O presente trabalho visa esclarecer as noções de realidade, que em Hobbes vai ser nova: o corpo. Isto é, Hobbes denominará substância, o princípio utilizado pela tradição filosófica para conhecer o principio primeiro das coisas, como corpo.Em outros termos, este artigo pretende esclarecer o materialismo e o mecanicismo da filosofia hobbesiana. Sob o ponto de vista de que a substancia que ele trata como a realidade das coisas, será o corpo. De modo que este, o corpo, algo físico ou material, está submetido às leis da física e da novidade teórica dessa ciência nesse período: as leis de movimento dos corpos ou em outros termos, a mecânica galileliana. É a primeira vez que um filósofo moderno atribui á algo físico, realidade e também será a primeira vez que um filósofo fundará o conhecimento numa substancia corpórea, conforme será exposto no presente trabalho. Todas as noções políticas de Hobbes será fundada nessa substancia.

O corpo 

As leis da mecânica somadas às leis da geometria euclidiana, serão a grande influência de Hobbes.

O homem, por ser uma coisa corpórea ou material, estará sujeito às leis do movimento da mecânica galileliana, isto é, o homem é matéria e entendida como uma máquina ou um autômato. Ademais, o que o homem pode e como o homem conhece as coisas são conseqüências do materialismo e do mecanicismo que Hobbes adota e serão questões bem trabalhadas pelo filósofo e receberão uma atenção especial nesse artigo.

É mister falar dessa questão pois, como será dito, isso vai ser o fundamento do corpo político de Thomas Hobbes que será descrito com o nome de estado na obra: O Leviatã. Daí a importância desse esclarecimento. Não há qualquer possibilidade de entender a obra de Hobbes sem atentar à sua Ontologia mecanicista e materialista e sua nova teoria do conhecimento, dedutiva e empírica.

Hobbes ao desenvolver a sua ontologia, vai antes de tudo tratar o homem como um corpo autômato, isto é como uma máquina, que como tal, está sujeita às leis dos movimentos dos corpos[1], como bem nota o professor Dr. Ismar Dias de Matos:

"Após situar o pensamento de Thomas Hobbes dentro da ótica da filosofia moderna, partir-se-á de uma ontologia materialista com a intenção de mostrar como o corpo (body), dentro de uma visão mecanicista e materialista, serve como ponto de sustentação da antropologia desenvolvida pelo autor. O corpo é apenas um autômato, cujo funcionamento pode ser explicado pormenorizadamente. Ao falar sobre o corpo do homem, Hobbes o faz como um engenheiro que conhece a máquina que ele mesmo construiu"[2]

Aqui está a descrição mais geral da filosofia hobbesiana, no que concerne ao corpo. Todavia, note-se que, segundo o excerto acima, para se conhecer a antropologia do pensador em questão, é mister ter o corpo como um objeto da natureza, isto é, como algo que é suscetível a mover e a ser movido.

Mas, do que foi dito acima surgem duas questões: porque a filosofia de Hobbes é materialista? E porque é mecanicista?

Sobre a primeira questão, consideremos o que Thomas Hobbes diz, no seu Breve tratado sobre os primeiros princípios:

Substância é aquilo que não tem seu ser em outro, de modo que pode existir por si mesmo, como o ar ou o ouro.[3]

Aqui se vê claramente qual é o principio que regula ou que fundamenta a realidade em Hobbes. A substância é o corpo; nela reside toda a realidade. Ou como se pode notar nas próprias palavras do filósofo:

Toda coisa é ou substância ou acidente.

Pois, tudo que tem ser na natureza, ou o tem em outro ou não: um desses é a substância (pelo princípio 15[4]), o outro, o acidente (pelo princípio 16[5]); portanto, toda coisa que tem ser é ou substância ou acidente.

É mister notar que os exemplos empregados pelo autor remetem a substâncias materiais, corpos físicos: o ar é uma substância simples e o ouro uma substância composta. Sobre a doutrina hobbesiana do corpo e do acidente, na obra, De corpore, II, Cap. 8., Hobbes emprega o exemplo da dupla ar/ouro em Six lessons:

Pois eu penso que as dimensões do corpo e do lugar, seja o lugar preenchido com ouro ou com ar, são coincidentes e iguais; e, conseqüentemente, ambas, a quantidade de ar e a quantidade de ouro, devem ser iguais à quantidade do lugar; e, portanto, pelo primeiro axioma de Euclides, iguais entre si. [6]

Em suma, a realidade é matéria, e essa matéria é o corpo. Daí porque se dizer que a filosofia em questão é uma filosofia materialista.

O mecanicismo dessa filosofia materialista reside no fato de Hobbes ter utilizado as concepções de movimento dos corpos da mecânica clássica Galileliana e da geometria euclidiana, e tê-las aplicado aos corpos, isto é, uma vez que a realidade se resume aos corpos ou a matéria, por conseqüência, estes, os corpos, são os únicos que podem ser conhecidos. E o método que Hobbes utiliza para conhecer estes, são as leis de movimento da mecânica galileliana e em conjunto com a geometria Euclidiana[7].

Os movimentos mecânicos, isto é as séries causais[8] ficam claros ao estudarmos qualquer obra de Hobbes, mas muito mais evidente quando estudamos o Breve tratado sobre os primeiros princípios, bem como nessa obra fica evidente a geometria euclidiana.

Hobbes utiliza essas bases teóricas físicas e matemáticas não só para estudar qualquer corpo, mas também o corpo humano, tanto no que concerne às suas atribuições físicas, quanto as que dizem respeito às paixões, apetites e às coisas do espírito de modo geral.

Aqui, entender-se-á por corpo (body) tudo aquilo que é dado pela natureza e não apenas corpo no sentido de corpo humano, ou seja, a estrutura fundamental do ser humano[9].

Os corpos, na verdade são a única substância real e o movimento é a única explicação dos fenômeno naturais[10].

Observemos agora no Cap VI do Leviatã, a descrição dessas espécies de movimento no corpo humano:

Há nos animais dois tipos de movimento que lhe são peculiares. Um deles chama-se vital; começa com a geração, e continua sem interrupção durante toda a vida. Deste tipo são a circulação do sangue, o pulso, a respiração, a digestão, a nutrição, a excreção e etc. para estes movimentos não é necessária a imaginação. O outro tipo é o dos movimentos animais, também chamados movimentos voluntários, como andar, falar, mover qualquer dos membros, da maneira como foi imaginada pela mente. (...) é dado que andar, falar e outros movimentos voluntários dependem sempre de um pensamento anterior de como, onde e o que, é evidente que a imaginação é a primeira origem interna de todos os movimentos voluntários. (...) Estes inícios de movimento, no interior do corpo do homem, antes de se manifestarem na fala, no andar, na luta e outras ações visíveis, chamam-se geralmente esforço.

(...) Este esforço, quando vai em direção de algo que o causa, chama-se apetite ou desejo.

E conforme vai afirmar Hobbes no capítulo II do Leviatã, a imaginação[11] provém dos movimentos das coisas externas nos nossos órgãos dos sentidos, daí se conclui que a origem interna dos movimentos voluntários no interior do corpo humano também é dado pelos movimentos externos dos corpos exteriores sobre nós. E daí também dizermos que qualquer desejo, seja ele moral ou não, provém das ações ou dos movimentos dos corpos externos sobre o nosso corpo.

Portanto, também a conduta moral humana é determinada pelos movimentos dos corpos, por conseguinte dependem das leis do movimento da mecânica que é dado sobre a matéria, o corpo.

Essa é a aplicação do movimento em Thomas Hobbes, e assim se mostra como se dá o mecanicismo e o materialismo na sua filosofia.



Teoria do conhecimento

Teremos a partir da construção teórica do corpo como sendo a substância, a construção da teoria do conhecimento hobbesiana. Depois de provado o primado ontológico de Hobbes, analisemos como Hobbes discorre sobre o conhecimento.

Hobbes diz que os movimentos dos corpos exteriores em nossos sentidos, produzirão a percepção sensorial humana ou a sensação, essa sensação, conforme Hobbes vai explicar a seguir produzirá algo chamado imaginação:

A causa da sensação é o corpo exterior, ou o objeto, que pressiona o órgão próprio de cada sentido, ou de forma imediata, como no gosto e tato, ou de forma mediata, como na vista, no ouvido e no cheiro; a qual a pressão, pela mediação dos nervos, e outra cordas e membranas do corpo, prolongada para dentro em direção ao cérebro e ao coração, causa ali uma resistência, ou contrapressão, ou esforço do coração, para se transmitir; cujo esforço, porque para fora, parece ser de algum modo exterior. E é esta aparência, ou ilusão, que os homens chamam sensação[12].

Aqui, Hobbes descreve concatenadamente como se dá a formação das sensações no homem. E a explicação não podia ser outra senão uma explicação altamente física do processo, isto é, percebemos novamente os movimentos dos corpos. Só que agora esses movimentos são dos corpos externos atuando sobre o corpo humano.

E são justamente os movimentos internos do homem (que acontecem nos órgãos internos) produzem uma espécie de imagem que permanecerá nítida até um certo tempo, e assim ocorre com as demais imagens. Vejamos o que diz o professor Ismar Dias sobre isso:

Hobbes recorre ao principio da conservação do movimento e à lei da inércia para explicar a causa da imaginação: para ele, quando o desaparecimento do objeto cessa o movimento interno da sensação, esse movimento tende a continuar nas partes internas do homem, mas se conserva como uma imagem menos nítida, como um fantasma do objeto: é a imaginação. Essa imagem-em-ação dentro do homem é aquilo que os gregos chamam de fantasia, que significa aparência.[13]

E um pouco mais adiante, o mesmo dirá que o entendimento é a imaginação que surge no homem por palavras ou qualquer sinal[14] voluntário, porquanto, a imaginação será produto da apreensão humana de causas exteriores. Por conseguinte, Em Hobbes não há idéias inatas[15].

O entendimento, segundo o filósofo, é comum aos homens e aos outros animais, mas o homem possui uma espécie de entendimento que o distingue dos outros animais: trata-se daquele entendimento que lhe ocorre porque é um animal dotado de linguagem. E é através da linguagem que o homem é capaz de ultrapassar a vontade (comum aos outros animais) e ter concepções e pensamentos, o que só é possível "pela conseqüência e contextura dos nomes das coisas em afirmações, negações e outras formas de discurso [...]"[16]. A memória humana alcança uma universalidade porque seu portador é dotado de linguagem, "invenção proveitosa para perpetuar o tempo passado[17]"[18]

E esse entendimento será expresso através da linguagem de maneira necessária. Isto é, a razão humana, só será possível por conta do desenvolvimento da linguagem, isto é da passagem do discurso mental para discurso verbal[19].

Vai ser justamente a linguagem que vai diferenciar os homens dos animais, pois ela permitirá o desenvolvimento do raciocínio, das palavras ditas universais e etc. e isso permitirá o conhecimento. Temos aqui a condição para o conhecimento humano. Isto é, a condição para o conhecimento é o corpo, uma vez que este ao se movimentar provoca o todo o processo interno que ocorre no homem, que vai ser chamado de movimento interno.

Daí se vê como Hobbes articula o corpo como coisa substancial que se move, como sendo um motor que além de ser a realidade, é também o que permite o conhecimento ao homem, isto é uma coisa que é movida por algo, seja esse algo impulsionador externo ou interno. Daí se concluir, que em Hobbes temos uma nova noção de substância e, portanto de uma nova noção organizadora dos fundamentos do conhecimento humano.

A possibilidade do ser humano conhecer algo dependerá dos movimentos dos corpos. Thomas Hobbes consegue elaborar um novo fundamento para construir a sua moral, e em seqüência seu corpo político. Pois este é o principal objetivo hobbesiano, ter bases sólidas para explicar a formação social e justificar a ordem[20] social humana, mas isso é tema pra outro momento. Nesse trabalho a preocupação é de explicar a ontologia humana e como se dá o conhecimento a partir daí.

Por isso a filosofia hobbesiana é uma grande novidade. Ele busca o primado ou a noção primeira das coisas na matéria, vista sob a perspectiva da mecânica galileliana como fundamento primeiro à noção de realidade. Isto é o corpo artificial ou politico, como ele denominará no Leviatã, será definido a partir do conhecimento dos motores do corpo humano, os demais corpos, seja ele o vento, a pedra, o sol e enfim, tudo o que pode ser perceptível pelos sentidos.

 BIBLIOGRAFIA

HOBBES, Thomas. O Leviatã, Coleção "Os pensadores". São Paulo - Abril Cultural,1978.

HOBBES, Thomas. Breve tratado sobre os primeiros princípios.

São Paulo: Scientiæ zudia, 2006.

HOBBES, Thomas. De Corpore, 2°Ed. São Paulo, Martins Fontes – 1988.

MATOS, Ismar Dias de. Uma descrição do humano no Leviathan, de Thomas Hobbes. São Paulo: Annablume, 2007.




[1] A mecânica Galileliana será de grande importância para o desenvolvimento da ontologia hobbesiana, pois Hobbes vai aplicar as leis do movimento da mecânica a sua base ontológica,o corpo.

[2]Uma decrição do humano no Leviatã, pág. 24.

[3] Breve tratado sobre os primeiros princípios.

[4] "Substância é aquilo que não tem seu ser em outro, de modo que pode existir por si mesmo, como o ar ou o ouro".

[5] "Acidente é aquilo que tem seu ser em outro, de modo que, sem esse outro, não poderia existir, tal como a cor não pode existir senão em algo colorido".

 

[6] De Corpore, pág. II, Cap. 8.

[7] Segundo oprofesso Ismar Dias de Matos: "com a leitura de Elementos de Euclides (330 – 327 a.C.), ele elabora uma filosofia mecanicista que aplica aos fenômenos naturais e espirituais" - Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág. 30.

[8] Fundamento chave na teoria Espinosana (vide Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág.41.)

[9] Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág.34.

[10] Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág.40.

[11] Imaginação para Hobbes tem o mesmo significado que é utilizado pelos latinos, o de imagem. (no.

[12] Leviatã, Cap I, pág. 9.

[13] Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág.46.

[14] De acordo com o Leviatã (pág. 18) de Hobbes, um sinal será o evento antecedente do conseqüente.

[15] Hobbes embora utilize o método racionalista de raciocínio, a dedução, é contrario a tese, por exemplo, de Descartes que diz que o pensamento é inato ao homem.

[16] Leviatã,Cap. II pág. 4.

[17] Idem. Pág., 100.

[18] Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág.47.

[19] Segundo Hobbes no Leviatã (Cap.III e IV), discurso mental é a cadeia de imagem dos fatos representados na mente, enquanto o discurso verbal é a representação em cadeia das representações mentais na linguagem ou nas palavras.

[20] Uma descrição do humano no Leviatã, Cap I, pág.48 e 49.