Felice Balzano. Doutorando, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado.

Área do Direito: Processual Civil e Jurisprudencial.

Resumo: Este artigo tem por escopo traçar um panorama doutrinário e jurisprudencial acerca do conteúdo da Súmula n. 410 do STJ, especificamente sobre a possibilidade de intimação de decisões mandamentais direcionadas à parte, na pessoa de seu advogado, via publicação no Diário Oficial.

Palavras-chave: Obrigação de fazer − Decisão − Multa − Intimação − Advogado − Devido processo legal.

Sumário: 1. Introdução − 2. A necessidade de modulação de efeitos − 3. A parcial modificação no quadro − 4. A insegurança ainda persiste − 5. O direito jurisprudencial no CPC/2015 − 6. O cumprimento de sentença no CPC/15 − 7. Diferenças entre as obrigações de pagar e de fazer − 8. As atribuições do advogado. − 9. Considerações finais − 10. Referências.

Introdução

Recentemente, veiculamos breve panorama[1] acerca do enunciado da Súmula n. 410 do STJ, onde enfatizamos a polêmica sobre a possibilidade ou não de o advogado ser intimado em nome de seu constituinte, via Diário Oficial, a fim de satisfazer sentença que reconheça obrigação de fazer ou não fazer (CPC/73, art. 461). Em razão da positivação no novo CPC remanesce a necessidade de nova abordagem sobre o tema. Antes, porém, mostra-se válida uma abordagem acerca do regime anterior.

Desde a positivação da Lei n. 8.952/94, a jurisprudência do STJ era conservadora quanto ao termo inicial das astreintes, exigindo, conforme a disposição legal, a citação do devedor para o cumprimento da obrigação de fazer.[2]

A Lei n. 11.232/200 positivou a possibilidade de concessão de tutela específica da obrigação reunindo no mesmo processo, sem solução de continuidade, as etapas de cognição, quantificação e realização do direito, possibilitando . Possibilitou-se ao juiz  proferir decisões mandamentais, a fim de compelir o devedor a cumprir voluntariamente a decisão, utilizando-se de meios executivos atípicos[3] para, prioritariamente, obter a tutela específica da obrigação ou o resultado prático equivalente.

Foi no precedente judicial[4] firmado pelo STJ no REsp n. 692.386/PB[5] que se criaram as linhas mestras da interpretação quanto à forma e o destinatário dessas intimações, ratio iuris que veio a dar ensejo à edição da Súmula n. 410.[4] firmado pelo STJ no REsp n. 692.386/PB[5] que se criaram as linhas mestras da interpretação quanto à forma e o destinatário dessas intimações, ratio iuris que veio a dar ensejo à edição da Súmula n. 410.[6]

A partir daí a súmula foi cumprindo seu papel, até o advento do julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo (EAg) n. 857.758/RS[7], que alterou esse norte, onde o posicionamento sumulado passou a ser motivo de constante instabilidade. Esse precedente teve apoio no REsp n. 940.274/MS[8] – que definiu a forma da intimação para pagamento da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC/73 para obrigações de pagamento. Considerou-se – aparentando ter havido overruling[7], que alterou esse norte, onde o posicionamento sumulado passou a ser motivo de constante instabilidade. Esse precedente teve apoio no REsp n. 940.274/MS[8] – que definiu a forma da intimação para pagamento da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC/73 para obrigações de pagamento. Considerou-se – aparentando ter havido overruling[9] – que a intimação do devedor para fins de imposição de multa processual – para o caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer – poderia ser igualmente feita na pessoa do advogado, nas execuções iniciadas após a vigência da Lei n. 11.232/2005.

Instalou-se, por conta disso, um clima de insegurança jurídica, haja vista a abrupta alteração da jurisprudência e o desrespeito da dogmática na superação dos precedentes. Somente em um único precedente se fez a ressalva de que a hipótese retratava obrigação anterior ao novo regime processual, justificando a não aplicação do novo entendimento[10]. Por outro lado, em reiterados outros casos, o STJ aplicou a Súmula n. 410 sem qualquer menção acerca da aplicabilidade ou não da Lei n. 11.232/2005.[11] E em diversos outros casos houve a aplicação do entendimento sumular para hipóteses cujo cumprimento de sentença era posterior à positivação da Lei n. 11.232/2005.[10]. Por outro lado, em reiterados outros casos, o STJ aplicou a Súmula n. 410 sem qualquer menção acerca da aplicabilidade ou não da Lei n. 11.232/2005.[11] E em diversos outros casos houve a aplicação do entendimento sumular para hipóteses cujo cumprimento de sentença era posterior à positivação da Lei n. 11.232/2005.[12]

Essa balbúrdia nos remete à autocontradição de uma jurisprudência lotérica, contribuindo para o descrédito do Judiciário. Nesse caso, a sorte prepondera sobre o bom direito, fato que retrata ausência de boa-fé objetiva por parte do Estado, além de descaso com a sociedade.

Relativamente ao princípio da tutela da confiança, cabe uma digressão. Esse princípio se destina a tutelar interesses individuais do ente privado quando este, não estando juridicamente amparado – por ato jurídico perfeito, direito adquirido ou coisa julgada –, de alguma forma exerce sua liberdade fiando-se na validade, real ou aparente, de um ato normativo geral ou individual, tendo essa confiança traída por ato posterior, cuja vigência ou eficácia tenham sido descontinuadas por alteração, revogação, anulação ou nulidade declarada[13]. Sendo a proteção da confiança uma eficácia reflexa da segurança jurídica, derivando dos direitos fundamentais de liberdade e propriedade, integra o rol de direitos e garantias protegidos pela CF/88.[13]. Sendo a proteção da confiança uma eficácia reflexa da segurança jurídica, derivando dos direitos fundamentais de liberdade e propriedade, integra o rol de direitos e garantias protegidos pela CF/88.[14]

Cabe à ordem jurídica o dever de manter a pacífica convivência social e propiciar segurança jurídica aos jurisdicionados, criando meios à manutenção de uma confiável atmosfera em toda sociedade civil.

A necessidade de modulação de efeitos

Não houve preocupação no julgamento com os efeitos nefastos propiciados pela repentina “mudança jurisprudencial”, implementada sem imposição de regras de transição.

A súbita mudança na jurisprudência atingiu a boa-fé e legítima expectativa dos jurisdicionados, erigida exatamente com espeque nas reiteradas decisões que precederam a edição da súmula.

Ao assim proceder, o Estado atingiu aqueles que acreditaram estar procedendo de acordo com a lei[15]. Sob essa perspectiva, deveria o STJ atribuir eficácia prospectiva à alteração, procedendo à modulação dos efeitos provenientes da superação jurisprudencial, preservando fatos e situações jurídicas ocorridos sob a orientação anterior.[15]. Sob essa perspectiva, deveria o STJ atribuir eficácia prospectiva à alteração, procedendo à modulação dos efeitos provenientes da superação jurisprudencial, preservando fatos e situações jurídicas ocorridos sob a orientação anterior.[16]

Atentaria contra a lógica do sistema objetivo o STJ deter poderes para reformar uma decisão contrária a tratado ou lei federal, ou rever um posicionamento adotado por um tribunal sobre determinada lei federal, e não poder resguardar os jurisdicionados dos efeitos irradiados sobre aqueles que se pautaram no entendimento transposto.[17]

O princípio da irretroatividade – subprincípio da segurança jurídica – considera que as situações jurídicas consolidadas não devem ser novamente objeto de questionamentos jurídicos, razão pela qual impede retroações indevidas contra atos sedimentados. Evidentemente, isso abrange o respeito às posições jurídicas estabilizadas sob a orientação jurisprudencial superada, sob pena de se perpetuar o conflito e a perturbação social.[18]

Se o princípio da irretroatividade[19] veda a retroação indevida da lei a ponto de se vergastar um ato jurídico perfeito, um direito adquirido e a coisa julgada, a interpretação da lei, via de regra, deve receber a mesma sorte, não podendo ter eficácia ex tunc, sob pena de afronta aos princípios da confiança e da segurança jurídica do cidadão frente ao Estado.