A SOCIEDADE E OS ASPECTOS SOCIAIS, CULTURAIS, ECONÔMICOS, E OS MEIOS DE VEICULAÇÃO QUE INFLUENCIAM O TRIBUNAL DO JURI.






RESUMO


O presente trabalho tem o objetivo de realizar um estudo sobre os diversos aspectos que permeiam o debate sobre o Tribunal do Júri. O problema de pesquisa a ser investigado, portanto, refere-se ás influências sociais, culturais, econômicas e dos meios de veiculação no Júri brasileiro, seja como é feita a seleção do Corpo de Jurados influenciando diretamente a sentença. Isto porque, ele sofre influências diretas desde o Inquérito Policial, seja pela relevância e repercussão social do caso, ou por características de cunho econômico, como a impossibilidade do réu de custear honorários advocatícios criando uma disparidade entre defesa e acusação. Atualmente, o Tribunal do Júri está previsto no artigo 5°, inciso XXXVIII, da Constituição Federal de 1988, no Capitulo "Dos Direitos e Garantias Individuais" e no Capitulo II, artigo 405 e seguintes do Código de Processo Penal. A metodologia está centrada na pesquisa e coleta de informações de ordem teórica viabilizada, portanto, através de levantamento bibliográfico.
Palavras ? chave: Tribunal do Júri no Brasil; Influência.


A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO TRIBUNAL DO JÚRI

Ao discutir a pertinência da constituição do Tribunal do Júri em julgamento de crimes dolosos contra a vida, temos em xeque a questão da validade racional e imparcial do julgamento feito por seus membros. Esse questionamento se torna mais consistente quando nos detemos em analisar a influência da mídia nos processos que integram a formação de opinião.
Vivemos em um país que tem como princípio fundamental o Estado Democrático de Direito, desta forma no Tribunal do Júri é assegurada a liberdade de imprensa. Mas estes meios ou mecanismos de veiculação da notícia nem sempre se posicionam de forma positiva, sem pré-construções ideológicas ao informar o fato delituoso. Cecília Reia se posiciona da seguinte forma:

"A inflação do direito penal em grande parte é causada pela comoção e pela sensação de insegurança coletiva propagada pela mídia de massa, que faz campanha com a ilusória idéia de que a ameaça de uma nova sanção ou da cominação de uma sanção mais rígida irá diminuir a criminalidade."
Gabriel Tarde , sociólogo francês de renome, publicou uma obra denominada "L`Opinion et la Foule", teorizando sobre a formação da opinião pública e contribuindo significativamente para os estudos no campo. Para Tarde, a opinião pública se formava no âmbito do processo de conversação. O indivíduo tinha acesso a temáticas através dos formadores de opinião e da mídia e, por intermédio de um processo de maturação das informações obtidas sobre a temática nas instâncias de conversação, formava uma opinião, um juízo de valor sobre determinado tema. Sob esse aspecto, a opinião, na verdade, não se fundamenta apenas no juízo de valor do indivíduo, fruto da racionalidade, mas em fatores variados como influência das instâncias de conversação, do enquadramento dado à temática pela mídia e de todo um conjunto de valores que integram a identidade cultural do indivíduo e o contexto social em que vive.
Com certeza os grandes meios de comunicação que quase sempre distorcem e potencializam os fatos não são os únicos responsáveis pela virtual sensação de insegurança, pelo alastramento das leis penais e pelos aumentos injustificados de pena, estes últimos na tentativa de solucionar conflitos das mais diferentes ordens. Mas sabemos e veremos adiante que a mídia de massa é fator preponderante na formação desses fenômenos.

Atualmente, a violência é assunto atual e percebemos facilmente que determinadas notícias são transmitidas com maior ou menor intensidade pelos órgãos de imprensa, dando aspecto de grande ou pequena gravidade, influenciando negativa ou positivamente a opinião popular. Exemplo este é recente "caso Nardoni", vide comentário feito em um blog, por Aldo Jung:

"A mídia condenou o casal Nardoni. É a minha conclusão, sobre a qual não tenho a menor dúvida, assim como não a tiveram, mesmo sem pressentir, os jurados que votaram "sim". Começo a explicar minha conclusão com a análise de uma palavra: influência. De acordo com os dicionários, influência é a "ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra"; "ascendência, predomínio, poder"; "poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou de autoritarismo"; "ação que se exerce sobre as disposições psíquicas, sobre a vontade de determinada pessoa"; "autoridade, prestígio, crédito desfrutado por alguém numa sociedade ou num determinado campo". Influência é o substantivo; o verbo é influir, que significa "inspirar, sugerir"; "incutir"; "transmitir"; "insuflar"; "fazer penetrar no ânimo; comunicar". Coloquei "casal Nardoni" na barra de pesquisa do Google e ele apontou que há cerca de 860 mil resultados com essa expressão. Claro que não olhei todos, mas todos os que vi eram sobre o fato."

A grande mídia não surgiu agora, sempre existiu nesse país, porém, com as facilidades de transmissão em tempo real pela televisão, rádio e internet, a violência passou a ser vivenciada de forma coletiva e mais intensa. Gerando nesse aspecto, o medo multiplicado e vivido coletivamente em angustia e torna-se mais temido quanto menos pode ser identificado com transparência, sendo que o resultado dessa angustia é uma sensação de insegurança generalizada.

Essa violência virtual serve de base para o recrudescimento dos instrumentos de controle social, impulsionando as grandes massas a exigir providencias urgentes, sanções rígidas e penas cruéis para conter a crescente e assustadora expansão da criminalidade. Todas essas informações que chegam a nossas casas fazem com que as pessoas passem a aceitar todas as "medidas contra o crime" sem pensar nas privações dos direitos individuais que estas medidas possam acarretar eventualmente no futuro. Nucci se posiciona da seguinte forma:

"É preciso considerar a enorme influência que a forçada mídia exerce sobre o Poder Judiciário, especialmente em relação ao Tribunal do Júri, os jurados são juízes leigos, muito mais influenciáveis pelos relatos feitos pela imprensa, antes do julgamento, do que os magistrados togados."

É de conhecimento de todos que os grandes veículos de comunicação focam seus trabalhos nos índices de audiência. Desta forma, as notícias nem sempre se prendem, na realidade dos fatos, sendo um produto construído de certa forma que a grande população aceita a idéia transmitida como sendo verdadeira. Daí pode dizer também que não são todos os fatos ocorridos que chegam ao nosso conhecimento, as noticias quase sempre, são tendenciosas e precisam de um requisito para ser divulgadas, qual sejam elas tem que vender, precisa chamar a atenção de qualquer forma, mesmo que seja desvinculada da verdade.

No Brasil as emissoras de televisão abertas possuem núcleos de jornalismo investigativos que na maioria das vezes apelam para o sensacionalismo e geram altos níveis de audiência, onde, desta forma leciona Débora Tana:

"a maioria das informações sobre a violência é acolhida acriticamente como tema de noticias e matérias curiosas, de disfunção social, cotidianamente transformada em relatos jornalísticos sensacionalistas, por suas características potencialmente dramáticas e aterrorizantes".

Noutro norte, as vitimas dessas notícias manipuladas, que produzem manchetes de grande impacto e não se importam com os seus resultados no âmbito investigatório e processual, tem sua honra e imagem manchada e suas reputações destruídas, já estão carimbadas pela culpa mesmo antes do devido processo legal. Arma-se um linchamento midiático onde os meros suspeitos são transformados em monstros.

O poder quase absoluto exercido pela grande mídia é capaz de alterar a legislação federal, visto seu grande poder coercitivo por meio de matérias jornalísticas espetaculosas, para atender determinados casos, então o poder legislado brasileiro se vê acuado e obrigado a ceder tais pressões.

A influência da mídia, que vai de um extremo a outro de nossa sociedade, que é capaz de pressionar o legislador e criar leis, exigir do poder judiciário (juiz togado) à proferir decisões neste ou naquele sentido, consegue com muita facilidade influenciar decisões do Tribunal do Júri. Nucci diz:

"Eis porque é maléfica a atuação da imprensa na divulgação de casos sub judice, especialmente na esfera criminale, pior ainda, quando relacionados ao Tribunal do Júri. Afinal, quando o jurado dirige-se ao fórum, convocado para participar do julgamento de alguém, tomando ciência de se tratar de ?fulano de tal?, conhecido artista que matou a esposa e que já foi ?condenado? pela imprensa e, conseqüentemente, pela opinião pública, qual isenção terá para apreciar as provas e dar o seu voto com liberdade e fidelidade às provas?"

Quando isso acontece, acarreta uma grande inversão de valores no tocante a ônus probatório, deixa de existir a presunção de inocência e o "in dúbio pro réu". A acusação conta com vários fatores a seu favor e em vários casos ainda recebe a forte ajuda da mídia o que torna a tarefa da defesa muito mais árdua. Um exemplo seria as maquetes usadas no dia do julgamento dos Nardoni, caso este acima citado, veja o que noticiou a Globo.com:
"As duas maquetes usadas pela promotoria durante o depoimento da delegada Renata Pontes mostrando o Edifício London e o apartamento do casal Nardoni, onde a menina Isabella morreu em março de 2008, podem ter custado entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. A empresa responsável pela confecção das maquetes informou que não poderia divulgar o valor, mas informou quanto costuma cobrar por trabalhos semelhantes."

Toda essa reflexão que fazemos acerca da instituição do Júri nos obriga a atentar para as idéias dos autores que defendem a supressão do Júri do ordenamento jurídico brasileiro. Um deles é o já citado Marcelo Colombelli Mezzomo, que além de defender sua extinção, apresenta suas justificativas:

"Os fatos sociais já não mais justificam sua permanência, pois o Júri popular foi criado para o julgamento de crimes cujas penas eram extremamente graves, como a morte, galés e degredo. No atual estágio de desenvolvimento da sociedade isto já não mais ocorre, alem disso o poder judiciário possui uma magistratura independente, autônoma e isenta. O Ministério Público tem as mesmas características, há publicidade nos julgamentos e as garantias constitucionais são mais presentes no processo com julgamento técnico.

Outro motivo apresentado pelo autor para a supressão do instituto do Júri versa sobre a possibilidade de fazê-lo por meio das lacunas constitucionais do artigo 60, § 4º da Constituição Federal, através, por exemplo, de um plebiscito onde seria submetida a julgamento popular a manutenção ou não da figura do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico brasileiro. O autor conclui dizendo:

"convido a todos a meditarem sobre o ser do Júri modelo de justiça que queremos e a juntarmo-nos em uma ?guerra santa? contra uma instituição que já cumpriu o seu papel, mas hoje deve ser proscrita para que inocentes não padeçam da suprema degradação da pena e para que criminosos não se furtem ilesos à ?longa manus? da justiça, que deve sempre prevalecer concretamente."

Embora reconhecendo as graves falhas que o Tribunal do Júri possui e os motivos que levam alguns autores a defender seu banimento, entendemos que o Júri não deve ser suprimido do nosso ordenamento jurídico, talvez pela paixão ou por tradicionalismo acreditamos que algumas mudanças são suficientes para devolvê-lo ao status de respeitabilidade, neste mesmo sentido se posiciona Ana Paula Zomer:

"O Júri deve ser mantido. Merece, contudo reparos, que esperamos, sejam frutos de sincera reflexão. Adotar idéias de modelos que funcionam bem, desde que isto não comprometa a filosofia que deve nortear todo e qualquer sistema, parece-nos prática salutar."
O que verificamos na maioria das vezes nos casos de grande repercussão social, è um processo de "linchamento público" feito pela mídia, que depois de transcorridos os trâmites do julgamento legal, se mostram injustos. Porém, em sua grande maioria, os casos são apresentados, os suspeitos julgados e condenados pela mídia que, em nome da opinião pública, exige a punição do "suspeito-culpado".

CONCLUSÃO:
O Júri é a expressão da cultura de um povo e uma fonte inesgotável de novas teses e discussões jurídicas, seja no campo do Direito Material, seja no aspecto processual. No direito brasileiro, por exemplo, o Tribunal Popular é uma realidade, ele foi mantido na Carta Magna de 1988, e seus procedimentos tiveram algumas alterações advindas pela Lei 11.689/2008. Está enumerado entre os direitos e garantias individuais. Seus simpatizantes alegam, principalmente, tratar-se de uma instituição fundamental para o direito de liberdade do cidadão.

Porém, seus críticos, em maior número, defendem que, apesar do fato de que as normas jurídicas devem ser entendidas levando-se em consideração o contexto legal em que estão inseridas e os valores tidos como válidos em determinado momento histórico, não há como interpretar uma disposição legal ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos. Os debates, a argumentação dos prós e dos contras, a troca de idéias e experiências, conduzem ao crescimento humano.

As controvérsias e as polêmicas geram o amadurecimento, pois o homem se põe a pensar sobre como melhorar ainda mais o que já existe. A isso nos prestamos no decorrer desse trabalho sobre o Tribunal do Júri.

Este instituto sofre influências diretas, seja pela disparidade existente entre acusação e defesa, visto às "armas" ou meios que estão disponíveis ao Promotor de Justiça são infinitamente maiores às alcançadas pela defesa na maioria dos casos, principalmente no que diz respeito a advogados recém formados, onde a falta de experiência contribui muito para a possível condenação do réu, seja pela forma como são escolhidos os membros do Tribunal Popular, bem como a falta de conhecimento da norma pelos jurados, ou por falta de interesse pelo julgamento, colocando interesses individuais acima dos coletivos, tratando a nobre função de julgador popular com um pesado fardo, assim, interferindo diretamente na sentença a ser proferida, visto que os jurados ao julgar os quesitos votam imbuídos de certa carga emocional.

A "deusa" grande-mídia, que tão bem labora sobre as paixões morais do público para assim captar-lhe o interesse, a audiência, e público para seus anunciantes, é evidenciada, sem sombra de dúvida, pela repercussão social dos casos que vincula. O testemunho geral dos experientes operadores do direito é de que nunca se viu tamanha comoção diante de um julgamento. Não faltaram oportunidades para que uma condenação trouxesse uma relevância muito maior para a sociedade, por exemplo, no escândalo do mensalão. O prejulgamento geral induzido pela grande mídia é base tradicional para a desistência de julgar um ato em tribunais de outros países. De onde veio tanta certeza aos que acorreram às portas do tribunal, sem ter o menor conhecimento da prova dos autos, cito como exemplo o comentado caso Nardoni. Será que essa mesma fonte de convicção, não faz uma verdadeira lavagem cerebral, nos telespectadores, visto que não repassam as notícias de forma imparcial, e será ela capaz de poupar aos jurados, não influenciando diretamente em suas decisões?

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