A TELEVISÃO, A CRIANÇA E A FAMÍLIA

Historicamente, o conceito de infância foi construído, caracterizando a criança em diferentes contextos como um vir a ser, um adulto em miniatura, um ser incompleto em relação ao adulto. Essa concepção se caracteriza pela imposição de uma rotina para a criança que reproduz a lógica do cotidiano adulto, ou seja, o adulto pensa pela criança e ela é vista como imperfeita, que precisa ser formada por modelos por eles estabelecidos, desconsiderando-a como um sujeito histórico, capaz de modificar o mundo e ser dialeticamente por ele modificado, cabendo-lhe somente a assimilação passiva dos conteúdos culturais produzidos historicamente. A criança aprende em contato direto com o adulto, mas também por meio de suas interações com o mundo circundante. Assim, no que se refere ao seu contato com a TV, deve-se lembrar que.A criança também é educada pela mídia, principalmente pela televisão. Aprende a informar-se, a conhecer os outros, o mundo, a si mesmo, a sentir, a fantasiar, relaxar, vendo, ouvindo, “tocando” as pessoas na tela, pessoas estas que lhe mostram como viver, ser feliz, infeliz e odiar. (MORAN; MASETTO; BEHRENS, 2000, p. 33).

Dessa forma, a relação que a criança tem com a mídia é prazerosa, visto que é uma relação feita de exploração sensorial, narrativa, em que aprendemos vendo as histórias dos outros. Tais observações diferem daquela anteriormente feita, de que a criança que vê TV recebe tudo pronto e, portanto, é pouco imaginativa. O que de fato se pode dizer é que o contato com a televisão produz na criança reações comportamentais  questionáveis em face dos padrões estabelecidos. Ao assumir um papel importante na tentativa de despertar nas crianças uma falsa realidade, importando valores, costumes e conteúdos ideológicos, o mundo televisivo de tal forma se confunde com a realidade.

De acordo com Perrotti (1990, p. 15), uma observação necessária refere-se ao conceito de cultura, talvez porque traga mais problema que o conceito de criança. O que interessa é questionar uma concepção de cultura e de processo cultural para crianças. De forma implícita ou explicita, sempre se estabelece uma equivalência entre cultura e produto cultural, reduzindo o primeiro termo ao segundo. Cultura aparece como o resultado de um processo, a herança social. Os produtos culturais seriam expressões de um modo de vida determinado que, enquanto tal, se explica e se justifica. Pensar a formação da criança sob a ótica de uma sociedade capitalista implica perceber a necessidade de refletir acerca das influências que divisão social do trabalho e as relações de classe social exercem sobre o processo educativo.

De acordo com Fonseca “[...] Nesse modelo as crianças burguesas são instrumentalizadas para dirigir a sociedade e as das classes trabalhadoras são formadas para o trabalho” (2004, p. 19). Assim, a criança assumiria o papel de consumidora de bens culturais impostos socialmente; a cultura acaba de uma forma banalizada servindo apenas como instrumento de dominação e cabe à própria criança a incumbência de assimilar e adaptar-se aos moldes e padrões estabelecidos pela sociedade.

Na visão de Perrotti (1990), o mundo da criança sofre, em decorrência dessa mudança nos hábitos das famílias, conseqüências fatais. Aquilo que lhe era vital foi, pouco a pouco, tomado: o quintal, a rua, o jardim, a praça, a várzea, o espaço livre. Essa tomada do real tenta compensar com o simbólico. Resta, pois, evitar abordagens que tratam a produção cultural para crianças como necessidade, remédio para os males do mundo. Assim a visão de produção cultural para crianças, enquanto ajusta-se a uma necessidade do sistema econômico em se reproduzir, ainda que seja à custa da morte do lúdico, do prazer, da criação, da aventura do sonho e do encontro nas diversas fases do educando. A infância ainda está marcada por tradições como os jogos orais, os livros e pelas mudanças do mundo contemporâneo em que as crianças dividem o tempo e espaço com a TV. Reflexo das mudanças ocorridas na sociedade. Antes podia ver portões abertos e crianças brincando nas ruas com os amigos, hoje ficam presas em suas casas, e os pais, ficam mais “satisfeitos” vendo seus filhos quietos e “seguros” diante da TV, reduzindo as participações nos jogos e brincadeiras típicas de sua idade. Para Belintane (2006, p.98), cabe à família e à escola oferecer às crianças, interações presenciais repletas de atividades que lhe permitam dispor de seu corpo, de sua memória e sensações. Muito se pensa que nesse tempo que criança passa em frente à TV poderia estar junto aos seus pais, poderia aproveitar para ler, interagir com outras crianças e porque não dizer, dedicar-se mais aos estudos.

Necessária ou não, são variadas as formas com que se analisa a influência da TV na vida dos seres humanos em geral, sobretudo, das crianças. Há um consenso que diz que a televisão induz o indivíduo ao consumismo e as crianças são tidas como consumidoras e gastadoras em potencial, pois, mesmo sem trabalhar, elas podem consumir ou usar de chantagens junto aos pais para conseguir realizar seus desejos. Por ter a criança uma forte influência na família e sabedora dessa característica do público infantil, a mídia utiliza estratégias de marketing para alcançar as crianças, criando um mercado específico de produtos infantis para atender a demanda desse público, como alimetação, marca de roupas, brinquedos dentre tantos outros atrativos.

 Ainda nessa perspectiva, a mudança de comportamento ocorrida nas famílias, em decorrência da televisão, tem levado as crianças a uma infância empobrecida, sem criatividade, sem limites para seus caprichos e vontades. Musser afirma que “[...] quando um adulto e seus filhos assistem televisão juntos, os pais podem tornar a experiência mais vantajosa para as crianças” (2001, p. 493), de forma que esses momentos possam ser aproveitados para dialogar com os filhos, discutir valores e informações veiculados.

Segundo o pensamento de Marques as crianças e jovens impressionáveis podem assumir que aquilo que vêem na televisão é normal, seguro e aceitável. Neste sentido uma mensagem preocupante que a televisão nos transmite é a de que a violência é aceitável e até pode ser divertida. O mais perigoso disto tudo é que uma cena que dura  apenas alguns segundos transmitida numa pequena parte de um programa pode ser recordada a longo prazo, mais do que qualquer outra cena da história. (2008)

Diante dessas considerações, é de suma importância que a família analise o que assiste junto com as crianças, levando em consideração as limitações de cada um em assimilar o que vê. Sabe-se que o ideal não é proibir a criança de ver televisão e sim ajudá-la a criticar e selecionar o que assiste, pois é possível selecionar programas que ajudem no desenvolvimento cognitivo da criança.

De acordo com Rezende e Borges (1993), a criança é uma consumidora da TV, pois passa horas do dia diante desta, sendo privada de atividades fundamentais para o seu desenvolvimento, assim afirma que“[...] permanecendo várias horas a absorver como uma esponja tudo o que a TV apresenta, ante a redundância verbal do veículo, não lhe sobra alternativa que não a emudecida inércia” (REZENDE; BORGES, 1993, p. 21).

Isso decorre das condições em que os pais se encontram depois de uma jornada de trabalho árdua e preocupações diversas. Ainda de acordo com os autores, considerar os pais como telespectadores críticos, quando nem sequer observam se o que os filhos estão vendo é apropriado ou não, quando querem ver os filhos calados e quietos, não é tarefa fácil.

Assim, a formação crítica do telespectador infanto-juvenil, que deveria estar sob responsabilidade da família, acaba sendo partilhada com a escola e esta precisa se integrar nessa perspectiva com uma educação voltada para os conteúdos televisivos a fim de que a criança possa compreender e explorar as mensagens televisivas para que essas tenham significado em sua vida. Nos dias atuais, a criança passa muito mais tempo com os super-heróis da televisão do que com sua família e professores. Heróis esses que, em sua maioria, são violentos e as crianças tendem a imitá-los. Estas cenas agressivas podem ser constatadas a qualquer hora do dia, principalmente, nos desenhos destinados ao público infantil. A interferência dos desenhos animados na formação da criança é clara, visto que a criança tende a aprender imitando e reconhecendo as atitudes de seus heróis como perfeitas.

 

Sabe-se que as informações e questionamentos que são oferecidos às crianças, como as formas de memorizar, e de perceber e solucionar problemas são gestadas coletivamente e convertem-se em funções psicológicas do indivíduo.

O conceito vygotskyano de zona de desenvolvimento proximal torna-se pertinente para analisar esse processo, pois, segundo Vygotsky (2007), a criança transformaria as informações recebidas conforme as estratégias e conhecimentos por ela adquiridos. Assim os gestos, imagens e conceitos que formam o seu pensamento dependem do contexto social em que está inserida, e da linguagem adquirida pelo seu grupo social. Isso constitui um processo importante em seu desenvolvimento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

 

BELINTANE, Claudemir. Entre pessoas e máquinas. Revista mente e cérebro, São Paulo, v. 4, p. 98, 2006.

 

FONSECA, Hugo Leonardo. Indústria cultural e educação infantil: o papel da televisão. Revista UFG, ano VI, p. 18-21, 2004.

 

 MARQUES, Tereza Paula. As crianças e a televisão. Disponível em: <http://www.dialogodegeracoes.wordpress.com>. Acesso em: 08/06/2011

 

MUSSER, Paul Henry et al. A televisão como influência socializante. In: Desenvolvimento da personalidade da criança. São Paulo: Harbra, 2001.

 

PERROTTI, Edmir. A criança e a produção cultural. In: A produção cultural para criança. 4. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.

 

REZENDE, A L. A Tevê e a criança que te vê. São Paulo – SP: Cortez, 1989.

 

VIGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente. Tradução de José Cipola Neto, Luiz Silveira Menna Barreto e Solange Castro Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.