A teoria da solução de mercado aplicada à recuperação extrajudicial para superar a crise empresarial

BRUNO BARBOSA DA COSTA

Aluno do 10º semestre na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará

 

RESUMO

A ATIVIDADE EMPRESARIAL É CERCADA DE RISCOS E DIVERSOS FATORES INTERNOS OU EXTERNOS PODEM DESENCADEAR A CRISE EMPRESARIAL. ESSA DIFICULDADE PODE SER RESULTANTE DE FATORES FINANCEIROS, ECONOMICOS OU PATRIMONIAIS. NESSE CONTEXTO, O LEGISLADOR PERMITIU A CREDORES E DEVEDORES UMA SOLUÇÃO COM MENOR INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA SUPERAR A CRISE: A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL. O ARTIGO APRESENTA A TEORIA DA SOLUÇÃO DE MERCADO APLICADA À RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO FORMA MAIS ADEQUADA E LEGÍTIMA PARA SOLUÇÃO DA CRISE.

Palavras-chave: Solução de mercado. Recuperação extrajudicial. Crise.

ABSTRACT

THE BUSINESS ACTIVITY IS SURROUNDED OF RISKS AND OTHER FACTORS INTERNAL OR EXTERNAL CAN CRISIS TRIGGERS FOR BUSINESS. THIS DIFFICULTY MAY BE RESULTING FROM FINANCIAL FACTORS, ECONOMIC OR SHEETS. THIS CONTEXT, THE LEGISLATOR ALLOWED THE CREDITORS AND DEBTORS A SOLUTION WITH LESS POWER OF JUDICIAL ASSISTANCE TO OVERCOME THE CRISIS: THE EXTRAJUDICIAL RECOVERY. THE ARTICLE INTRODUCES THE THEORY OF MARKET SOLUTION APPLIED TO EXTRAJUDICIAL RECOVERY HOW IT MORE APPROPRIATE AND LEGITIMATE FOR SOLUTION OF CRISIS.

Keywords: Market solution. Extrajudicial recovery. Crisis.

 

 

1. Introdução

A antiga legislação falimentar (Decreto-Lei 7.661/45), contendo ainda o instituto da concordata, basicamente regulamentava um processo que invariavelmente desaguava na falência da empresa e encerramento da atividade empresarial. Aparentemente o foco era imediato, uma vez que o interesse maior estava exclusivamente no recebimento do crédito pelos credores.

A Nova Lei de Recuperações e Falências (Lei 11.101/05) entrou em vigor com o claro objetivo de incentivar a aplicação do novo instituto de recuperação para superação da crise e continuidade da atividade empresarial. A falência passa agora a ocupar função secundária e última, guardada apenas aos casos extremados e noutros em que a recuperação não obtiver êxito.

O legislador entendeu que a continuidade da atividade empresarial representa vantagem maior e duradoura tanto para credores, quanto para todos os demais participantes da relação empresarial: empresário; trabalhador; governo; e sociedade.

Tem-se, portanto, como princípio basilar da Nova Lei de Recuperação a preservação da empresa e atividade empresarial. Contudo, essa preservação muitas vezes encontra na morosidade e burocracia do poder judiciário a falta de eficácia e agilidade necessária para solução de crise.

Sensível às necessidades das empresas em crise, o legislador trouxe na lei nova o instituto da recuperação extrajudicial onde o devedor poderá propor e negociar com seus credores um plano de recuperação judicial. Há na via extrajudicial inúmeras vantagens como a liberdade negocial, desburocratização, com ganho de agilidade e economia de gastos.

Essa liberdade negocial entre credores e devedores permite que se encontre uma solução de mercado onde as partes da relação empresarial se propõem a ações que visam ganhos financeiros com a superação da crise e continuidade da empresa. No entanto, a maior vantagem é a simplicidade e maior agilidade dos atos somados à flexibilidade negocial que adapta as soluções às reais necessidades do caso concreto.

2. A crise na empresa

A crise deve ser entendida como uma ruptura no equilíbrio e funcionamento normal da empresa, uma enfermidade. Teoricamente, uma empresa deve produzir algo ou prestar algum tipo de serviço, no qual tem custos (investimentos) que serão cobertos pelas receitas geradas com a venda e fornecimento.

 Além de cobrir seus gastos, sua receita deverá gerar o lucro, aqui entendido como o retorno positivo do investimento. A continuidade e crescimento de uma atividade empresarial depende do lucro. Matematicamente, podemos determinar como exemplo que uma empresa saudável investe 10 unidades financeiras esperando receber 12. Há um lucro de 2.

Contudo, a atividade empresarial envolve diversos riscos que, se não precavidos ou solucionados, podem gerar a crise. Essa enfermidade pode ser decorrente de fatores econômicos, patrimoniais ou financeiros.

A crise econômica é a diminuição nas negociações do produto ou serviço. Consumidores que deixam de comprar, aumento exagerado nos preços, retração do setor causada por medidas de governo, todos esses fatores levam a uma menor negociação, o que desencadeia a crise.

A crise financeira é basicamente a falta de liquidez. Há dívidas a pagar, mas falta dinheiro em caixa para saldar. Ainda que a empresa tenha patrimônio positivo (superior ao valor das dívidas) e créditos a receber, não pode honrar com as dívidas imediatas. A consequência nesse caso é a impontualidade. É comum nesses casos a tomada de empréstimos para quitar débitos o que muitas vezes é o primeiro sinal de alerta para a crise que não foi solucionada, apenas adiada.

Finalmente, a crise patrimonial é caracterizada pela insolvência. Nessa situação, o empresário devedor mesmo recebendo todos os créditos que possui e liquidando seu patrimônio não teria como sanar todas as dívidas que possui.

A crise em um ou outro desses fatores não necessariamente importa falar em necessidade de recuperação ou pedido de falência. O mercado oscila e é comum uma queda momentânea nas vendas, ou mesmo um período de aperto no caixa ou ainda a tomada de empréstimos para investimento e ampliação de negócios.

Geralmente, apenas quando identificados os três fatores de crise ocorrendo em uma mesma empresa pode-se afirmar com maior precisão a crise empresária e a urgente conveniência em tomarem-se medidas protetivas.

  1. MUDANÇA DE PARADIGMA: A NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO (LEI 11.101/05)

 

A chamada Nova Lei de Falências que veio em substituição do Decreto-Lei 7.661/45 trouxe a inovadora figura da recuperação, judicial/extrajudicial em detrimento da concordata. Junto a esse novo instituto o legislador procurou dar à legislação um novo objetivo qual seja preservar a atividade empresarial. A falência passa agora a ser figura residual, em caráter último, passando a recuperação a figurar como figura central da nova lei.

Entendeu o legislador que a satisfação do crédito aos credores não atendia satisfatoriamente à função social das empresas, ainda que melhor do que nada receber. A manutenção da atividade comercial e empresarial constitui benefício aos diferentes segmentos ligados ao negócio.

 A recuperação é a adequação da empresa a novos parâmetros administrativos, financeiros, econômicos e produtivos com vista a alcançar o equilíbrio entre a dívida o lucro e o patrimônio. Na recuperação, busca-se diminuir a dívida através da retomada do lucro seja por meio de investimentos, seja por meio de otimização dos serviços e sistemas produtivos, além da contenção dos gastos que geram despesas de segunda ordem.

Essa otimização pode se dá pela especialização ou expansão das áreas de atuação e serviços. Na recuperação, há um esforço conjunto buscando o resguardo da atividade empresarial com fins de continuidade da relação do empresário e empresa com os credores, atuando o poder judiciário como limitador das ações com objetivo de impedir fraudes e prejuízos além do necessário.

 O fechamento de uma empresa, ainda que liquidando seus débitos, representa o fim de contratos e negociações entre empresas, a demissão de funcionários que passam a depender da assistência estatal, representam ainda a cessação da geração de tributos e, obviamente, o encerramento do fornecimento de serviços e produtos à sociedade.

Assim, a recuperação extrajudicial busca superar a crise instaurada na empresa, seja ela econômica, financeira ou patrimonial. Em geral, essas crises se estabelecem em conjunto ou em sequência, o que, se não diagnosticado, pode levar à derrocada da empresa.

  1. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL: ASPECTOS LEGAIS

 

Para que o devedor possa propor a recuperação extrajudicial aos credores deverá atender aos requisitos estabelecidos no art. 48 da Lei 11.101 que em resumo estabelecem que o devedor deverá exercer sua atividade há mais de 2 anos; não ter responsabilidades de falido; e não ter obtido recuperação há menos de 5 anos.

 Além disso, não se submetem à recuperação extrajudicial os créditos de natureza tributária, trabalhista e ou decorrentes de acidente de trabalho, além dos previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, da Lei.

Um ponto interessante a se destacar seria a exclusão da vedação ao crédito trabalhista na recuperação extrajudicial. Sendo o crédito trabalhista tratado com privilégio pelo legislador e invariavelmente necessitando de urgência no seu recebimento por sua característica alimentícia, a recuperação extrajudicial traria celeridade ao pagamento do crédito. Além disso, haveria uma maior liberdade dos trabalhadores quanto a forma de recebimento de seus créditos e participação nos rumos da empresa.

 Afinal, numa época em que chamamos os trabalhadores de colaboradores, por que não permitir que participem da elaboração do plano e retomada da atividade empresarial com superação da crise?

Para além das discussões paralelas, a recuperação extrajudicial, por não abordar todos os credores, carece de incentivo uma vez que o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não impede que os credores não contemplados pelo plano solicitem a falência do devedor (parágrafo 4º do art. 161). Em outras palavras, a solução é boa, mas o legislador não permitiu que fosse aplicada a todos os credores, o que limita em muito sua eficácia.

Contudo, um aspecto positivo é o fato de, no caso de todos os credores atingidos pela recuperação extrajudicial concordarem com o plano de recuperação, não há necessidade da homologação judicial, a homologação será facultativa.

 Por outro lado, no caso de uma pequena parte dos credores não aceitar o plano, basta que a maior parte, 3/5, assine o plano para que o devedor possa solicitar a homologação que terá força de título judicial. Assim, os requisitos dispostos em lei servem apenas ao devedor que tiver interesse ou necessidade de homologação judicial, essa obrigatória.

Não se trata de beneficiar uma ou outra parte, mas sim permitir que os credores participem das medidas adotadas para a recuperação da empresa quando entenderem a viabilidade e vantagens com a continuidade da empresa.

  1. A SOLUÇÃO DE MERCADO NA RECUPERAÇÃO DA EMPRESA

 

A recuperação de empresa não deve ser aplicada a todas as empresas. Algumas empresas apresentam características particulares que fazem dela um mau negócio capaz de prejudicar toda a cadeia produtiva envolvida. As boas empresas devem ser salvas, as más devem falir. É uma regra de mercado que deve ser entendida pelos operadores do direito.

 As normas jurídicas que regulam a falência e recuperação são meros instrumentos que devem ter por fim a máxima preservação da atividade empresarial.

Caso a atividade empresarial do devedor possua potencial e vantagens apreciadas pelo mercado, os instrumentos legais deverão ser usados com fim de manter essa atividade. De outro modo, se a atividade acarreta prejuízos e danos não solucionáveis, deve ser encerrada para que outra empresa mais qualificada atenda aquela demanda do mercado.

Tanto a continuidade quanto a extinção da atividade empresarial são aquilo que se entende por Solução de Mercado. Tratando do tema, Coelho (2012, p. 213) define:

A superação da crise da empresa deve ser resultante de uma “solução de mercado”: outros empreendedores e investidores dispõem-se a prover os recursos e adotar as medidas de saneamento administrativo necessários à estabilização da empresa, porque identificam nela uma oportunidade de ganhar dinheiro. Se não houver solução de mercado para determinado negócio, em princípio, o melhor para a economia é mesmo a falência da sociedade empresária que o explorava.

Na recuperação extrajudicial ocorre exatamente a solução de mercado. O devedor apresenta um plano de recuperação que será avaliado e discutido pelos credores. Nesse momento, o credor deixa de lado o simples recebimento do crédito, o que muitas vezes acaba por não ocorrer ou ocorre de maneira insuficiente na falência, para apostar na continuidade da empresa através de medidas gerenciais e administrativas que façam a empresa superar a crise e voltar a dar lucros aumentando os negócios.

O papel do devedor é principalmente de mostrar a viabilidade de sua empresa e permitir que os credores participem dessa reorganização empresarial. A recuperação extrajudicial figura desse modo como meio mais legítimo para a preservação da atividade, uma vez que conta com o fator primordial do mercado: a liberdade negocial para estipular o plano.

Inexistindo vantagem, não há motivos para o poder judiciário permitir a recuperação empresarial, melhor será a decretação da falência. O objetivo do legislador ao criar o instituto da recuperação foi a proteção da atividade empresarial, mas não aquela danosa, que acarreta prejuízos e se sustenta a qualquer custa, mas sim a manutenção de boas empresas que momentaneamente sofrem algum desequilíbrio que pode e deve ser superado.  

No tocante à outra modalidade de recuperação (a judicial), essa só será necessária quando a solução de mercado (extrajudicial) não puder ser aplicada. Isso ocorre geralmente quando o devedor atribui à sua empresa um valor maior do que aquilo que o mercado entende que vale. Nessa situação a negociação fica difícil, pois ainda que existam credores interessados em investir e ajudar a empresa, o valor que o devedor requer está acima daquilo que o mercado está disposto a pagar.

 Um exemplo seria a venda de ações a credores como meio de gerar capital e sair da crise. Nesse caso, se o preço por ação estiver adequado à avaliação dos credores, a solução de mercado entrará em ação. De outro modo, se o devedor atribuir às suas ações um valor exagerado, então não será possível a solução de mercado, restando a recuperação judicial como meio de sanar a crise no caso da empresa ainda assim ser viável.

Importante atentar para o detalhe: a recuperação judicial deve ser utilizada quando há interesse dos credores na continuidade, mas não foi possível uma solução de mercado. Por outro lado, se não há interesse de credores e investidores na continuidade da empresa, não há que se falar em recuperação seja ela judicial ou extrajudicial. A solução de mercado é a falência.

  1. CONCLUSÃO

Atualmente, a recuperação extrajudicial figura como o meio mais efetivo e legítimo para concretização da solução de mercado com vista a superar a crise empresarial. Cabe ao Poder Judiciário intervir minimamente no mercado e nas relações comerciais da empresa em crise. A utilização dos institutos de recuperação judicial e falência devem ser restringidas aos casos onde a solução de mercado na recuperação extrajudicial não puder ser aplicada ou ainda quando a melhor solução seja mesmo a falência.

 

           

 

  1. Referências

COELHO. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2012. Vol. 3.