O tema narcotráfico é, sem dúvida, um assunto de preocupação mundial e dos organismos internacionais de saúde e segurança. Porém somente após as duas grandes guerras o tema passou a ser oficialmente objeto de diálogo internacional e também da política interna de muitos países. O fato de a América Latina ser a maior região produtora de drogas (cocaína e maconha – as mais consumidas) no mundo, a coloca no centro de um jogo político entre os países produtores e consumidores de narcóticos, e o sistema ilegal do narcotráfico. Esse sistema, segundo estimativa da ONU, movimenta um mercado mundial de US$ 600 bilhões por ano e quase sempre atua junto a outros tipos de crime organizado como lavagem de dinheiro e contrabando de armas, apenas pra mencionar superficialmente o impacto social.

O Brasil, por sua vez, faz parte de vários acordos bilaterais e multilaterais com países vizinhos da América do Sul sobre o tema, o que era de se esperar, uma vez que o Brasil está na rota da maior parte da distribuição das drogas produzidas no continente, devido à sua amplitude fronteiriça. O fato é que esses acordos não são suficientes para conter o avanço do consumo mundial, que por fatores lógicos demandam maior produção de narcóticos – o ciclo vicioso do narcotráfico. Muito menos deixam as fronteiras brasileiras totalmente livres da ação dos narcotraficantes, concluindo-se que é impossível através de leis ou medidas impedir qualquer mercado consumidor de adquirir qualquer produto, seja lícito ou não, de quaisquer formas – onde houver comprador, haverá fornecedor – segundo a dinâmica capitalista.

Durante muitos anos a posição norte-americana sobre o assunto foi adotada pela maioria dos Estados, sustentando o mito de que os países eram exclusivamente ou “produtores”, ou “consumidores” de drogas. Os primeiros eram os grandes vilões e deveriam ser combatidos. Os segundos eram tidos como vítimas. Os EUA, então maior consumidor de drogas no mundo, ratificavam a ilusão de poder criar uma barreira ao longo de suas fronteiras, para impedir a entrada destas substâncias. O resultado dessa política desastrosa foi o de incentivar a produção nacional. A repressão aumentou. Mas o consumo, ao invés de diminuir, só aumenta a cada ano.

É relevante, também, citar a entrevista concedida à CNN nos anos 80 por Carlos Lehder, primeiro grande narcotraficante colombiano a exportar cocaína para os EUA. Nela ele afirmou que o problema da droga se iniciou com a aprovação, pelo governo de Richard Nixon, em 1970, de uma lei que transformava o tráfico de cocaína em um delito de máxima gravidade. Com isso, a repressão fez o preço da droga passar de três mil dólares para trinta mil dólares por quilo. Então, de acordo com Lehder, traficar cocaína virou um grande negócio internacional que trouxe os grandes mafiosos, as armas e a violência para o continente.

Não é difícil entender a conseqüência dessa abordagem proibicionista que a globalização e o capitalismo levaram as nações a tomar. A Ilegalidade destas substâncias transformou-nas em verdadeiras minas de ouro para criminosos de todos os gêneros, nos diferentes contextos regionais e políticos da América Latina. Do narcoterrorismo dos cartéis de Medellín e Cali, até as ações do PCC, e o controle dos morros pelos traficantes de drogas, no fundo, estão alimentados pelos grandes mercados consumidores das classes médias dentro e fora da América Latina. Vale ressaltar que a chave da questão não significa simplesmente legalizar as drogas para transferir o lucro aos cofres públicos, mas sim questionar as políticas e as formas de negociação sobre este tema, uma vez que todos os países no mundo contribuem de alguma forma para o consumo, a produção ou o trânsito de diferentes substâncias. Não cabe somente às grandes potências consumidoras de drogas decidirem a legislação e a política de controle, mas sim às nações que mais sofrem, neste caso, a América Latina.

Se o tema é relevante para nós, brasileiros, e latino americanos, porque as leis sobre o assunto não são discutidas abertamente com a nossa população? A opinião de políticos como Fernando Gabeira e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre descriminalização de drogas não são suficientes para incentivar o questionamento acerca do assunto nas esferas políticas e acadêmicas nos últimos tempos.  O preconceito e a hipocrisia ainda ofuscam o pensamento racional.

Não é conveniente que o Ministério das Relações Exteriores não tenha um posicionamento claro sobre políticas condizentes com a realidade nacional e regional, para combater a violência e impacto social causado pelo Narcotráfico. Na própria página na internet do MRE a seção de Temas da Agenda Internacional continua desatualizada sobre a questão Narcotráfico. A mídia nacional aberta mascara o assunto, mostrando apenas reportagens superficiais sobre apreensões de droga, prisões de traficantes, mas não incentiva o real debate acerca de ações para amenizar a violência gerada pela repressão nas sociedades menos favorecidas.

Desde a Lei 6368/76, de 21 de outubro de 1976, que regulou o narcotráfico e o uso de drogas em geral no Brasil, o problema é tratado como questão de segurança pública - gera uma guerra civil que afeta toda a sociedade. Na verdade, deveria ser tratado como questão de saúde, pois o usuário, mesmo que morra de overdose, afeta a si mesmo, não a sociedade como um todo, portanto um caso a se tratar no consultório médico, não no cárcere.  É inaceitável, por exemplo, que o narcotráfico seja contra a legalização das drogas, por motivos óbvios de lucratividade, e a sociedade brasileira moderna concorde com isso, posicionando-se do mesmo lado, sem considerar o jogo político que configurou as leis durante a história. Nem mesmo se questiona o porquê de drogas como cocaína e maconha serem reguladas pela mesma lei, sendo a liquidez e o impacto social de ambas, totalmente antagônicos, e comparáveis outrora ao impacto da indústria de bebidas alcoólicas, totalmente legalizada e propagada pela mídia.

O texto seguinte é referente à folha de dados correspondente ao “Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa entre Colômbia e Estados Unidos”, divulgado em 18 de agosto de 2009:

“Em 14 de agosto de 2009, os Governos dos Estados Unidos e da Colômbia chegaram a um acordo provisório em plebiscito sobre o Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa (DCA). O acordo está agora sob revisão final para assinatura. (...) O DCA contribuirá na cooperação efetiva em matéria de segurança na Colômbia, incluindo a produção e tráfico de drogas, o terrorismo, o contrabando de todo tipo e os desastres humanitários e naturais.”

Isso significa, segundo a agência Reuters Bogotá, “acesso aos militares norte-americanos a pelo menos sete bases, como parte de uma campanha conjunta contra os traficantes de cocaína e os guerrilheiros envolvidos na mais antiga guerra civil latino-americana.”

O que isso tem a ver com o Brasil? Uma das últimas ações internacionais brasileiras para tratar de assuntos como Narcotráfico, foi uma reunião de portas fechadas entre os ministros da defesa brasileiro, Nelson Jobim, e colombiano, Gabriel Silva. Numa reunião que durou cerca de uma hora na sede do Ministério da Defesa colombiano, eles analisaram o acordo entre Bogotá e Washington e dialogaram no intuito de “melhorar os laços de cooperação militar para combater os narcotraficantes”, como relata reportagem da agência UOL Notícias, São Paulo.

Isso mostra o relativo atraso com que o governo brasileiro trata essa questão. O mesmo Estado que levou o ditador militar Ernesto Geisel a ratificar a lei de 1976, ainda coloca a questão das drogas na mão do setor da Defesa do também militar Nelson Jobim. Concluo que o narcotráfico é um problema interparadigmático, baseado no debate sobre a força, o poder e a capacidade reguladora do Estado. Um verdadeiro desafio às ciências sociais e à política internacional, e não apenas um tabu da sociedade. Tanto a sociologia, quanto a economia, filosofia, história e negociações internacionais se relacionam intrinsecamente aos fenômenos transnacionais relacionados com as drogas.