Há dois anos, neste site há pouco mais de um, comecei a escrever em jornais sobre  a imoralidade da destinação de custas judiciais no Estado de Mato Grosso para entidades privadas, especialmente as Associações do Ministério Público, dos Magistrados, Defensoria Pública, e todos demais órgãos responsáveis pela defesa da sociedade e pela defesa da lei e da moralidade (1)

 

Sempre achei um absurdo que ao distribuir um processo ou um recurso nos juizados parte do valor pago para a distribuição ou preparo fosse obrigatoriamente destinado para manutenção de associações particulares estranhas ao judiciário, que deveriam ser custeadas, única e exclusivamente, por seus associados.

 

Agora fui informado de uma decisão don Conselho Nacional de Justiça que expressamente declara a inconstitucionalidade de tais cobranças:

 

A C Ó R D Ã O         

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS CÁLCULO DE EMOLUMENTOS JUDICIAIS – CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO – DESTINAÇÃO À ENTIDADES PRIVADAS

I. O cálculo de emolumentos judiciais e seus critérios de fixação dizem respeito, via de regra, à política administrativa e contábil do regime de custas dos Tribunais, sendo questão ínsita ao poder regulamentar de seus serviços.

II. O custo do serviço público prestado sob modalidade de taxa judiciária atende às peculiaridades locais, relevando-se dificuldades de transporte, de deslocamentos, de acesso a meios de condução e de extensão territoriais, além de outras variantes que subsidiam o quantum apurado a título de emolumento judicial (STF: AP 470).

III. A destinação de valores, cobrados a título de emolumentos judiciais, à entidades de classe (Associação Matogrossensse dos Magistrados, Colégio Notarial do Brasil, Associação Matogrossensse do Ministério Público e OAB/MT), evidencia violação ao princípio da isonomia tributária, ainda que previsto em normas estaduais (Leis nºs 3605/74, 4348/01 e 5607/90). Precedentes do STF (ADI 1145; MCs nas ADIs 1378 e 1889; Rps 1139 e 1295) e do CNJ (PP 343).

IV. Pedido de Providências a que se julga procedente em parte, para determinar: (a) ao Tribunal requerido, que reveja seus atos normativos sobre regime de custas, no sentido de expurgar qualquer cobrança de emolumento judicial com destinação a qualquer entidade de classe e/ou com finalidade privada; (b) o encaminhamento da presente decisão à Procuradoria-Geral da República, para análise das Leis matogrossensses nºs 3605/74, 4348/01 e 5607/90 e adoção de medida que entender cabível a sanar eventual frustração dos comandos constitucionais relativos à isonomia tributária; e (c) a remessa de cópias do presente voto a todos os Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho do país, para que cesse o repasse a pessoas jurídicas estranhas ao Poder Judiciário, entidades de classe, ou entidades com finalidade privada.”

(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS Nº 200910000001038.

REQUERENTE: ALEX ANDRÉ SMANIOTTO

REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO

RELATOR: CONSELHEIRO JORGE ANTONIO MAURIQUE

DATA DO JULGAMENTO: 28/04/2009) (Grifo nosso)

 

Cito abaixo partes do relatório:

 

“(...) consoante registrado pelo e. Cons. Rui Stoco na presente sessão, há de se considerar a destinação específica das custas e emolumentos judiciais, delimitada expressamente no § 2º do art. 98 da CF/88, segundo o qual:

 

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

 

§ 2º As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. (grifo nosso)

        

Portanto, improcede o pedido, no ponto.

 

III – Por fim, com respeito à destinação de valores às entidades de classe (Associação Matogrossensse dos Magistrados, Colégio Notarial do Brasil, Associação Matogrossensse do Ministério Público e OAB/MT), ainda que haja respaldo normativo no Estado requerido (Leis estaduais nºs 3605/74, 4348/01 e 5607/90), tenho que falece interesse público suficiente a respaldar a mencionada exação, vez que seus destinatários – entidades de classe – além de já possuírem modo ordinário de aquisição de receita, através de descontos de seus associados, possuem nítida finalidade privada.

(...)

Como o caso presente trata exatamente da hipótese contrária – recurso destinado a fins privados – tenho por ilegal a exação de qualquer quantia, irrisória ou não, para as entidades de classe supramencionadas. Deverá, portanto, o Tribunal abster-se da referida cobrança, revendo seus regramentos administrativos para retirar a obrigação do custeio vedado, sob pena de se caracterizar indesejado tratamento não-isonômico, vedado constitucionalmente.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já apreciou inúmeras hipóteses idênticas à presente, inclusive ainda sob o regime constitucional anterior à atual Carta da República, concluindo nos seguintes termos das ementas que ora se transcreve:

 

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: NATUREZA JURÍDICA: TAXA. DESTINAÇÃO DE PARTE DO PRODUTO DE SUA ARRECADAÇÃO A ENTIDADE DE CLASSE: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS: INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.672, DE 1992, DO ESTADO DA PARAÍBA.

I. - As custas, a taxa judiciária e os emolumentos constituem espécie tributária, são taxas, segundo a jurisprudência iterativa do Supremo Tribunal Federal. Precedentes do STF.

II. - A Constituição, art. 167, IV, não se refere a tributos, mas a impostos. Sua inaplicabilidade às taxas.

III. - Impossibilidade da destinação do produto da arrecadação, ou de parte deste, a instituições privadas, entidades de classe e Caixa de Assistência dos Advogados. Permiti-lo, importaria ofensa ao princípio da igualdade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

(ADI 1145, Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/10/2002)

 

CONSTITUCIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 2.429/96 COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 2.477/97 DO ESTADO DO AMAZONAS. CUSTAS JUDICIAIS. CRIAÇÃO DO FUNDO DE REAPARELHAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO - FUNREJ. É assente a jurisprudência deste tribunal quanto à inconstitucionalidade da vinculação de emolumentos a entidade com personalidade jurídica de direito privado ou a determinado órgão ou fundo; do cálculo das custas com base no valor dos bens imóveis envolvidos no litígio; e quanto a inexistência de teto para cobrança de taxas cujo valor tem por base o proveito auferido pelo contribuinte, sobre as quais incide alíquota variável. Precedentes. A competência para definir o valor das custas de interposição de recurso extraordinário é deste tribunal. Entrada em vigor da lei não pode ser confundida com sua eficácia. Liminar parcialmente deferida.

(MC na ADI 1889, Relator Min. NELSON JOBIM, julgado em 03/11/1999)

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS - NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) - DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS - INADMISSIBILIDADE - VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. - A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por delegação do poder público" (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa. - As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos" (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência. - DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA NATUREZA TRIBUTÁRIA. - Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes.

(MC na ADI 1378, Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 30/11/1995)”

 

 

Não custa relembrar quem são as entidades privadas que são custeadas pela população de Mato Grosso, isto é por todos aqueles que litigam em juízo:

 

ASSOCIAÇÃO MATO-GROSSENSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO,

ASSOCIAÇÃO MATO-GROSSENSE DOS MAGISTRADOS,

ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO DE MATO GROSSO.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SEÇÃO MT,

ASSOCIAÇÃO DOS DEFENSORES PÚBLICOS DO ESTADO DE
MATO GROSSO

 e a ASSOCIAÇÃO DOS PROCURADORES DO ESTADO DE MATO
GROSSO.

 

Simplesmente todos os entes que deveriam defender os interesses da sociedade e não poderiam suscitar questionamentos de natureza ética possuem associações privadas (clubes) custeados pela população.

 

A primeira Lei estadual de Mato Grosso que destinou custas judiciais a uma dessas entidades privadas é do ano de 1974 e agora indago: As custas recebidas serão devolvidas ou pelo menos deixarão de ser cobradas? QUANDO O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO CUMPRIRÁ A DETERMINAÇÃO DO CNJ E DEIXARÁ DE REPASSAR DINHEIRO A ENTIDADES JURÍDICAS ESTRANHAS AO PODER JUDICIÁRIO?

 

Continuarei de olho!

 

 

Citações:

 

(1) Artigo “NEM TUDO QUE É LEGAL É MORAL”

http://www.webartigosos.com/articles/4728/1/nem-tudo-que-e-legal-e-moral/pagina1.html