A Tecnologia da Informação e o Congestionamento do Judiciário

 

Segundo dados informados pelo CNJ, a taxa de congestionamento de processos judiciais no Brasil chega a 71%. Ou seja, a cada 100 processos que tramitaram no ano de 2014, apenas 29 foram baixados. Para ser exato, são mais de 95 milhões de processos em tramitação. Diante deste cenário desesperador, talvez alguns acreditem que não há solução para o gargalo no judiciário brasileiro.


Figura 1: Processos em Tramitação




Figura 2: Congestionamento de Processos

 

Em vez de tentar achar culpados, sejam eles os magistrados, servidores, advogados, os nossos códigos de processo, os jurisdicionados ou até mesmo a falta de verba, analisemos como os recursos tecnológicos disponíveis atualmente seriam úteis para amenizar a situação. Para tanto, consideremos alguns processos de negócio que, em maior ou menor grau, fazem parte do dia a dia dos fóruns de tribunais brasileiros:

 

Atendimento a partes e advogados

 

As pessoas envolvidas diretamente em um processo judicial – principalmente advogados e partes – precisam estar a par de tudo que acontece com ele. Devido à indisponibilidade ou disponibilidade incompleta de informações acerca dos processos, em muitos casos estas partes interessadas precisam ir até os fóruns para obtê-las. Por sua vez, é necessário também que as unidades judiciárias e centrais de distribuição disponibilizem recursos humanos, que muitas vezes já são escassos, para atender essas pessoas interessadas.

Os dados públicos dos processos poderiam ser disponibilizados na internet, em meio amplamente divulgado e de fácil acesso. Os dados seriam estruturados e completos, sendo possível obter informações acerca de movimentações, audiência, inteiro teor e prazos. Atendendo às restrições de segurança, seria possível que advogados remotamente cadastrasse processos, realizasse petições e juntadas de documentos, minimizando assim a intervenção humana do lado do poder judiciário.

Atualmente, a maioria (senão a totalidade) dos tribunais brasileiros provêm, em algum grau de completude, os dados de, pelo menos, um subconjunto de processos em tramitação. No entanto, ainda são poucos os órgãos preparados para receber autuações e petições online.

 

Expedição de documentos

 

O processo de expedição de documentos muitas vezes é burocrático que envolve muitas etapas e pessoas. A grosso modo, consiste nos seguintes passos: o ato do magistrado, o envio do documento físico para uma central de mandados, a distribuição do mesmo para um dos oficiais de justiça e, por fim, a entrega ao destinatário final.

O documento seria gerado pelo magistrado e automaticamente enviado em formato digital e distribuído para o oficial de justiça responsável pela entrega. O sistema seria muito mais confiável, rápido e menos tolerante a falhas. A autenticidade da fonte do documento poderia também ser validada pelo destinatário por meio de código de confirmação validado na área pública do site do tribunal emissor.

Poderiam também ser firmados convênios de integração com os CORREIOS, no caso de tribunais que realizam a entrega de cartas. Neste caso, o documento gerado pelo tribunal seria enviado também em formato digital para o sistema dos CORREIOS, e receberia, também digitalmente, a notificação de entrega do mesmo.

Alguns tribunais já implementam estas estratégias de expedição de mandados, ao menos em um subconjunto de suas unidades judiciárias.

 

Transporte e busca de processos

 

Pelos corredores dos fóruns não é raro nos depararmos com a cena de um servidor arrastando um carrinho “por cima” de autos processuais. A dificuldade de transporte de tanto papel é ainda mais evidente no caso de processos que se arrastam por décadas, contendo milhares de movimentações processuais. Informações passíveis de restrições de sigilo são “catadas” manualmente e submetidas ao risco de falha humana. A carga do processo para apreciação de partes interessadas bloqueiam a tramitação do mesmo. Outro desafio é também o armazenamento e localização desses autos. Prateleiras, arquivos, depósitos e diretorias judiciárias abarrotadas de processos físicos (nem sempre organizados a contento) ainda são a realidade da maioria dos tribunais brasileiros.


Figura 3: Carrinho de Processos



Todos os dados processuais deveriam ser armazenados em formato digital. O “envio” dos autos para apreciação de outrem deveria ser feito com a mesma facilidade que compartilhamos uma mensagem pelas redes sociais. Apenas o fornecimento do número do processo deveria bastar para que o sistema retornasse todos os dados de qualquer processo em tramitação no tribunal, respeitando-se níveis de acesso e permissões de consulta, alteração, exclusão e adição de informação.

Apesar de constantes críticas, o PJE (Processo Judicial Eletrônico) é implantado na maioria dos tribunais do país, ao menos em algumas unidades judiciárias, e provê os benefícios da tramitação de processos sem que seja necessária a existência dos autos físicos. Outros sistemas independentes também trabalham com processos eletrônicos, mas nunca são utilizados na totalidade dos processos em tramitação do tribunal.


Figura 4: PJE - Processo Judicial Eletrônico

 

Acompanhamento de prazos

 

Os prazos estipulados para as partes envolvidas são registrados nos autos processuais, bem como os agendamentos de audiências ou outros eventos. A falta de uma notificação da expiração desses prazos, ou lembretes dos eventos agendados faz com que muito tempo seja perdido, durante a tramitação dos processos.

Os prazos seriam calculados e armazenados pelos sistemas processuais. Toda expiração de prazos seria notificada a todos os interessados ou responsáveis, bem como lembretes de ação seriam emitidos.

A maioria dos sistemas processuais utilizados nos tribunais, sejam eles de processos eletrônicos ou não, possui algum tipo de notificação de prazos. No entanto, o sucesso dessa funcionalidade depende da correta alimentação dos dados pelos usuários.

 

Movimentação unitária

 

Movimentações processuais são lançadas uma a uma nos processos físicos. Processos judiciais muitas vezes apresentam características em comum com muitos outros. Mesmo no caso de processos diferentes, quando estão numa mesma fase de tramitação sofrem movimentações de um mesmo tipo com bastante frequência. Suponha que um magistrado analisado 50 processos e constatado que seria necessário despachar todos eles da mesma forma. Por que não o fazê-lo em uma única operação?

 

Extração de relatórios e estatísticas

 

Com frequência, os tribunais precisam reportar dados estatísticos ao CNJ. A gestão interna de cada órgão também depende do levantamento desses números. Quando os processos não são gerenciados computacionalmente da maneira correta, a extração de relatórios é uma tarefa árdua que demanda uma grande quantidade de recursos humanos e tempo.

Os sistemas processuais deveriam ser desenvolvidos preparados para armazenar os dados necessários para a extração de estatísticas, realizar esta extração automaticamente, conforme um cronograma pré-definido e enviar os resultados às pessoas ou órgãos interessados.

 

Integração entre sistemas

 

O que fazer quando processo muda ou passa a ser julgado por outra instância? Em muitos casos, a solução é o recadastramento do mesmo processo original em outro sistema e/ou o envio de todo material físico até o destino. Tudo isso poderia ser evitado, caso existisse uma estrutura padrão de dados processuais aliado a comunicação entre sistemas distintos. Em um clique, os dados de um órgão estaria disponível em outro, pronto para prosseguir com sua tramitação, poupando assim alguns dias de atraso.

O CNJ define o MNI – Modelo Nacional de Interoperabilidade. Apesar de não ser amplamente utilizado pelos tribunais (nem mesmo no PJE), se os sistemas fossem desenvolvidos em conformidade com este modelo, haveria um grande ganho na comunicação entre sistemas de tribunais, ministério público e advogados.


Figura 5: Integração entre Sistemas

 

Entraves para o progresso

 

As vantagens da evolução tecnológica para o poder judiciário brasileiro são amplamente conhecidas. No entanto, alguns problemas impedem que sejam feitos maiores progressos nesta área. Entre estes problemas citamos:

  • O deficit de pessoal especialista em tecnologia nos quadros de servidores efetivos dos tribunais. Apesar da publicação da resolução 90/2009 do CNJ, que dispõe sobre os requisitos de nivelamento de tecnologia da informação no âmbito do Poder Judiciário, bem como estabelece o número mínimo de servidores da área de TI em relação ao porte dos tribunais, encontramos na maioria dos órgãos um quantitativo aquém do estabelecido.

  • Dados legados de processos antigos também dificultam que novos sistemas sejam implantados. Milhares de processos com milhares de movimentações tornam a migração dos dados físicos para o formato digital uma tarefa humanamente impossível.

  • Cada tribunal tem certa autonomia de funcionamento. Particularidades quanto a estrutura organizacional, organograma, orçamento, distribuição, e custas processuais dificultam a adoção de um processo organizacional padrão ou um sistema único.

  • A falta de capacitação e treinamento de servidores (usuários dos sistemas) também colabora para a rejeição de evoluções tecnológicas, má utilização ou falta de manutenção dos dados envolvidos.

  • O baixo interesse e comprometimento entre a alta gestão dos órgãos pelo setor de TI também representa um problema na elaboração de projetos da área de informática. Para o Information Technology Governance Institute (ITGI), “governança de TI é de responsabilidade dos executivos e da alta direção, consistindo em aspectos de liderança, estrutura organizacional e processos que garantam que a área de TI da organização suporte e aprimore os objetivos e as estratégias da organização.”

  • Segundo o Justiça em Números, apesar das receitas do judiciário terem aumentado nos últimos anos, os investimentos em informática reduziram, no mesmo período.


Figura 6: Receitas do Judiciário x Despesas com Informática

 

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