of William Shakespeare, King Lear (King Lear), in order to show the tragic consequences of the choice of the king that all triggers a change in the natural order, causing the change of Wheel of Fortune, which is known as the point of joy and happiness to unhappiness, showing that the world is like a big stage where human actions, and not life, that determine the fate of a person, which can serve as a warning to large errors of mankind.
KEYWORDS: Shakespeare, King Lear, tragic choice, order, human actions, humanity.
*aluna do curso de Letras Habilitação em Língua Inglesa da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA.
INTRODUÇÃO
As tragédias se firmam como obras clássicas, onde o escritor expõe fatos importantes de felicidades e infelicidades, nela o aspecto cênico e a intensidade das ações são pontos importantes descritos com muitos detalhes.
Shakespeare é considerado o maior escritor clássico da língua inglesa, suas tragédias retratam vários tipos de pessoas com suas mais variadas situações existenciais e de diferentes classes sociais, suas personagens são ao mesmo tempo em que são marcantes, são individuais, algumas nem possuem nomes são chamadas apenas pela posição que ocupam ou como diz NORTHREP FRYE “suas personagens são tão vivas que frequentemente as consideramos destacáveis da peça como pessoas reais”. (pagina 16, Sobre Shakespeare).
O Rei Lear através de sua pluralidade dramática retrata intensidade dos sentimentos humanos mostrando até onde leva a ambição trazendo a tona os mais variados problemas da humanidade.
COMO O ERRO É DESENCADEADO
A primeira cena é determinante para o desfecho trágico da peça onde Lear, um rei de idade avançada e cansado, resolve abdicar do reino dividindo-o entre suas três filhas. A partir dessa decisão se inicia a tragédia.
Para que essa divisão seja feita Lear faz uma espécie de disputa ou concurso entre as filhas, no dia do noivado de sua filha mais nova, Cordélia, para saber qual delas o amava mais, aquela que fizesse um discurso mais laudatório ficaria com a melhor parte da herança. Podemos perceber através da leitura que essas três partes são iguais, a melhor parte a que o Rei se refere, subentende-se que é aquela onde haveria sua presença, ou seja, onde ele iria morar, onde ele iria ser cuidado por uma das filhas. Aqui podemos perceber uma característica de Lear, que é sua carência ou necessidade de ser amado, ou sua hubris, que pode ser definido como arrogância, querer ser Rei sem responsabilidades (porque iria dividir o reino, mas queria continuar com as bajulações de um Rei), e esse talvez fosse o maior erro de Lear, erro este que se desencadeia a tragédia.
O rei planejava morar com aquela que lhe demonstrasse maior amor filial, e ele esperava que essa pessoa fosse Cordélia visto que ela sempre lhe dera muito carinho, e era a mais nova. Tamanha foi a decepção de Lear, quando Cordélia, conhecendo bem as irmãs, se recusou a concorrer com o discurso falso de suas irmãs deixando assim transparecer seu amor verdadeiro, transformando o amor de seu pai em ira. Não tendo mais o dote Cordélia, que estava sendo disputada pelo duque de Borgonha e o Rei da França, é dispensada por Borgonha que só se preocupava com valores materiais, porém é aceita pelo Rei da França que reconheceu suas virtudes, levando-a embora para França.
Segundo NORTHERP FRYE, em Sobre Shakespeare (pag 16), “a tragédia se dá porque uma personagem especifica esta em uma situação que não pode dominar”, foi o que aconteceu com Rei Lear, sempre acostumado a ouvir o que queria, ficando muito despontado e decepcionado sem conseguir dominar as palavras de Cordélia, comete um erro trágico ao expulsar a filha e entregar o seu reino as suas filhas mais velhas, abrindo caminho para a tragédia final mostrando que são as ações humanas e não a vida, definem o desfecho de uma história.
Para compreendermos melhor DANZIGER diz o seguinte:
“Foi ao ser despido, despojado de todas as “superfícies” da vida e até, por um momento, privado de sua sanidade mental, que Lear alcançou o seu momento de reconhecimento- de extraordinária profundidade, que abrangeu não só a consciência de sua própria culpa mas também uma visão da corrupção e da injustiça no mundo em geral; e, ainda mais profundamente, da pequenez e vulnerabilidade do homem no universo”. (1974,pag. 133).
A partir daí podemos perceber que Lear não é de todo vaidoso, narcisista ou egoísta, como alguns críticos dizem, mas sim uma pessoa ingênua, que não conhecia a si mesmo, um homem idoso que necessitava saber quem mais o amava para se entregar aos cuidados dela, mas sua decepção, seu grande choque com o “silencio” de Cordélia, o deixou cego, renegou a filha que tinha mais apreço dando espaço a manifestação do mal que não demorou muito a aparecer. As filhas mais velhas Goneril e Regana para as quais confiou seu reino, tendo o poder em mãos, começaram a tentar se esquivar das obrigações para com o velho pai, como podemos ver nitidamente nesse diálogo entre elas, (I,i Rei Lear) vindo depois a falar isso claramente ao rei pessoalmente:
“GONERIL: Tú vês como é cheia de mudanças a velhice. A experiência que tivemos foi bem grave; ele sempre gostou mais de nossa irmã; e a falta de critério com que a pediou agora se mostrou de maneira bem grosseira.
REGANA: é um mal próprio da idade; alias, nunca teve maior conhecimento de si próprio.
GONERIL: mesmo no tempo melhor e mais saudável de sua vida sempre foi impudente: devemos esperar de sua velhice não apenas os defeitos há muito tempo adquiridos e entranhados, mas também a impertinência e os caprichos que chegam com os anos de senilidade e doença”. (pag.17 e 18).
De uma coisa as irmãs tinham razão, Lear não conhece a si próprio e foi um imprudente ao renegar sua filha, no entanto, se Lear inconscientemente através de sua escolha errônea foi o causador da tragédia, Cordélia devido a sua pureza e honestidade foi a culpada pela loucura do pai ao não saber expressar com palavras o que sentia, ela prefere não ferir a verdade, como suas irmãs fazem, afirmando que ama o pai simplesmente como uma filha deve amar. Aqui podemos encontrar uma hubris em Cordélia, que é o seu excesso de sinceridade.
Shakespeare traz a tona o tema velhice e o medo que as pessoas têm de envelhecer, pois os idosos não são vistos como pessoas inteligentes e experientes como deveriam ser e sim tratados como incapazes ou loucos, devido ao ciclo comum da vida. Lear se envolve pelo amor familiar e assim se torna prisioneiro de seus próprios atos.
UMA HISTÓRIA SECUNDARIA E ANÁLOGA
Paralela a essa trama há outra bem semelhante, o drama familiar entre Gloucester e seus dois filhos, o legitimo Edgar e o bastardo Edmund, a diferença é que Lear ouviu da boca da própria Cordélia palavras que lhe desapontaram quando a renegou, enquanto que Gloucester baniu Edgar devido a meras suposições e por confiar demais nas calunias de Edmund, mostrando uma cegueira e uma credulidade ainda maior que a de Lear.
Percebemos que não há aspectos religiosos nessa obra, para as personagens os fatos acontecidos são culpa do cosmos, Gloucester faz um relato disso, (Ato I,ii):
“GLOUCESTER: Esse últimos eclipses do sol e da lua nada de bom nos anunciam; embora as leis da natureza possam explicá-los de diversos modos, a própria natureza é castigada pelos seus efeitos. O amor esfria, a amizade se rompe, os irmãos se dividem...”
A influencia dos eventos celestes coloca o eclipse como causa de efeitos maléficos como a bastardia de Edmund que criado através do pecado deve ser lascivo e perverso. Edmund é uma pessoa fria e calculista capaz de qualquer coisa para o seu bem próprio, uma pessoa isenta de sentimentos bons, alguém que quer traçar o próprio destino, indo contra os costumes de sua época, que para não ser bastardo tem que agir como um.
Edmund afirma isso na peça (Ato I,ii):
“EDMUND: Tu, Natureza, és minha deusa: às tuas leis é que estão presas minhas ações. Por que haveria eu submeter à maldição dos costumes e permitir que o preconceito das gentes me deserde apenas porque nasci doze ou quatorze luas depois de meu irmão? Por que bastardo?... Pois então, legitimo Edgar, eu devo ter tuas terras. O amor de nosso pai se reparte por igual entre o bastardo e o legitimo”. (pag.18).
Para Edmund, que ao traçar um plano contra seu irmão e através desse herdar sozinho a herança do pai, não bastava ele almejava o trono. Então, fingiu aliança com Goneril, Regana e Cornwall, marido de Regana, na luta contra a França que pretendia atacar a Inglaterra, entregou o próprio pai como traidor fazendo com que ele tivesse os olhos arrancados por Cornwall, mostrando mais uma ironia de Shakespeare, pois enquanto tinha olhos Gloucester não enxergava a verdade, morrendo depois nos braços de Edgar, seu filho legitimo que até então tinha sido deserdado. Edmund também foi o culpado pela morte de todos os membros da família Lear, primeiro seduziu Goneril e Regana fazendo com que uma matasse a outra por ciúmes e acreditando nas promessas dele, depois mandou executar Cordélia, e Lear ao ver a filha morta, morre de desgosto e tristeza.
Podemos ver que o maior vilão da obra é Edmund, todos morrem por sua culpa, mas nunca pelas suas mãos, ele é o mediador de tudo, usa sua inteligência e seu alto poder de convencimento para tirar todos do seu caminho. Inesperadamente, quando está prestes a morrer e vendo que seu plano tinha sido em vão, ele demonstra certo tipo de arrependimento ao revelar que tinha mandado assassinar Cordélia, mas era tarde demais e ela já estava morta.
Mas o verdadeiro vilão da história foi o erro cometido pelo rei, pois foi a partir desse erro, que as filhas ganharam o poder, e esse poder mexeu com os instintos de ambição de Edmund, que se aproveitou da fragilidade humana de Regana e Goneril, a fraqueza da carne, o ciúmes, enfim, tudo isso para ter o poder em mãos.
CONSIDERAÇÕES
É impressionante o jogo que Shakespeare faz com suas personagens ele expõe a cada dos seres onde a vida é como se fosse uma pirâmide onde os seres são encadeados de acordo com sua função e seu grau de importância no mundo. A maioria dos personagens é rebaixada de sua posição causando o que é chamado de literatura de peripetéia (peripércia) que é a mudança brusca do destino, e quando muda a ordem dos seres o mundo se abre para o mal. O primeiro a ser rebaixado é Kent, um nobre honesto que foi exilado ao tentar fazer com que o rei mudasse sua sentença quando baniu Cordelia, se disfarçando em um simples empregado para ajudá-lo estando sujeito a varias humilhações inclusive a de ficar preso ao tronco.
Quanto mais alta a posição maior o rebaixamento, Lear que estava no topo como um rei que era, se rebaixou a louco desprovido de qualquer poder, modificando totalmente a ordem dando origem ao caos.
Edgar também foi rebaixado a um pobre Tom, um louco sem roupas, que se alimentava de imundícies, mas não foi por acaso, ele também era um homem crédulo assim como Lear e Gloucester teve que sofrer também para chegar a realidade. Edgar tem um papel determinante na peça, ele tem a função de pôr ordem no mundo, de destruir o mal que se iniciou com a escolha errônea de Lear e se expandiu com a ajuda dos antagonistas, porem nem a morte deles no final da peça representa o retorno da felicidade, o que significa que a ordem nunca será a mesma.
Nessa peça as personagens estão sempre as personagens usam uma espécie de mascara, algumas para se defenderem, outras para se fortalecerem. Cada personagem é indispensável para o desenrolar da peça, todos tem sua função dramática. Não podemos nos esquecer do Bobo que passa todo o tempo tentando fazer com que o rei reconheça seu erro, ele dá-nos a impressão de ser a consciência do rei, pois desaparece quando o rei aparenta estar totalmente louco.
Shakespeare era um homem com pensamento muito a frente de seu tempo. Retratou o ser humano com seus defeitos, suas ambições, seus sofrimentos, escreveu sobre os desencontros da vida, que vai do riso a dor, da alegria a tristeza, do amor ao poder. Ele consegue colocar na peça loucura, cegueira, ambição, crueldade, ciúmes, traição, transformando a historia num drama universal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SHAKESPEARE, William. O Rei Lear. Trad. Millôr Fernandes. L e M Pocket.
FRYE, Northrep. Sobre Shakespeare. P. 13-28.
DANZIGER, Marlies. Introdução ao estudo critico da literatura. SP: Caltix; Ed USP, 1974.