A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 Maria de Fátima Viana da Silva Monografia apresentada ao curso de graduação em direito da Faculdade Novos Horizontes, como requisito parcial para a obtenção de título de bacharel em direito. Orientador: Profº. Ricardo Luis P. Marques Belo Horizonte 2010 Dedico à minha família, em especial minha querida mãe Vicentina e aos meus filhos Pedro Lucas e Maria Clara. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus por ter me guiado até aqui. À minha família pela força que me deram e em especial aos meus filhos que superam a minha ausência, ao me dedicar ao conhecimento. Ao mestre, Ricardo Luis P. Marques, que brilhantemente me orientou. E a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho. RESUMO Este estudo apresenta os aspectos gerais do instituto da teoria da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica no Código Civil de 2002. No entanto, para a realização deste estudo, é necessário remeter-se ao instituto da pessoa jurídica por ser esta, o ente passível da aplicação da teoria da desconsideração, analisando seu conceito origem, natureza jurídica, características, efeitos da personificação e a responsabilidade dos sócios perante a sociedade. Quanto à teoria da desconsideração da personalidade jurídica, foram abordados o conceito e a origem, seu desenvolvimento, algumas previsões no ordenamento jurídico brasileiro, sua previsão no CC, os pressupostos para sua aplicação, as teorias maior e menor e a teoria inversa. Assim, a previsão no CC, do instituiu a teoria da desconsideração como norma geral, podendo ser aplicada a qualquer outro amo do direito desde que observados os pressuposto de admissibilidade, qual seja, o abuso de direito caracterizado pela confusão patrimonial e ou desvio de finalidade. Palavras chaves: pessoa - jurídica. Personalidade - jurídica. Desconsideração - personalidade. Abuso ? direito. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO O direito civil é o ramo do ordenamento jurídico, que trata das relações privadas, e inseridas nesse ramo, encontram-se as disposições do direito empresarial, que trata do instituto das pessoas jurídicas. As pessoas jurídicas são institutos originados da necessidade de sua individualização bem como de sua autonomia patrimonial, para que possam alcançar os interesses comuns de seus integrantes. São seres dotados de personalidade jurídica própria, com capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações, amparadas por lei para exercer atividades compatíveis com a finalidade que lhes deram origem. A pessoa jurídica é guiada pelos interesses daqueles que a instituíram pela vontade, sendo estes em regra, os sócios, que se responsabilizam pelos atos praticados em nome da pessoa jurídica. Acontece que esse instituto essencial no contexto comercial, econômico e social, começou a se desvirtuar, em alguns casos, dos pilares de sua razão de ser. Os direitos concedidos pelo ordenamento jurídico ficaram propícios aos abusos. Diante da necessidade de coibir práticas abusivas, caracterizadas pelo desvio de finalidade e ou pela confusão patrimonial, surge o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A Teoria da Desconsideração da Personalidade visa a proteção da pessoa jurídica, coibindo o uso desvinculado de suas finalidades. Com a desconsideração da personalidade, o "véu" do ente é levantado apontando os responsáveis por tais práticas abusivas. A teoria teve origem no direito Anglo-saxão, na Inglaterra, em 1897, fruto de precedentes jurisprudenciais oriundas do sistema common Law, chegou ao Brasil em 1969 por meio de Rubens Requião. Várias foram as tentativas de inserir a teoria como norma geral no direito civil, mas somente com a promulgação do Código Civil de 2002 em seu art. 50, foi que ela teve previsão legal de acordo com sua verdadeira finalidade. O Código de proteção e defesa do Consumidor (CDC), foi o pioneiro a estabelecer a hipótese de aplicação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro. Posteriormente a Lei 8.884/94, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, e a Lei 9.605/98 que trata da responsabilidade por lesões ao meio ambiente. Para a realização deste trabalho, foram feitas pesquisas em livros doutrinários e manuais do direito civil e do direito comercial, além de revistas especializadas, artigos e jurisprudências. Portanto, o objetivo deste estudo é apresentar os aspectos gerais do instituto da teoria da desconsideração da personalidade jurídica sob o prisma do Código Civil, apontando sua origem, seu desenvolvimento, suas adequações, aplicações e previsões em alguns ramos do direito brasileiro. 2 A PESSOA JURÍDICA 2.1 Conceito e breve histórico da pessoa jurídica O conceito de pessoa jurídica evoluiu ao longo da história, mas, ainda hoje há discussão sobre seu verdadeiro conceito. A pessoa jurídica surgiu da necessidade da integração de indivíduos que por si só não podiam exercer suas atividades e alcançarem seus fins. Assim, conforme vão surgindo as situações, o direito deve regulamentá-las para que deixem de existir somente no mundo dos fatos e passem a existir também no mundo do direito. Para Coêlho (2006, p. 233), "pessoa jurídica é o sujeito de direito personificado não humano".. Segundo Diniz (2008, p. 232) "A pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa a consecução de certos fins, reconhecidos pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações". Complementa Pereira (2007, p. 297): [...] A complexidade da vida civil e a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarizam de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa humana certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se compõem ora de conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações. Para Rodrigues (2003, p. 86): A esses seres, que se distinguem das pessoas que os compõem, que atuam na vida jurídica ao lado dos indivíduos humanos e aos quais a lei atribui personalidade, ou seja, a prerrogativa de serem titulares do direito, dá-se o nome de pessoas jurídicas, ou pessoas morais (RODRIGUES, 2003, p.86) A evolução da pessoa jurídica se deu gradativamente com o passar dos tempos. O indivíduo e a entidade da qual fazia parte eram considerados no todo, ou seja, não havia autonomia. Inicialmente no direito romano não se conhecia a figura da pessoa jurídica. Para eles o patrimônio pertencia a várias pessoas, não chegava a formar uma entidade abstrata, e, portanto, este patrimônio pertencia aos membros que o constituíam, onde cada um era titular de uma parcela deste. A idéia de abstração, só ocorreu no direito pós-clássico, quando então se admitiu que a entidade fosse sujeito de direitos e obrigações assim, os romanos passaram a encarar o Estado, em sua existência, como um ente abstrato. [...] se admite uma entidade abstrata, com direitos e obrigações ao lado da pessoa física. Já no Direito clássico, os romanos passam a encarar o Estado, em sua existência, como um ente abstrato, denominando os textos de populus romanus (VENOSA, 2004, p. 201). O patrimônio passou a constituir propriedade da entidade, sem nenhuma vinculação com os seus membros integrantes. Surgiram assim duas categorias de pessoas jurídicas: as universitates personarum, compreendendo os colégios, associações de publicanos, agrupamentos artesanais e as universitates bonorum, verdadeiras fundações (PEREIRA, 2007, p. 301). O direito brasileiro só reconheceu o instituto da pessoa jurídica no início do século XX com o decreto 1.102 de 21 de novembro de 1903, que regulamentou regras para o estabelecimento de empresas de armazéns gerais, determinando os direitos e obrigações. No ano de 1907, o Decreto 1.637, reconhecia a personalidade jurídica dos sindicatos. (REALI, 2003). No Código Civil de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua, o assunto era tratado nos artigos 16 a 20. O artigo 16, regulamentava a questão da representação da pessoa jurídica que era designada pelo estatuto e se não o designasse era representada pelos seus diretores. Já o artigo 18, determinava o início da existência legal das pessoas jurídicas do direito privado, que se dava com a inscrição dos seus contratos atos constitutivos, estatutos ou compromissos no seu registro correspondente. O artigo 19, normatizava sobre os efeitos do registro, enquanto que o artigo 20 trazia a previsão do princípio da autonomia patrimonial ... "as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros" O artigo 40 do Código Civil de 2002, estabelece que as pessoas jurídicas são de direito público, interno e externo, e de direito privado. No entanto, serão abordadas as de direito privado que são as passíveis de desconsideração da personalidade jurídica, objeto deste estudo. Assim, segundo o artigo 44 do Código Civil de 2002, as pessoas jurídicas de direito privado são: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. 2.2 Natureza jurídica A questão da natureza jurídica da pessoa jurídica, não é pacífica entre os doutrinadores. As principais teorias, que buscam explicar a natureza deste instituto são: ficção legal, teoria objetiva ou orgânica, realidade técnica e institucionalista. Para a teoria da ficção da pessoa jurídica defendida por Savigny, a pessoa jurídica só existe em razão de determinação legal, que a considera uma ficção legal. Segundo Diniz (2008, p. 2333), "ao entender que só o homem é capaz de ser sujeito de direito, conclui que a pessoa jurídica é uma ficção legal, ou seja, uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais e facilitar a função de certas entidades". Já a teoria da realidade objetiva, também conhecida como orgânica, foi formulada por Gierke e Zitelmann, pressupõe a possibilidade da vontade social ou privada dar vida a um organismo independente dos indivíduos que a compõem, formando efetivamente uma entidade nova. De acordo com Diniz (2008, p.233): "... há junto às pessoas naturais, que são organismos físicos, organismos sociais constituídos pelas pessoas jurídicas, que têm existência e vontade própria, distinta as de seus membros tendo por finalidade realizar um objetivo social." Para a teoria da realidade técnica defendida por Windscheid e Brinza, a pessoa jurídica como realidade técnica, existe para suprir os interesses humanos de uma forma indireta. Segundo Rodrigues (2003, p.88): O Estado, as associações, as sociedades existem; uma vez que existem não se pode concebê-los a não ser como titulares de direitos. A circunstância de serem titulares de direito demonstra que sua existência não é fictícia, mas real. Apenas, tal realidade é meramente técnica, pois, no substrato, visa à satisfação dos interesses humanos. E por fim a teoria da instituição jurídica, ou realidade jurídica, formulada por Hauriou, que entendeu o instituto da pessoa jurídica como uma realidade jurídica criada pela vontade humana. Pelo fato de que a personalidade humana deriva do direito, poderia então ser concedida a certos entes. No dizer de Diniz (2008, p.233): Como a personalidade humana deriva do direito (tanto que este já privou seres humanos de personalidade ? os escravos), da mesma forma ele pode concedê-la a agrupamento de pessoas ou de bens que tenham por escopo a realização de interesses humanos. A personalidade jurídica é um atributo que a ordem jurídica estatal outorga a entes que o merecem. Como se pode observar, as teorias buscam identificar a verdadeira natureza jurídica das pessoas jurídicas, tentando identificar se o instituo foi criado pela lei, pela vontade humana, como um instrumento para satisfação de certos interesses humanos e ou pela busca de um fim. Para Pereira (2007, p.308): Da leitura de tantos escritores vemos que não se repetem, desenvolvendo cada um as suas idéias próprias. O que os unem colocando-os em uma só linha é a idéia da realidade do ente coletivo, que podemos expressar na exposição dos traços fundamentais da sua conceituação científica, abandonando a chamada realidade objetiva (organicismo) para abraçar a teoria da realidade técnica ou da realidade jurídica. Segundo entendimento do mesmo autor, a teoria que melhor relaciona com o instituto da pessoa jurídica é a teoria da realidade técnica, pois reconhece a existência dos entes criados pela vontade humana, que adquirem personalidade própria exercendo direitos e contraindo obrigações, seja pela vontade ou pela imposição de lei. Entretanto, para Venosa (2004), o nosso direito positivo adota a teoria da realidade objetiva pois o art. 45 do Código Civil de 2002, determina que a pessoa jurídica começa sua existência com o registro do ato constitutivo. Já Rosenvald (2007), afirma que as teorias da realidade objetiva ou orgânica e a teoria da realidade das instituições ou realidade jurídica, são as teses de maior aceitação pela doutrina contemporânea, pois explicam com maior solidez o fenômeno da pessoa jurídica. 2.3 Principais características da pessoa jurídica As pessoas jurídicas legitimamente constituídas, apresentam características essenciais à sua existência tais como a personalidade distinta dos seus instituidores, autonomia patrimonial, existência jurídica diversa de seus integrantes, restrição de práticas de atos privativos da pessoa natural, capacidade de compor o pólo ativo e passivo na relação processual cível e ou criminal. Com o registro de seu ato constitutivo, a pessoa jurídica adquire personalidade distinta dos seus sócios sendo capaz de adquirir direitos e contrair obrigações por si só. Quanto a autonomia patrimonial significa dizer que o patrimônio da pessoa jurídica, não se confunde com o patrimônio de seus sócios. Para Rosenvald (2007), "é possível afirmar que a nota distintiva da pessoa jurídica é a distinção entre seu patrimônio e o dos seus instituidores, não se misturando a condição jurídica autonomamente conferida àquela entidade com a quem lhe organizou". A pessoa jurídica tem sua existência própria e não se confunde com a pessoa de seus integrantes, sendo apenas representada por estes para o exercício de direitos e para prática de atos inerentes à sociedade. Determinados atos conferidos pelo ordenamento jurídico, são privativos da pessoa natural, não sendo possível ser exercidos pelas pessoas jurídicas. No dizer de Rosenvald (2007), as pessoas jurídicas "não podem exercer atos que sejam privativos se pessoas naturais, em razão de sua estrutura biopsicológica (verbi grati, a adoção ou o casamento)". Por fim, as pessoa jurídicas tem como característica a capacidade de compor o pólo ativo e ou passivo de uma relação processual, ou seja tanto pode demandar como ser demandada na defesa de seus direitos como na responsabilização de seus atos. 2.4 Personalização da pessoa jurídica e seus efeitos A pessoa jurídica adquire personalidade própria para distinguir, ou separar, os sócios da sociedade da qual fazem parte, surgindo a autonomia do novo ente personalizado em relação aos seus sócios, passando ela própria a ser sujeito de direitos e obrigações. Da personificação da pessoa jurídica, surge para esta, a capacidade para atuar por si própria no mundo do direito. Segundo Venosa (2004, p.265) "a capacidade é decorrência lógica da personalidade atribuída à pessoa. Se por um lado, a capacidade para a pessoa natural é plena, a capacidade da pessoa jurídica é limitada à finalidade para a qual foi criada". Foi com o doutrinador Teixeira de Freitas, através do seu esboço de Código Civil, que a teoria da personalidade jurídica, foi introduzida no direito brasileiro. No artigo 17 do referido esboço, estabelecia que as pessoas ou eram de existência visível, ou de existência ideal, que poderiam adquirir os direitos que eram regulados pelo então código nos casos e pelo modo e forma que no mesmo se determinar. (VENOSA, 2004 p.256). Segundo o artigo 45 CC: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. (CÓDIGO CIVIL, 2002). Segundo o artigo 985 do CC, "a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivo". (CÓDIGO CIVIL, 2002). E ainda, assim determina o artigo 1.150 do CC: Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária Portanto, é depois de devidamente registrada que a pessoa jurídica, ganha vida autônoma surtindo efeitos no mundo jurídico. De acordo com Coêlho (2007), da personificação originam-se três direitos fundamentais para a pessoa jurídica a titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial. A titularidade obrigacional, traduz que os vínculos de obrigação jurídica, contratuais ou extracontratuais, decorrentes do exercício da atividade empresarial com terceiros (fornecedores, clientes etc.) excluem a participação direta dos sócios. A própria pessoa jurídica é quem assume a obrigação contraída, seja como credora ou como devedora. Em relação à titularidade processual, com a personificação, o novo ente, adquire legitimidade para demandar e ser demandada. Assim ela própria poderá ajuizar a ação para requerer seus direitos, como também para responder as que lhe são demandadas. Embora as pessoas jurídicas possuam capacidade de adquirir direitos e contrair obrigações, de acordo com Pereira (2007), no momento de exercê-los devem ser representadas tecnicamente pelos seus órgãos de deliberação, em caso de administração coletiva, e ou por representantes legitimados conforme estipulado no estatuto. Assim está previsto no artigo 46 do Código Civil de 2002, mas precisamente em seu inciso III, "O registro declarará: III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente" (CÓDIGO CIVIL, 2002). Quanto à responsabilidade patrimonial, que remete à questão dos bens do estabelecimento empresarial, segundo Coêlho (2007), estes são integrantes da sociedade empresarial não se confundem com os de bens particulares de seus sócios, é de propriedade dela. Não existe comunhão ou condomínio entre os sócios, os bens são de propriedade exclusiva da sociedade. Portanto, trata-se de patrimônios distintos, não se confundindo o patrimônio da pessoa jurídica com o patrimônio dos seus integrantes. Para melhor salientar a abordagem acima, no dizer Coêlho (2007, p.16): Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade. Já para Requião (2005), a sociedade adquire também, o direito de modificar a sua estrutura jurídica ou econômica. Quanto à estrutura jurídica diz respeito à modificação do contrato social, quanto à estrutura econômica traduz na possibilidade de retirada, ingresso dos sócios ou substituição de pessoas, pela cessão ou transferência de parte do capital. Assim, a princípio, responde pelas obrigações contraídas pela sociedade empresarial, apenas os bens integrantes de seu patrimônio. Somente, em situações excepcionais, o princípio da autonomia patrimonial, poderá ser relativizado para satisfazer o credor, situações essas que serão apresentadas mais adiante. 2.5 RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS Quanto a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, a regra no direito brasileiro é da responsabilidade subsidiária. A única exceção à regra da subsidiariedade é a do sócio que atua como representante legal de sociedade irregular, não registrada na junta comercial (COÊLHO, 2007, p. 28). A responsabilidade subsidiária, significa dizer, que quem responde inicialmente pela obrigação, é o patrimônio da sociedade empresária, e que enquanto não esgotado o patrimônio desta, não se poderá almejar o patrimônio dos sócios. Conforme artigo 1.024, do Código Civil de 2002, "os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais". Já no Código de processo Civil, é reforçada a regra da subsidiariedade, prevista no artigo 596, caput, "os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro exaurido os bens da sociedade". Assim, existe um benefício de ordem na responsabilidade subsidiária, primeiro deverão ser invocados, os bens da sociedade, se esses não forem suficientes para satisfazer os credores, aí sim deverão ser invocados os bens particulares dos sócios, na medida da sua cota subscrita no capital social. A responsabilidade subsidiária, se divide em duas espécies, a limitada e a ilimitada. Na responsabilidade limitada, os sócios se responsabilizam pelas obrigações dentro do limite que subscreveu para a integração do capital. Enquanto que nas de responsabilidade ilimitadas, eles respondem sem nenhuma limitação, arcando com o valor integral da dívida contraída pela sociedade. Na responsabilidade solidária entre a sociedade e os sócios, não existe tal benefício de ordem, sendo possível cogitar diretamente o patrimônio dos sócios. Entretanto, a solidariedade entre os sócios é a regra geral no direito societário quando se tratar de integração do capital social e não entre os sócios e a sociedade (COÊLHO, 2007, p. 29). Portanto, a responsabilidade dos sócios, nas sociedades em geral, só ocorre depois de exaurir todo o patrimônio social, respeitando assim, o princípio da autonomia patrimonial. 3 DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 3.1 Definição A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, (disregard theory), é uma técnica utilizada nos casos de abuso de direito a ela concedida pelo desvio da finalidade para qual ela foi constituída e ou pela confusão patrimonial. Como exposto no início deste estudo, a pessoa jurídica surgiu da necessidade da integração de indivíduos para que pudessem com o amparo legal alcançar o reconhecimento da autonomia patrimonial e atingir seu fim. Mas, como o uso tende ao abuso, essa concessão de direitos pelo ordenamento jurídico, e principalmente quanto à autonomia patrimonial que distingui o ente moral de seus integrantes, se sujeita a sofrer desordem em sua finalidade. Para Coêlho (2007, p. 34), "a sociedade empresária, em razão de sua natureza de pessoa jurídica, isto é, de sujeito de direito autônomo em relação aos seus sócios, pode ser utilizada como instrumento na realização de fraude ou abuso de direito". A teoria, portanto, relativiza o conceito, antes absoluto, da pessoa jurídica e da separação patrimonial, permitindo ao Juiz penetrar o manto da personalidade para coibir os abusos ou condenar a fraude, através de seu uso. A desconsideração da personalidade jurídica, não visa separar as pessoas do sócio da sociedade, mas torná-los suscetíveis de responder pelas obrigações contraídas pela sociedade da qual fazem parte. Cabe distinguir a despersonificação da desconsideração. Segundo Fábio Konder Comparato, citado por Requião (2005), o primeiro instituto trata da anulação definitiva da personalidade jurídica, enquanto que na desconsideração apenas suspende temporariamente a eficácia da personalidade jurídica. Portanto, a palavra desconsideração, no contexto deste estudo, significa tornar sem efeito, ignorar, ou seja, não reconhecer a personalidade jurídica de determinada sociedade (REALI, 2003). Quando a personalidade jurídica for utilizada fugindo de sua finalidade, para lesar terceiros, deve ser desconsiderada, decidindo o juiz como se o ato ou o negócio houvesse sido praticado pela pessoa natural. Na verdade a pessoa natural, na maioria os próprios integrantes da pessoa jurídica, procura um escudo de legitimidade da pessoa jurídica, mas o ato é fraudulento e ilegítimo (VENOSA 2004, p.309). Segundo Coêlho (2007, p. 127), "a desconsideração é instrumento de coibição do mau uso da pessoa jurídica: pressupõe, portanto, o mau uso." Como bem explica Pereira (2007, p.334): Modernamente entretanto, o desenvolvimento da sociedade de consumo, a coligação de sociedades mercantis e o controle individual de grupos econômicos têm mostrado que a distinção entre sociedade e seu integrantes, em vez de consagrar regras de justiça social, tem servido de cobertura para a prática de ilícitos, de comportamentos fraudulentos, de absolvição de irregularidades, de aproveitamentos injustificáveis, de abusos de direito. Os integrantes da pessoa jurídica invocam o princípio da separação, como se tratasse de um véu protetor. Era preciso criar um instrumento jurídico hábil a ilidir os efeitos daquela cobertura. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica é também conhecida como teoria da penetração justamente pelo fato de que, configurado a prática de negócios fraudulentos e desvinculados da finalidade desta, o patrimônio dos sócios é que irão responder pelos danos causados. Cabe salientar que segundo Coêlho (2006), a teoria da desconsideração da pessoa jurídica não pretende desfazer da construção histórica do princípio da autonomia patrimonial da sociedade e seus sócios, mas sim proteger a verdadeira finalidade para qual foi criada além de coibir a prática de fraudes e abusos. Ela não questiona o tal princípio, que continua válido e eficaz ao estabelecer que em regra, os membros da pessoa jurídica não respondem pelas obrigações desta. Trata-se de um aperfeiçoamento da teoria da pessoa jurídica, através da coibição do mau uso de seus fundamentos. Assim, a pessoa jurídica desconsiderada não é extinta, liquidada ou dissolvida pela desconsideração; não é igualmente, invalidada ou desfeita. Apenas determinados efeitos de seus atos constitutivos deixam de se produzir episodicamente. Em outras palavras, a separação patrimonial decorrente da constituição da pessoa jurídica não será eficaz no episódio da repressão à fraude. 3.2 Aspectos históricos A teoria da desconsideração da personalidade jurídica surgiu no direito Anglo-saxão, na Inglaterra, em 1897, onde foi desenvolvida e difundida no Direito Ianque. É fruto de precedentes jurisprudenciais oriundos do sistema common law, que tem por fonte de direitos o costume. Essa teoria também é chamada de disregard doctrine, significa que em determinados casos fáticos, o Poder Judiciário desconsidera a personalidade da entidade, visando invocar a verdadeira responsabilidade de quem na realidade praticou determinados atos causadores de danos e fraudes, utilizando-se da personalidade jurídica. Em especial, o caso Salomon v. Salomon & Co. Ltda, julgado em 1897 pela House of Lords, última instância inglesa, foi o marco para a difusão da teoria, conforme relatado por Nelson Rosenvald (2007, p. 310). O comerciante britânico de couros e sapatos, Aaron Salomon, fundou em 1892 uma pessoa jurídica denominada Salomon & Co. Ltda que tinha como sócios ele mesmo, a esposa mais cinco filhos. A sociedade possuía 20.007 ações nominais, sendo que cada sócio possuía uma única ação enquanto que as restantes (20.001) foram atribuídas pelo próprio Aaron Salomon, das quais foram integralizadas 20.000 ações, com a transferência de um fundo de comércio que possuía, individualmente, para a sociedade. Como o valor do fundo de comércio era superior ao valor das cotas integralizadas, o sócio Aaron Salomon passou a ser credor da Solomon & Co. Ltda., inclusive dispondo de garantia privilegiada. Com a derrocada da sociedade, vindo a entrar em insolvência e ser dissolvida, o credor privilegiado Aaron Salomon pretendeu fazer valer os seus direitos em detrimento dos demais credores quirografários. O caso Salomon v. Salomon & Co. Ltda, foi demandado pelos credores prejudicados pelo ato fraudulento de Salomon. O liquidante que versava sobre os interesses dos credores sem garantia, sustentou que a atividade da CO. LTDA, era uma atividade pessoal de Salomon para limitar a própria responsabilidade. Portanto, ele deveria ser condenado ao pagamento de seu crédito após a satisfação dos demais credores quirografários. Em primeira instância foi acolhido o pedido dos credores prejudicados, bem como também, pela Corte de Apelação. No entanto, a Casa dos Lordes acolheu o recurso interposto por Aaron Salomon, reformando o entendimento das instâncias inferiores, reconhecendo que a CO. LTDA tinha sido constituída de forma válida, pois a lei simplesmente requeria a participação de sete pessoas, e que não houve nenhum intuito de fraudar os credores. A Co. LTDA era um ente diverso da Salomon v. Salomon, portanto, não existia responsabilidade de Salomon para com a company e seus credores. (BRUSHI, 2009, p. 14). Com a reforma da decisão, o caso Salomon v. Salomon & Co. Ltda demonstrou que a personalidade própria da sociedade era absoluta, à vista das leis vigentes à época. Como Salomon & Co. Ltda. era, na realidade, uma sociedade unipessoal, a decisão acabou por legitimar a possibilidade da existência de tais companhias. Piero Verrucoli, citado por, Bruschi (2009, p.15), destaca que o caso Salomon influenciou o desenvolvimento da disregard doctrine de forma negativa, posto que os princípios da separação da personalidade patrimonial estavam sendo severamente aplicados, isso porque a decisão tomada pela "House of Lords" tratava-se de precedentes que deveriam ser seguidos por todas as jurisdições. Para ele, a jurisprudência inglesa preservou o privilégio da personificação da pessoa jurídica, permitindo o uso da desconsideração somente em casos extremos. A jurisprudência reformada teve repercussão e deu origem à doutrina da "disregard of legal entity". Embora os tribunais ingleses e norte americano, inovaram ao recepcionar a teoria da desconsideração, a doutrina não teve interesse em abordar esse assunto de início, sendo na Europa Continental mais precisamente na Alemanha que os doutrinadores passaram a aprofundar na teoria por perceberem a predominância de fraude na má utilização da pessoa jurídica. É importante ressaltar a importância do jurista alemão Rolf Serick, que na década de 50, elaborou a sistemática da teoria a partir de um conceito técnico específico que se contrapõe ao princípio da separação patrimonial, adotando conceito unitário de desconsideração ligado a uma visão unitária da pessoa jurídica como ente dotado de uma essência pré-jurídica, que se contrapõe e eventualmente se sobrepõe ao valor específico de cada norma (BUSCHI, 2009, P. 16). A teoria chegou ao Brasil, em 1969, por meio de Rubens Requião, que sofreu forte influência de Rolf Serick em conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, e posteriormente publicada na Revista dos tribunais sob o título "Abuso de direito e Fraude através da personalidade jurídica (PEREIRA, 2007, p. 336). De lá pra cá, a teoria se tornou alvo de críticas e elogios, sendo inserida no ordenamento jurídico brasileiro pela primeira vez no CDC. 3.3 Natureza jurídica A autonomia da pessoa jurídica deve em regra ser preservada, mas quando determinada situação fática preencher os requisitos para sua aplicação, esta deverá ser desconsiderada. A teoria da desconsideração visa suspender a eficácia do principio da autonomia patrimonial, ou seja, distingue a pessoa jurídica das pessoas físicas que a integram, a fim de responsabilizá-los pelos atos praticados contrários à sua finalidade, ou pela confusão patrimonial. Segundo Gama (2009) a desconsideração traduz-se, na declaração de ineficácia da personalidade jurídica, para certos efeitos, conservando-se o ente coletivo absolutamente apto a prosseguir em suas atividades, desde que lícitas. A desconsideração, como o próprio nome diz, não considera a personalidade jurídica, para que se possa alcançar as pessoas e os bens que estão por de trás dela, praticando atos abusivos e fraudulentos. Para Requião (2005), quanto a natureza jurídica da teoria da desconsideração, afirma que esta não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem. É o caso da declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume para seus outros fins legítimos Portanto, a natureza jurídica da desconsideração deve ser entendida como o instituto, que suspende a eficácia da personalidade jurídica para o caso concreto específico, mas mantém sua eficácia válida para todos os outros atos legítimos. 4. PREVISÃO LEGAL DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO 4.1 Previsões antes do Código Civil de 2002 Antes da promulgação do Código Civil de 2002, não havia previsão legal adequada da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O instituto era tratado de forma imprecisa no ordenamento brasileiro aplicando-a indevidamente em situações contrárias ao propósito da teoria e ou em situações que já havia previsão legal própria para a solução de determinadas situações que não necessariamente caberiam invocar a aplicação desconsideração da personalidade jurídica. A consagração da teoria da desconsideração da pessoa jurídica em um texto legal expresso no Brasil se deu com o CDC, (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), mais precisamente em seu artigo 28 onde se delimitaram os requisitos de sua aplicação bem como as conseqüências (PEREIRA, 2007, p.337). Segundo o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.(CDC,1990) Portanto, o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor visa proteger o consumidor das práticas lesivas e abusivas dos fornecedores, onde as pessoas físicas dos administradores ou representantes deverão ser devidamente responsabilizados. Mas, tal previsão ao mesmo tempo em que contempla efetivamente a teoria quando trata do abuso de direito, a direciona também para situações que devem ser tratadas pela extensão de responsabilidade direta dos sócios. Como bem afirma Gama (2009), deve-se atentar para determinadas hipóteses que não configuram aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, por já existir mecanismo legal adequado para resolver a questão. Assim conforme previsão contida no art. 1080, do Código Civil, quando houver deliberações sociais que sejam infringentes da lei ou do contrato social, há responsabilização direta dos sócios, não sendo caso de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. Art. 1.080: A responsabilidade ilimitada dos sócios pelas deliberações infringentes da lei ou do contrato social torna desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica, por não constituir a autonomia patrimonial da pessoa jurídica escudo para a responsabilização pessoal e direta.(CÓDIGO CIVIL, 2002). Nos § 2º, 3º e 4º da art. 28 do CDC, trata-se da consideração da personalidade das sociedades interligadas, e não da desconsideração, originando uma obrigação solidária entre elas, sendo adequada a aplicação da extensão da responsabilidade direta dos sócios. Mas sério ainda, é a previsão do § 5º, pois generaliza a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando entenderem que a sua personalidade é obstáculo para o ressarcimento de danos causados a consumidores, afrontando o princípio da autonomia patrimonial e o da limitação de responsabilidade. Posteriormente outros diplomas específicos trataram do assunto: A Lei 8.884/94 que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica: Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. E a Lei 9.605/98 que trata da responsabilidade por lesões ao meio ambiente, prevista no art. 4º, "poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente". Pelo fato de terem sido inspiradas pelo art. 28 do Código de defesa do consumidor, acabaram por cometer os mesmos equívocos, gerando uma confusão entre aplicação da teoria, e a responsabilidade direta dos sócios. 4.2 Previsão legal no código civil de 2002 A norma promulgado no art. 50 do CC, supriu a lacuna legal, pois é ao direito civil que compete tratar das pessoas e da personalidade jurídica. O ordenamento jurídico brasileiro passou a contar com a previsão normativa genérica da teoria da desconsideração, editada no diploma adequado podendo ser aplicada por qualquer dos ramos específicos. Assim tal previsão, serve para nortear os outros ramos de direito uma vez que é considerado para a maioria dos doutrinadores como a mais fiel ao propósito da teoria. Antes de adentrarmos na previsão do Código civil, é interessante fazer uma análise crítica de seus projetos, que na tentativa de inserir a normatização da teoria de forma genérica, acabou por vincular a figura da desconsideração com a dissolução da sociedade. Texto original do projeto do CC: A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou coberturas à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios, ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade( XAVIER, 2002, p.139). Devido às críticas, principalmente da doutrina comercialista, Miguel Reale, que na época era o coordenador da comissão de redação do Código na década de 70, modificou a redação inicial do dispositivo, que passou a ser a seguinte: A pessoa jurídica não pode ser desvirtuada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos ou abusivos, caso em que poderá o juiz a requerimento de qualquer dos sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade (XAVIER, 2002, p.140). A nova redação inovou com relação à legitimidade para requerer a desconsideração. Para Xavier (2002), o novo texto deslocou a legitimidade do pedido de desconsideração da personalidade jurídica para os sócios e ou Ministério Público, afastando assim, a legitimidade do lesado e possibilitando a dissolução da entidade como sanção alternativa excepcional. Mesmo assim, de acordo com Coêlho, (1989), o texto não contemplava a teoria no seu verdadeiro fundamento, pois previa a exclusão do sócio responsável como sanção. Já Já Requião (1975) manifestou no sentido contrário entendendo que o texto previa a dissolução da sociedade. Em ambos os entendimentos o texto do anteprojeto, confundia o instituto como forma de punir os sócios responsáveis pelo desvio de finalidade, não considerando o princípio da autonomia e da independência patrimonial. Requião então apresentou novo texto conforme transcrição da obra de XAVIER (2002, p.141): a pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de ilícitos ou abusivos de sócio. Neste caso, o juiz, desconsiderando a existência da personalidade jurídica, a pedido do credor do sócio, poderá permitir a efetivação de sua personalidade sobre os bens incorporados na sociedade para sua participação no capital social. O texto apresentado pelo renomado autor, não foi aceito pela doutrina, pois a direcionou para os interesses dos credores. Segundo XAVIER (2002, pag.141), Para essas situações nossos tribunais já tinham a solução, através da penhora de cotas e ações da sociedade por dívidas pessoais dos sócios. Por fim, foi apresentada a atual redação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pelo relator Josaphat Marinho , buscando a devida adequação do instituto, conforme transcrição do CC: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (CÓDIGO CIVIL,2002). Ao elaborar sua proposta o relator, ressaltou expressamente que a verdade original da doutrina, é que ao penetrar na personalidade jurídica desestimando-a, o juiz não anula a sociedade, que continua normalmente as suas atividades apenas desfalcada dos bens do sócio fraudulento nela incorporados. Com a nova redação, as falhas foram sanadas, e assim o instituto adequou à finalidade pela qual foi criada. O propósito de dissolver a sociedade em conseqüência da desconsideração foi afastado, e a personalidade da pessoa jurídica ficará temporariamente suspensa para atingir os sócios ou administradores. A legitimidade para requerer a desconsideração foi generalizada, ou seja, qualquer um que tiver sofrido lesão pela prática abusiva da personalidade será considerado legítimo a requerê-la. Além disso, ficou claro que não cabe a desconsideração de ofício pelo juiz. Quanto às relações obrigacionais, configurou que a responsabilidade pelos danos causados, poderá atingir os bens particulares dos administradores ou sócios não somente nas relações contratuais, mas também em outras situações do direito civil. No texto atual, não mais somente os sócios poderão ser atingidos, mas, também os administradores uma vez que, o direito societário permite administradores não sócios. Neste caso vale salientar, que deverão ser apontados somente os que efetivamente contribuíram para a prática do abuso da personalidade jurídica. Destarte, a previsão do Código Civil 2002, incorporou a verdadeira finalidade da teoria, delimitando que o instituto deve ser aplicado somente nos caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, buscando-se assim, afastar sua aplicação em situações em que não são cabíveis. O abuso, mencionado na teoria, não é da personalidade jurídica, mas sim do direito à personificação, ou seja, do direito de constituir um ente abstrato, com personalidade distinta dos sócios que a integra. 5 PRESSUPOSTOS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, A LUZ DO CÓDIGO CIVIL 5.1.1 Do abuso de direito Para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a princípio, é necessário que constituição da pessoa jurídica apresente todos os requisitos de validade. A presença de um defeito no ato jurídico constitutivo da sociedade conduz à própria inexistência deste ente, não sendo portanto passível de desconsideração. A pessoa jurídica só adquire personalidade atendendo todas as exigências legais. Diz-se que houve o abuso de direito, quando ele é exercido extrapolando os limites impostos por lei e ou quando ele é exercido de modo contrário a sua finalidade ética e social. Assim, o abuso de direito à personalização, poderá ser identificada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. (NEGRÃO, 2006, P. 261). O abuso de direito, caracteriza-se pelo uso excessivo e injustificado de determinado instituto amparado por lei. O direito só é um direito, quando exercido em conformidade com seu destino social, contudo, o direito dos sócios em relação à pessoa jurídica, deve ser de acordo com a finalidade para qual foi criada. O Código Civil de 2002 consagrou a teoria do abuso de direito em seu artigo 187, "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". O abuso de direito é uma espécie de ato ilícito, pois no abuso de direito viola-se o direito, pelo exercício abusivo em desrespeito aos valores sociais, econômicos, a boa fé e ou pelos bons costumes, enquanto que o ato ilícito afronta diretamente uma disposição legal. A diferença entre o ato ilícito e o ato abusivo vem sendo apontada, na atualidade, de maneira tranqüila enquanto no ato ilícito o agente viola frontal e diretamente o comando legal que previa a conduta que deveria ser tomada, no ato abusivo há o exercício de direito aparentemente pelo titular com violação dos valores que justificam o reconhecimento e proteção desse direito pelo ordenamento jurídico em vigor. Existe uma atuação anti-social, antieconômica, ou contrária à boa-fé objetiva e aos bons costumes. Há pois, a atribuição e reconhecimento de densidade normativa aos princípios jurídicos, notadamente os de estatura constitucional, submetendo os direitos aos valores sociais. (GAMA, 2006, p.197). O abuso de direito não é apenas uma conduta do titular de direito, com aparência de licitude, já que ele não contraria sua estrutura formal definida pela norma, mas importa em violação de deu sentido concreto, da intenção normativa que lhe serve de fundamento (BRUSCHI, 2009, p.16). No que tange a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, deve-se necessariamente apresentar os pressuposto de admissibilidade de sua aplicação, previstos no art. 50 do Código Civil de 2002. Assim, e como realmente deveria de ser, tem decidido os tribunais brasileiros: 48224924 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS. INEXISTÊNCIA. 1. A desconsideração da personalidade jurídica é medida excepcional, somente admitida diante da prova inequívoca de fraude ou de abuso de poder (art. 50 do Código Civil). 2. A circunstância de falta de pagamento no prazo não demonstra a prática de ato fraudulento ou de exercício abusivo de direito por parte da sociedade empresarial, requisitos indispensáveis ao deferimento da medida. 3. Recurso desprovido. (TJ-DF; Rec. 2008.00.2.005410-6; Ac. 317.533; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Mario-Zam Belmiro; DJDFTE 26/08/2008 (DISTRITO FEDERAL, 2008). Em relação a fraude, embora não esteja expressamente prevista no texto do artigo 50 do Código Civil de 2002, encontra-se inserida no conceito de abuso da personalidade jurídica. A fraude se difere do abuso de direito pela intermediação entre a intenção de prejudicar terceiro e o dano. Enquanto na fraude, inexiste elemento intermediário, no abuso de direito, a intenção de prejudicar terceiro procura se viabilizar através do exercício de um direito, porém de forma distorcida (COÊLHO, 1989, P.60). Na lição de Pereira (2007, P. 465), fraude é: [..] segundo os princípios assentados em nosso Direito, em consonância com as idéias mais certas, a manobra engendrada com fito de prejudicar terceiro, e tanto se insere no ato unilateral (caso em que macula o negócio ainda que dela não participe outra pessoa), como se imiscui no ato bilateral (caso em que a maquinação é concertada entre as partes). Já para Galhardo júnior (1995, p.49): Para que se desconsidere a pessoa jurídica, é necessário que o dano causado seja decorrente do uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial. Quando a fraude e o abuso de direito podem ser combatidos sem a necessidade de afastar-se a personalidade distinta da pessoa jurídica (como quando é aplicável o regramento dos vícios dos atos jurídicos), a teoria da desconsideração é inócua [...]. Segundo para Coêlho (1989, p.56): A fraude que enseja a aplicação do superamento da pessoa jurídica pode ser definida como ?o artifício malicioso para prejudicar terceiro?, não se limitando este terceiro aos credores, mas abrangendo qualquer sujeito de direito lesado em seus interesses jurídicos. Assim, quanto a questão da desconsideração pelo pressuposto de fraude só é cabível, quando outro instituto não possa apresentar a solução. Para determinados casos de fraudes, é indicada a ação pauliana, que visa a anulação de atos fraudulentos (BRUSCHI, 2009, p.37-38). Os casos mais comuns desta prática equivalem a atos de transmissão gratuita de bens ou de remissão de dívidas e o pagamento antecipado de dívidas vincendas. 5.1.2 Do desvio da Finalidade O desvio de finalidade é a primeira hipótese de desconsideração prevista no art.50 do Código Civil, caracteriza-se quando se constitui o ente abstrato com o intuito de esconder a identidade dos sócios para praticar atos contrários a finalidade pela qual ela deveria conservar, qual seja a de união de pessoas para a consecução de interesses em comum. O estatuto da pessoa jurídica que é levado a registro junto ao órgão competente, estabelece a verdadeira finalidade de sua criação, no entanto, caracterizará o desvio quando os sócios ou responsáveis, praticarem atos contrários ou extrapolando os limites ali estabelecidos. Conforme decisão do Tribunal de Justiça mineiro: CIVIL - EXECUÇÃO - SOCIEDADE EMPRESÁRIA - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA - DESVIO DE FINALIDADE - DEMONSTRAÇÃO - TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS ENTRE PESSOAS JURÍDICAS QUE POSSUEM SÓCIOS COMUNS - OPERAÇÃO QUE VISOU FRUSTAR A SATISFAÇÃO DA DÍVIDA EXEQUENDA - FRAUDE À EXECUÇÃO - USO ABUSIVO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Em face do disposto no art. 50 do Código Civil, o deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária reclama a demonstração pelo requerente da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não sendo suficiente a inexistência de bens passíveis de satisfazer crédito reclamado em ação de execução. A transferência de recursos financeiros realizada entre sociedades empresárias que possuem sócios comuns com o objetivo de inviabilizar a satisfação de dívida exeqüenda caracteriza o desvio de finalidade e possibilita o deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que o patrimônio dos sócios possa ser atingido pela penhora. (MINAS GERAIS, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ACÓRDÃO Nº 1.0024.97.105367-3/002(1), 15 DE JULHO DE 2008). A respeito do tema, lecionam Nelson Nery J e Rosa Maria de Andrade Nery (2006, - p.208): A identificação do desvio de finalidade nas atividades da pessoa jurídica deve partir da constatação da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não o seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica. Portanto, o desvio de finalidade, caracteriza-se quando ao comparar o objeto social da pessoa jurídica, verifica-se que esta exerce atividades ou pratica atos com finalidades diversas daquelas que foram formalmente estabelecidas em seu contrato social. 5.1.3 Da confusão patrimonial Já confusão patrimonial poderá se configurar, quando houver o abuso direito atribuído a personalidade, sempre que ocorrer desordem patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus integrantes. Assim, da mesma forma que o princípio autonomia patrimonial, protege o patrimônio dos sócios ele protege também o patrimônio da pessoa jurídica, criando uma fronteira eles. Nos dizeres de Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2006, P.209): Confusão patrimonial. Também é aplicada a desconsideração nos casos em que houver confusão entre o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica. Essa situação decorre da não separação do patrimônio do sócio e da pessoa jurídica por conveniência da entidade moral. Neste caso, o sócio responde com seu patrimônio para evitar prejuízos aos credores, ressalvada a impenhorabilidade do bem de família e os limites do patrimônio da família. Os exemplos mais comuns são o pagamento de contas particulares dos sócios, a compra de bens particulares com recursos da empresa, a compra de veículos em nome da empresa para uso próprio, entre outros. Portanto, entende-se por confusão patrimonial neste contexto, a ausência de distinção entre o patrimônio social e o patrimônio dos sócios que se caracteriza pela inobservância de regras legais ou pelas circunstâncias fáticas que impossibilite a distinção entre a massa patrimonial da pessoa jurídica e a de seus sócios. 6. TEORIA MAIOR E MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO A doutrina apresenta duas formas para justificar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a teoria maior e a teoria menor. Conforme Coêlho ( 2007, p.36): Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial.. A teoria maior defende que o juiz somente poderá ignorar o princípio da autonomia patrimonial para combater as fraudes e abusos praticados sob a proteção da personalidade jurídica. Segundo Rosenvald (2007), esse argumento diferencia a finalidade da teoria dos outros institutos jurídicos que remete à responsabilidade aos sócios. A teoria maior se subdivide em objetiva e subjetiva que depende da existência ou não, do elemento anímico para a desconsideração e atendimento dos requisitos legais. Para Comparado, (citado por Alexandre Couto silva, 2000, p.53), a teoria maior objetiva baseia-se, na separação patrimonial, destacando os fundamentos da desconsideração conforme negócios interna corporis- desvio de poder e fraude à lei ? ou externa corporis da pessoa jurídica ? confusão patrimonial entre titular do controle e sociedade controlada. Já na teoria subjetivista segundo Alexandre Couto silva (2000), os requisitos para a aplicação da teoria da desconsideração, são de caráter subjetivos e não contemplam todo o terreno da ocorrência da teoria. A teoria menor segundo Rosenvald (2007), "trata como desconsideração da personalidade jurídica toda e qualquer hipótese de comprometimento do patrimônio do sócio por obrigação da empresa. Centra seu cerne no simples prejuízo do credor para afastar a autonomia patrimonial". O fundamento das teorias maior e menor são bem distantes uma da outra, pois, a maior restringe a aplicação da desconsideração à existência de fraude e ou abuso, enquanto que a menor remete a possibilidade de aplicação pelo simples prejuízo do credor. O Código Civil brasileiro adotou a teoria maior objetiva, que resguarda a comprovação do abuso ou fraude do direito societário, ou mesmo a simples confusão patrimonial. Enquanto que o art.28 do Código de defesa do consumidor e o direito ambiental, abraçaram a teoria menor (ROSENVALD, 2007, P. 312). Conforme decisão do tribunal paulista: Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. (DISTRITO FEDERAL, STJ - RECURSO ESPECIAL: RESP 279273 SP 2000/0097184-7, 04/12/2003) Entretanto, a regra é que a pessoa jurídica tem existência, personalidade jurídica, direitos, obrigações e patrimônio próprios, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente será aplicada em casos específicos, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial tendo natureza absolutamente excepcional. 7 TEORIA INVERSA A teoria da desconsideração visa proteger a pessoa jurídica de atos fraudulentos e desvirtuados, praticados sob a proteção de sua personalidade, imputando a responsabilidade aos sócios ou administradores que os praticaram. Assim, é possível admitir o inverso, ou seja, desconsiderar autonomia da pessoa jurídica, para responsabilizá-la por obrigações assumidas pelos seus sócios ou administradores. Para Coêlho(2007), "a desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio". Desta forma, a fraude que a desconsideração inversa alcança, geralmente é o desvio de bens. O devedor transfere à pessoa jurídica seus bens para não serem executados. A desconsideração inversa protege de forma peculiar, o direito de família, pois, se um dos cônjuges adquirir bens de maior valor em nome da pessoa jurídica estes que a priori, que não incorporaria a massa a ser partilhada, poderão ser almejados pelo cônjuge prejudicado (COÊLHO, 1999, P.45). Conforme decisão do tribunal do Rio de Janeiro: SEPARAÇÃO JUDICIAL. RECONVENÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. MEAÇÃO. O abuso de confiança na utilização do mandato, com desvio de bens do patrimônio do casal, representa injúria grave do cônjuge, tornando-o culpado pela separação. Inexistindo prova da exagerada ingestão de bebida alcoólica, improcede a pretensão reconvencional. É possível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, usada como instrumento de fraude ou abuso à meação do cônjuge promovente da ação declaratória, para que estes bens sejam considerados comuns e comunicáveis entre os cônjuges, sendo objeto de partilha. A exclusão da meação da mulher em relação às dívidas unilateralmente pelo varão, só pode ser reconhecida em ação própria, com ciência dos credores (RIO DE JANEIRO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, APELAÇÃO CÍVEL, 07/12/1999). Vale ressaltar, que embora o Código Civil de 2002, não contemplou expressamente a aplicação da desconsideração inversa da personalidade, ela é fruto jurisprudencial e doutrinário e tem sido aplicada pelos tribunais brasileiros. Além disso, ela tem previsão no enunciado n. 283 da IV Jornada de Direito Civil do CJF, que autoriza sua aplicação, "é cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros". Nesse sentido, foi julgado o Agravo de Instrumento pela 18º câmara de direito privado paulista: Para que haja a desconsideração inversa da personalidade jurídica, ordenamento jurídico impõe que seja observado a existência dos pressupostos essenciais para a aplicação desta modalidade de desconsideração, quais sejam, a caracterização do desvio de bens, a fraude ou abuso de direito por parte dos sócios que se utilizam da personalidade jurídica para transferir ou esconder bens, prejudicando assim os credores, ou ainda, em casos de separação judicial, onde se verifica o esvaziamento do patrimônio do casal como forma de burlar a meação. Portanto, os requisitos para utilização desta técnica inversa são os mesmos da desconsideração "comum" elencados pelo Código Civil: confusão patrimonial e desvio de finalidade. Nesse mesmo sentido, Fábio Ulhôa Coelho ao comentar acerca da desconsideração inversa afirma: "Trata-se de responsabilizar a sociedade por dívidas do sócio, caso este, para perpetrar não haja preceito legal que disponha a existência da desconsideração fraudes a seus próprios credores, transfere seus bens para a empresa, continuando afruí-los livremente (...). Conclui-se que embora inversa da Pessoa Jurídica, a Doutrina, juntamente com a jurisprudência majoritária tratou de utilizar desse entendimento com o fim precípuo de impedir que o ente personalíssimo se apodere do ente jurídico para burlar a lei, "escondendo" seu patrimônio, como se do ente jurídico fosse. (SÃO PAULO,AGRAVO DE INSTRUMENTO N.° 991.09.018659-2, 18A CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, REI. JURANDIR DE SOUZA, EM 09/02/2010). O instituto da desconsideração inversa é de grande valia no ordenamento jurídico para coibir o mau uso da personalidade jurídica e também como meio para alcançar a justiça. Pois os sócios e ou administradores, visam se esquivar das obrigações pessoais contraídas, transferindo o seu patrimônio particular para a pessoa jurídica. Assim, desconsiderando a personalidade do ente, se alcança o patrimônio daqueles que de fato contraíram tal obrigação. Desse entendimento, pronunciou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina: "TJSC. Desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa". Art. 50 do CC/2002 e Enunciado n. 283 da IV Jornada de Direito Civil do CJF. O interlocutório que desconsidera inversamente a personalidade jurídica de sociedade comercial, fazendo com que a empresa responda com seu patrimônio pela dívida pessoal do sócio, está circunscrito aos pressupostos do art. 50 do atual Código Civil, cabendo ao juiz, fundamentadamente, apontar as razões do seu convencimento, seja pelo acolhimento ou rejeição do pedido, sob pena de vulneração aos arts. 93, IX, da CRFB, e 165, do CPC, dispositivos que transmitem a necessidade de motivação nas decisões judiciais, ainda que concisa, sob pena de nulidade. Conheça, também, o Enunciado n. 283 da IV Jornada de Direito Civil do CJF, que autoriza a desconsideração da personalidade jurídica "inversa": É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros".(SANTA CATARINA, TRIBUNAL DE JUSTIÇA., Acórdão: Agravo de instrumento n. 2005.031945-4, de Canoinhas.Relator: Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi). Portanto, a teoria da desconsideração inversa, tem por finalidade impedir a utilização da pessoa jurídica para burlar a lei, afastando o princípio da autonomia patrimonial para atingir os sócios ou administradores que se "escondem" atrás da personalidade jurídica para praticar atos contrários à sua finalidade. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pessoa jurídica é o instituto que visa proporcionar seus instituidores a consecução de seus objetivos de forma independente. Assim o ente tem existência própria, adquirindo personalidade depois de devidamente registrada, tornado-se capaz por si só, de adquirir direitos e contrair obrigações. Em conseqüência de sua personalidade própria, a pessoa jurídica tem como uma das principais características a autonomia patrimonial, ou seja, seu patrimônio não se confunde com os de seus sócios. Entretanto, a pessoa jurídica está sujeita à práticas abusivas e fraudulentas, fundamentadas em interesses pessoais, contrárias à sua razão de ser. Assim, principalmente da necessidade de proteger o instituto da pessoa jurídica, contra atos que a desvirtua de suas finalidades, surge a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que é uma técnica de aplicação excepcional nos casos em que se verifica a existência dos pressupostos previsto no art. 50 do Código Civil de 2002, quais sejam, o abuso de direito pelo desvio de finalidade e ou confusão patrimonial. Portanto, com a previsão da teoria no CC, o ordenamento jurídico brasileiro, passou a regulamentá-la como norma geral, podendo ser aplicada por outros ramos do direito brasileiro desde que presentes seu pressuposto de admissibilidade. Depois dessa abordagem geral dos aspectos da teoria da desconsideração, sugere-se para novos estudos o histórico de sua aplicação, desde a chegada da teoria no Brasil até os dias atuais, tendo como marco temporal a promulgação do Código Civil de 2002. REFERÊNCIAS BRASIL, CÓDIGO CIVIL, São Paulo, 10ª Ed. Revistas dos Tribunais, 2008. 494 p. BRASIL.TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO. 8º Câmara. Apelação Cível nº 1999.001.14506. Relator Des. Letícia Sardas. Julgado em 07/12/1999. BRASIL,TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS, ACÓRDÃO Nº 1.0024.97.105367-3/002(1), 15 DE JULHO DE 2008). BRASIL, DISTRITO FEDERAL, SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO ESPECIAL: RESP 279273 SP 2000/0097184-7, 04/12/2003) BRASIL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Rec. 2008.00.2.005410-6; Ac. 317.533; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Mario-Zam Belmiro; DJDFTE 26/08/2008. SÃO PAULO,AGRAVO DE INSTRUMENTO N.° 991.09.018659-2, 18º câmara de direito privado, rei. Jurandir de Souza, em 09/02/2010). BRASIL. Acórdão: Agravo de instrumento n. 2005.031945-4, de Canoinhas.Relator: Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi. DJSC Eletrônico n. 56, edição de 19.09.06. Disponível in . BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração a personalidade jurídica: aspectos processuais. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. COÊLHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil ? direito de empresa. Volume 2. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 516 p. COÊLHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. 1ed. São Paulo: Revista do tribunais, 1989, 95 p. COELHO, Fábio U. Curso de direito comercial: direito da empresa volume 1: direito da empresa 11.ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. 509p. DINIZ, Maria Helena. 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