A SEDENTARIZAÇÃO DA CIDADANIA E A ÉTICA CIDADÃ

SOUZA, Luiza Catarina Sobreira.

RESUMO

A sedentarização da cidadania, em sentido formal, está atuando como agente separador de águas que nos impede de entender o que realmente vem a ser uma norma posta e imposta ao povo e pelo povo. No ramo político podemos encontrar diversos discursos que têm se mostrado descompromissados com a causa pública. Não se pode negar que o avanço e o reconhecimento das diferenças sociais é uma vitória da nova concepção de cidadania pelas forças responsáveis do atual contexto social, mas o usufruto dessas liberdades e direitos prometidos, ou garantidos como exercício da cidadania, depende não só de vontade política, mas de cada cidadão fazendo a sua parte ao reivindicar o cumprimento desse direito que dá direitos.

Palavras-chave: Direitos e garantias. Cidadania. Causa Pública. Norma. Sedentarização. Ética.

 

INTRODUÇÃO

Ao se estabelecer o conceito de cidadania e, através deste, buscar a concretização dos seus princípios perante a sociedade, conclui-se que apesar de ter sido reconquisto o direito de exercer a cidadania, por meio do voto livre e universal, para eleger os representantes do povo, isso não é pré-requisito para a garantia da liberdade, participação, segurança, desenvolvimento e justiça social no Brasil.

Neste sentido, tem-se que embora o dieito de votar tenha possibilitado a promoção da liberdade e da participação popular na escolha dos seus representantes, problemas como desemprego, desigualdades sociais, analfabetismo e má qualidade da educação continuam sem solução. E, em alguns casos, tiveram seus problemas intensificados ou melhorados em um ritmo muito lento, o que indiretamente coloca em risco os próprios mecanismos e agentes do sistema democrático, a exemplo das eleições, provocando revolta e desconfiança por parte dos cidadãos a esses mecanismos e agentes.

Diante disso, conclui-se que a ausência de perspectiva de melhoras, bem como a facilidade de propor soluções imediatas e radicais pode provocar um verdadeiro retrocesso às conquistas já incorpodaras à sociedade. Diante disso, é importante refletir, através desse espelho da razão, acerca do exercício ético e compromissado de uma cidadania responsável. Afinal, construir uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos é um ideal impossível, mas que até agora tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada momento histórico.

 

1. A CIDADANIA NA HISTÓRIA

O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado então para designar os direitos relativos ao cidadão. Cidadania pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes de uma vida em sociedade. Do latim, o termo cidadania vem de civitas (cidade) e na Roma antiga, ela indicava a situação política e os direitos de uma pessoa (exceto mulheres, escravos, crianças e outros), distinguindo-os em diferentes classes sociais. No entanto, esse conceito foi ampliado, passando a englobar um conjunto de novos valores que determinam uma série de deveres e direitos de um cidadão.

Mário Quintão,no seu livro "Teoria do Estado", diz que o Direito Romano, apesar de proteger as liberdades individuais e reconhecer a autonomia da família com o pátrio poder, não assegurava a perfeita igualdade entre os homens, admitindo a escravidão e discriminando os despossuídos. Já Wilba Bernardes, no seu livro "Da nacionalidade: Brasileiros natos e naturalizados" defende a tese de que o Estado, à época de Roma e Grécia, se é que podem assim ser chamados, não tinha a feição que hoje lhe é conferida; era mais um prolongamento da família, pois esta era a base da sociedade. E sendo assim, o indivíduo encontrava-se completamente absorvido pelo Estado/Cidade-Estado.

Na Idade Média, a Igreja cristã passou a se constituir como a instituição básica do processo de transição para o tempo medieval. As relações cidadão-Estado, antes reguladas pelo Império, passam a ser controlados pela Igreja Católica. A doutrina cristã, ao alegar a liberdade e igualdade de todos os homens e a unidade familiar, provocou transformações radicais nas concepções de direito e de Estado. Com o fim do feudalismo, o início da reforma protestante e a ocorrência da formação dos Estados nacionais, a sociedade, ainda formada e organizada em clero, nobreza e povo, volta a ter uma centralização do poder nas mãos do rei.

Nos séculos XVII e XVIII na Europa, com a divisão entre burgueses e trabalhadores e a centralização do poder nas mãos dos reis, que governavam absolutos, veio a acontecer revoluções burguesas nos EUA e na França, com o intuito de controlar esse poder e buscar uma maior melhoria das condições de vida, com a garantia da liberdade e igualdade entre todos. E foi exatamente nesta última, França, que surgiu o moderno conceito de cidadania, visando eliminar certos privilégios. Em suma, a cidadania é um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Portanto, a história da cidadania, por si só, mostra como esse valor encontra-se em permanente construção. É um objetivo perseguido por aqueles que anseiam por liberdade, mais direitos, melhores garantias individuais e coletivas frente ao poder e a arrogância do Estado.

1.1 A Cidadania no Brasil

A luta dos reivindicadores da liberdade por um país mais democrático encontrou diversos obstáculos que tentaram suprimir a conquista e o estabelecimento dos direitos humanos na realidade contemporânea. Uma pesquisa divulgada pelo Ibope, em novembro de 2003, mostrou que 56% dos brasileiros não têm vontade de participar das práticas capazes de influenciar nas políticas públicas. Sendo assim, salienta-se que ser nacional de um Estado é a condição primordial para o exercício dos direitos políticos.

Segundo José Murilo Carvalho, no seu livro "Cidadania no Brasil", a primeira parte que nos leva à compreensão do que realmente vem a ser cidadania, no contexto histórico brasileiro, estende-se por 108 anos, desde a independência, em 1822, até o final da primeira república, em 1930. Do ponto de vista do progresso da cidadania, a única alteração importante que houve nesse período foi a abolição da escravidão, em 1888. Porém, não se pode deixar de notar que a sua independência de Portugal, trouxe uma tradição cívica pouco encorajadora, visto que em três séculos de colonização Portugal formou um enorme país dotado de unidade territorial, lingüística e religiosa, mas também, ao mesmo tempo, deixou uma sociedade analfabeta, escravocrata e um Estado absolutista. Não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira. Os escravos não eram cidadãos e não possuíam nenhum direito que fosse inerente a eles. Os senhores eram, sem dúvida, livres, votavam e eram votados nas eleições municipais, mas, também não se pode dizer que estes fossem cidadãos. Pois, faltava-lhes, o próprio sentido da cidadania, a noção da igualdade de todos perante a lei.

Marshall, no seu livro "Cidadania, Classe Social e Status", assevera que:

''A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida''. (Marshall, 1949, p. 76)

Entende-se, diante disso, que não é o fato de votar e ser votado que te qualifica como cidadão. Ser cidadão é uma condição ou status que é atribuído ao indivíduo que é membro de determinado Estado soberano e que, diante disso, está ciente do mundo ao seu redor e das suas ações e obrigações que terão repercussão nessa esfera da vida política. A independência não introduziu mudança radical no panorama descrito. Por um lado, a herança colonial era por demais negativa; por outro, o processo de independência envolveu conflitos muito limitados em comparação com os outros países da América Latina. Portanto, não se pode dizer que a independência foi fruto de uma luta popular pela liberdade, mas, sim, do interesse político e econômico da burguesia.

A primeira Constituição brasileira, escrita e outorgada em 1824, teve como forma de governo a monarquia e repartiu o poder em quatro: Executivo, Legislativo, Judiciário e Moderador. O voto era censitário e a luta política era intensa e violenta, o que estava em jogo não era o exercício de um direito de cidadão, mas o domínio político local. Mais da metade da população era analfabeta e vivia em áreas rurais, não tendo capacidade nem ao menos de ler um jornal ou de saber quaisquer novidades política, econômica ou social que influenciasse de forma direta ou indireta as suas vidas, que eram controladas e influenciadas pelos grandes proprietários. A maior parte dos cidadãos do novo país não tinha tido prática do exercício do voto durante a Colônia e, certamente, não tinha também noção do que fosse um governo representativo.

A história da cidadania no Brasil está diretamente ligada ao estudo histórico da evolução constitucional do País e é praticamente inseparável da história das lutas pelos direitos fundamentais da pessoa humana. As duas primeiras constituições brasileiras consagravam a expressão cidadania. Mas a partir de 1930, com a mudança do enfoque na atuação do Estado na sociedade, ocorreu uma nítida distinção nos conceitos de cidadania e, desde então, o termo tem sido empregado para definir a condição daqueles que, como nacionais, exercem direitos políticos. Entretanto, sobre a cidadania propriamente dita, dir-se-ia que esta ainda engatinha. Passos importantes já foram dados, no entanto, para que haja democracia é necessário que governados queiram escolher seus governantes, isto é, participem ativamente da vida democrática, comprometendo-se com os seus eleitos e fiscalizando os atos desses. Portanto, ser cidadão é, antes de tudo, interessar-se pelo bom andamento das atividades do Estado, exigindo que esse seja coerente com os seus fundamentos.

No livro "Direitos Humanos e Cidadania", Dallari afirma que: "A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social". O exercício do voto é um ato de cidadania, porém, o seu papel não se esgota aí, pois o exercício do poder requer múltiplas decisões, entre elas, a de fiscalizar e acompanhar a atuação estatal.

1.2 A Garantia Constitucional da Cidadania

O Preâmbulo da Constituição Federal, embora não tenha força normativa para influir na decisão judicial, tem como propósito instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social; assegurando ao cidadão meios para influir, fiscalizar e modificar a realidade social

 

2. A SEDENTARIZAÇÃO NÔMADE

O homem paleolítico era nômade, sobrevivia da caça, da pesca e da coleta de vegetais. Deslocava-se constantemente em busca de melhores condições de vida, firmando-se em um local e deste retirando todos os recursos alimentares disponíveis. Inventou diversos instrumentos simples, descobrindo também a maneira de produzir e controlar o fogo. Com o passar do tempo, ele começou a desenvolver outras habilidades, retratando animais daquela época e cenas do cotidiano, através de pinturas rupestres nas cavernas, das quais hoje, contribuem bastante para a análise histórica do desenvolvimento do homem. Logo depois, ele domesticou animais e cultivou plantas, uma conquista que levou à sedentarização da espécie e ao aparecimento das primeiras aldeias.

Na última fase da Pré-História, a Idade dos Metais, o homem aprendeu a fabricar objetos de metal, ergueu aldeias, construiu e administrou cidades. Daí a diferença que separa os homens dos outros animais, a capacidade de fabricar suas ferramentas e de transmitir o que aprendiam aos seus iguais.

2.1 O Homem Pré-Histórico

O período pré-histórico se divide em três: Paleolítico, Neolítico e Idade dos Metais. A primeira fase era formada pela sociedade primitiva, que utilizava instrumentos rudimentares feitos de pedra lascada. Estes ainda aprenderam a produzir, controlar e utilizar o fogo, que servia para os aquecer no inverno, os defender contra ataques de animais e na preparação de seus alimentos.

O homem paleolítico ou primitivo retirava seu sustento da natureza, sendo a sua subsistência, a extração desta através da coleta, caça e pesca. E por eles serem nômades, havia um constante migração de região à região, em busca de locais onde houvesse abundância de alimentos e um ambiente mais propício à sobrevivência. Devido a essa constante migração e desgaste do homem, este desenvolveu a habilidade de domesticar animais e cultivar plantas, sendo esta a maior conquista representada naquela época pelo homem. Hoje ela é conhecida como "revolução neolítica" e marca o início do processo de sedentarização e o ingresso no Neolítico.

A garantia do alimento abriu muitas portas para o homem, possibilitando uma maior segurança e permitindo que ele se dedicasse a outras atividades. Essa mudança organizacional acabou reformulando a modo de vida em grupo, tornando o homem sedentário e constituindo tribos unidas por laços familiares, aldeias e, mais tarde, cidades às margens de grandes rios. E só por volta de 4000 a.C, na região da Mesopotâmia, foi que houve o fim da Pré-História com o aparecimento de sistemas simples de escrita.

2.2 O Sedentarismo Contemporêneo

O mundo atual é composto por uma sociedade multicultural, onde o pluralismo está bem presente no sistema político e a diferença é um dos ingredientes essenciais para a manuntenção da democracia, nesse contexto, a comunicação social é o único meio que possibilita o diálogo entre as mais diversas ideologias. Há poucos anos era a ideia da velocidade que mobilizava o imaginário do homem moderno, um tipo de fronteira que, na época, precisava ser ultrapassada. Sendo assim, a conquista da modernidade consistia na corrida contra as limitações do espaço e do tempo. Hodiernamente, a velocidade não mais provoca o frenesi de outrora, ou melhor, a mobilidade física perdeu espaço para a denominada instantaneidade da informação.

A corrida contra o tempo e o espaço, que antes era pretendido com velocidade, passou a ser definido não com deslocação física para a ultrapassagem das fronteiras de território, mas com a caracterização da informação que se tornou abrangente, rápida, fácil e confortável. Assumindo o papel de ultrapassar as barreiras da realidade, que mobiliza o imaginário humano, essas informações estão disponíveis à distância de um clique do mouse do computador. Diante disso, a realidade deixa de ser o mundo que atravessamos, durante o percurso da deslocação, para ser a instantaneidade da representação.

Um caso que pode ser analisar de perto é o modo de vida dos ciganos, que pouco se alterou nessas últimas décadas. Os ciganos na sua maioria continuam a ser nômades, dedicando-se ao comércio ambulante. Porém, algumas alterações na sociedade, provocaram-lhes certas mudanças, que teve bastante peso na determinação de suas ocupações e condições de vida, entre elas, a sedentarização. Dentre essas mudanças, uma que influenciou bastante o modo de vida dos ciganos foi a proletarização. Então, conclui-se que não foi a sedentarização que causou a proletarização, mas foi a proletarização, foi o empobrecimento, que obrigou os ciganos de Sousa, por exemplo, a aceitar uma vida sedentária. Diante disso, aparece o seguinte questionamento: Até que ponto o empobrecimento da comunidade cigana a conduziu ao processo de sedentarização?, reformulando a pergunta: Até que ponto a ausência de conhecimentos levou a sociedade a não exercer uma cidadania ética e responsável?".

No filme "Escritores da liberdade" é narrada a trajetória da professora de inglês, Erin Gruwell, que lecionou numa turma de ensino médio de uma escola em Long Beach, Califórnia. No decorrer de suas aulas, ela desenvolveu uma ação pedagógica inovadora, que despertou nos seus alunos uma motivação para ler, pensar, escrever e expressar suas ideias, tornando possível o reconhecimento destes como sujeitos-de-sua-história. Jovens que antes não tinham sonhos, que não acreditavam em nada, que culpavam a todos pelas desgraças que lhes aconteciam, passaram a entender que eles eram os autores da sua história, daí o nome do filme, que na realidade é a adaptação do livro "Escritores da liberdade", escrito por eles.

Então, é necessário compeender que a sociedade corre grande risco de não mais conseguir enxergar a realidade como ela realmente é, risco este gerada pela chamada sedentarização da cidadania. Como diz Giorgio Agamben: "O que impede a comunicação é a própria comunicabilidade, os homens estão separados por aquilo que os une." (1993, p.64). Ainda neste sentido, Adriano Duarte Rodrigues afirma que:

"Restam-nos, no entanto, ainda as marcas de devaneios nómadas do desejo e, ao cabo de um longo processo sedentarizante, a nossa modernidade faz retornar hoje, de mil e uma maneiras, essas marcas esquecidas. Vivemos pela primeira vez uma época que procura associar a fruição dos prazeres do nomadismo à razoabilidade das vantagens da sedentarização. Não é tanto da fruição dos prazeres da circulação física das pessoas que se trata com este retorno nomádico do devaneio e da fruição do desejo, mas da vertigem das imagens que, na instantaneidade da sua projecção, vagueiam através dos espaços cibernéticos que o imaginário concebe e os dispositivos mediáticos realizam e servem o domicílio".

É importante aprender a diferenciar a realidade do resto remanescente da experiência arcaica do homem, desempenhando a função de mediador entre o conhecimento, a razão e a sociedade. Fazendo uma análise desse conjunto e se tornando um agente propulsor do desenvolvimento consciente dessa sociedade.

 

3. ÉTICA E CIDADANIA

3.1 O Que é Ética:

Em relação a moral, a história da ética como disciplina filosófica é mais limitada no tempo e no material. Quando se fala em moral, compreende-se o estudo de todas as normas que regularam a conduta humana desde os tempos pré-históricos. Não se limitando apenas a filosofia, mas participando também do âmbito social. Por este motivo, a história das idéias morais é um tema estudado pela sociologia ou a antropologia. Salientando-se que o conteúdo moral é abrangente, podendo estudar as atitudes e idéias de diversos povos, como: orientais, judeus, egípcios, etc. Porém, quando se fala em ética, fala-se estritamente em filosofia. Mas, mesmo assim, às vezes ela adquire uma considerável amplitude, tornando-se difícil estabelecer uma separação entre os sistemas morais, que é objeto da ética, e o conjunto de normas e atitudes que predominam em determinada fase histórica.

Buscando solucionar esse problema, os historiadores da ética limitaram seu estudo às idéias de caráter moral que possuem uma base filosófica. A ética, então, vem a ser a ciência da conduta, a ciência da forma específica do comportamento moral dos homens na sociedade. Muitas doutrinas éticas nascem e se desenvolvem em diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos apresentados pelas relações entre os homens. Existindo uma estreita relação entre os conceitos morais e a realidade humana. Não podendo a ética ser compreendida isoladamente, mas dentro de um processo de transformações e aprimoramentos.

Quando se fala em relações cotidianas estamos sempre diante de questionamentos que buscam em suas soluções o envolvimento não só da pessoa que o fez, mas de outras que poderão sofrer as conseqüências das decisões e ações tomadas, levando em consideração o desenvolvimento coletivo e a coexistência de regras que coordenam e harmonizam as relações existentes nessa comunidade. Cada sociedade é caracterizada pelos seus costumes, normas e valores. E dentro desse contexto encontramos prescrições e proibições de cumprimento obrigatório.

Ao analisar a moral e entender o forte caráter social que esta adquire na cultura, história e natureza humana, compreende-se que ela é uma herança preservada pela comunidade, mas, quando questionada em relação a sua validade, é necessário fundamentá-la teoricamente. Otaviano Pereira, no seu livro "O que é moral", diz o seguinte: "O velho se contrapondo ao novo é o que podemos esperar como conflito saudável para o avanço da moral. Ora, a vida das pessoas não deve ser como uma geladeira para conservas. O ideal é evitar o "congelamento" da moral em códigos impessoais, que vão perdendo sua razão de ser, dado o caráter dinâmico das próprias relações." (1991, p.24)

Compreende-se que devido a certas estruturas problemáticas, a moral efetiva terá o poder de mudar radicalmente a vida social e moral da sociedade através da elaboração de novos princípios, valores e normas. Então, como podemos entender o conceito de ética? Essa ética que tantas vezes é interpretada como sinônimo da moral. Primeiramente é importante saber que a ética não cria a moral. Ela vai nascer da necessidade que se tem de aprofundar o estudo da moral. Ela será o tratamento teórico que gira em torno da moral e da moralidade. Portanto, podemos dizer que a ética vai investigar e explicar o comportamento moral, reformulando os juízos de valor quanto à prática moral de outras sociedades, explicando o fato que levou os homens a adotarem práticas morais diferentes e até mesmo opostas.

4 ÉTICA E CIDADANIA

A palavra ética é a junção de dois vocábulos gregos: hqoz e eqoz (ethos). O primeiro significa morada do homem e o outro, comportamento que resulta da repetição dos mesmos atos (costume ou hábito). Sócrates foi o grande iniciador da ética, e, com ele, o ethos passou a ser aquilo que está de acordo com a razão. Buscando não apenas cumprir a lei, mas descobrir o seu sentindo. Para Aristóteles, a prudência tem a ver com deliberação, que é o poder de escolha que é dado a cada homem, criando um vínculo entre a doutrina do direito e a moral, subordinando os bens individuais ao bem comum e instaurando a virtude moral.

Por sua vez, a virtude moral, diz respeito às leis. E as leis estarão voltadas ao bem da comunidade e a sua conservação. Para isso ela terá duas formas de justiça, a primeira será a conformidade desta com uma conduta ou norma e a segunda, a eficiência que uma norma terá de tornar possível a relação entre os homens. Portanto, falar sobre ética e cidadania é discursar sobre o elenco de fatos e acontecimentos que estão subordinados aos mais diversos tipos de interpretações sócio-econômico-político e cultural.

Sabendo desde já que sendo o bem comum e social o objetivo da política, esta orientará a ética dando autonomia ao cidadão. Então, podemos dizer que a ética, neste caso, será a ação humana que é fruto da vontade subjetiva através do hábito. Estabelecendo relações bastante complexas nas várias esferas da sociedade. Como já foi dito antes, a cidadania é um processo. Ninguém nasce cidadão. Torna-se cidadão através das suas relações e experiências diárias com a troca de informação. Assim como a ética, a cidadania também é hoje um instrumento fundamental de estudo, que tem influenciado no aperfeiçoamento do modo de vida da sociedade.

Não basta apenas o desenvolvimento tecnológico e científico para que a vida melhore, é também necessário que haja uma boa convivência na comunidade política, para que a esta seja harmônica e mais justa. Quando se fala em ética e cidadania, corre-se o risco de falar o que alguém já falou vez passada. Pois o conhecimento está disperso em outros saberes, trazendo à tona certas deficiências que existe com a falta de cidadania e ética no povo, assim como também a sua descrença em relação a esses mecanismos.

Um exemplo brasileiro que vem demonstrar o poder que um cidadão possui nas escolhas políticas do seu país, é o impeachment de Collor que ocorreu na luta pela redemocratização do Brasil. Diversos jovens saíram nas ruas com os rostos pintados e cartazes que diziam: "Fora Collor". E foi a partir disso que boa parte dos brasileiros passou a entender que a democracia pode de fato funcionar. Outro exemplo que precisamos lembrar é o dos diversos movimentos que existiram contra a ditadura, que mesmo sob a ameaça de tortura e morte, foram perseverantes até que conseguiram seus direitos políticos e sociais de volta, dando fim à censura da imprensa e conseguindo a aprovação da lei da anistia e a conquista de eleições diretas. Vale salientar, que muitos dos estudiosos da época, acreditavam que o caminho para se mudar um país estava na sua cultura e valores éticos.

Uma vez que a TV, como um instrumento antiético, não incentivava o protagonismo político entre os cidadãos, nem os educava nos valores fundamentais para a vida em sociedade. Julgavam ainda, que para haver a participação política dos cidadãos em uma sociedade democrática, eles teriam que seguir os princípios de igualdade, solidariedade e diversidade. De forma que essa comunidade sem ética e cidadania fadada à prática da corrupção, pudesse fazer parte de uma ética pensada com ações de cidadania eficazes e eficientes, visando alcançar direitos e garantias fundamentais. Chega-se a conclusão que se faz necessário uma consciência individual para que se possa entender o social. Pois é essa responsabilidade individual que vai fundamentar a ética, em princípios e valores, e, norteará o indivíduo para viver em comunidade. Porém, não se pode dizer que é o indivíduo e sua individualidade, que irá fundar uma ética. Pois, muitas vezes, o que é moral para um, pode não ser imoral para outro.

 

CONCLUSÃO

São muitas as transformações sofridas ao longo da história da humanidade. Principalmente quando se fala em conquistas e descobertas, que vieram interferir de forma positiva ou negativa a qualidade de vida da sociedade. Daí a necessidade de se impor novas obrigações e responsabilidades para o povo e o Estado, que ganhou novas feições com a evolução da sociedade. Não foram poucas as mudanças, assim como também não foram poucas as conseqüências. Muitas guerras e revoluções aconteceram até que chegássemos aqui. Porém, hoje, com o advento de novas técnicas, tecnologias e processos de globalização, as mudanças ocorrem de forma muito mais complexa. Tonando-se importante conhecer línguas e compreender as pessoas que vivem ao nosso redor. Um exemplo disso são os marginais, que existem em todos os grupos sociais. Cabendo a cada um de nós distinguirmos o que mais envenena e estraga a convivência na nossa sociedade.

Atualmente não existe mais o singular. As pessoas vivem no coletivo e são parte do plural. Muitos deixaram de fundamentar as suas verdades e se adaptaram a novas formas de vida ditada pelos meios comunicativos da massa. Outros passaram de agentes ativos de suas histórias para se tornarem passivos em suas próprias vidas. Também é de se notar, que de inicio, os novos recursos modernos tiveram o papel de puxar do jovem o melhor que eles pudessem dar à sociedade, inserindo-os no meio de um conhecimento puro e dinâmico. Porém, devido ao fenômeno de regressão parcial, essa tecnologia não está mais provocando em boa parte da sociedade, a ideia de conhecimento instantâneo como instrumento para um melhor desenvolvimento social, tecnológico e econômico.

Os jovens tem se tornado acomodados e a vida política banal. Nesse caso, faz-se necessário fundamentar as nossas ações em uma ética construída com base na responsabilidade individual, visando a formação do sujeito ético, que vive o seu papel de cidadão e cumpre com as suas obrigações visando principalmente princípios, não normas. Infelizmente, vivemos numa "era teórica", onde os interesses particulares prevalecem e a vida sedentária interfere no desenvolvimento e aprimoramento dessa teoria que deixou de ser aplicada. Sofremos grandes lavagens cerebrais e sociais pela sociedade, deixando de ver a verdade que está camuflada pelos seus paradigmas, que já estão ultrapassados há muito tempo. Somente quando cruzarmos essa fronteira que nos impede de entender o problema como um todo, é que poderemos como sujeitos éticos, cumprir o nosso papel de cidadãos.

 

REFERÊNCIAS

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