A SOCIEDADE E O NARCOTRÁFICO NA AMÉRICA LATINA
Publicado em 13 de março de 2010 por Ariel Fernando de Oliveira
O tema narcotráfico é, sem dúvida, um
assunto de preocupação mundial e dos organismos internacionais de saúde e segurança.
Porém somente após as duas grandes guerras o tema passou a ser oficialmente objeto
de diálogo internacional e também da política interna de muitos países. O fato
de a América Latina ser a maior região produtora de drogas (cocaína e maconha –
as mais consumidas) no mundo, a coloca no centro de um jogo político entre os
países produtores e consumidores de narcóticos, e o sistema ilegal do
narcotráfico. Esse sistema, segundo estimativa da ONU, movimenta um mercado
mundial de US$ 600 bilhões por ano e quase sempre atua junto a outros tipos de
crime organizado como lavagem de dinheiro e contrabando de armas, apenas pra
mencionar superficialmente o impacto social.
O Brasil, por sua vez, faz parte de
vários acordos bilaterais e multilaterais com países vizinhos da América do Sul
sobre o tema, o que era de se esperar, uma vez que o Brasil está na rota da
maior parte da distribuição das drogas produzidas no continente, devido à sua
amplitude fronteiriça. O fato é que esses acordos não são suficientes para
conter o avanço do consumo mundial, que por fatores lógicos demandam maior
produção de narcóticos – o ciclo vicioso do narcotráfico. Muito menos deixam as
fronteiras brasileiras totalmente livres da ação dos narcotraficantes,
concluindo-se que é impossível através de leis ou medidas impedir qualquer
mercado consumidor de adquirir qualquer produto, seja lícito ou não, de
quaisquer formas – onde houver comprador, haverá fornecedor – segundo a
dinâmica capitalista.
Durante muitos anos a posição
norte-americana sobre o assunto foi adotada pela maioria dos Estados,
sustentando o mito de que os países eram exclusivamente ou “produtores”, ou
“consumidores” de drogas. Os primeiros eram os grandes vilões e deveriam ser
combatidos. Os segundos eram tidos como vítimas. Os EUA, então maior consumidor
de drogas no mundo, ratificavam a ilusão de poder criar uma barreira ao longo
de suas fronteiras, para impedir a entrada destas substâncias. O resultado
dessa política desastrosa foi o de incentivar a produção nacional. A repressão
aumentou. Mas o consumo, ao invés de diminuir, só aumenta a cada ano.
É relevante, também, citar a entrevista
concedida à CNN nos anos 80 por Carlos Lehder, primeiro grande narcotraficante
colombiano a exportar cocaína para os EUA. Nela ele afirmou que o problema da
droga se iniciou com a aprovação, pelo governo de Richard Nixon, em 1970, de
uma lei que transformava o tráfico de cocaína em um delito de máxima gravidade.
Com isso, a repressão fez o preço da droga passar de três mil dólares para trinta
mil dólares por quilo. Então, de acordo com Lehder, traficar cocaína virou um
grande negócio internacional que trouxe os grandes mafiosos, as armas e a
violência para o continente.
Não é difícil entender a conseqüência
dessa abordagem proibicionista que a globalização e o capitalismo levaram as
nações a tomar. A Ilegalidade destas substâncias transformou-nas em verdadeiras
minas de ouro para criminosos de todos os gêneros, nos diferentes contextos
regionais e políticos da América Latina. Do narcoterrorismo dos cartéis de
Medellín e Cali, até as ações do PCC, e o controle dos morros pelos traficantes
de drogas, no fundo, estão alimentados pelos grandes mercados consumidores das classes
médias dentro e fora da América Latina. Vale ressaltar que a chave da questão
não significa simplesmente legalizar as drogas para transferir o lucro aos
cofres públicos, mas sim questionar as políticas e as formas de negociação
sobre este tema, uma vez que todos os países no mundo contribuem de alguma
forma para o consumo, a produção ou o trânsito de diferentes substâncias. Não
cabe somente às grandes potências consumidoras de drogas decidirem a legislação
e a política de controle, mas sim às nações que mais sofrem, neste caso, a
América Latina.
Se o tema é relevante para nós,
brasileiros, e latino americanos, porque as leis sobre o assunto não são
discutidas abertamente com a nossa população? A opinião de políticos como
Fernando Gabeira e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre
descriminalização de drogas não são suficientes para incentivar o
questionamento acerca do assunto nas esferas políticas e acadêmicas nos últimos
tempos. O preconceito e a hipocrisia ainda
ofuscam o pensamento racional.
Não é conveniente que o Ministério das
Relações Exteriores não tenha um posicionamento claro sobre políticas condizentes
com a realidade nacional e regional, para combater a violência e impacto social
causado pelo Narcotráfico. Na própria página na internet do MRE a seção de
Temas da Agenda Internacional continua desatualizada sobre a questão
Narcotráfico. A mídia nacional aberta mascara o assunto, mostrando apenas
reportagens superficiais sobre apreensões de droga, prisões de traficantes, mas
não incentiva o real debate acerca de ações para amenizar a violência gerada
pela repressão nas sociedades menos favorecidas.
Desde a Lei 6368/76, de 21 de outubro
de 1976, que regulou o narcotráfico e o uso de drogas em geral no Brasil, o
problema é tratado como questão de segurança pública - gera uma guerra civil
que afeta toda a sociedade. Na verdade, deveria ser tratado como questão de
saúde, pois o usuário, mesmo que morra de overdose, afeta a si mesmo, não a
sociedade como um todo, portanto um caso a se tratar no consultório médico, não
no cárcere. É inaceitável, por exemplo,
que o narcotráfico seja contra a legalização das drogas, por motivos óbvios de
lucratividade, e a sociedade brasileira moderna concorde com isso,
posicionando-se do mesmo lado, sem considerar o jogo político que configurou as
leis durante a história. Nem mesmo se questiona o porquê de drogas como cocaína
e maconha serem reguladas pela mesma lei, sendo a liquidez e o impacto social
de ambas, totalmente antagônicos, e comparáveis outrora ao impacto da indústria
de bebidas alcoólicas, totalmente legalizada e propagada pela mídia.
O texto seguinte é referente à folha
de dados correspondente ao “Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa entre
Colômbia e Estados Unidos”, divulgado em 18 de agosto de 2009:
“Em 14 de agosto de 2009, os
Governos dos Estados Unidos e da Colômbia chegaram a um acordo provisório em
plebiscito sobre o Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa (DCA). O acordo
está agora sob revisão final para assinatura. (...) O DCA contribuirá na
cooperação efetiva em matéria de segurança na Colômbia, incluindo a produção e
tráfico de drogas, o terrorismo, o contrabando de todo tipo e os desastres
humanitários e naturais.”
Isso significa, segundo a agência
Reuters Bogotá, “acesso aos militares norte-americanos a pelo menos sete bases,
como parte de uma campanha conjunta contra os traficantes de cocaína e os
guerrilheiros envolvidos na mais antiga guerra civil latino-americana.”
O que isso tem a ver com o Brasil? Uma
das últimas ações internacionais brasileiras para tratar de assuntos como
Narcotráfico, foi uma reunião de portas fechadas entre os ministros da defesa
brasileiro, Nelson Jobim, e colombiano, Gabriel Silva. Numa reunião que durou
cerca de uma hora na sede do Ministério da Defesa colombiano, eles analisaram o
acordo entre Bogotá e Washington e dialogaram no intuito de “melhorar os laços
de cooperação militar para combater os narcotraficantes”, como relata
reportagem da agência UOL Notícias, São Paulo.
Isso mostra o relativo atraso com que
o governo brasileiro trata essa questão. O mesmo Estado que levou o ditador
militar Ernesto Geisel a ratificar a lei de 1976, ainda coloca a questão das
drogas na mão do setor da Defesa do também militar Nelson Jobim. Concluo que o
narcotráfico é um problema interparadigmático, baseado no debate sobre a força,
o poder e a capacidade reguladora do Estado. Um verdadeiro desafio às ciências
sociais e à política internacional, e não apenas um tabu da sociedade. Tanto a sociologia,
quanto a economia, filosofia, história e negociações internacionais se relacionam
intrinsecamente aos fenômenos transnacionais relacionados com as drogas.