A Sucessão na Reprodução Assistida “Post Mortem”

1. Sucessão Testamentária e Legítima

Sucessão testamentária é a transmissão segundo a manifestação da última vontade do falecido. Esta forma obedece a rigorosa formalidade para garantir que seja realizada a ultima vontade do falecido e não de terceiro que o influencie.[1]

 Portanto para que seja adotado este tipo de sucessão é preciso que haja declaração expressa de vontade e que esta se manifeste na forma de testamento ou codicilo.

O Código Civil, define o codicilo em seu artigo 1.881:

Toda pessoa capaz de testar poderá, mediante escrito particular seu, datado e assinado, fazer disposições especiais sobre seu enterro, sobre esmolas de pouca monta a certas e determinadas pessoas, ou, aos pobres de certo lugar, assim como legar móveis, roupas ou joias, de pequeno valor, de seu uso pessoal.[2]

A sucessão legítima é subsidiária da sucessão testamentária, porem é mais frequente pois esta se da quando não há testamento ou caso haja este seja julgado nulo ou ineficaz por qualquer motivo. Ela decorre da lei, que estabelece quem serão os herdeiros e em que ordem devem receber a herança.

Podem ocorrer ainda as duas formas ao mesmo tempo como destaca Ana Cláudia S. Scalquette:

Há, ainda, a possibilidade de ocorrerem, simultaneamente, as duas espécies de sucessão, como a existência de testamento só de parte dos bens, ficando os demais a cargo das regras da sucessão legitima.[3]

1.2. Sucessão dos filhos

Com o falecimento, abre-se a sucessão como versa o artigo 1.788 do código civil:

Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.[4]

Ainda, segundo o Código Civil a disposição dos bens em testamento se limita a 50% caso existam herdeiros necessários, não podendo então o falecido dispor da totalidade de seus bens nestes casos.

Como previsto pelo artigo 1789 do Código Civil: “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”.[5]

É geralmente legitima a sucessão dos filhos, pois a lei determina a ordem dos herdeiros necessários para este tipo de sucessão. Segundo Ana Cláudia S. Scalquette, “A ordem de vocação hereditária é a relação de preferência , estabelecida pela lei, de pessoas que são chamadas a suceder o falecido. É a vontade presumida do falecido e está prevista no artigo 1.829 do código civil.”[6]

Art. 1.829: A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III- ao cônjuge sobrevivente; IV- aos colaterais.

Maria Helena Diniz doutrina sobre o assunto:

Ante o princípio de que dentro da mesma classe, ou melhor, do mesmo grau, os mais próximos excluem os mais remotos, os filhos serão chamados à sucessão ab intestato do pai, recebendo cada um (sucessão por cabeça) quota igual da herança[...][7]

A igualdade entre os filhos é garantida constitucionalmente portanto não haverá distinção entre qualquer dos filhos, na sucessão, independentemente de serem adotados ou concebidos fora da constância do casamento

1.3. Sucessão na reprodução artificial “post mortem

Havendo outros herdeiros, que já receberam a sua parte da herança e que provavelmente já dispuseram dela, pois tinham este direito, a mera hipótese de um filho poder ser concebido após a morte do pai e que à ele sejam assegurados todos os direitos que são previstos por lei para manter a igualdade entre os filhos gera uma insegurança jurídica, pois os outros herdeiros terão que restituir a parte que pertenceria aquele que nasceu depois da divisão da herança.

Há muita controversa sobre o assunto pois tendo que devolver a parte pertencente ao filho concebido após a morte do pai gera insegurança jurídica muito grande, porem a constituição federal garante aos filhos o direito a herança, não podendo portanto este filho ficar sem a sua parte.

Alguns autores como Ana Cláudia S. Scalquette, tentam solucionar esta questão usando da analogia de leis já existentes, para ela deveria ser usado o mesmo sistema gradual de sucessão dos ausentes, primeiro se tem a fase da curadoria de ausentes, pensando em seu retorno, depois de tomas as providencias para localização do sumido e que de nada tenha adiantado abre-se uma sucessão provisória, com caução dos herdeiros e por último decorrido do prazo legal, passa-se a sucessão definitiva, da mesma forma poderia ocorrer com os embriões congelados, desde que é claro, se tivesse um prazo legal justo, não prejudicando assim os outros herdeiros, que seriam impedidos de dispor da herança a qual tem direito por tempo indeterminado.[8]

Estas possibilidades deveriam sempre ser anuídas pelo genitor, e que assim desempenhariam o seu verdadeiro papel, de realizar a expressa vontade de procriar do falecido.

Porém autores ainda divergem quanto a ser justo negar a herança a um filho após certo prazo.

Outros autores anseiam pelo uso por analogia do artigo 1.799, inciso I, do Código Civil brasileiro que versa a respeito dos filhos ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador poder ser herdeiro, se os filhos ainda não concebidos de terceiro podem ser herdeiros porque não os do próprio testador?[9]

Uma corrente ainda entende que com base no artigo 1.799 do código civil, que somente caberia direito a sucessão legitima para embriões ainda não implantados no útero se houvesse testamento deixado pelo falecido que o conferisse o direito como prole eventual.[10]

Estes autores ainda tem o respaldo do artigo 1.800, 4º do código civil que dispõe que se após dois anos da abertura da sucessão, o herdeiro esperado não for concebido, os bens à ele reservados caberão aos outros herdeiros legítimos.[11]

Alguns doutrinadores pensam que este prazo seja razoável e possa ser utilizado nos casos de inseminação artificial post mortem.

Para Ana Cláudia S. Scalquette porem esta situação gera a uma perda de direito do embrião como ressalta:

Ao não se concretizar o nascimento da pessoa beneficiada, perde esta um presente- a deixa testamentária-, ao passo que, no caso de embrião que, por presunção condicionada ao nascimento, é filho do falecido, estaria perdido o direito à legítima, a nosso ver, situação que se apresenta como mais gravosa.[12]

No entanto, não há ainda legislação suficiente e que preveja todas as possibilidades jurídicas provenientes destes fatos, a mera utilização de apenas alguns artigos por analogia, não e suficiente para regrar um instituto tão amplo e complexo como a inseminação artificial post mortem.

Mesmo que se garantisse através de testamento, metade da herança para um filho pré existente e a outra metade para a prole eventual, consentida pelo pai, poderiam ocorrer problemas como no caso do nascimento de gêmeos onde eles teriam apenas 25% da herança cada um enquanto o outro herdeiro ficaria com a metade, ou caso houvessem dois filhos pré existentes e a estes coubesse a metade do patrimônio e ao filho que nascesse após a morte do de cujus, restaria a outra metade.[13]

Isto acabaria por ferir o principio constitucional da igualdade entre os filhos que, como dito anteriormente, é uma garantia constitucional.

Nota-se o elevado numero de questões que surgem sobre a permissão da utilização das técnicas em questão, gerando diversas duvidas sobre os direitos conferidos a criança concebida desta maneira e ainda sobre seu direito a sucessão.

Para Ivelise Fonseca da Cruz, mesmo que o nascimento da criança ocorra após a divisão da herança, seria possível adotar os mesmos critérios já utilizados nas hipóteses em que se descobre um filho através da investigação de paternidade post mortem, ou seja, através da petição de herança cumulada com a nulidade de partilha.[14]

Os direitos sucessórios deveriam portanto, serem garantidos aos filhos concebidos através das técnicas de reprodução artificial post mortem, pois assim estariam sendo cumpridos os institutos da igualdade, dignidade e direito a herança da pessoa, e seguindo a admissão destas técnicas que foi expressa pelo artigo 1.597 do atual código civil, porem deve haver um diploma legal que determine os limites, evitando assim a insegurança jurídica que poderia ser gerada aos demais herdeiros.[15]

Vale ressaltar que todo o exposto sobre a inseminação artificial post mortem serve também para a mulher, ou seja, nos casos em que se use o material genético da falecida para conceber uma criança após a sua morte, porém nestes casos ainda teria que se discutir sobre a gestação por substituição.



[1] SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Família e sucessões, Para Aprender Direito v. 9. 6a Edição São Paulo: Barros, Fischer & Associados,2009, p. 118

[2] BRASIL, Código Civil. Coordenação e Organização Anne Joyce Angher – 14a ed. – São Paulo: Rideel, p. 230

[3] SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Família e sucessões, Para Aprender Direito v. 9. 6a Edição São Paulo: Barros, Fischer & Associados,2009, p. 143

[4] BRASIL, Código Civil. Coordenação e Organização Anne Joyce Angher – 14a ed. – São Paulo: Rideel, p. 220

[5] BRASIL, Código Civil. Loc. cit.
42 SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Família e sucessões, Para Aprender Direito v. 9. 6a Edição São Paulo: Barros, Fischer & Associados,2009, p. 143

[6] BRASIL, Código Civil. Op. cit., p. 225

[7] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: direito das sucessões, v. 6. 25a ed. São Paulo: Saraiva, 2011

[8] SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Estatuto da reprodução assistida. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p.196

[9] BRASIL, Código Civil. Coordenação e Organização Anne Joyce Angher – 14a ed. – São Paulo: Rideel, p. 221

[10] CHINELATO, Silmara Juny de Abreu. Reprodução humana assistida: aspectos civis e bioéticos, Concurso à livre-docência do Departamento de Direito Civil da Universidade de São Paulo. São Paulo, Faculdade de Direito, 2000, p.265

[11] BRASIL, Código Civil. Loc. cit

[12] SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Estatuto da reprodução assistida. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p.199


[13] Ibid., p.204

[14] CRUZ, Ivelise Fonseca da. Efeitos da reprodução humana assistida. 1 Ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 152

[15] SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Estatuto da reprodução assistida. Tese (Doutorado). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009, p. 205