UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO - UNDB

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

 

 

 

 

 

ÍCARO CARVALHO GONÇALVES

 

 

 

 

 

 

 

REVISÃO DA LEI DA ANISTIA SOB A PERSPECTIVA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE BRASILEIRA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

São Luís

2015

ÍCARO CARVALHO GONÇALVES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REVISÃO DA LEI DA ANISTIA SOB A PERSPECTIVA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE BRASILEIRA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Ma. Luiza de Fatima Amorim Oliveira

  

São Luís

2015

ÍCARO CARVALHO GONÇALVES

 

 

 

 

REVISÃO DA LEI DA ANISTIA SOB A PERSPECTIVA DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E DA COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE BRASILEIRA

 

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

 

 

 

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Profª. Ma. Luiza de Fatima Amorim Oliveira (Orientadora)

Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

 

 

 

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1º Examinador

Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

 

 

 

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2º Examinador

Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

AGRADECIMENTOS

 

Primeiramente, agradeço a Deus por todas as oportunidades que sempre me proporcionou, e por ter me colocado no caminho do Direito, curso pelo qual sempre me interessei e que me conquistou cada vez mais com o passar de cada período.

Agradeço especialmente aos meus pais, Antônio Estevam Gonçalves e Leila Carvalho Medeiros Gonçalves pois, sem os seus sacrifícios e sem a criação que me proporcionaram, eu não seria a pessoa que sou hoje. Cada conquista da minha vida, seja profissional ou pessoal, é mais deles do que minha. Obrigado por todo o amor que sempre fizeram questão de demonstrar por mim. Obrigado pelo ambiente familiar equilibrado e feliz no qual cresci e, principalmente, por acreditarem na minha capacidade quando nem eu mesmo acreditei.

A meus amigos por, nos momentos de cansaço mental e estresse, terem sido compreensivos, me apoiando, confiando em mim e me impulsionando para frente cada vez mais. Agradeço por me ensinarem que amizade verdadeira é aquela que apenas acrescenta coisas boas na sua vida, sempre te apoiando a buscar realizações e um futuro melhor.

Agradeço a cada professor desta unidade de ensino que me acompanhou durante a minha vida acadêmica, em especial à professora Luiza de Fátima Amorim Oliveira, que me deu ensinamentos e auxílio no momento onde mais necessitei, e sem a qual este trabalho não seria possível.

Agradeço também ao Defensor Público Federal Yuri Costa, por cada orientação que me deu durante quase dois nos quais estagiei na Defensora Pública da União no Maranhão. Meu muito obrigado pelo exemplo de ética, profissionalismo e altruísmo que o senhor sempre demonstrou.

Muito Obrigado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

O presente trabalho objetiva se posicionar sobre a necessidade de revisão da Lei n. 6.683/79, também conhecida como Lei da Anistia Brasileira. Esta Lei surgiu no cenário nacional durante um momento de transição entre o regime ditatorial militar e o retorno da democracia no Brasil, momento também conhecido como redemocratização. Se trata de texto normativo que incorpora multiplicidade de anseios e intenções, do povo brasileiro, assim como também do próprio Estado ditatorial. Anistiou vítimas do regime militar, presas por crimes políticos, concedendo também perdão aos algozes da ditadura, motivo pelo qual se tornou objeto de diversos debates por conta de seus dispositivos controversos, que visivelmente desrespeitam diversas garantias de Direitos Humanos previstas em tratados internacionais dos quais o Brasil participa. Por este motivo, fora trabalhado o desenvolvimento do sistema internacional de proteções a direitos humanos, suas inovações e o que seu posicionamento significa, tanto internacionalmente quanto internamente. Discorreu-se neste trabalho sobre a lei em questão que, para ser compreendida em sua totalidade, deve ser analisada em conjunto com conhecimento sobre o contexto histórico no qual fora editada, e o seu significado para a história brasileira. A lei da anistia, por conta de sua controvérsia, foi alvo de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 153, julgada improcedente pelo STF, por maioria de votos que se utilizaram de argumentos rasos para esta decisão. Ainda assim, surgiu a Comissão Nacional da Verdade, que, objetivando alcançar a veracidade sobre crimes ocorridos no território nacional durante o regime militar, investigou denúncias, desaparecimentos e homicídios de indivíduos. Em seu relatório final, a CNV se manifestou contrária à Lei da Anistia, afirmando que esta obstruía a busca da verdade, garantia a impunidade e violava a Convenção Americana de Direitos. Concordando com estes fatos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão máximo no que tange à aplicação e interpretação dos normas da Convenção Americana, condenou o Brasil, em caso concreto, à compensação à familiares de vítimas de violações de direitos humanos durante o período de regime militar. Se posicionou também sobre a lei da anistia, afirmando que violava a Convenção e devia o Brasil, como Estado parte desta, realizar Controle de Convencionalidade. Por estes motivos, é relevante a análise da necessidade da revisão da lei em questão sob a ótica dos posicionamentos presentes no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e da Comissão Nacional da Verdade. 

Palavras-chave: Lei da Anistia. Comissão Nacional da Verdade. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Ditadura Militar.

ABSTRACT

 

This work aims to position about the need to revise the Law n. 6.683 / 79, also known as the Brazilian Amnesty Law. This law has emerged on the national scene during a time of transition from the military dictatorship to the return of democracy in Brazil, also known as redemocratization. It is a normative text that incorporates multitude of desires and intentions of the Brazilian people, but also the very dictatorial state. This law gives forgive for the victims of the military regime, imprisoned for political crimes, but also granted pardon to the tormentors of the regime, which is why this law became the subject of several debates about its controversial devices, which clearly flout various guarantees of human rights provided for international treaties to which Brazil participates. For this reason, this work analyzed the development of international safeguards system of the human rights, its innovations and what its positioning means, both internationally and internally. The law in question, to be understood in its entirety, must be analyzed together with knowledge of the historical context in which it was published, and its significance for the Brazilian history. The law of amnesty, because of its controversy, was the object of the Allegation of Disobedience of Fundamental Precept No. 153, dismissed by the Supreme Court, by majority vote who used shallow arguments for this decision. Still, was born the National Commission for Truth, which, in order to reach the truth about crimes committed in the country during the military regime, investigated complaints, disappearances and killings of individuals. In its final report, the CNV was manifested contrary to the amnesty law, stating that it obstructed the search for truth, guarantee impunity and violated the American Convention of Human Rights. In agreement with these arguments, the Interamerican Court of Human Rights, governing body regarding the application and interpretation of provisions of the American Convention, condemned Brazil in this case to render compensation to the relatives of victims of human rights violations during the period of military regime. The Court has also positioned on the law of amnesty, saying it violates the American Convention and Brazil, as part of this it, should perform conventionality control. For these reasons, it is worth this analyze about the needing of this law’s review from the perspective of positions present in the Interamerican System of Human Rights and the National Truth Commission

Keywords: Amnesty Law. National Truth Comission. Interamerican Systema of Human Rights. Military Dictatorship.

 

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

 

ADPF

-

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AI

-

Ato Institucional

ALN

-

Ação Libertadora Nacional

ARENA

-

Aliança Renovadora Nacional

Art.

-

Artigo

CADH

-

Convenção Americana de Direitos Humanos

CBA

-

Comitê Brasileiro pela Anistia

CEJIL

-

Centro pela Justiça e o Direito Internacional

CF/88

-

Constituição Federal de 1988

CIDH

-

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CNV

-

Comissão Nacional da Verdade

DOI-CODI

-

Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de Defesa Interna

JANGO

-

Jânio Quadros

MR-8

-

Movimento Revolucionário 08 de outubro

OEA

-

Organização dos Estados Americanos

OAB

-

Ordem dos Advogados do Brasil

P.

-

Página

Par.

-

Parágrafo

PGE

-

Procuradoria Geral do Estado

PTB

-

Partido Trabalhista Brasileiro

PSD

-

Partido Social Democrático

RMRE

-

Reunião dos Ministros das Relações Exteriores

SIDH

-

Sistema Interamericano de Direitos Humanos

SNI

-

Serviço Nacional de Informações

STF

-

Supremo Tribunal Federal

STJ

-

Superior Tribunal de Justiça

UND

-

União Democrática Nacional

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

1

INTRODUÇÃO.........................................................................................

9

2

O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS................................................................................................

12

2.1

Importância da Declaração dos Direitos Humano para o Sistema Interamericano..........................................................................................

12

2.2

Surgimento da Organização dos Estados Americanos no Cenário Global.........................................................................................................

15

2.3

Aspectos Relevantes acerca da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) .....................................................................................................................

20

2.4

Considerações Sobre Outras Convenções Relevantes do Sistema Regional Americano..................................................................................................

23

2.5

Principais Funções e Objetivos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) .....................................................................................................................

24

2.6

Competência e Objetivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos relevantes ao tema............................................................................................................

27

3

A LEI DA ANISTIA BRASILEIRA............................................................................................

31

3.1

Contexto histórico e desenvolvimento da Lei Nº 6.683, de 28 de Agosto de 1979.............................................................................................................

32

3.2

Cabimento e Processamento da ADPF 153...............................................................................................................

41

3.2.1

Considerações Relevantes sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental................................................................................................

41

3.2.2

Principais Argumentos Utilizados pela OAB em Sede da ADPF 153...............................................................................................................

43

3.2.3

Principais Argumentos Utilizados Pelo STF no Julgamento da ADPF 153.....................................................................................................................

46

3.3

A Comissão Nacional: a busca pela verdade e responsabilização........................................................................................

50

4

A NECESSIDADE DA REVISÃO DA LEI DA ANISTIA....................................................................................................

53

4.1

Posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos Sobre da Lei da Anistia Brasileira....................................................................................................

53

4.2

Considerações sobre o controle de Convencionalidade....................................................................................

58

4.2.1

O controle de convencionalidade no Brasil...........................................................................................................

60

4.3

Posicionamento da CNV sobre a Lei da Anistia e Críticas Finais ao Julgamento da ADPF 153...............................................................................................................

65

5

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................

69

 

REFERÊNCIAS.........................................................................................

72


1 INTRODUÇÃO

No período pós Segunda Guerra Mundial, o mundo se via diante da necessidade de se evitar novas atrocidades, como os atentados contra a vida humana que ocorreram durante o embate entre o Eixo e os Países aliados. Por este motivo, no ano de 1948 fora publicada pelas Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta declaração inovou no sistema internacional, representando, pela primeira vez na história, o consenso entre diversos Estados Soberanos acerca dos direitos inerentes à pessoa humana.

Embora não possuísse força normativa em sua edição, a Declaração Universal dos Direitos Humanos alicerçou o desenvolvimento de diversos tratados e convenções internacionais que visavam a proteção aos direitos nela previstos. Os Estados Partes se comprometeriam a assegurar estes direitos, sob a pena de receber algum tipo de sanção, não de um órgão, mas de toda a comunidade internacional. Encontrava-se as raízes do que seria o direito internacional. A declaração apenas deu início ao reconhecimento e proteção de Direitos Humanos, mas seu desenvolvimento segue até os dias atuais e deve continuar se constituindo, englobando novos tipos de direitos, com o passar das eras. 

Como exemplo destas inovações que se iniciaram com a Declaração, se tem o surgimento dos Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos: Europeu, Africano e Americano. Estes Sistemas objetivam aumentar a eficácia dos Direitos reconhecidos pelas Nações Unidas, especificando a sua proteção às Regiões nas quais se localizam.

O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos tem suas raízes no século XIX, mas apenas começou a se desenvolver completamente no fim da década de 60, com a edição de seu texto mais importante: a Convenção Americana de Direitos Humanos. Esta Convenção, além de prever direitos, os promove, instaurando órgãos capazes de garantir sua eficácia e fazer imposições aos Estados que dela forem parte.

Um destes órgãos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, possui posicionamentos reiterados acerca das Leis de Anistia dentro da Região Americana. Há, inclusive, decisão na qual se posiciona especificamente à Lei da Anistia Brasileira.

O primeiro capítulo deste trabalho de monografia tratará das inovações sobre os direitos humanos trazidas ao âmbito internacional com a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e sua importância para o surgimento do sistema regional americano.

Será tratado o processo de consolidação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, desde o seu início até a edição da Convenção Americana e seu aperfeiçoamento por outros tratados internacionais posteriores e inerentes ao tema aqui trabalhado. Em especial, o primeiro capítulo trabalhará os dois principais órgãos constituídos pela Convenção Americana: a Corte Interamericana e a Comissão Interamericana.

É de extrema relevância focar, em um primeiro momento, nas funções e competências destes dois órgãos, para que se entenda as repercussões que seus posicionamentos trazem em âmbito internacional e em âmbito interno, e quais as consequências que podem alcançar o Brasil no que se refere a sua Lei de Anistia.

Quanto à Lei da Anistia, esta surgiu no Brasil durante um contexto histórico conturbado, no qual a violação a direitos humanos era recorrente. Esta Lei representou um momento de transição e redemocratização, e era dotada de ideologias tanto populares quanto de um regime ditatorial vigente.

Sua aceitação é bastante controversa tanto nacionalmente quanto internacionalmente. Em uma rápida análise, pode acabar se considerando a Lei da Anistia como um instrumento que apenas serviu à população Brasileira. Mas ao ser estudada profundamente, verifica-se que se trata de mecanismo ardiloso para garantir a impunidade de agentes que, em nome do Estado Brasileiro, praticaram gravíssimos crimes contra direitos fundamentais protegidos pelos sistemas internacionais de proteção aos Direitos Humanos.

Para que melhor se entenda a complexidade envolvida na formulação desta Lei, o segundo capítulo deste trabalho irá expor o contexto histórico que levou o Brasil a ser reconhecido pelas suas graves violações de direitos humanos, e que culminou na publicação deste instrumento normativo.

Serão refletidos os motivos que levaram à edição da Lei em questão, seus efeitos pretendidos, explicita e implicitamente, e quais os reais efeitos alcançados. Neste capítulo também serão expostos os posicionamentos mais relevantes acerca da edição da Lei da Anistia. Inclusive, em sub-tópico específico, se ponderará sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, processo instaurado no Supremo Tribunal Federal pela OAB para indagar sobre a validade da Lei da Anistia.

Será apresentado ainda sobre a Comissão Nacional da Verdade, órgão instituído em 2012, para investigar casos de abusos e violações de direitos humanos ocorridos em território brasileiro. Este órgão preza pela obtenção da verdade e responsabilização de agentes que praticaram estas violações, apresentando relevante posicionamento contrário a Lei aqui questionada.

Por fim, no terceiro e último capítulo deste trabalho, no qual se alcança o objetivo principal desta monografia, se posicionará a favor da Revisão da Lei da Anistia, expondo e explicando os principais argumentos que sondam a temática. Dentre eles, os argumentos utilizados pela Corte Interamericana no julgamento do caso Gomes Lund e outros, no qual o Brasil fora responsabilizado por diversos atentados ocorridos em seu território durante o regime militar, e a Corte se posicionou contrária à manutenção da lei da Anistia Brasileira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

 

Em escala geral, o sistema internacional de defesa de direitos humanos é formado por um conjunto ordenado e extremamente complexo de regras, tendo em vista a multiplicidade de seus destinatários. Verifica-se que as Convenções Internacionais produzidas em sede das Nações Unidas integram o sistema global de proteção dos direitos humanos, pois objetivam sua incidência em qualquer região, ou seja, visam alcançar todos os Estados Soberanos.

Entretanto, por fora do sistema global, pode-se encontrar a coexistência dos Sistemas Regionais, sendo os de maior atuação: a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Conselho da Europa (CE) e a União Africana (UA). (PIOVESAN, 2008).

Os Sistemas Regionais promovem a localização da prestação jurisdicional internacional, o que não impede que o interessado busque auxílio tanto das Nações Unidas quanto da Organização na região a qual pertence. Embora haja coexistência entre os sistemas, e sua união dá forma ao sistema global, cada organização regional possui sua própria estruturação.

Importa para este trabalho de monografia tratar principalmente sobre as inovações trazidas pelo Sistema Internacional de Direitos Humanos e, em âmbito regional, do sistema de proteção interamericano, que teve sua celebração em 22 de novembro de 1969, com a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto San José da Costa Rica.

Neste trabalho de monografia, a validade da Lei da Anistia será questionada em face dos posicionamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade. Por este motivo, primeiramente será discorrido acerca do Sistema Internacional de Direitos Humanos e sua importância para o respaldo do Sistema Regional Americano.

 

2.1 Importância da Declaração dos Direitos Humano para o Sistema Interamericano

 

Inicialmente, deve-se expor que estre trabalho não tratará da fundamentação de Direitos Humanos, mas buscará meios de sua garantia em face de graves violações. Para justificar a não objetivação de fundamentações, serão tecidos alguns comentários. Sobre o tema, segundo Bobbio (2004), a definição e fundamentação dos Direitos Humanos era questão que encontrava calorosos debates no período Pré Segunda Guerra Mundial.

Não se poderia afirmar simplesmente que Direitos Humanos são aqueles que surgem com o nascimento do Homem, por se tratar de um argumento demasiadamente vago, e que se elevava a caráter absoluto. De mesmo modo, entende o autor que não há de se falar de fundamento absoluto de Direitos Humanos, por se tratar de ilusão.

Direitos reconhecidos como fundamentais no passado podem não ter mais reconhecimento nos dias atuais, e direitos que não possuem previsão, algum dia poderão ter. Exatamente pela complexa temática, assim como pela abstração das definições que possam surgir de Direitos Humanos, não se pode considera-los simplesmente como uma construção pronta, que se justifica apenas na condição do homem como homem, por isto sua fundamentação como absolutos é tida como ilusão.

Bobbio (2004) considera ainda os Direitos Humanos como dotados de heterogenia. Esta heterogenia deriva do reconhecimento atual de diversas pretensões de proteção de direitos que são incompatíveis entre si. Por este motivo os Direitos Humanos não possuem um fundamento apenas, mas diversos fundamentos. Não é possível que se utilize do mesmo fundamento absoluto para direitos incongruentes entre si.

Ainda sobre a questão, nas palavras do autor: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justifica-los, mas o de protege-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. (BOBBIO, 2004, p. 16). Direitos Humanos atualmente são aqueles reconhecidos pela comunidade internacional como tal. O problema de justifica-los já se encontra superado, pois a necessidade de argumentação acerca destes se dava principalmente para sua aceitação em âmbito global.

Esta aceitação ocorrera de maneira expressa em 10 de dezembro de 1948, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas. (WEIS, 2014).

Segundo Bobbio (2004, p.17):

A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores. Os velhos jusnaturalistas desconfiavam — e não estavam inteiramente errados — do consenso geral como fundamento do direito, já que esse consenso era difícil de comprovar. Seria necessário buscar sua expressão documental através da inquieta e obscura história das nações, como tentaria fazê-lo Giambattista Vico. Mas agora esse documento existe: foi aprovado por 48 Estados, em 10 de dezembro de1948, na Assembléia Geral das Nações Unidas; e, a partir de então, foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais. Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é — pela primeira vez na história — universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.

Os Direitos Humanos se tornaram presentes de fato no cenário internacional. A grande inovação trazida pela Declaração se trata do acordo chegado por diferentes Estados Soberanos acerca do tema, acordo este formalizado pela Declaração. A partir deste momento, se iniciava um novo período histórico, no qual não se necessitava mais de diversos debates sobre a existência ou não de direitos inerentes ao Homem. Eles existem, porque grande número de Estados em consenso os reconheceram como existentes.

Bobbio (2004) divide, em três fases, a conquista pelo Universalismo dos Direitos Humanos. O primeiro seria filosófico, pois os Direitos não são ainda um fato, e sim um ideal, um dever-ser que deve ser buscado. Esta busca se daria pelos diálogos e debates acerca de sua justificação. O segundo momento seria na positivação destes direitos. Entretanto, esta positivação apenas ocorreria em âmbito interno do Estado, não havendo consenso universal. Este consenso ocorreria no terceiro momento, com a Declaração Universal de 1948, pois os destinatários destes direitos não são mais os indivíduos dos Estados que os positivaram, e sim de todos os indivíduos do mundo. Nesta fase se alcança a universalidade.

Para Flávia Piovesan (2008, p. 137), a Declaração objetivou alcançar uma ordem pública em âmbito global que fosse fundada no respeito à dignidade da pessoa humana, consagrando valores básicos considerados universais. Todos os direitos previstos na Declaração eram inerentes à pessoa humana apenas por preencher o requisito de ser pessoa, para que se evitasse diferenciação por raça, cor, sexo, cultura, entre outros aspectos. A declaração, de forma inédita, conjugou discursos liberais e sociais, enquanto previa direitos de liberdade e igualdade, concebendo a estes direitos um novo caráter no qual seriam indivisíveis. Deste modo, se inaugurou a concepção contemporânea de direitos humanos.

Entretanto, a Declaração Universal não é Tratado internacional. Não possui força alguma de Lei. Apenas propõe o reconhecimento universal dos Direitos que versa. Quando se refere à conceituação de direitos humanos, atualmente, não há discussão sobre o tema, pois se aplica os previstos na Declaração Universal. Há quem entenda que possui força vinculante por este motivo. É parâmetro de interpretação de Direitos Humanos, e integra o direito dos costumes no âmbito internacional. (PIOVESAN, 2008). Mas, ainda que se entenda que possui força jurídica vinculante, assim como a referida autora, entende-se que sua força jurídica se dá pela sua incorporação nas Constituições de Estados Soberanos, assim como de tratados que utilizaram a Declaração como alicerce.

Quanto à efetivação destes direitos e de seu aperfeiçoamento:

A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre. Quero dizer, com isso, que a comunidade internacional se encontra hoje diante não só do problema de fornecer garantias válidas para aqueles direitos, mas também de aperfeiçoar continuamente o conteúdo da Declaração, articulando-o, especificando-o, atualizando-o, de modo a não deixá-lo cristalizar-se e enrijecer-se em fórmulas tanto mais solenes quanto mais vazias. (BOBBIO, 2004, p. 21).

A Declaração inovou trazendo o reconhecimento global dos Direitos inerentes ao homem. Mas naquele momento de sua criação, era o único instrumento do tipo, não possuindo valor de Lei. Como poderiam estes direitos ser respeitados se não tivessem caráter de lei? Por este motivo o autor considera a Declaração como início, mas não o fim do reconhecimento dos Direitos do Homem. A efetivação e proteção de fato dos Direitos vieram com convenções e tratados internacionais posteriores, mas que utilizaram a Declaração como seu fundamento maior.

Dentro destes instrumentos, em âmbito regional, encontra-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, desenvolvida pela Organização dos Estados Americanos. Tendo discorrido sobre a fundamentação de todo o Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, cabe agora localizar esta proteção em âmbito regional. Por este motivo, a seguir, se tratará da formação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que tem como principal órgão a OEA.

2.2 Surgimento da Organização dos Estados Americanos no Cenário Global

O nascimento da Organização dos Estados Americanos tivera suas sementes em 2 de dezembro de 1823, com a expedição de uma carta encaminhada pelo Presidente dos Estados Unidos da América ao Congresso daquele país, dando seu parecer negativo acerca da possibilidade de se colonizar Estados latino-americanos. O argumento utilizado pelo então Presidente, James Monroe, era de que estes países, há pouco se libertaram de seus colonizadores, assim como os Estados Unidos haviam feito em 1783. (MAZZUOLI, 2011).

Destaca-se que o processo de reconhecimento dos direitos humanos nos Estados Americanos correra de forma extremamente lenta, tendo suas no século XIX. Apenas no período pós Segunda Guerra Mundial a comunidade internacional passava a convergir suas ideologias a respeito destes direitos. A concretização da concordância entre os Estados Americanos fora exatamente o pacto da Carta que instaurou a OEA.

Este nascimento longo e demorado da OEA pode ser subdividido em três etapas: a etapa do “voluntarismo”, que se iniciou com o Congresso do Panamá e se findou na Primeira Conferência Internacional das Américas; a etapa das guerras mundiais, que se findou com a criação da Organização dos Estados Americanos; e a fase da organização institucional, a atual. (SEITENFUS, 2012).

A fase do Voluntarismo se iniciou com o primeiro documento formal que versava sobre direitos humanos em âmbito internacional, produzido em 1826, no denominado Congresso do Panamá, por iniciativa do líder político Venezuelano Simón Bolívar, que pretendia a aprovação de uma Confederação Latino-Americana de Estados soberanos.

Desta reunião, surgiu o Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua entre Colômbia (na época incorporava Equador, Venezuela e Panamá), Peru, México e a República Centro-Americana (composto pelos atuais Estados: Guatemala, El salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica). Se reconheceu pela primeira vez a igualdade jurídica entre os cidadãos nativos de qualquer um destes países e estrangeiros, e cada um dos Estados participantes se comprometeu a buscar a abolição pela escravidão. (WEIS, 2014).

Seguindo os anseios da criação de um sistema regional, em 1889 em Washington, se formou, na Primeira Conferência Internacional dos Países Americanos, a União Internacional das Repúblicas Americanas, que mais tarde se tornaria a União Pan-Americana. Até o real surgimento da OEA, houve diversas conferências internacionais, realizadas no México, em 1902; no Rio de Janeiro, em 1906 e em 1910, em Buenos Aires, quando se verifica o surgimento de fato da União Pan-Americana, na Quarta Conferência das Repúblicas Americanas. (MAZZUOLI, 2011).

A realidade dos Estados Americanos era de grande inobservância de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira geração[1], tendo em vista que em sua maioria se encontravam em regimes de governo ditatoriais. Ainda assim, com a iminência da Segunda Guerra Mundial, se observa neste momento uma grande preocupação com os efeitos que viriam do conflito, motivo pelo qual se deu início ao processo que resultaria na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, e à segunda fase do surgimento da Organização dos Estados Americanos. (WEIS, 2014).

A declaração em questão começara a tomar sua forma em 1945, na Conferência Interamericana sobre os Problemas da Guerra e da Paz, no México, onde se objetivava organizar as relações dos países americanas no período após o conflito. Adotou-se um documento (Ata de Chapultepec) onde os países presentes firmaram o respeito aos princípios das Nações Unidas. (SEITENFUS, 2012).

Este documento, ainda que não possuísse valor legislativo, ou seja, que não vinculasse os Estados Partes que o assinaram, demonstra neste momento a preocupação cada vez mais crescente com a proteção dos Direitos Humanos, que já vinham tomando forma e fundamentação pela comunidade internacional na forma das Nações Unidas. Destaca-se aqui que tanto este documento, quanto a Declaração Universal expunham o respeito a certos princípios, mas sem possuir força de lei.

Inclusive, sobre declarações de Direitos Humanos, na IX Conferência Internacional dos Estados Americanos, em Bogotá, no ano de 1948, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem fora finalizada e aprovada, sete meses antes da Declaração Universal. Realça-se que o Brasil, em conjunto com o Uruguai, apoiou a posição de que o documento possuísse força jurídica vinculante e, inclusive, que fosse criado órgão com jurisdição internacional para julgar violações de direitos humanos. Entretanto, a proposta fora derrotada e excluída do texto final. (WEIS, 2014).

Esta Declaração inovou, em conjunto com a Declaração Universal, pois, embora não elencassem meios de proteção para os direitos nelas previstos, foram reconhecidos pela primeira vez por toda uma comunidade de Estados, tanto em âmbito global quanto em âmbito regional, os Direitos inerentes à pessoa humana. Se iniciava o processo de se deixar de lado o problema da fundamentação dos Direitos Humanos enquanto passava-se à busca por métodos eficazes de proteção destes direitos.

A Declaração Americana seria o alicerce normativo de proteção no sistema regional americano até o momento de conclusão da Convenção Americana, que se daria em 1969. (MAZZUOLI, 2014). Entretanto, em relação a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana era incompleta, pois se omitia sobre a proscrição da pena de morte (existente na proposta, mas excluída no texto final), da tortura, da escravidão e da servidão. Também condicionava a prestação de direitos sociais, como saúde, alimentação e habitação às possibilidades e recursos do Estado, contradizendo a própria definição de direitos humanos, tendo em vista que sua prestação deve se dar independente das condições do Estado. (WEIS, 2014).

Deste modo, o Estado só poderia prover os ditos direitos sociais existindo recursos para tal, o que dele retiraria a totalidade da responsabilidade sobre a prestação positiva a estes Direitos. Para sua efetivação, não dependeriam apenas do Estado, mas também da situação econômica do país, que poderia ser utilizada com pretexto para a falta de prestação estatal.

Na mesma conferência na qual fora aprovada a Declaração, em 1948, se fundou a Organização dos Estados Americanos, e sua carta fundante, também denominada de carta de Bogotá, entrou em vigor em dezembro de 1951. A carta originária possuía dispositivos que versavam sobre direitos humanos, atribuindo-os o caráter de princípio fundamental, como previsto no artigo 3º, inciso primeiro, que afirma que os Estados americanos reconhecem os direitos fundamentais da pessoa humana, independentemente de raça, nacionalidade, gênero ou crenças. (OEA, 1948a).

Seitenfus (2012), mesmo reconhecendo o avanço trazido pela Carta de Bogotá, defende o posicionamento de que o Documento apenas tratou da questão dos direitos humanos de forma retórica, pois, assim como a Declaração Americana, não indica nenhum procedimento capaz de assegurá-los, enquanto seu real objetivo se encontraria em garantir a segurança continental, quando demonstra expressamente, em seu artigo segundo, a previsão de medidas coletivas de adoção para prevenir qualquer distúrbio na paz e segurança.[2]

Ressalta-se o entendimento de que, ainda que não condissesse com a realidade da maioria dos Estados americanos da época, exatamente pela situação de extremo desrespeito à princípios fundamentais em nível doméstico, conforme será visto no caso brasileiro, as evoluções, no que tange os direitos humanos em sede internacional, mesmo que lentas e poucas, se mostraram de extrema relevância para as convenções futuras, pois pavimentaram o caminho, ainda inacabado, pelo qual se desenvolve o atual Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos.

Ainda sobre a OEA, foi o primeiro organismo internacional regional e atualmente possui 35 Estados Membros. O Brasil tornou-se Estado membro no próprio ano de 1948, junto com outros 20 Estados Fundantes. A carta da OEA fora reformada em quatro ocasiões: em 27 de fevereiro de 1967, pelo Protocolo de Buenos Aires; em 5 de dezembro de 1985, pelo Protocolo de Cartagena das Índias; em 14 de dezembro de 1992, pelo Protocolo de Washington e em 10 de junho de 1993, pelo protocolo de Manágua. (MAZZUOLI, 2011).

Possui como principal objetivo, conforme previsto no artigo primeiro de sua Carta, alcançar dentro dos Estados Membros “[...] uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”. (OEA, 1948a).

Destaca-se que, desde a criação da Carta da OEA em 1948, nenhuma das reformas fora ratificada pela totalidade dos Estados Membros participantes, fazendo com que o texto aplicado seja diferente, dependendo do Estado envolvido na questão. Esta possibilidade, inclusive, encontra previsão no artigo 140 da Carta, o qual assegura que este diploma passará a ter vigor para os Estados que a ratificaram no momento que o fizer, que não necessariamente seria na sua publicação. (OEA, 1948a).

Este fato é próprio do âmbito do Direito Internacional Público pois, por se tratar de Estados Soberanos, apenas se encontram sobre obrigações impostas aqueles que anuírem, não havendo mecanismo de coerção que as imponha sem ferir a soberania estatal. A Convenção de Viena sobre os Tratados Internacionais trata o assunto, prevendo que tratados, ou emendas de tratados não terão validade perante Estados que dele não forem parte, ou que forem parte, mas não ratificarem a emenda. (BRASIL, 2009).

Ou seja, quando se tratar de emendas em tratados, só encontrar-se-ão tendo suas relações regidas por estas emendas os Estados Soberanos que com ela anuírem e a ratificarem. A carta da OEA, como tratado internacional multilateral, respeita o definido pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Por este motivo, emenda nova que preveja nova hipótese de direito inerente ao homem, caso não seja ratificada pelo Estado membro, a ele não poderá ser imposta a observância e proteção deste direito.

Ainda assim, todos os Estados Membros da OEA, independente de anuírem ou não com determinada emenda, em situações problemáticas de caráter urgente que colocassem em risco a paz e o equilíbrio continental, deveriam prestar auxílio a um dos órgãos instituídos pela Carta, a Reunião dos Ministros das Relações Exteriores (RMRE), que se reuniria para debater e buscar possíveis soluções. Qualquer país membro poderia solicitar a convocação do RMRE. (SEITENFUS, 2012).

A atuação deste órgão fora de suma importância para o surgimento do principal texto normativo que versa sobre direitos humanos dentro da região dos Estados Americanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos. Esta Convenção não só instituiu a proteção que faltava aos direitos que vinham sendo reconhecidos, como também órgãos competentes para interpretar e aplicar normas que nela vinham previstas, motivo pelo qual se tratará a seguir do surgimento da Convenção e suas inovações.

2.3 Aspectos Relevantes acerca da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)

Após a criação da OEA e celebração da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, iniciou-se nas décadas seguintes o desenvolvimento de instrumentos que fossem capazes de assegurar os direitos e deveres previstos nos dois textos. Por proposta aprovada na 5ª Reunião de Ministros de Relações Exteriores, no Chile em 1959, fora criada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que funcionaria apenas temporariamente até a devida estruturação de uma Convenção Americana sobre Direitos Humanos. (MAZZUOLI, 2011).

A elaboração da Convenção encontrava-se ameaçada em 1966, quando o Brasil e a Argentina, membros participantes da OEA, contra ela se posicionaram, argumentando que, em conjunto com os então recentes pactos internacionais da ONU, havia número demasiado de tratados globais. (WEIS, 2014). Ainda assim, se firmou o entendimento majoritário de que a Convenção não traria contradição aos pactos das Nações Unidas, e nem apenas repetiria o que neles se encontrava disposto. A função da Convenção seria a de complementar e atuar paralelamente aos tratados internacionais já existente, garantindo de modo mais específico a defesa a direitos inerentes à pessoa humana.

Por este entendimento, sediada em San José, da Costa Rica, a CIDH aprovou, em 1969, a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, também conhecida como “Pacto de San José”, e é, atualmente, o mais importante texto sobre direitos humanos dentro do Sistema Regional Americano. Teve seu vigor iniciado em 1978, e apenas poderiam aderir Estados que fossem membros da OEA. (PIOVESAN, 2008).

A Convenção Americana de Direitos Humanos possui a previsão de direitos civis e políticos, atribuídos a qualquer um que possua a condição de pessoa humana, como: reconhecimento da personalidade jurídica, direito à vida, à integridade pessoal, proibição da escravidão e da servidão, à liberdade pessoal, garantias de devida prestação jurisdicional, proteção da honra e dignidade, liberdade de consciência, religião, pensamento e expressão, à indenização em caso de julgamento injusto, direito à resposta, de associação e reunião, proteção familiar, direito ao nome e à nacionalidade, à circulação, à propriedade privada e à residência, isonomia, direitos políticos, proteção judicial e direitos inerentes à criança. (BRASIL, 1992).

Nota-se que se tratam de obrigações positivas e negativas atribuídas aos Estados Membros pois, ao passo em que devem prestações para assegurar a vida, dignidade e outros direitos, também deve respeitá-los, abstendo-se de causar ao seu detentor, tanto por omissão quanto por ato estatal, qualquer tipo de restrição de suas garantias fundamentais.

O Brasil, que se encontrava em período de ditadura militar neste momento, não ratificou a Convenção até o ano de 1992, após o processo de redemocratização, promulgando-a por meio do Decreto nº 678/92[3]. Contam-se 23 anos de inércia do Estado Brasileiro no que tange a adesão da Convenção, dentre destes, vários anos de flagrante violação de direitos humanos fundamentais dos quais, como será trabalhado nos capítulos II e III desta monografia, não passaram despercebidos pela OEA.

Os Estados Membros da OEA que não ratificaram a CADH, como o Brasil, continuaram a ter suas relações internacionais regidas pela Carta da OEA e a Declaração Americana, enquanto os que o fizeram, estavam sobre a vigência de ambas, que não excluíam, mas sim se complementavam.

Quanto aos direitos a serem assegurados pelos Estados pactuantes, nota-se que a Convenção em questão reproduz em grande maioria os direitos já previstos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, convencionado em 1966. Sobre o dever destes Estados de protege-los e garantí-los:

A proteção dos direitos humanos prevista na Convenção Americana é coadjuvante ou complementar da que oferece o Direito interno dos seus Estados-partes (v: o 2°considerando da Convenção). Tal significa que não se retira dos Estados a competência primária para amparar e proteger os direitos das pessoas sujeitas à sua jurisdição, mas que nos casos de falta de amparo ou de proteção aquém da necessária, pode o sistema interamericano atuar concorrendo para o objetivo comum de proteger determinado direito que o Estado não garantiu ou preservou menos do que deveria. (MAZZUOLI, 2011).

Ou seja, do mesmo modo que há coexistência entre os sistemas regionais e globais, há coexistência entre o sistema regional e o âmbito interno. Inclusive, a obrigação dos Estados pactuantes se inicia em tratados e convenções internacionais, mas sua efetivação se dará internamente apenas quando forem ratificados por meio de processo legislativo diferenciado.

Superando a problemática da falta de instrumentos para a efetivação dos direitos, observa-se que há atribuições de deveres tanto aos Estados quanto à toda a comunidade internacional. Os Estados Partes são os principais responsáveis pela efetivação dos direitos previstos na CADH. Caso não o façam, deve toda a comunidade internacional atuar para garantir que os indivíduos daquele território deixem de sofrer violações de seus direitos por conta de atuação ou omissão de seu Estado.

Ainda sobre estes deveres, Buergenthal (apud PIOVESAN, 2008), explicita que os Estados Partes na Convenção não devem unicamente respeitar os direitos nela garantidos, como também assegurar seu pleno exercício, comprovando as obrigações negativas e positivas. Além das obrigações omissivas (as que o Estado de abstém de praticar algum ato), o Estado deve adotar em conjunto medidas protetivas para assegurar o exercício destes direitos.

Como exemplo, pode se falar em casos nos quais se constata no território de um Estado parte o desaparecimento em larga escala de indivíduos. Ainda que não se comprove que os desaparecimentos ocorreram por conta de agentes do Estado, ainda haveria violação à Convenção e responsabilização deste Estado, pois este falhou em adotar medidas que pudessem proteger sua população. (BUERGENTHAL, 1984 apud PIOVESAN, 2008).

Quanto aos direitos sociais, econômicos e culturais abarcados pela Convenção, constata-se que esta apenas previa de forma genérica a sua proteção em seu Artigo 26, expondo que os Estados se comprometiam a adotar as providências econômicas e técnicas, em âmbito interno e internacional, a fim de alcançar a efetividade de direitos que decorresse de normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura que estivessem constantes da Carta da OEA, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, por via legislativa ou outros meios apropriados. (BRASIL, 1992; PIOVESAN, 2008).

Para que houvesse garantia de fato destes direitos, a Assembleia-Geral da OEA, em 1988, assinou o denominado Protocolo de San Salvador, ratificado no Brasil pelo Decreto nº 3.321, de 1999. (MAZZUOLI, 2011). Este protocolo, conforme presente em seu artigo segundo, obriga também os Estados a adotarem medidas legislativas ou de outras naturezas para garantir a proteção, em âmbito interno, dos direitos previstos na Convenção. (OEA, 1999).

Reitera-se que a Convenção é o principal instrumento normativo sobre direitos humanos dos Estados Americanos, mas não o único. Como visto, alguns direitos previstos genericamente necessitaram da edição de novos textos para que pudessem ser garantidos de forma mais eficaz e específica. Para se evitar algumas violações, foram produzidos novas Convenções que tratavam especificamente destas.

2.4 Considerações Sobre Outras Convenções Relevantes do Sistema Regional Americano

Buscando a efetivação das proteções previstas pela Convenção Americana, ainda há no sistema interamericano outros mecanismos internacionais, sendo os mais relevantes para o presente trabalho a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985), e a Convenção Interamericana Sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas (1994).

A primeira se trata de instrumento normativo celebrado na Colômbia, em 09 de dezembro de 1985, contando com 34 Estados Membros, inclusive o Brasil, que o ratificou em 1989. Complementa o SIDH, e repete os Princípios já previstos na Carta da OEA e no pacto de san José, conforme seu preâmbulo:

Reafirmando que todo ato de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes constituem uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos e na Carta das Nações Unidas, e são violatórios dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem. (OEA, 1985).

Em seu artigo primeiro, encontra-se a obrigação dos Estados Partes prevenirem e punirem a tortura. O SIDH detém o entendimento de que são responsáveis por crimes de tortura qualquer funcionário público ou terceiro que por ação, ou omissão, infringem dolo e sofrimento a outrem. As denúncias serão encaminhadas pelos Estados Partes, sendo que, o Estado no qual ocorreu a violação é o responsável por informar à Comissão Interamericana sobre as medidas que foram tomadas. (OEA, 1985).

A Convenção Interamericana Sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas foi celebrada em 1994 em Belém do Pará, sendo ratificada por dezesseis Estados Partes. Desaparecimento forçado, nos termos do artigo 2 º da Convenção é:

Para os efeitos desta Convenção, entende-se por desaparecimento forçado a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguida de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e das garantias processuais pertinentes. (OEA, 1994).

Para configurar como desaparecimento forçado, a privação de liberdade deve ser praticada por qualquer agente do Estado, ou terceiro por este autorizado, arbitrariamente e de forma omissiva no que tange à prestação de informações para que seja considerado desaparecimento forçado.

Embora esta Convenção tenha sido assinada pelo Brasil, ainda não houve sua ratificação, sobre ele não exercendo efeitos. Por este motivo, qualquer caso de desaparecimento forçado ocorrido em território Brasileiro apenas poderá ser analisado sobre a luz da Declaração Americana de Direitos Humanos, pela Carta da OEA e pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

Contudo, a importância das duas Convenções para o presente trabalho encontra-se nas definições que trouxeram dos crimes nelas tratados: tortura e desaparecimento forçado de pessoas. Como será visto no Capítulo II desta monografia, ambas as violações ocorreram em grande número dentro do território brasileiro, de modo que o Estado viria a ser responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em processo a ela encaminhado pela Comissão Interamericana, dentro de suas competências, que serão tratas a seguir.

2.5 Principais Funções e Objetivos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

 

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos teve sua permanência confirmada no Artigo 33 da Convenção, que reconhece sua competência para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento de compromissos que foram assumidos pelo Estado Parte. (BRASIL, 1992). Ou seja, embora a existência da CIDH preceda a CADH, apenas com a edição desta última que suas competências, funções e sua permanência dentro do sistema interamericano foram confirmadas.

Desde então, a CIDH apenas detém a principal função de promover os direitos estabelecidos, tanto na Carta da OEA, quanto da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Embora seja órgão de ambas, suas principais atribuições ocorrem na sede da referida CADH, ainda que nem todos os Estados Membros da OEA a tenham ratificado. (MAZZUOLI, 2011).

A Criação da Convenção atribuiu maiores funções à CIDH, de acordo com os artigos 41 a 51 do mesmo texto. Das funções elencadas, considera-se as mais relevantes: estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América; formular recomendações aos governos dos Estados Membros para que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas; preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções; solicitar aos governos dos Estados participantes que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos. (BRASIL, 1992).

Importante destacar que estas funções, no que tange a formulação de recomendações e relatórios encaminhados aos Estados Membros é de grande relevância para o tema tratado neste trabalho. No capítulo III será apresentado caso concreto envolvendo o Brasil, no qual foram emitidos recomendações e relatórios pela Comissão.

A Comissão possui competência também de examinar comunicações encaminhadas por indivíduos ou grupo de indivíduos, ou ainda, entidade não governamental, que contenha denúncias de violação a qualquer um dos Direitos contidos na Convenção por Estado que a tenha ratificado, nos termos do artigo 44. (BRASIL, 1992).

Este artigo se trata de cláusula facultativa que será ou não aceita por qualquer Estado ao se tornar parte da Convenção. (PIOVESAN, 2008; MAZZUOLI, 2011). Ao ratificar a CADH, o Estado deve anuir expressamente com a competência da CIDH de analisar qualquer tipo de comunicação referente à violação dos direitos previstos. 

A petição encaminhada responderá a certos requisitos de admissibilidade, sendo relevante tratar do requisito do esgotamento de todos os recursos da jurisdição interna. Este requisito se justifica na obrigação do Estado Membro de promover meios possíveis para que o indivíduo busque a reparação pelo dando ao seu direito. Contudo, quando não há meios possíveis para que busque a prestação jurisdicional internamente, (ausência de legislação interna do Estado em questão), quando se verifica que o prejudicado fora impedido de buscar a prestação, e quando houver demora injustificada na decisão sobre os recursos possíveis, mitiga-se este requisito para que o prejudicado alcance sua satisfação em âmbito internacional. Verifica-se um caráter jurisdicional complementar da Comissão, que só atuará quando a violação não for sanada pelo Estado Parte. (BRASIL, 1992).

Ainda sobre o tema:

O dever de provimento pelos Estados-partes de recursos internos eficazes, imposto pelos tratados de direitos humanos, constitui o necessário fundamento no Direito interno do dever correspondente dos indivíduos reclamantes de fazer uso de tais recursos antes de levar o caso aos órgãos internacionais. Com efeito, é precisamente porque os tratados de direitos humanos impõem aos Estados-partes o dever de assegurar às supostas vítimas os recursos eficazes perante as instâncias nacionais contra violações de seus direitos reconhecidos (nos tratados ou no Direito interno), que, reversamente, requerem de todo reclamante o prévio esgotamento dos recursos internos, outro requisito de admissibilidade de suas petições a nível internacional. (TRINDADE, 1990, apud PIOVESAN, 2008, p. 250).

Caso se verifique uma das exceções que permite o acesso direto à verificação da denúncia pela CIDH, o Estado Membro, ainda que não tenha de fato dado à violação, poderá ser responsabilizado pela omissão e falta de prestação de meios legais internos para que fosse averiguado o possível desrespeito aos direitos previstos pela CADH. (MAZZUOLI, 2011).

Sobre os membros da Comissão, que estudarão estes casos, serão escolhidos sete entre pessoas renomadas na matéria de Direitos Humanos. Devem ser eleitos a título individual, e não para representar seus Estados de origem. As eleições são realizadas pela Assembléia Geral da OEA, composta por todos os Estados Membros da organização, independentemente de serem ou não partes na Convenção. (BRASIL, 1992).

Quanto à tramitação das denúncias dentro da CIDH, Fiz-Zamudio(1999 apud PIOVESAN, 2008), esta pode ser dividida em duas etapas: a primeira se refere ao preenchimento dos requisitos de admissibilidade da denúncia, enquanto a segunda é equivalente ao contraditório do Estado denunciado.

Seguindo os artigos 48 a 50 da Convenção, pode-se afirmar que o processo dentro da Comissão corre do seguinte modo: a petição, encaminhada à Comissão, enseja o início do processo. A Comissão intima o Estado denunciado a prestar informações. A CADH verifica a veracidade das informações e tenta resolver a situação conflituosa amistosamente. Não havendo solução amistosa, elabora um relatório e encaminha recomendações ao Estado, que tem o prazo de até três meses para que dê cumprimento ás cláusulas das recomendações. Se o Estado se mantiver omisso, as recomendações serão publicadas no relatório anual da Comissão e a denúncia que gerou o processo será encaminhada a outro órgão instituído pela Convenção Americana de Direitos Humanos: a Corte Interamericana de Direitos Humanos. (BRASIL, 1992).

Importante observar que, caso o Estado denunciado, membro da OEA, não tenha assinado e ratificado a CADH, a corte não será acionada. Entretanto, a Comissão ainda assim exercerá seu papel, pois não atua apenas no âmbito da Convenção. A CIDH fará recomendações aos governos para sanar as violações do mesmo modo. Entretanto, caso haja descumprimento, a Assembleia Geral da OEA que será acionada, no lugar da Corte, mesmo que não possua poder de impor sanções aos Estados denunciados, e aplicará o disposto na sua Carta criadora. (MAZZUOLI, 2011, p. 888).

Ao mesmo passo em que este sistema visa garantir a defesa dos direitos previstos ainda que o país violador não tenha ratificado o pacto de san josé´, não deve ser tomado como eficaz, pois um dos fundamentos de criação da Convenção Americana de Direitos Humanos é exatamente a pouca quantidade de direitos abarcados pela carta da OEA, que se mostrava quase ineficaz em um continente no qual era demasiado o número de casos de violação de Direitos como a América Latina.

Necessário destacar que as decisões da OEA carecem de força vinculante, que só será conferida à Corte Interamericana. As decisões da Corte Interamericana obrigam o cumprimento pelos Estados Membros, e devem ser fundamentadas nas proteções internacionais dos Direitos Humanos. A Corte decidiu por responsabilizar o Brasil por violações dos direitos humanos em sentença proferida em 2010. Como esta decisão será trabalhada no último capítulo deste trabalho, a seguir serão expostos o funcionamento e as funções da Corte, no que tange a tramitação de processos internacionais, seus julgamentos e efeitos.

2.6 Competência e Objetivos da Corte Interamericana de Direitos Humanos relevantes ao tema

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é o segundo órgão criado pela Convenção Americana de Direitos Humanos, tendo sua previsão no artigo 33, em conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos[4]. A Corte possui competência para conhecer de qualquer caso referente à interpretação e aplicação das cláusulas da CADH, desde que os Estados Partes envolvidos a tenham ratificado e reconhecido a competência da Corte. As questões discutidas somente poderão ser encaminhadas à Corte pela CIDH e pelos Estados Membros da Convenção. (BRASIL, 1992).

Assim como a CIDH, a Corte Interamericana será composta por sete juízes membros, com mandato de seis anos, que serão indicados e eleitos pelos Estados Partes da Convenção. Devem ser nacionais de Estado Membro da OEA, mas não necessariamente de Estado que ratificou o pacto de san josé. A corte é Tribunal Internacional Supranacional, possuindo a natureza de órgão jurídico internacional e com competência para condenar Estados-Partes na Convenção por qualquer violação a Direitos Humanos que der causa. Frisa-se que não é órgão da OEA. (MAZZUOLI, 2011).

Embora a corte tenha seu surgimento com a entrada em vigor da Convenção Americana, em 1979, quando também houve a eleição de sua primeira composição, só teve seu funcionamento efetivo iniciado em 1980, com a emissão de sua primeira opinião consultiva, e apenas em 1987 emitiu sua primeira sentença. (WEIS, 2014; MAZZUOLI, 2011).

A Corte se reúne duas vezes ao ano em sessões ordinárias em sua sede, na Costa Rica. Entretanto, há a possibilidade de sessões extraordinárias ainda fora da sede, caso demande a situação. É um órgão permanente que necessita que seus juízes sempre se encontrem à disposição. (WEIS, 2014).

A Corte detém duas competências. Competência consultiva e competência contenciosa, de acordo com os artigos 61 e 64 da Convenção. A competência consultiva se trata de interpretação de disposições da Convenção e de qualquer outro tratado referente a Direitos Humanos nos Estados Americanos. (PIOVESAN, 2008).

Os membros da OEA, independentemente de serem partes da Convenção, podem solicitar o parecer da Corte em relação da interpretação de dispositivos de qualquer tratado americano sobre direitos humanos. Inclusive, a Corte poderá emitir parecer sobre a compatibilidade da legislação interna de um dos Estados Membros em face do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. (BRASIL, 1992).

Ainda sobre a competência consultiva:

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a mais ampla jurisdição em matéria consultiva, se comparada com qualquer outro Tribunal internacional. A Corte tem exercido sua jurisdição no sentido de realizar importantes contribuições conceituais no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos. (...) As opiniões consultivas, enquanto mecanismo com muito menor grau de confronto que os casos contenciosos, não sendo ainda limitadas a fatos específicos lançados a evidência, servem para conferir expressão judicial aos princípios jurídicos. (...) Por meio de sua jurisdição consultiva, a Corte tem contribuído para conferir uniformidade e consistência à interpretação de previsões substantivas e procedimentais da Convenção Americana e de outros tratados de direitos humanos. (PASQUALUCCI, 2003 apud PIOVESAN, 2008, p. 256).

Distingue-se a importância da competência consultiva da Corte, enquanto instrumento que pode ser utilizado para garantir a segurança jurídica em âmbito internacional regional, pois uniformiza a interpretação das convenções e norteiam as relações entre os Estados Membros, do mesmo modo que se posicionam sobre a eficácia de determinados instrumentos internacionais e domésticos utilizados para a garantia dos Direitos reconhecidos em Convenções e Tratados.

Quanto a sua competência contenciosa, de caráter jurisdicional, é inerente à análise e julgamento de casos concretos e específicos nos quais se verifica se houve violação dos preceitos da Convenção por algum Estado. Alcança apenas os Estados-partes da Convenção Americana que reconheçam esta sua competência. Este reconhecimento, diferentemente do que ocorre com a competência consultiva, não ocorre automaticamente na ratificação da Convenção Americana pelo Estado-parte, pois é facultativo, podendo, inclusive, acontecer posteriormente. (BRASIL, 1992).

O Brasil apenas aderiu à competência contenciosa da Corte no ano de 1998, pelo Decreto Legislativo nº 89 de 1998. (BRASIL, 1998). Importante expor que as denúncias de violações de direitos humanos contra um Estado Parte só poderão ser encaminhadas à Corte se se tratarem de fatos ocorridos a partir do reconhecimento da competência contenciosa. Logo, violações ocorridas em período ditatorial não estão inclusas na jurisdição da Corte.

Apenas poderão dar entrada com a denúncia diretamente na Corte a CIDH e qualquer um dos Estados Partes. ONGs e indivíduos, ainda que tenham estes últimos sido as vítimas da violação, não possuem legitimidade para demandar diretamente à Corte Interamericana. Neste último caso, a Comissão, antes de encaminhar a denúncia à Corte, atuará como instância preliminar, realizando a análise de admissibilidade, e ficando impedida de se tornar parte no caso em questão. (BRASIL, 1992).

Se verifica um atraso em relação à Corte Europeia de Direitos Humanos, na qual há a possibilidade de particulares e instituições privadas encaminharem suas denúncias diretamente ao Tribunal em questão. Entretanto, no sistema interamericano atual, é assegurado às vítimas e seus representantes pelo menos a possibilidade de acompanhamento do processo. (MAZZUOLI, 2011).

As Sentenças proferidas dentro da competência contenciosa são definitivas e não passíveis de apelação. Se o Estado Parte reconheceu sua competência, encontra-se obrigado ao cumprimento da sentença que, quando constata violação de direito protegido pela Convenção, exige a reparação do dano, costumeiramente acompanhado de pagamento de indenização à vítima ou seus representantes e familiares. A Sentença, nos termos do artigo 68 da Convenção, possui força de executiva até em âmbito interno. (BRASIL, 1992).

Relevante para o tema aqui trabalhado é um dos casos mais famosos que fora julgado pela Corte Interamericana: o caso “Velasquez Rodriguez”. Encaminhada em 1986 pela CIDH à Corte, a denúncia tratava de indivíduo que havia sido sequestrado, cruelmente torturado e preso sem qualquer autorização judicial do Estado de Honduras. A Corte condenou o Estado de Honduras, que se encontrava em período de turbulência política, a indenizar os familiares de Velasquez Rodrigues, que havia desaparecido.

Aludindo-se às violações ocorridas em território Brasileiro em período de regime ditatorial, a Comissão Interamericana já se posicionou em caso referente ao desaparecimento de pessoas na Guerrilha do Araguaia, onde fora verificada a admissibilidade da demanda e encaminhado o caso à corte por demora do Estado Brasileiro na tomada de providências. (OEA, 2010).

A Corte, após analisar e investigar a questão, se demonstrou contraria à Lei de Anistia Brasileira, considerando-a como lei manifestamente violadora de todos os acordos internacionais pactuados em sede do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Ainda que tenha sido outorgada em época anterior à adesão brasileira à Convenção Americana, a Lei vige até hoje, ainda produzindo efeitos jurídicos. Enquanto estiver vigente em território nacional, a Lei de Anistia Brasileira estará violando dispositivos pactuados dentro do SIDH.

Leis de Anistia foram editadas em grande maioria dos Estados Americanos no fim de seus períodos ditatórias. O Brasil, como exemplo, editou a sua no início de seu processo de redemocratização e fim da Ditadura Militar. Para analisar e rebater sobre a validade da Lei da Anistia Brasileira, faz-se mister trabalhar sobre o contexto no qual fora criada, assim como as fundamentações dos principais dispositivos desta Lei. 

3 A LEI DA ANISTIA BRASILEIRA

Considerado o primeiro instrumento de redemocratização brasileira, a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 surgiu em um momento de transição, no qual se findava o regime ditatorial militar e se abria espaço para as eleições diretas. O regime Militar fora marcado por inúmeras violações aos direitos humanos que já encontravam proteção em tratados e Convenções Internacionais.

Torturas, prisões arbitrárias e desaparecimento forçado de pessoas, acompanhados de censura e de crescente desigualdade, levou a população brasileira ao descontentamento com um regime de governo extremamente repressivo, que fora instaurado mascarando-se em uma “revolução”, que visava a manutenção da Paz dentro do território Nacional. O que se seguiu fora o fechamento de partidos políticos e a concentração de poderes nas mãos do chefe do poder executivo, que representava um regime visivelmente desorganizado.

Por conta destas violações, surgiam no país diversos movimentos que buscavam a reparação estatal pelas suas vítimas. Os anseios populares convergiam principalmente na ideia da publicação de uma Lei que perdoasse cada indivíduo que sofreu alguma violação arbitrária por parte do Estado por motivações políticas. A publicação desta Lei ocorreu, porém não da forma que a população buscava.

A revisão desta Lei é o principal objetivo deste trabalho, e para se discorrer sobre a sua necessidade, há de ser tratado primeiramente o contexto no qual ela fora editada, assim como as suas fundamentações, sua compatibilidade com o Sistema Internacional de Direitos Humanos e com as vontades da própria população brasileira, e a sua repercussão, tanto em território nacional, quanto em meio internacional.

Em seguida será tratado sobre o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, pelo STF, que colocou em questão a validade da Lei da Anistia em face da atual Constituição Federal de 1988, aduzindo que seus dispositivos contrariam preceitos e princípios fundamentais.

Por fim, será tratada sobre a Comissão Nacional da Verdade, órgão instituído pelo Poder Público para investigar casos de violações de direitos humanos ocorridos no Brasil em período que engloba o regime da ditadura militar, e que concluiu em seu relatório final, publicado em dezembro de 2014, pela necessidade da Revisão da referida Lei.

3.1 Contexto histórico e desenvolvimento da Lei Nº 6.683, de 28 de Agosto de 1979

 

Nos anos antecedentes à 1964, época em que eclodiu a Ditadura Militar Brasileira, o país encontrava-se em estado de intensa agitação política, assim como todos os demais Estados da América Latina. O contexto Internacional era de guerra fria, e eminente Terceira Guerra Mundial prestes a ocorrer em qualquer momento entre os dois maiores polos de poder econômico e armamentista: Estados Unidos da América e União Soviética. O então presidente brasileiro, Jânio Quadros adotava uma política externa independente dos EUA, estabelecendo laços políticos com a China e a União Soviética. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Com a Renúncia do Presidente Jânio Quadros, em 1961, seu Vice-Presidente, João Goulart (Jango), o substituiria. Na época, a legislação brasileira previa votações diferentes para Presidente e Vice-Presidente da República. Esta previsão resultou na eleição dos dois candidatos que eram de partidos políticos opostos. Jânio Quadros provinha da coligação liderada pela União Democrática Nacional (UND), enquanto João Goulart representava o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Social Democrático (PSD). (ARAÚJO; SILVA; SANTOS, 2013).

João Goulart, no dia da renúncia de Jânio Quadros, encontrava-se em missão diplomática na China. Fora acusado pelos ministros militares de pactuar com comunistas, recebendo veto para assumir a presidência no Congresso Nacional. Eclodiram greves e passeatas em todo o país. Parte da população, influenciada pela denominada rede da Legalidade (cadeia de estações de rádio fundada pelo Governador Leonel Brizola), exigia a tomada de posse de João Goulart. O regime brasileiro, então, fora alterado de presidencialista para parlamentarista, como modo de resolução dos conflitos surgidos pelo veto dos militares. Neste regime, Jango ainda seria empossado como presidente, mas suas decisões necessitariam de anuência vinculada do parlamento. (ARAÚJO; SILVA; SANTOS, 2013).

Em 1963, um plebiscito popular reestabeleceu o regime presidencialista no Brasil Os grupos nacionalistas e de esquerda requeriam as reformas de base, o que alarmou os setores conservadores e militares, que se concentrariam em marchas anticomunistas denominadas de “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

O estopim para a ditadura militar ocorreu quando um grande número de marinheiros comemorava o aniversário de dois anos da associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais, entidade ilegal aos olhos do alto escalão das forças armadas, dando ensejo à conhecida “Revolta dos Marinheiros”. O ministro da marinha enviou fuzileiros navais para finalizar as comemorações. Entretanto, estes também aderiram às reivindicações feitas pela associação. Jango encaminhou-se ao local da revolta, negociando o fim da rebelião e anistiando os revoltosos. O alto escalão acusou João Goulart de desrespeitar a hierarquia do exército e, em 21 de março de 1964, os militares se dirigiram ao Rio de Janeiro, onde se encontrava o Presidente, dando início ao Golpe de Estado de 1964. (ARAÚJO; SILVA; SANTOS, 2013).

Destaca-se que o golpe militar fora apoiado por parcela da população brasileira, dentre eles os mais conservadores. Nos primeiros anos do golpe de Estado, os seus defensores não falavam em ditadura militar, apenas em um regime de governo transitório que objetivava única e exclusivamente a manutenção da paz dentro do território nacional. Entretanto, se tratava de um regime que se instaurava de forma desorganizada.

Conforme explicita Fico:

[...] as entrevistas realizadas pela equipe do CPDOC trouxeram outras revelações valiosas que elevaram o patamar do conhecimento histórico sobre o tema. No que se refere estritamente ao período abrangido pelo primeiro volume, podem ser destacados os aspectos como a falta de uma liderança militar durante o período da conspiração (“todos teriam passado grande parte da conspiração à procura de líderes”) e a virtual inexistência de um projeto de governo: “a questão imediata, segundo a maioria dos relatos, era tirar Jango e fazer uma ‘limpeza’ nas instituições”. (FICO, 2004, p. 43).

Esta desorganização seguiu até os momentos finais da ditadura, que resultava em estado de desordem interna e na falta de hierarquia devidamente constituída.

Ainda que desorganizado, o golpe necessitava de buscar sua legitimidade, levando o regime, em 09 de abril de 1964, a editar o Ato Institucional nº 1 (AI-1), no qual, em sua própria descrição, se auto proclamava de Revolução, seguindo: “[...] revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”. (BRASIL, 1964).

Não era interessante ao regime que se instaurava o reconhecimento como governo ilegítimo. Nota-se durante todo o período do regime militar uma necessidade cada vez mais crescente de alcançar sua legitimação, com a edição de diversos Atos Institucionais e omissão das violações que seguiriam.

Aproveitando da ideologia das classes conservadoras que apoiavam o golpe, tentou-se disseminar na totalidade da população o sentimento de apaziguamento com a afirmativa reiterada de que a “revolução” objetivava apenas ao reestabelecimento da ordem e a manutenção da paz. Retirou-se a soberania popular, atribuindo-a exclusivamente ao Congresso Nacional. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Art. 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal.

[...]

Art. 7º - Ficam suspensas, por seis (6) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade.

§ 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do Pais, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos. (BRASIL, 1964).

Observa-se imensa concentração de poderes nas mãos do Presidente da República, que poderia cassar mandatos e suspender direitos políticos. A partir da outorga do Ato Institucional nº 1, estabeleceu-se no país um Estado ditatorial e de guerra, no qual todo o poder se concentraria em um representante escolhido pelo Congresso Nacional, sendo este último composto em sua maioria por simpatizantes das forças armadas.

Embora o primeiro Presidente da República eleito pelo Congresso Nacional durante o regime ditatorial militar, Humberto de Alencar Castello Branco, visasse de fato à reestruturação da democracia, no começo do regime fora instaurado o maior órgão repressivo da ditadura: O Serviço Nacional de Informação (SNI), pelo general Golbery do Couto e Silva. O SNI Chegou a ter mais de 6 mil servidores, e prestava contas diretamente ao Presidente da República. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Grande parte das violações que seguiriam no Brasil seriam à mando de agentes do alto escalão do SNI, cabendo a este órgão a investigação de indivíduos que realizariam atividades contrárias ao regime. Estes indivíduos seriam tratados como traidores da pátria e seriam submetidos à pratica de diversos tipos de violações, dentre elas, a tortura. Desde a sua criação, o SNI apresentava o principal caráter do regime militar: repressivo e inquisitório. 

Continuando a busca pela legitimação de seus atos que violariam direitos com proteção garantida internacionalmente, fora decretado o Ato Institucional 2, em 27 de outubro de 1965, dissolvendo partidos políticos, transferindo processos políticos para a Justiça Militar, impedindo o povo de eleger governantes, e excluindo alguns atos de apreciação judicial, tornando-os arbitrários. (BRASIL, 1965).

Posteriormente, fora permitida a oposição que atuasse apenas de acordo com o consenso do Estado. Este bipartidarismo era formado pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e sua oposição, Movimento Democrático Brasileiro. (WOJCIECHOWSKI, 2014). Os partidos contrários ao regime apenas existiam de forma clandestina. Sua manutenção necessitava de luta armada. Embora seus ideais se baseassem na revolução cubana, sua luta se demonstrava mais como forma de defesa do que como meio de instaurar nova revolução. (DELGADO, 2004). A partir deste momento se verificava o início das lutas armadas dentro do território brasileiro.

Estas lutas armadas levaram os militares a buscarem cada vez mais o silêncio e a apatia da população brasileira, elegendo como Presidente, em 1967, o General Costa e Silva, que defendia políticas voltadas ao extermínio. (WOJCIECHOWSKI, 2014). Observou-se, ainda assim, com a atuação de grupos, como a Ação Libertadora Nacional (ALN), e o Movimento Revolucionário 08 de outubro (MR-8), que defendiam a guerrilha urbana, o aumento no número de manifestações contrarias à ditadura. Entre elas, a “Passeata dos Cem Mil”, em 1968 no Rio de Janeiro. (ARAÚJO; SILVA; SANTOS, 2013).

Os anseios de repressão dos militares e a política defendida pelo então Presidente levou à instauração, em dezembro de 1968, do Ato Institucional nº 5, que encerrou de vez a época das manifestações. Este Ato cassou mandatos, fechou o Congresso Nacional, decretou estado de sítio no país e suspendeu a eficácia de habeas corpus[5] impetrados em casos de crimes políticos contra a segurança nacional. Por fim, proibiu a reunião de pessoas. (ARAÚJO; SILVA; SANTOS, 2013).

[...] “partiu-se para a ignorância”. Com o Congresso fechado, a imprensa controlada e a classe média de joelhos pelas travessuras de 1968, o regime bifurcou a sua ação política. Um pedaço, predominante e visível, foi trabalhar a construção da ordem ditatorial. Outro, subterrâneo, que Delfim Netto chamava de “a tigrada”, foi destruir a esquerda. 1 Faziam parte do mesmo processo, e o primeiro acreditava que o segundo seria seu disciplinado caudatário. Desde 1964, a máquina de repressão exigia liberdade de ação. Com o AI-5, ela teve e foi à caça. (GASPARI, 2002ª, p. 345 apud WOJCIECHOWSKI, 2014, p. 137).

Observa-se que neste momento começava a se instaurar efetivamente os denominados “anos de chumbo”, conhecido como o período de maior repressividade da ditadura militar, que durou até o ano de 1974, como o fim do Governo de Médici. Este último tendo seu início em 1969. Destaca-se relevância da suspensão da eficácia de habeas corpus, que concretizou o caráter de arbitrariedade das prisões que seriam feitas. Deste modo, ainda que se constatasse motivo injustificado nas prisões de indivíduos, não haveria mais nenhum instrumento capaz de contestar esta prisão.

Continuando as práticas pelo Estado de crimes contra a população brasileira, no ano de 1970 foram instituídos os Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), em decorrência da ainda presente necessidade do regime de obter sua legitimação por meio de medidas coercitivas arbitrárias. (SAFATLE; TELES; 2010). Os DOI-CODI seriam os principais órgãos responsáveis pela prática de torturas contra indivíduos considerados suspeitos pela SNI.

Deste modo, a tortura e o desaparecimento de pessoas passava a ocorrer de forma organizada. Verifica-se que coexistiam formas de repressão legalizadas pelos Atos Institucionais, e repressão mantida em segredo. A tortura era utilizada tanto quanto método de se obter informações quanto de controle político, enquanto a censura de meios de informação espalharam o silêncio e a desesperança. A morte e desaparecimento forçado de pessoas foi o método mais utilizado para que fosse ocultada a realidade Brasileira.

Ainda assim, exilados políticos denunciavam a situação brasileira na mídia internacional, contribuindo para que esta ocultação não ocorresse em sua totalidade. No final de 1972 foram divulgados, no Relatório de Anistia Internacional, vários casos de violação a direitos humanos no Brasil. O regime ditatorial simplesmente proibiu que fosse prestada qualquer tipo de informações sobre o tema. (SAFATLE; TELES; 2010).

Nas palavras de Bobbio (2004, p. 23):

O desprezo pelos direitos do homem no plano interno e o escasso respeito à autoridade internacional no plano externo marcham juntos. Quanto mais um governo for autoritário em reação á liberdade dos seus cidadãos, tanto mais será libertário em face da autoridade internacional.

As denúncias sobre as violações alcançavam o âmbito internacional e chegavam à OEA, ainda que de forma bem limitada. Entretanto, o Estado Brasileiro apenas ignorava qualquer posicionamento da comunidade internacional, negando as ocorrências e continuando as práticas abusivas dentro do território interno.

A privação dos direitos em âmbito interno fez com que os anseios da sociedade brasileira e da comunidade internacional fossem cada vez mais expostos, principalmente no governo do novo Presidente da República, Ernesto Geisel. Este quadro se mostrou mais evidente com a crescente desigualdade social, queda dos níveis de renda e as barbáries da ditadura. Geisel ofereceu um plano de Governo fundamentado na abertura do regime militar, de forma gradual. Tentava alcançar a paz entre os polos de oposição, representados pelo MDB (apoiada pela OAB, igreja, imprensa clandestina grupos estudantis e de defesa de direitos humanos), e do setor repressor do regime. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Ainda que lentamente, as denúncias internacionais e a insatisfação da população diminuíam cada vez mais a acomodação do regime vigente. As forças armadas passavam a perceber em sua manutenção no poder não conseguiria mais ser garantida pelas práticas e ocultações de crimes contra a população. Necessitava da aceitação desta.

Essa insatisfação se comprovou nas eleições para o Senado de 1978, quando o MDB saiu vitorioso contra a ARENA, obtendo 18,5 milhões de voto contra 13,6 milhões. Em 1979 o general João Baptista de Oliveira Figueiredo assumiu a Presidência. (WOJCIECHOWSKI, 2014). Relembrando que, mesmo controladamente, o MDB representava a oposição ao governo instituído no poder e, ainda que de forma limitada, era o único partido legítimo e reconhecido que representava os que discordavam do regime limitar.

Embora Ernesto Geisel tenha iniciado a abertura do regime, esta ocorreria de forma “lenta, gradual e segura”. Apenas no governo de Figueiredo, eleito após a vitória do MDB, que de fato ocorreria a restauração da democracia, principal promessa de seu governo. (WOJCIECHOWSKI, 2014) Esta pode ser considerada uma das primeiras vitórias da população contra a ditadura militar, e o início da redemocratização pela qual o país passaria.

Mas antes mesmo da posse de Figueiredo, em 1978, já se encontrava vestígios da luta (desarmada) organizada pelos anseios da população. Com a criação do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), por iniciativa de famílias que buscavam informações acerca do paradeiro de pessoas desaparecidas por conta de crimes políticos, passou-se a se pensar em meios se obter o perdão a todos os presos e perseguidos por estes crimes, excluindo os agentes que deram causa à perseguição.

Nas palavras de Comparato (2014), a CBA visava a erradicação da tortura; restituição de restos mortais, responsabilização do Estado e dos agentes da repressão, desmantelamento do aparato repressivo, fim do tratamento desumano aplicado a preses políticos, restauração da validade de habeas corpus, elucidação das circunstâncias nas quais ocorreram as torturas, mortes e desaparecimentos forçados, e o fim das leis de exceção.

A necessidade de cessar as violações era cada vez mais evidente. No fim da ditadura militar, estima-se que mais de 50.000 (cinquenta mil) pessoas foram mortas; tramitavam 707 processos na Justiça Militar contra a Segurança Nacional; 130 pessoas banidas e mais de 420 mortas e desaparecidas, inclusive 30 pessoas que se encontravam no exterior e buscavam tornar pública a situação na qual o Brasil se encontrava. (TELES, 2009, apud ARAÚJO; SILVA; SANTOS, 2013).

Estes números expressivos levaram a CBA a instigar o governo à criação de uma Lei que perdoasse os presos por crimes políticos que ainda estavam vivos, garantindo seu retorno às suas famílias e evitando que ainda mais atrocidades acontecessem à população brasileira. Esta lei seria a Lei da Anistia.

Ocorreram diversos debates em torno da Lei da Anistia por membros da OAB, da Associação Brasileira de Imprensa, da Conferência Nacional de Bispos do Brasil, entre outros. Os presos políticos encontravam-se realizando greve de fome como forma de se manifestar contrariamente à extensão da anistia aos agentes que praticaram atos de tortura, prisões injustificadas, desaparecimento forçado, e qualquer outro crime que estivesse relacionado à crimes políticos. Essa extensão estava presente no Projeto de Lei apresentado pelo Presidente Figueiredo. Contudo, no dia 28 de agosto de 1979, após votação em um Congresso tomado por centenas de soldados da política aeronáutica, fora sancionada pelo Presidente da República a Lei 6.683/ 79, que diferia discrepantemente do Projeto pretendido pelo CBA. (COMPARATO 2014; WOJCIECHOWSKI, 2014). A Lei aprovada perdoava quem cometera crimes políticos, mas beneficiava também agentes causadores de atos de abuso ou tortura praticados contra presos políticos.

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares;

§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. (BRASIL, 1979).

A definição de crime político, segundo Delmanto et al. (2002), pode ser dividida em duas: Delitos próprios e impróprios. Os primeiros são aqueles que lesam ou colocam em risco a organização política do Estado, enquanto os segundos são os que ofendem outros interesses além da organização política. Seriam crimes comuns, dotados de conteúdo ideológico. Estes últimos seriam conexos aos crimes políticos próprios. Atualmente, embora encontrem previsão Constitucional, os crimes políticos apenas estão especificados na Lei nº 7.170, de 14 de dezembro DE 1983. (BRASIL, 1983).

Quanto à conexão a qual se refere o parágrafo primeiro, se trata instituto processual penal utilizado para a fixação de competência. É o nexo entre fatos que se demonstra suficiente para que sejam julgados pelo mesmo juízo, nos mesmos autos, visando garantir a segurança jurídica.

Doutrinariamente, é aceita a divisão da conexão em três espécies: Intersubjetiva, Objetiva e Instrumental. A intersubjetiva se subdivide em: intersubjetiva por simultaneidade, quando várias infrações são praticadas no mesmo momento, por várias pessoas reunidas, sem haver necessariamente algum vínculo subjetivo; conexão intersubjetiva concursal, quando as infrações são praticadas por diferentes pessoas com o mesmo propósito, mas em tempo e lugar diferentes; conexão intersubjetiva por reciprocidade, quando as infrações são praticadas por diferentes pessoas, umas em face das outras. (CAPEZ, 2011).

Já a objetiva ocorre quando uma infração for praticada para facilitar, garantir vantagem ou impunidade ou para ocultar a execução de outra infração. A Conexão Instrumental ocorre quando a prova de uma infração tiver influência em outra infração. (CAPEZ, 2011).

Ou seja, com a edição do parágrafo primeiro do primeiro artigo da Lei da Anistia, de forma intencional, o poder regente se desresponsabilizou de qualquer violação por ele praticado, considerando como conexos qualquer crime praticado por motivação política ou relacionado a crimes políticos, e atribuindo a anistia a prática destes crimes conexos.

Importa ressaltar que, embora amplie-se a anistia a qualquer crime relacionado a crimes políticos ou praticados por motivação política entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, o artigo 2º da lei exclui do benefício os que foram condenados por prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. (BRASIL, 1979). Em época de regime militar, qualquer ato de agressão em face dos algozes da ditadura seria considerado como crime de terrorismo.

Nas décadas que se seguiram à aprovação da Lei, a anistia sempre apareceu nos discursos dos anistiados e dos grupos de direitos humanos como algo “incompleto” – já que não puniu os torturadores, nem restituiu todos os direitos – ou como um entrave para a “conquista da verdade”. E, ao serem questionados em suas ações de não punir pessoas vinculadas à repressão, os governos se remetiam às limitações criadas pela Lei. (GONÇALVES, 2008).

A Lei de Anistia garantiu o retorno de exilados clandestinos e presos políticos. Entretanto, não passava de uma anistia incompleta. Enquanto instrumento de redemocratização brasileiro, também se demonstrava instrumento de manutenção do regime militar vigente, pois negava a apuração da responsabilidade dos crimes cometidos pelo Estado. Embora tenha sofrido alteração de diversas leis complementares, as aprovadas apenas buscaram aumentar o número de beneficiários do perdão, jamais retirando seu caráter de autoanistia. (SAFATLE; TELES; 2010). O disposto na lei, com fulcro na conexidade criminal, perdoou todas as torturas e violações contra direitos humanos praticada por agentes da ditadura.

O processo de anistia pode ser dividido em quatro momentos. O primeiro, denominado de “luta pela anistia política”, se trata da busca pelo reconhecimento e garantia de direitos políticos, pelos órgãos e entidades, assim como pela CBA. A segunda se concretizaria nos anos oitenta, com o retorno dos banidos e exilados ao Brasil, assim como o retorno ao trabalho daqueles que foram afastados por prática de crimes políticos. O terceiro momento se demonstraria com a denominada publicidade do ocorrido. Já o quarto momento seria o efetivo reconhecimento, por parte do Estado Brasileiro, dos erros que este cometeu, assim como a indenização dos indivíduos vitimados pelo regime militar. (GONÇALVES, 2008).

Antes da edição da Lei da anistia, em 1970, a Comissão Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (CIDH) agindo como órgão da OEA, encaminhou várias denúncias de tortura ao governo brasileiro (Reitera-se o exposto no primeiro capítulo deste trabalho de que o Brasil não havia ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos, mas era órgão membro da OEA). Há de se falar, em especial, do caso de Olavo Hansen, líder sindical preso, torturado e assassinado, que alcançou repercussão internacional, A CIDH recomendou que a família de Olavo fosse indenizada, e os responsáveis pela sua morte responsabilizados judicialmente. Entretanto, o governo brasileiro não difundiu a resolução, e se negou a prestar as medidas judiciais cabíveis internamente. (SAFATLE; TELES. 2010).

Mais oito denúncias foram encaminhadas à CIDH. Porém, nenhuma das recomendações encaminhadas ou publicadas pela Comissão lograva êxito, tendo em vista que o Estado Brasileiro apenas as ignorava. (SAFATLE; TELES. 2010).

Após este contexto conturbado, a Lei da Anistia teve sua validade discutida em sede da Corte Suprema Brasileira pela primeira vez pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil no ano de 2008. Por conta deste trabalho de monografia tratar da necessidade da revisão da Lei em questão, é de extrema relevância discorrer sobre o seu questionamento em face da Constituição Federal e enumerar os diferentes argumentos apresentados pela OAB, a favor da Revisão da Lei, e pelo STF, que decidiu por mantê-la em seu inteiro teor.

3.2 Cabimento e Processamento da ADPF 153

A ADPF 153, instaurada por petição interposta no STF pela OAB, questionava a validade da Lei da Anistia Brasileira em face da Constituição Federal, argumentando que a lei em questão desrespeitava caros preceitos fundamentais. ADPF é um mecanismo utilizado para fins de Controle de Constitucionalidade que visa garantir a Soberania de uma Constituição. Necessita da existência de um sistema normativo hierarquizado, no qual a Constituição, que terá sua soberania defendida, deve ser rígida e encontrar-se no mais alto patamar desta hierarquia.

O julgamento da APDF 153 é de extrema relevância para o tema tratado nesta monografia, pois representa a primeira vez na qual a validade da Lei da Anistia fora questionada e julgada pelo Supremo Tribunal Federal. Os parâmetros do julgamento desta ADPF fora exclusivamente as normas dispostas na Constituição Federal, desconsiderando o SIDH. Porém, diversos preceitos fundamentais presentes na Constituição derivam de reivindicações realizadas em âmbito internacional.

Serão analisados os argumentos feitos pela OAB para que o STF realizasse a revisão da Lei da Anistia, assim como os argumentos do STF em sua decisão, que optou pelo indeferimento dos pedidos presentes na ADPF 153.

Contudo, para que seja entendido inteiramente o processo da ADPF 153, deve-se discorrer inicialmente sobre o que seria controle de constitucionalidade e, principalmente, sobre as hipóteses de cabimento de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental e sua função dentro do Controle de Constitucionalidade. Será discorrido a seguir sobre estes dois temas e, após, serão analisados os argumentos apresentados pela OAB na ADPF 153, finalizando-se com o seu julgamento pelo STF.

3.2.1 Considerações Relevantes sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um dos instrumentos utilizados para o fim de Controle de Constitucionalidade e encontra previsão normativa no parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição Federal de 1988[6] desde a sua promulgação. Entretanto, este instrumento, de início, não possuía eficácia por falta de regulamentação legislativa. Como se observa na passagem: “na forma da lei”, o poder Constituinte Originário escusou-se de normatizar as ADPF. (BRASIL, 1988).

Esta recusa atribuiu ao poder legislativo a função de se utilizar de Lei para instituir, de acordo com a conveniência da época, as funções e os procedimentos pelos quais se daria este instrumento do Controle de Constitucionalidade. O parágrafo primeiro do artigo 102 se trata de uma Norma Constitucional de Eficácia Limitada, ou seja, normas que não nascem produzindo todos os seus efeitos, dependendo de lei integradora posterior que a conceda elementos para que tenha executoriedade. (MORAES, 2011). Enquanto não for promulgada esta lei, a norma de eficácia limitada não produz todos os seus efeitos.

A Regulamentação da ADPF veio com a edição da Lei nº 9.882 de 3 de dezembro de 1999, quando a consagrou de fato como parte do Controle de Constitucionalidade Brasileiro, em conjunto com a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Ação de Constitucionalidade.

De acordo com a Lei em questão, o STF é o único órgão competente para o julgamento de ADPFs. Os legitimados para a sua propositura perante a corte suprema são os mesmos da Ação Direta de Inconstitucionalidade, previstos no artigo 103 da Constituição Federal de 1988: Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federa, as Mesas das Assembleias Legislativas, Governadores de Estado, o Procurador Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos que possuem representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. (BRASIL; 1988; 1999).

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é cabível para se evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultado de ato praticado pelo Poder Público e quando for relevante o fundamenta de controvérsia constitucional sobre a lei ou o ato normativo, de qualquer ente federativo, tanto anteriores quanto posteriores à Constituição. A ADPF deve ser proposta em face de atos do poder público já concretizados, e não por concretizar (STF, 2007 apud MORAES, 2011). Apenas é cabível ADPF quando se constar não haver outro meio capaz de sanar a lesividade do ato do poder público. (BRASIL, 1999).

Há possibilidade de se requerer medida liminar, que será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do STF. Em casos de extrema urgência, poderá o Ministro relator deferir a liminar. A decisão da ADPF é irrecorrível, ou seja, não cabe nenhum tipo de recurso em face da decisão do STF. Quanto a seus efeitos, será erga omnes, ou seja, abrange a todos. Pela maioria de dois terços de seus membros, o STF poderá restringir os efeitos da decisão ou decidir que só tenha eficácia a partir de determinado momento. (MORAES, 2011). Os efeitos da ADPF podem ser também ex nunc, só tendo eficácia a partir da decisão, ou ex nunc, quando retroagem, anulando qualquer efeito produzido pela norma.

3.2.2 Principais Argumentos Utilizados pela OAB em Sede da ADPF 153

Sendo legitimado previsto na Lei 9.882/83 (os mesmos legitimados para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representado pelo seu Presidente, protocolou em 21 de outubro de 2008 a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, questionando se o previsto no parágrafo 1º do Artigo 1º da Lei de nº 6.683/1979 teria sido recepcionado pela atual Constituição de 1988, pois violava visivelmente princípios fundamentais presentes na Magna Carta.

Sobre a lesão a preceitos fundamentais, a redação da petição inicial da APDF 153 primeiramente se posiciona acerca da violação ao princípio da isonomia, argumentando que a Lei da Anistia provoca visível desigualdade, ao conceder a anistia a crimes políticos, definidos na forma da lei, mas também a concedendo a “crimes de qualquer natureza relacionados a crimes políticos ou praticados por motivação política”, sem definir, propositalmente, o que seriam estes últimos. (BRASIL, 1979; OAB, 2008).

Desta forma, caberia ao poder judiciário cumprir o papel de legislador e aplicar, no caso concreto, o seu entendimento. Os crimes abarcados por este tipo de perdão poderiam ser qualquer tipo de crime, contanto que, de algum jeito, tivessem algum envolvimento com crimes políticos.

Crimes de tortura, homicídio, desaparecimento forçado de pessoas, praticados contra indivíduo que praticou crimes políticos, por ter praticado crimes políticos, a estes estariam relacionados, encontrado sua descriminalização com fulcro neste parágrafo 1º do art. 1º da Lei da Anistia.

Ainda sobre estes crimes:

[...] sob qualquer ângulo que se examine a questão objeto da presente demanda, é irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo. A conexão só pode ser reconhecida, nas hipóteses de crimes políticos e crimes comuns perpetrados pela mesma pessoa (concurso material ou formal), ou por várias pessoas em co-autoria. No caso, portanto, a anistia somente abrange os autores de crimes políticos ou contra a segurança nacional e, eventualmente, de crimes comuns a eles ligados pela comunhão de objetivos. É fora de qualquer dúvida que os agentes policiais e militares da repressão política, durante o regime castrense, não cometeram crimes políticos. (OAB, 2008).

Encontra-se a argumentação na petição aqui tratada que esta conexão apenas poderia ser atribuída aos indivíduos que cometeram crimes políticos, ou a quem cometeu crimes conexos a favor do mesmo objetivo destes primeiros, jamais aos agentes públicos que contra eles cometeram crimes comuns.

Argumenta ainda a desigualdade presente entre o parágrafo 2º e o 1º do artigo 1º da Lei. O artigo 2º, conforme demonstrado neste capítulo, exclui da anistia os “indivíduos condenados por prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. (BRASIL, 1979). Entretanto, não define o que seria crime de terrorismo. Inclusive, como aduzido pela OAB, esta exceção só é aplicada a quem cometera os crimes políticos, e não os que cometeram os crimes conexos, ou seja, os agentes da ditadura, que atentaram contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal. (OAB, 2008).

Afirma o Descumprimento ao preceito fundamental de não ocultar a verdade, previsto no Art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal: “[...] todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”. (BRASIL, 1988).

A Lei nº 6.683, promulgada pelo último governo militar, inseriu-se nesse contexto de lôbrega ocultação da verdade. Ao conceder anistia a pessoas indeterminadas, ocultas sob a expressão indefinida “crimes conexos com crimes políticos”, como acabamos de ver, ela impediu que as vítimas de torturas, praticadas nas masmorras policiais ou militares, ou os familiares de pessoas assassinadas por agentes das forças policiais e militares, pudesse identificar os algozes, os quais, em regra, operavam nas prisões sob codinomes. (OAB, 2008, p. 21).

Entende-se que a obscuridade na redação deste artigo possui dois objetivos: o primeiro é perdoar qualquer tipo de crime cometido pelos agentes da ditadura, apenas com a argumentação de que estava relacionado, de algum modo, à prática de crimes políticos; o segundo é impedir que estes mesmos agentes venham a ter sua identidade publicada, protegendo-os de qualquer tipo de responsabilização.

Ainda de acordo com a argumentação apresentada pela OAB, há violação aos princípios democráticos e republicanos, previstos com a declaração de que a República Federativa do Brasil é constituída em Estado Democrático de Direito. O alicerce do regime democrático é a soberania popular. Deriva do povo os poderes, e o exercício apenas é feito por representantes eleitos. Enquanto a república é o regime em que o bem comum do povo sempre encontra-se acima de interesses particulares. (OAB, 2008).

Seguindo esta linha de raciocínio, os praticantes de crimes contra a população, em nome do regime militar, encontravam-se em cargos públicos, e eram remunerados com recursos públicos pelas suas funções. Logo, atentavam contra direitos fundamentais da população exercendo sua função e em nome do Estado, ignorando o bem comum do povo.

Inclusive, há de se concordar com o exposto na peça aqui referida de que a Lei em questão teve sua votação em um Congresso Nacional que, na época, era composto por membros que representavam as vontades do regime ditatorial. Os que não representavam, foram intimidados com as centenas de oficiais presentes no dia da votação. Este fato demonstra a ilegitimidade da Lei, votada de modo que não houvesse qualquer tipo de representação dos anseios populares. (OAB, 2008).

Logo, consente-se com o pensamento acima apresentado de que, em um Estado Democrático de Direito, onde os representantes são escolhidos diretamente pelo povo, uma Lei da qual sua edição em publicação se deu de forma tão arbitrária não encontraria respaldo para ser recepcionada por sua Constituição.

Encontra-se argumentado ainda que há atualmente, incluso no inciso XLIII do artigo 5º da CRFB/88 a previsão de que tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Ainda assim, a grande maioria dos “crimes de qualquer natureza conexos a crimes políticos” que se encontraram abrangidos pela anistia da Lei 6.683/1979 são crimes de tortura. Conforme expõe a OAB, esta passagem, em face da atual redação da Lei da Anistia, implicaria na não recepção desta pela CRFB/88. (OAB, 2008).

Fora requerido então, pelo Conselho Federal da OAB, no fim de suas razões:

a) a notificação do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, para que emita o seu parecer, nos termos do art. 103, §1º da Constituição Federal;

b) a procedência do pedido de mérito, para que esse Colendo Tribunal dê à Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, uma interpretação conforme à Constituição, de modo a declarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante o regime militar (1965/1965). (OAB, 2008).

Após a análise das razões apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, há de se consentir que não havia, na época da edição da referida Lei, instrumentos legítimos e eficazes capazes de contestar a sua validade. Ainda que houvesse, tendo em vista o contexto histórico do momento de sua publicação, nada poderia ser feito em face de um Estado totalitarista que, mesmo que se encontrasse em momento de transição e redemocratização, não havia cessado seus atos de violação dos direitos fundamentais de seu povo.

Após o término da ditadura militar brasileira, a redemocratização e promulgação da nova Constituição de 1988, abriu-se a possibilidade de reparação de danos causados por atos do poder público, assim como de realização de um tipo de “saneamento” legislativo, no qual se recepcionaria pela Constituição as leis que ainda representavam a realidade e anseios da sociedade, tendo sido editadas por processo legislativo legítimo.  Não se recepcionaria, em contrapartida, leis que violaram princípios, como o da soberania popular, e representavam apenas a visão de um regime ditatorial.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em sua decisão colegiada, julgou improcedente a ADPF 153, numa votação de sete votos a favor da validade da Lei da Anistia contra 2 que a ela se opunham. Serão analisados, no seguinte sub-tópico, os principais argumentos apresentados pelos Ministros a favor da validade da referida Lei.

3.2.3 Principais Argumentos Utilizados Pelo STF no Julgamento da ADPF 153

O Ministro relator Eros Grau, argumentando pela improcedência da ADPF 153, afirma que não houve violação à Dignidade da Pessoa humana na proclamação do instituto da Lei da anistia, e que, ao requerer a sua invalidação, a OAB deixa de reconhecer toda a luta de parentes e organizações pela edição de uma lei que anistiasse os presos políticos. Estaria a OAB deixando de reconhecer a luta pela redemocratização do país. (BRASIL, 2010).

Afirma o Ministro que a Lei da Anistia possui caráter bilateral, por ser ampla e geral. Estende-se tanto aos praticantes de crimes políticos quanto aos agentes do Estado que praticavam crimes comuns. A definição de crimes conexos não se encontraria, na época, no texto da lei, mas em decretos-leis que haviam anistiado indivíduos por prática de crimes conexos. (BRASIL, 2010).

Aduz-se no julgado que a Anistia tratada pela lei é dotada de caráter objetivo, pois se refere a atos praticados, e não especificamente aos sujeitos que os praticaram. Anistia-se os crimes, e não os criminosos. Ainda se afirma que não haveria violação do princípio da isonomia, pois há instrumentos previstos capazes de discriminar e diferenciais iguais e desiguais. Discorre que não se verifica, em nenhum artigo da Lei da Anistia, previsão que impeça os familiares das vítimas de receber informações acerca da identidade dos algozes da ditadura. (BRASIL, 2010).

O Ministro relator em seu voto argumenta que, ao se considerar que não houve ratificação popular da Lei da Anistia, e que sua votação se deu por um Congresso Nacional que representava em sua maioria apenas as vontades do regime militar, a Lei de Anistia seria considerara inconstitucional em sua totalidade, não sendo recepcionada por esta Constituição. Não seriam excluídos apenas os crimes conexos da anistia, mas também os crimes políticos. (BRASIL, 2010).

Fora argumentado a favor da Lei da Anistia, pelo Ministro Relator Eros Grau, que sua edição resultou de acordos políticos realizados entre o Estado e as parcelas da sociedade que lutavam pelo perdão de crimes políticos em conjunto com a CBA. A Ministra Ellen Gracie afirmou, sobre a questão das concessões, que estas, em momentos de transição pacífico, devem ocorrer reciprocamente, e que a bilateralidade da Lei da Anistia Brasileira demonstraria seu caráter recíproco. Seria o preço pelo fim do Regime Militar. (BRASIL, 2010).

Quanto à falta de nexo entre os objetivos dos agentes de Estado ao praticarem os crimes comuns e os objetivos de quem praticara os crimes políticos, um dos argumentos da parcela a favor da manutenção da Lei no STF foi de que a conexão prevista na lei é propositalmente “sui generis”, logo, a necessidade da expressão “de qualquer natureza”. (BRASIL, 2010).

A expressão estaria interligada com o contexto histórico da edição da Lei, onde, tendo em vista a grande quantidade de delitos cometidos, a conexão “sui generis” e ampla garantiria a possibilidade da bilateralidade, onde poderia se conectar crimes comuns à políticos. Entretanto, seria abrangente, mas não irrestrita, pois excluiria condenados por práticas de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. (BRASIL, 2010).

A anistia, como Lei-medida, deveria ser analisada sob a luz do período histórico em que se encontrava, de negociação e redemocratização. Sua natureza ampla e proposital não admitiria limitação, pois modificaria o âmago da lei, assim como seus objetivos. A sua bilateralidade fora proporcional, e considerada um dos termos na negociação, para que fosse obtido o perdão das vítimas do Regime pela acusação de crimes políticos. (BRASIL, 2010).

O Ministro Relator insiste no argumento de que, denegando-se o acordo entre as parcelas que representavam a sociedade e o Regime, no momento de transição, se desconsideraria todo o esforço feito em nome das vítimas e de seus familiares. Argumenta ainda também não caber ao Poder Judiciário a competência legislativa, por conta da tripartição dos poderes.  Caberia exclusivamente ao Legislativo a função de alterar o texto, pois, segundo o relator, não há cláusulas pétreas na Lei da Anistia. (BRASIL, 2010).

Segundo Celso de Mello, a Lei da anistia estaria em acordo com a Constituição anterior, de 1969, e ainda, que não compatível com a Constituição atual, pelo princípio da irretroatividade da lei penal, apenas retroagiria em benefício do réu. Cezar Peluso argumentara que, quanto ao argumento da utilização do instrumento de conexão criminal apenas para fins processuais, sua interpretação de forma restrita não se coadunaria, pois em diversas outras ocasiões no Brasil, este instituto já fora utilizado para conceder anistia. (BRASIL, 2010).

Entende-se que se demonstra mais leais à realidade brasileira os argumentos do Ministro Ricardo Lewandovisk e Ayres de Brito, contra a manutenção do parágrafo primeiro do artigo primeiro da Lei da Anistia.

O primeiro expõe que, no direito penal e processual apenas se reconhece as hipóteses de conexão já tratadas neste presente trabalho, e não se mostraria razoável reconhecer outras hipóteses para que fossem aceitos como conexos os crimes praticados por algozes do Estado. Segundo o Ministro, faltaria nexo teleológico, consequencial ou ocasional. (BRASIL, 2010).

Ayres de Britto argumentou apontando que fora utilizado o método histórico de interpretação, e que este deve ocorrer apenas em caráter suplementar. Ou seja, quando se demonstrar capaz de acrescentar, consideravelmente, de algum modo na interpretação de uma norma. Entretanto, em casos de obscuridade jurídica, o método histórico não é eficaz, e nem razoável. (BRASIL, 2010).

Considerando os argumentos apresentados pelo Conselho Federal da OAB, pelos sete ministros a favor da validade da Lei da anistia, e pelos 2 contra, importa tecer algumas considerações críticas.

A Lei da anistia, em sua publicação, não feriu direitos fundamentais. Não conferiu validade expressamente a atos que os ferissem. Mas em sua obscuridade, permitiu a abertura para que violações e violadores destes direitos fossem perdoados. A OAB em seu posicionamento não negaria as lutas sociais em época de regime ditatorial, ao contrário do que afirma o Ministro Relator.

Conforme já exposto, a Lei aprovada pelo Congresso Nacional diferia bastante do texto pretendido pelos Comitês Brasileiros pela Anistia, e dotavam dos anseios militaristas, que na época buscavam algum meio de transição pacífica que não responsabilizassem seus agentes. O principal objetivo da Lei em questão é exatamente o que se encontra implícito. O perdão bilateral e a autoanistia. Este argumento não se coaduna, pois não cabe ao poder vigente se autoanistiar.

De acordo com posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme ainda será trabalhado, a autoanistia apenas garante a manutenção da impunidade e da injustiça. Inclusive, quanto ao argumento de que a Anistia não impede na busca de informações, a CIDH se posicionou exatamente ao contrário, no Relatório de Mérito 91/08 encaminhado ao Brasil:

Conforme já foi estabelecido, a lei de anistia brasileira foi adotada em 28 de agosto de 1979, durante a ditadura militar no Brasil. O próprio Estado indicou que a investigação e a sanção penal dos responsáveis pelos desaparecimentos forçados das vítimas e pela execução de Maria Lucia Petit da Silva, “está impossibilitada pela Lei de Anistia ainda vigente.” Portanto, em virtude de tal lei, os fatos do presente caso não foram penalmente investigados, processados nem sancionados pelo Estado, devido à interpretação que lhe foi dada pelas autoridades do Estado brasileiro até a presente data. Com efeito, os perpetradores permanecem impunes e os familiares das vítimas desaparecidas e da pessoa executada, assim como a sociedade brasileira não puderam conhecer toda a verdade sobre o ocorrido. (CIDH, 2008, p. 58)

A referida Lei apenas não recebeu ratificação popular por conta do parágrafo 1º do seu primeiro artigo. Apenas porque o Estado se autoanistiou com a edição desta Lei. Não é cabível esperar da população que aceite de bom grado que os torturadores de seus familiares recebam o mesmo perdão e o mesmo tratamento que estes. A Lei representa sim anseios populares, apenas não em sua totalidade. O requerimento da OAB de se retirar apenas esta previsão encontra-se de acordo com os princípios da atual Constituição, e representa a população brasileira, tanto dos dias de hoje quanto dos dias do regime militar.

Sobre os acordos políticos, considera-se, nas palavras de Rothenburg (2013, p.698):

Sob um enfoque político, pode-se, portanto, questionar a legitimidade de acordos que pretendem negociar direitos fundamentais gravemente violados no passado, mesmo quando algumas vítimas já não vivem mais. Sob um enfoque jurídico, pode-se questionar a validade de leis que pretendem neutralizar o caráter ilícito de graves violações a direitos fundamentais praticadas pela ditadura militar brasileira e que atingem inclusive os hoje mortos e desaparecidos.

Embora o acordo, do ponto de vista da sociedade, tenha visado a reparação de danos a ela causada, ainda assim encontrava-se em situação desfavorável em face do Estado com quem negociava. Nas palavras de Wojciechowski (2014), o alicerce argumentativo de toda a decisão do STF foi exatamente o de que a anistia brasileira representou movimento de conciliação nacional, e é resultado de acordo político que envolvia diversos seguimentos sociais, buscando uma transição pacífica para a redemocratização. Considera a autora que o Brasil falhou na garantia do Direito à Justiça.

Por um motivo de proteção à própria sociedade, ao considerar como válido o acordo, seus termos ainda assim necessitariam de revisão, pelo simples fato de se encontrar vícios. Ora, o povo não tinha soberania, poder e nem representação. Enquanto o Regime influenciava e obrigava legitimados a alteraram o Projeto de Lei conforme sua vontade, nada poderia a população fazer para demonstrar sua insatisfação e impugnar quaisquer de termos que discordasse. Principalmente no que tange a bilateralidade do perdão.

Nada obstante, se encontra tal decisão que manifestamente, assim como a lei a qual se refere, desrespeita todo o histórico de conquista, tanto brasileiro quanto internacional, no que tange o reconhecimento de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. Continuando a discussão da questão, fora fundada em 2011 a Comissão Nacional da Verdade Brasileira, órgão que, em seu relatório final publicado em dezembro de 2014 também se manifestou acerca da Lei 6.683/79.

3.3 A Comissão Nacional: a busca pela verdade e responsabilização

 

Na tradição Sul Americana, Comissões da Verdade são órgãos criados em países que possuem contextos históricos de ditaduras no período pós Segunda Guerra Mundial. No Brasil, de modo não diferente, fora constituída em 2011 a Comissão Nacional da Verdade (CNV), pela Lei de nº 12.528, de 18 novembro de 2011. Sua instalação de fato ocorreu em maio de 2012.

A função da Comissão Nacional da Verdade, conforme o artigo primeiro da Lei nº 12.528/2011, que a instituiu, é a de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”. (BRASIL, 2011). O Período em questão é entre 1946 a 1988, englobando, principalmente, mas não apenas, o regime militar brasileiro.

Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos. (BRASIL, 2002).

A CNV, desde a sua instituição, por conta de reivindicações de familiares das vítimas durante o regime ditatorial, passou a prezar pela busca da verdade. O Artigo 3º da Lei da Comissão Nacional da Verdade prima pelo Direito da Verdade. (BRASIL, 2011). Era composta, inicialmente, por sete brasileiro de reconhecida idoneidade e conduta ética. Dentre eles, advogado defensor de presos políticos e um ministro do STJ. (CNV, 2014).

São estabelecidos como objetivos o esclarecimento de fatos e circunstâncias das graves violações dos direitos humanos durante este período, como torturas, mortes, desaparecimentos forçados, tanto em território nacional quanto no exterior. Busca sanar um dos maiores problemas causados pela Lei da Anistia, que é identificar e tornar públicos os agentes e estruturas onde ocorreram as violações. A CNV objetiva, acima de tudo, reconstruir o máximo possível, com dados verídicos, toda a história de violações de direitos humanos dentro do referido período. (BRASIL, 2011).

Destaca-se a importância de uma Comissão da Verdade no Estado Brasileiro, principalmente após a ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos. Pode-se entender a CNV como meio do Estado de apurar as violações ocorridas em seu território, conforme obriga a Convenção.

Inclusive, conforme o relatório final da CNV, publicado em dezembro de 2014, destaca-se a importância da promulgação de outra lei. A lei 12.528/2011, sobre o acesso à informação, que veda qualquer tipo de restrição a informações e provas documentais que tratem sobre violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos. Em seu relatório, diga-se de passagem, afirma a CNV que teve recusa das Forças Armadas e outros órgãos públicos quanto à permissão de acesso à documentos, mas, graças ao referido texto normativo, interpretado conjuntamente com a Lei que instituiu a CNV, os dados oficiais foram adquiridos. (CNV, 2014).

Várias Comissões da verdade foram instituídas em todo o país, delegando funções da CNV, para auxiliar esta última em suas pesquisas em busca da verdade histórica. Em relação à verdade, a CNV se posiciona afirmando ser inalienável, e possuindo duas vertentes: Individual e Coletiva. A individual se trata da obrigação do Estado de apresentar, sem recusa, as informações sobre violações e, inclusive, a identidade de seus algozes, assim como localização de restos mortais em caso de morte ou desaparecimento. A coletiva se trata do Estado fornecer as razões e fatos sobre o ocorrido. (CNV, 2014).

Logo, após longos anos de omissão Estatal, se atribui ao Estado única e exclusivamente a reponsabilidade por apresentar, sem restrições, as informações requeridas acerca do tema. A própria existência de uma Comissão da Verdade, instituída por texto normativo, é contrária à validade da Lei da Anistia Brasileira. O objetivo maior da CNV é que a verdade e se evite violações futuras. Mas a verdade em si, principalmente no que tange a obtenção de informações acerca dos agentes causadores das violações.

Destaca-se que esta identificação não implicaria em responsabilização administrativa, civil e pena dos agentes, pois não é função da Comissão Nacional da Verdade. Como encontra-se previsto no artigo 4º da Lei que a institui, não possui caráter jurisdicional ou persecutórios. (BRASIL, 2011). Entretanto, embora não possua jurisdição, seu relatório e publicação das informações resulta na atribuição de responsabilidades.

Quanto à responsabilidade sobre violações a direitos humanos, a CNV a divide em três tipos, que são a político-institucional, que vincula agentes de Estado que planejaram políticas de repressão a opositores ao regime; pelo controle de estruturas e gestão de procedimentos, que seria atribuída a agentes que permitiram, comissiva ou omissivamente, graves violações em unidades das quais possuíam a função de gestão; e, por último, a responsabilidade pela autoria direta, que se trata dos agentes sob subordinação hierárquica que praticaram ativamente e diretamente das violações. (CNV, 2014).

Em seu relatório final, a CNV reconheceu 434 mortos e desaparecidos políticos durante o período da ditadura militar, e 377 agentes públicos envolvidos na violação dos direitos humanos. Enumerou 29 medidas políticas para que se evite repetir a situação. Dentre elas, a responsabilização criminal, civil e administrativa, dos agentes inclusos em qualquer uma das três hipóteses de responsabilidade. (CNV, 2014).

Ainda, dentro seu relatório, criticou profundamente a bilateralidade da Lei de Anistia de 1979, atribuindo a esta a culpa pela falta de acesso às informações que só puderam ser obtidas após a implementação da CNV. Entente que o perdão aos algozes da ditadura é incompatível não apenas com o ordenamento jurídico pátrio, como também com as Convenções e acordos internacionais, afirmando, ainda, que a autoanistia de governantes não é legítima. (CNV, 2014).

A Comissão Nacional da Verdade brasileira comprovou sua importância por ter representado a maior busca pela verdade e justiça no que tange às violações em território nacional desde o fim do regime militar.

Com uma pesquisa extensiva que durou mais de dois anos, considera-se sua atuação como possibilidade de findar uma era de impunidades. Após as exaustivas discussões sobre o tema, não há como discordar das recomendações, tanto da CNV, quanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos, esta última no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), da revisão da lei da Anistia. Ambas apresentam argumentos extremamente convincentes. Inclusive, Sentença da Corte Interamericana deu ensejo na propositura de Embargos pela OAB em face da Súmula do STF na ADPF 153. A seguir, serão apresentados os argumentos que fundamentam a Revisão da Lei da Anistia Brasileira. 

4 A NECESSIDADE DA REVISÃO DA LEI DA ANISTIA

Tendo-se discorrido neste trabalho acerca de todo o contexto histórico que levou à criação da Lei da Anistia Brasileira e de suas repercussões em território nacional, como o julgamento da ADPF 153 e o nascimento da Comissão Nacional da Verdade, cabe agora fundamentar o porquê de, atualmente, a Lei em questão necessitar seriamente de ser revisada, considerando-se o Controle de Convencionalidade como o instrumento mais eficaz para alcançar este fim.

Inclusive, controle de convencionalidade fora exatamente a sugestão feita pela Corte Interamericana em sua sentença proferia em 2010, no julgamento do caso Gomes Lund e Outros, referente a violações de Direitos Humanos, mais especificamente torturas, assassinatos e desaparecimento forçado de pessoas da Guerrilha do Araguaia no Brasil.

Inicialmente, será tratada a decisão da Corte Interamericana sobre este e outros casos de violação na América Latina, e, em seguida, se defenderá seu posicionamento, argumentando-se a favor da revisão da tão polêmica Lei da Anistia.

4.1 Posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos Sobre da Lei da Anistia Brasileira

 

Em 1982, 22 familiares de 25 vítimas, que compunham a Guerrilha do Araguaia, desaparecidas em época de Regime Militar ingressaram com Ação Civil ordinária parente a Justiça Federal, buscando informações acerca de seus paradeiros, circunstâncias de desaparecimento ou localização dos restos mortais, caso não estivessem mais vivos. (BRASIL, 1982 apud BRASIL, 2011).

Após 13 anos de demora no julgamento da Ação, os familiares, representados pelo Centro pela Justiça e o Direito internacional (CEJIL) e pela Human Reights Watch/Americas, encaminharam denúncia internacional à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em face do Estado Brasileiro, requerendo que o caso fosse levado à Corte Interamericana, dando ensejo ao Caso 11.552, Julia Gomes Lund e Outros. Entre a denúncia e o encaminhamento à Corte, o trâmite teve um prazo de treze anos. Em 2007, em julgamento interno, o Brasil havia proferido acórdão pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da questão, transitando em julgado a sentença. (BRASIL, 2011).

Em 2009, fora publicado o Relatório de Mérito nº 91/08, que continha recomendações ao Estado Brasileiro. No relatório, encontra-se o posicionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no que se refere a leis de anistia:

É pertinente ao presente caso citar o que a Corte complementou sobre a lei de anistia do Peru: À luz das obrigações gerais consagradas nos artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana, os Estados Partes têm o dever de tomar as providências de qualquer índole para que ninguém seja despojado da proteção judicial e do exercício do direito a um recurso simples e rápido, nos termos dos artigos 8 e 25 da Convenção. É por isso que os Estados Partes da Convenção que adotem leis de auto-anistia incorrem numa violação dos artigos 8 e 25 em conjunto com os artigos 1.1 e 2 da Convenção. As leis de auto-anistia conduzem ao desamparo das vítimas e à perpetuação da impunidade, portanto são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito da Convenção Americana. Este tipo de leis impede a identificação dos indivíduos responsáveis por violações de direitos humanos, já que se obstaculiza a investigação e o acesso à justiça, e impede as vítimas e seus familiares de conhecer a verdade […]. (OEA, 2008, p. 19).

Os artigos aos quais a Convenção se refere, afirmando que são violados com a edição de Leis de Anistia, tratam de garantias e proteções judiciais, como ser ouvido por tribunal competente por recursos simples e rápidos contra atos que violem seus direitos. Tratam também do dever dos Estados Partes da Convenção de respeitar os direitos nela previstos.

Fora concedido, após a expedição do relatório ao Brasil, o prazo de dois meses para prestar informações acerca das Ações que tramitavam internamente. O prazo ainda fora prorrogado por duas vezes, sem o Brasil encaminhar à Comissão informações relevantes.

Pela demora de resposta por parte do Estado Brasileiro, fora então encaminhado o caso à Corte Interamericana. A Comissão enfatizou na peça de encaminhamento o valor histórico do caso, por ser o primeiro a reconhecer de fato as violações ocorridas em terreno Brasileiro na época da ditadura, e solicitou que a Corte se posicionasse em relação à Lei da Anistia Brasileira. (OEA, 2010).

A Comissão pretendia que a Corte Considerasse o Estado responsável por violações de direitos estabelecidos na Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, como: direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, direito à vida, direito à integridade pessoal, direito à liberdade pessoal, garantias judiciais, liberdade de pensamento e expressão e proteção judicial, e que fossem adotadas medidas de reparação. (OEA, 2010).

Em relação às vítimas (Gomes Lund e Outros), cujas violações sofridas que ensejaram o processo em questão, há de se enumerar algumas considerações, iniciando-se pelo fato de que se trata de desaparecidos que compunham a infame Guerrilha do Araguaia.

A Guerrilha do Araguaia foi movimento armado que resistiu ao regime ditatorial presente no Brasil, e era composta por alguns membros do partido Comunista no Brasil, que pretendia a libertação do regime, com a formação de um exército do povo. Fora extremamente perseguido por diversas levantas do Exército Militar Brasileiro na Região do Araguaia. Sempre sofrera dura perseguição por parte dos militares do regime, mas nos chamados anos de chumbo, o General Médici, então Presidente do Brasil, comandou que todos os revoltosos fossem executados. (OEA, 2010).

Os guerrilheiros do movimento se tornaram vítimas de sequestro, torturas, crimes de estupro e desaparecimento forçado, muitas vezes seguindo de sua execução, onde seus restos mortais eram enterrados e escondidos para nunca serem encontrados. Por se tratar de guerrilha que lutava com armas contra o Regime Militar, foram as principais vítimas deste período. Ainda que os fatos fossem escondidos da população, as violações contra os guerrilheiros eram utilizadas pelas forças armadas como exemplo para outros possíveis revoltosos.

O reconhecimento por parte do Estado Brasileiro a essas violações em território nacional só ocorreu com a Edição da lei 9.140/95:

Art. 1º São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias. (BRASIL, 1995).

Esta Lei previa reparação pecuniária a seus familiares, como meio do Estado se “desculpar” pelas violações por ele praticadas. Ainda assim, a reparação esperada não era suficiente. Não houve a busca e responsabilização dos praticantes dos crimes de tortura, desaparecimento forçado e todas as outras violações durante este período ditatorial.

E, ainda assim, havendo oportunidade de reparar esta falta de responsabilização, o Poder Judiciário Brasileiro falhou, de fato, com o julgamento da ADPF 153. Em relação à sentença do STF, a Corte se posicionou:

Em numerosas ocasiões, a Corte Interamericana afirmou que o esclarecimento quanto à violação ou não, pelo Estado, de suas obrigações internacionais, em virtude da atuação de seus órgãos judiciais, pode levar este Tribunal a examinar os respectivos processos internos, inclusive, eventualmente, as decisões de tribunais superiores, para estabelecer sua compatibilidade com a Convenção Americana,44 o que inclui, eventualmente, as decisões de tribunais superiores. No presente caso, não se solicita à Corte Interamericana a realização de um exame da Lei de Anistia com relação à Constituição Nacional do Estado, questão de direito interno que não lhe compete e que foi matéria do pronunciamento judicial na Arguição de Descumprimento nº 153 (par. 136 infra), mas que este Tribunal realize um controle de convencionalidade, ou seja, a análise da alegada incompatibilidade daquela lei com as obrigações internacionais do Brasil contidas na Convenção Americana (grifo nosso). Consequentemente, as alegações referentes a essa exceção são questões relacionadas diretamente com o mérito da controvérsia, que podem ser examinadas por este Tribunal à luz da Convenção Americana, sem contrariar a regra da quarta instância. O Tribunal, portanto, desestima esta exceção preliminar. (OEA, 2010).

A Corte se manifestou acerca da Lei da Anistia Brasileira, mas não a relacionando ao direito constitucional brasileiro, enquanto a análise de sua validade em face do direito pátrio se daria apenas internamente. Não questionou o julgado do STF, pois não era sua função. Mas demonstrou que o Brasil, enquanto membro da OEA e que ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, deve adequar suas normas à esta última, e a Lei da Anistia Brasileira viola flagrantemente os dispositivos convencionados em âmbito internacional.

O Estado Brasileiro chegara a alegar que as violações ocorridas ocorreram antes do reconhecimento da competência da Corte para julgar casos de violação. O Brasil só reconheceu sua competência em 1998, como já exposto. Contudo, ao ratificar a Convenção nos termos facultativos da competência da Corte, a ela fora atribuída a função de conhecer de violações que se iniciaram desde antes do reconhecimento, contanto que sejam continuadas ou permanentes. Ou seja, no que tange às violações da época da ditadura que finalizaram antes de 1998 não são atribuições da Corte o seu julgamento.

Ainda assim, poderia ser julgada pela Corte a aplicação atual da lei de Anistia Brasileira, enquanto esta permanece em vigência, desresponsabilizando quem deu causa a violações de direitos humanos convencionados e protegidos pela Convenção e impedindo o devido processamento destes.

Em sua Sentença, a Corte se demonstrou extremamente contrária à interpretação e aplicação que são conferidas à Lei da Anistia Brasileira pelo Poder Público, pois esta acabou por prejudicar um dever que seria internacional do Estado, de investigar e punir as graves violações de direitos humanos. A sentença declara então, por fim, que a Lei da Anistia Brasileira é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, e que não poderia continuar sendo responsável por atrapalhar na identificação e punição de responsáveis por graves violações a direitos humanos. (CIDH, 2010, apud WOJCIECHOWSKI, 2014).

O Brasil, ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos, estabeleceu o compromisso de adequar suas normas internas às previstas pela Convenção, sofrendo judicialmente consequências não só pela adequação, mas também pela simples demora desta, conforme visto no capítulo um deste trabalho.

Em sede de Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos, encontra-se enraizado o entendimento de que a Lei da Anistia Brasileira necessita de ser objeto de Controle de Convencionalidade, pois contradiz os deveres assumidos pelo Estado Brasileiro com a ratificação dos termos da CADH e de outros tratados internacionais dos quais participa. Inclusive, este controle de convencionalidade deveria ter sido o resultado da ADPF 153, mas não o foi por negligência da Suprema Corte Brasileira. Entende a Corte que o Controle de Convencionalidade deve ocorrer, ainda que as Constituições devam passar por Processo legislativo de Emendas. (CIDH, 2010 apud WOJCIECHOWSKI, 2014).

Controle de Convencionalidade, conforme será tratado mais adiante, difere do Controle de Constitucionalidade, pois não ocorre para verificar afronta à Constituição. Por a Lei Brasileira permitir que os tratados de direitos humanos ingressem no ordenamento jurídico com patamar constitucional, equivalentes a emendas, então deve existir meios que garantam a sua eficácia. O STF, como guardião da Constituição, deve protege-la em toda a sua extensão, todo o seu texto. Encontra abrangência também os tratados internacionais. Este meio seria o Controle de Convencionalidade. (MAZZUOLI, 2014).

Logo, qualquer Lei Infraconstitucional que violasse os tratados estaria sujeita ao Controle de Convencionalidade, e não a Controle de Constitucionalidade. Se tratando da Lei da Anistia, esta viola tanto preceitos fundamentais da Constituição, como preceitos fundamentais de tratado de direitos humanos.

Por este motivo, a OAB ingressou com Embargos de Declaração na ADPF 153, ao STF, requerendo que a Suprema Corte se manifestasse acerca da executoriedade da Sentença da Corte no Brasil. Porém, até o momento não houve decisão dos Embargos. (WOJCIECHOWSKI, 2014).

Em relação ao tema, restou-se demonstrada a incompatibilidade da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 com a atual carta magna, assim como com a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil faz parte. É de todo estranho analisar a decisão do STF da ADPF 153 sob a perspectiva de que é o órgão guardião da Constituição e, mais importante, de todos os princípios fundamentais nela incluso, e que a ela dão validade.

Levando-se em consideração que o posicionamento da Corte, e o requerimento dos Embargos propostos pela OAB na ADPF 153, se referem ao Controle de Convencionalidade, e considerando-o também como o meio mais eficaz de tornar a legislação brasileira em sua totalidade compatível com todo o sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos, deve ser tratado, primeiramente, sobre o que se trata Controle de Convencionalidade.

4.2 Considerações sobre o controle de Convencionalidade

Sobre o tema importa realizar à priori algumas considerações. A Constituição Brasileira de 1988 acolhe tratados de direitos humanos independente de aprovação do Poder Legislativo por maioria qualificada[7], nos termos do artigo 5º, em seu terceiro parágrafo. Havendo maioria qualificada, serão os tratados acolhidos no mesmo patamar das Emendas Constitucionais[8]. Esta possibilidade encontra sua previsão na Emenda Constitucional 45/2004. (MAZZUOLI, 2014).

Logo, tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, dos quais o Brasil faça parte, são acolhidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, e os que recebem aprovação por maioria qualificada do Poder Legislativo, recebem equivalência material e formal a emendas constitucionais, passando a agir como norma constitucional após sua ratificação.

Conforme discorrido, o Controle de Constitucionalidade trata da averiguação da validade de uma norma interna à Lei hierarquicamente superior. No caso, A Constituição. O Controle de Convencionalidade, resumidamente, é a adequação à toda a legislação internacional. Nas palavras de Canotilho, (apud PIOVESAN, 2012a, p.71):

Os direitos humanos articulados com o relevante papel das organizações internacionais fornecem um enquadramento razoável para o constitucionalismo global. (…) O constitucionalismo global compreende a emergência de um Direito Internacional dos Direitos Humanos e a tendencial elevação da dignidade humana a pressuposto ineliminável de todos os constitucionalismos. (…) É como se o Direito Internacional fosse transformado em parâmetro de validade das próprias Constituições nacionais (cujas normas passam a ser consideradas nulas se violadoras das normas do jus cogens internacional).

Ou seja, o objeto da Controle de Constitucionalidade é Lei hierarquicamente inferior, e o parâmetro é a Constituição de um Estado. Já em âmbito de controle de Convencionalidade, os Tratados, Convenções, e toda Legislação Internacional da qual o Estado seja parte, se torna o parâmetro de adequação de suas Leis internas.

O Artigo 2º da Convenção Americana de Direitos Humanos alicerça a hipótese de se adaptar o ordenamento jurídico interno de um Estado à legislação internacional acerca de Direitos Humanos, quando prevê que é obrigação do Estado, que a ratificou, adotar as disposições de direito interno e medidas legislativas, ou de outra natureza, que sejam necessárias para garantir a efetivação dos direitos nela previstos. (BRASIL, 1992).

O surgimento do Controle de Convencionalidade, dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, pode ser datado de 2006, em caso julgado pela Corte contra o Estado do Chile, quando se referiu à necessidade do poder judiciário de averiguar se os dispositivos da Convenção possuem efeito jurídico em ambiente interno. Caso não possuíssem por conta de lei doméstica vigente, caberia a realização de Controle de Convencionalidade:

La Corte es consciente que los jueces y tribunales internos están sujetos al imperio de la ley y, por ello, están obligados a aplicar las disposiciones vigentes en el ordenamiento jurídico.  Pero cuando un Estado ha ratificado un tratado internacional como la Convención Americana, sus jueces, como parte del aparato del Estado, también están sometidos a ella, lo que les obliga a velar porque los efectos de las disposiciones de la Convención no se vean mermadas por la aplicación de leyes contrarias a su objeto y fin, y que desde un inicio carecen de efectos jurídicos.  En otras palabras, el Poder Judicial debe ejercer una especie de “control de convencionalidad” entre las normas jurídicas internas que aplican en los casos concretos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos.  En esta tarea, el Poder Judicial debe tener en cuenta no solamente el tratado, sino también la interpretación que del mismo ha hecho la Corte Interamericana, intérprete última de la Convención Americana[9] (OEA, 2006, p. 53).

Se trata de caso no qual a Corte averiguava denúncia de execução extrajudicial de Almonacid Arellano, após se ter observado violação de direitos como o acesso à justiça e proteção judicial, assim como falta de reparação a seus familiares. Nesta decisão, a Corte não apenas formalizou o conceito de Controle de Convencionalidade, como também transferiu sua responsabilidade ao poder judiciário interno dos Estados Membros da Convenção Americana.

Ainda em relação às decisões da Corte, no artigo 62 da Convenção há a previsão dos Estados-partes reconhecerem sua competência referente à interpretação ou aplicação dos dispositivos da Convenção. Logo, ao considerar a incompatibilidade de uma Lei interna em face da Convenção, caberá ao país que reconheceu sua competência realizar o controle de convencionalidade em âmbito interno. O Brasil, conforme já tratado, reconheceu a competência da corte, estando submetido a seu posicionamento no que concerne à compatibilidade de suas leis à Convenção.

Esta responsabilização estatal de adequar sua legislação à Convenção fora atribuída inicialmente apenas ao poder judiciário. Entretanto, após o Caso “Gelman Vs. Uruguai”, a Corte expandiu este dever a todos os órgãos públicos com competência para tal.[10] (CIDH, 2011 apud MAZZUOLI, 2014)

No Brasil encontra-se constituído formalmente um legítimo Controle de Constitucionalidade, capaz de adequar sua legislação interna ao disposto em sua Carta Magna. Deste modo, a utilização do Controle de Convencionalidade em âmbito interno pode ser considerada facilitada, enquanto seu processo, por analogia, pode se utilizar dos procedimentos já previstos para os instrumentos do Controle de Constitucionalidade.

Contudo, nem todos os Estados-partes da Convenção possuem um Controle de Constitucionalidade instituído, o que não retira do poder judiciário de realizar a convencionalidade interna, mas observa-se possível dificuldade por falta de parâmetros processuais. Levando-se em consideração esses Estados, assim como Estados que já possuem Controle de Constitucionalidade inserido, mas seu poder judiciário não aplica de forma eficaz a convencionalidade, entende-se extremamente relevante esta decisão da Corte, ao se notar que objetiva a adequação das normas domésticas à Convenção sem exceções, atribuindo a todo o Estado esta responsabilidade.

4.2.1 O controle de convencionalidade no Brasil

Conforme afirmado acima, no Brasil, de acordo com a Constituição de 1988, qualquer tratado de direitos humanos aqui ratificados, com aprovação de maioria qualificada, ingressa no ordenamento jurídico equivalentes, formal e materialmente, a Emendas Constitucionais. Emendas Constitucionais, assim que aprovadas, se tornam parâmetro de Controle de Constitucionalidade, por se tratarem se normas constitucionais, ainda que supervenientes.

Ainda que não tenham sido produtos do constituinte originário na proclamação da Constituição de 1988, as Emendas Constitucionais aprovadas ingressam na Constituição no mesmo patamar de outras normas constitucionais. Logo, assim como qualquer outra norma constitucional, podem ser parâmetros de ADIs, ADCs e ADPFs. Norma infraconstitucional que contrarie Emenda Constitucional deve ser objeto de controle de Constitucionalidade, independentemente de sua edição desta ter se dado anteriormente à da Emenda, pois encontra-se em posição hierarquicamente inferior à esta.

Nas palavras de Flávia Piovesan (2012b, p. 12) acerca desta abertura aos tratados sobre Direitos Humanos:

Enfatize-se que a Constituição brasileira de 1988, como marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática do País, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional. (....) O texto democrático ainda rompe com as Constituições anteriores, ao estabelecer um regime jurídico diferenciado, aplicável aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. À luz desse regime, os tratados de direitos humanos são incorporados automaticamente pelo Direito brasileiro e passam a apresentar status de norma constitucional, diversamente dos tratados tradicionais, os quais se sujeitam à sistemática da incorporação legislativa e detêm status hierárquico infraconstitucional. A Carta de 1988 acolhe, desse modo, um sistema misto, que combina regimes jurídicos diferenciados — um aplicável aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e o outro aplicável aos tratados tradicionais. Esse sistema misto se fundamenta na natureza especial dos tratados internacionais de direitos humanos que — distintamente dos tratados tradicionais que objetivam assegurar uma relação de equilíbrio e reciprocidade entre Estados pactuantes —priorizam assegurar a proteção da pessoa humana, até mesmo contra o próprio Estado pactuante.

A Constituição de 1988, também apelidada de Constituição cidadã, pelo histórico de redemocratização que a antecedeu, e sua preocupação com a proteção a Direitos Humanos, eleva os direitos humanos ao mais alto patamar, acolhendo qualquer tratado internacional que sobre eles versem automaticamente. Não há de se falar, quando do acolhimento, mais de Constituição e Tratados sobre Direitos Humanos.

Deve-se superar o ímpeto de diferenciá-los em sua validade, tendo em vista que integram em conjunto o mesmo sistema jurídico, voltado para a proteção dos Direitos Humanos. Os tratados incorporados deixam de ser somente tratados internacionais, e passam a fazer parte, automaticamente, do sistema de direitos pátrio. Inclusive, dos Direitos Constitucionais. Os Direitos Fundamentais previstos na Constituição de 1988 derivam de vários posicionamentos da comunidade internacional acerca de suas fundamentações.

Ao atribuir à Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos a possibilidade de ingressar no Brasil como normas Constitucionais, inclusive como Emenda Constitucional, a estas também são previstas, ainda que implicitamente e por analogia, proteções contra normas infraconstitucionais que de algum modo as violem. Nas palavras de Mazzuoli (2014, p.177):

Nesse sentido, o que defendemos é ser plenamente possível utilizar-se das ações do controle concentrado, como a ADIn (que invalidaria a norma infraconstitucional por inconvencionalidade), a ADECON (que garantiria à norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com um tratado de direitos humanos formalmente constitucional), ou até mesmo a ADPF (que possibilitaria exigir o cumprimento de um “preceito fundamental” encontrado em tratado de direitos humanos formalmente constitucional), não mais fundadas apenas no texto constitucional, senão também nos tratados de direitos humanos aprovados pela sistemática do art. 5º, parágrafo 3.º, da Constituição em vigor no País.

Por analogia então, se utilizaria as mesmas ferramentas do Controle de Constitucionalidade. De fato, os tratados aprovados pela maioria qualificada de votos do legislativo possuem caráter de emenda constitucional, se fundamentando não apenas na Constituição Federal, mas também, e principalmente, em todo um Sistema Internacional de proteção que reconheceu, após um extensivo histórico de tentativas de fundamentação, a importância dos Direitos Humanos.

Ainda que, no Brasil, haja a possibilidade de se utilizar dos mesmos instrumentos e procedimentos, se falaria de Controle de Convencionalidade, e não Constitucionalidade, levando-se em consideração todo o alicerce argumentativo e histórico que possibilita este meio de adequação das leis internas de um país. As normas internacionais foram ratificadas e introduzidas em território nacional, mas ainda se tratam de normas editadas pela comunidade internacional, e não apenas por um Estado.

O STF, exercendo sua competência de Guardião da Constituição, em conformidade com o artigo 102 da Constituição Federal, deve exercer a proteção das normas Constitucionais, assim como das normas constitucionais por equiparação (como tratados internacionais de direitos humanos), o que o torna órgão legitimado para realizar o Controle de Convencionalidade. Do mesmo modo, entende-se que os legitimados para a propositura das Ações do Controle de Constitucionalidade também os sejam para propor Ações de Convencionalidade[11]. (BRASIL, 1988 apud MAZZUOLI, 2014)

Quanto aos tratados de Direitos Humanos que não tiveram aceitação pela maioria qualificada dos órgãos do poder legislativo, defende Mazzuoli (2014), a possibilidade de Controle Difuso de Convencionalidade, pois entende que, embora não sejam elevados ao patamar de emendas constitucionais, ainda são materialmente constitucionais. Esta justificativa se enraíza no parágrafo 2º do artigo 5º, onde se expressa: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”. (BRASIL, 1988).

Flávia Piovesan (2012b, p.6) entende que, com a publicação da Emenda 45/2004, se atribuiria a estas normas o caráter de formalmente constitucionais, enquanto o de materialmente constitucionais a elas já era atribuído. Inclusive, os direitos individuais previstos nos tratados sobre Direitos Humanos ingressariam no ordenamento jurídico, nas palavras da autora, como cláusulas pétreas[12]:

Vale dizer, com o advento do § 3 º do art. 5º surgem duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do § 2º do art. 5º65. Para além de serem materialmente constitucionais, poderão, a partir do § 3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de formalmente constitucionais, equiparando-se às emendas à Constituição, no âmbito formal.

Ou seja, a implementação do tratado sobre Direitos Humanos dentro do ordenamento jurídico por aceitação de quórum qualificado não o torna constitucional. O torna materialmente constitucional, por isso sua equiparação à Emenda Constitucional. Mas mesmo sem a aprovação prevista em lei para tanto, o tratado será materialmente constitucional, não havendo de se discutir sua validade dentro do direito pátrio, e sim das normas infraconstitucionais em face deste tratado.

Sobre o Controle de Constitucionalidade Difuso, que poderia ser utilizado por analogia aos tratados aqui referidos, Capeletti (1984 apud BARROSO, 2012, p. 24)discorre:

Do ponto de vista subjetivo ou orgânico, o controle judicial de constitucionalidade poderá ser, em primeiro lugar, difuso. Diz-se que o controle é difuso quando se permite a todo e qualquer juiz ou tribunal o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma e, consequentemente, sua não aplicação ao caso concreto levado ao conhecimento da corte.  De fato, naquela decisão considerou-se competência própria do Judiciário dizer o Direito, estabelecendo o sentido das leis. Sendo a Constituição uma lei, e uma lei dotada de supremacia, cabe a todos os juízes interpretá-la, inclusive negando aplicação às normas infraconstitucionais que com ela conflitem. Assim, na modalidade de controle difuso, também chamado sistema americano, todos os órgãos judiciários, inferiores ou superiores estaduais ou federais, têm o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais nos casos levados a seu julgamento. No Brasil, o controle difuso vem desde a primeira Constituição republicana, e subsiste até hoje sem maiores alterações. Do juiz estadual recém- -concursado até o Presidente do Supremo Tribunal Federal, todos os órgãos judiciários têm o dever de recusar aplicação às leis incompatíveis com a Constituição.

Desde antes da instituição do Controle de Constitucionalidade Concentrado no direito Brasileiro, já existia a previsão de sua forma difusa, tendo em vista que cabe a qualquer juiz de direito notar e se posicionar acerca da inconstitucionalidade de uma norma. Então, Controle de Constitucionalidade difuso se trata daquele realizado por qualquer juiz de direito em casos concretos, e não apenas pela Suprema Corte brasileira.

Deste modo, Mazzuoli (2014) entende que, por qualquer tratado de Direitos Humanos que ingressar no sistema jurídico brasileiro ser materialmente constitucional, ainda nas hipóteses em que não são equiparados a emendas, constituiria uma obrigação de todos os juízes, ou tribunais, declarar a invalidade de uma lei interna em face de tratado internacional sobre direitos humanos. A diferença se encontraria nos efeitos produzidos pelos dois tipos de Controle.

Enquanto no Controle Concentrado de Convencionalidade o efeito seria erga omnes, ou seja, atingiria a todos, no Controle Difuso de Convencionalidade, os efeitos da decisão seria inter partes, atingindo apenas as partes do caso concreto que ensejaram o processo no qual se discute a validade de lei em face de tratado internacional.

Inclusive, no caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile, citado anteriormente, no qual a Corte Interamericana formalizou, pela primeira vez, a nomenclatura de Controle de Convencionalidade, esta destacou também à necessidade de todos os órgãos judiciários do Estado realizarem a análise de lei interna em face da Convenção Americana. (MAZZUOLI, 2014).

Deste modo, concorda-se com o autor quando argumenta que tratados ratificados pelo país com aprovação de maioria qualificada, que recebem equiparação a emendas constitucionais, são parâmetro apenas de Controle de Convencionalidade Concentrado, exercido pela Corte Suprema Brasileira. Já tratados ratificados pelo Brasil, mas que não receberam aprovação de maioria qualificada pelas casas legislativas, e ingressam no ordenamento, não como emendas, mas ainda como normas constitucionais, são parâmetro para a efetivação de Controle de Convencionalidade tanto Concentrado (por ainda serem normas constitucionais), quanto Difuso, exercido por qualquer juiz ou tribunal em casos concretos.

Acolhe-se este raciocínio por se entender que, além de adequar as previsões do Direito Brasileiro aos posicionamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável pela interpretação e aplicação das normas da Convenção Americana, a possibilidade de realização de Controle de Convencionalidade tanto pelo STF, quanto por qualquer órgão do poder judiciário, expande as possibilidades de invalidação de leis que contrariam a Convenção e garante a eficácia das proteções internacionais de Direitos Humanos em âmbito interno.

4.3 Posicionamento da CNV sobre a Lei da Anistia e Críticas Finais ao Julgamento da ADPF 153

Ainda em relação à falta de validade da Lei da Anistia, a Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final, retomou à sua sentença do caso Gomes Lund, referente à Guerrilha do Araguaia. Reconheceu que a Lei da Anistia, dotada de sua bilateralidade, impede a investigação dos agentes causadores de tortura e outras violações de Direitos Humanos, e mantém sua impunidade, indo de encontro às disposições das proteções internacionais aos Direitos Humanos. Concordando com a decisão da corte, interpretou a Lei da Anistia como meio de violação do Direito à Verdade:

Por consequência, considerando a extrema gravidade dos crimes contra a humanidade, a jurisprudência internacional endossa a total impossibilidade de lei interna afastar a obrigação jurídica do Estado de investigar, processar, punir e reparar tais crimes, ofendendo normas peremptórias de direitos humanos. A proibição da tortura, das execuções, dos desaparecimentos forçados e da ocultação de cadáveres é absoluta e inderrogável. Na qualidade de preceito de jus cogens, não pode sofrer nenhuma exceção, suspensão ou derrogação: nenhuma circunstância excepcional – seja estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública – poderá ser invocada como justificativa para a prática de tortura, desaparecimento forçado ou homicídio. Prevalece o dever jurídico do Estado de prevenir, processar, punir e reparar os crimes contra a humanidade, de modo a assegurar o direito à justiça e à prestação jurisdicional efetiva. A esse dever correspondem os direitos à justiça e à verdade, os quais abrangem o direito a uma investigação rápida, séria, imparcial e efetiva, e a que sejam instaurados processos voltados à responsabilização dos autores das violações, inclusive na esfera criminal, bem como o direito das vítimas e seus familiares à obtenção de reparação. (CNV, 2014, p. 966)

Ou seja, o dever do Estado de prestar acesso ao julgamento e punição dos crimes praticados durante o regime ditatorial correspondem a diversos direitos da população, entre eles o direito à justiça e a verdade. Estes direitos encontram embasamento tanto em legislação internacional quando em princípios acolhidos pela Constituição de 1988, instrumento de redemocratização brasileira.

Ao julgar a ADPF 153, decidindo pela validade da extensão “crimes conexos” da Lei da Anistia, entende-se que o STF impediu que a população tivesse acesso ao direito à justiça. Em sua decisão, afirmara a necessidade de se assegurar acesso à documentos históricos para que possa ser exercido com eficácia o direito à verdade, com o intuito do Brasil de evitar a repetição das violações sofridas.  Há de se concordar com as Palavras de Flávia Piovesan (2012b, p. 157):

Com esta decisão, o Supremo Tribunal Federal denegou às vítimas o direito à justiça — ainda que tenha antecipado seu endosso ao direito à verdade. Não apenas denegou o direito à justiça, como também reescreveu a história brasileira mediante uma lente específica, ao atribuir legitimidade político-social à lei de anistia em nome de um acordo político e de uma reconciliação nacional.

Entende-se que a decisão da ADPF 153, por manter a validade da Lei da Anistia em sua integralidade, ainda que tenha se posicionado a favor do Direito Fundamental à Verdade, garantiu legitimidade jurídica à impunidade das violações cometidas, impedido às vítimas e seus familiares de alcançar a justiça. Como já trabalhado, o STF embasou-se principalmente na falha argumentação de um acordo realizado entre o Regime vigente e a população. Nota-se a unilateralidade na edição deste acordo, quando a vontade da população (assim como sua soberania) não fora respeitada.

Argumentou o STF que este não possuía competência para alterar a Lei da Anistia, sob pena de ferir o equilíbrio dos três poderes. A Convenção Americana de Direitos Humanos, ainda que não aprovada pela maioria qualificada, se trata de tratado que ingressou no Ordenamento Jurídico com equivalência com status de Norma Constitucional, ainda que não com equivalência à Emenda.

A Corte Interamericana, conforme previsto na própria Convenção, será o órgão último a se posicionar acerca da aplicação e interpretação dos dispositivos da Convenção. Assim que o Brasil ratificou o artigo facultativo que atribuiu esta competência à Corte, a ela ficou sujeito.

Logo, levando em consideração que a própria Corte reconheceu caber, não só à órgãos judiciais em ambiente interno, mas a qualquer órgão judicial, e que o STF, como guardião da Constituição, o que engloba seus princípios, normas e tratados internacionais com caráter Constitucional, entende-se que não há fundamento na argumentação do STF.

Não haveria desrespeito à separação dos três poderes. Há a possibilidade, de acordo com posicionamento da Corte, de qualquer órgão público do Estado de promover medidas eficazes para realizar a adequação de suas leis internas ao disposto na Convenção Americana. Tendo em vista o reconhecimento de toda a comunidade internacional dos Estados à importância dos Direitos do Homem, e considerando como a Constituição Federal neles se alicerça, o STF, caso optasse pela alteração da Lei da Anistia, estaria apenas realizando sua função de proteção da Constituição Federal.

A decisão do STF ainda se encontra em conflito com posicionamentos anteriores seus a respeito da análise de leis infraconstitucionais em face aos Tratados Internacionais. Em decisão do Habeas Corpus de nº 123.246 de 2009, que versava sobre a aplicação de prisão civil por depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, diante o caráter especial que possui os tratados internacionais sobre Direitos Humanos, a sua ratificação no ordenamento jurídico interno possui o objetivo de paralisar a eficácia jurídica de qualquer norma infraconstitucional que conflite com esta proteção. Por este motivo, o STF, embora não tenha revogado a previsão acerca da prisão civil de depositário infiel reconheceu que esta teve sua aplicabilidade paralisada por conta dos tratados internacionais acolhidos pelo Brasil, tendo em vista seu caráter especial. (BRASIL, 2009 apud PIOVESAN, 2012).

Por fim, a CNV, em seu relatório final, se refere brevemente à incorporação dos Direitos Humanos à Constituição, em conjunto com a sua abertura a tratados internacionais:

A elevada relevância do bem jurídico protegido – nas hipóteses de crimes contra a humanidade, a abranger as práticas de detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres – requer dos Estados o cumprimento da obrigação jurídica de prevenir, investigar, processar, punir e reparar graves violações a direitos. A importância do bem protegido justifica o regime jurídico da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e da impossibilidade de anistia, determinado pela ordem internacional e decorrente da proteção à dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, previstas pela Constituição brasileira (artigos 1o, III, e 4o, II), bem como da abertura desta ao direito internacional dos direitos humanos (artigo 5o, parágrafos 2º e 3º). (CNV, 2014, p. 965).

Tendo como parâmetro a Convenção Americana, que normatizou as proteções acerca dos Direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e o posicionamento da Comissão Nacional da Verdade, órgão instituído pelo Poder Público para, nos termos da Convenção, investigar sobre as graves violações de Direitos Humanos praticadas em território nacional, verifica-se no Brasil uma nova oportunidade para que seja levada em questão a validade do polêmico parágrafo 1º do artigo 1º da Lei da Anistia.

Entende-se necessária a reapreciação do dispositivo pelo Supremo Tribunal Federal, oportunizada pelos Embargos de Declaração protocolados pela OAB no processo da ADPF 153. Solicitou a OAB que, na análise dos embargos, a Suprema Corte se manifestasse acerca dos posicionamentos da Corte Internacional. (OAB, 2010). Deste modo, não se vê a possibilidade do STF, após o relatório da CNV, e o julgado da Corte no caso Gomes Lund, não optar pela revisão da Lei da Anistia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente trabalho buscou realizar uma análise da necessidade da revisão da lei da anistia brasileira, partindo como parâmetro os posicionamentos presentes no Sistema Interamericano de Direitos Humanos e do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade. Como fora trabalhado, o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos, se sujeitando ao cumprimento de seus dispositivos.

Qualquer descumprimento ou dúvidas de interpretação destes dispositivos estariam sujeitos à decisão da Corte Interamericana, órgão máximo no que se refere a direitos humanos dentro do sistema regional americano. Ao aderir à Convenção, o Brasil reconheceu a competência da corte para realizar suas funções jurídicas, motivo pelo qual estaria vinculado à suas decisões.

O sistema interamericano passou por um processo lento para se consolidar, buscando seus fundamentos nos tratados internacionais das Nações Unidas, principalmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este sistema, ainda que já consolidado, continua evoluindo, como demonstrado com o surgimento de diversas outras convenções sobre temas mais específicos dentro da área dos direitos inerentes ao homem.

Pela importância deste sistema no presente trabalho que seus principais aspectos foram discutidos. Destacou-se as Convenções sobre tortura e desaparecimento forçado de pessoas, que conceituou de forma mais específica estes dois tipos de violações, que ocorreram em grande quantidade no território brasileiro.

A lei de anistia brasileira, objeto de análise deste trabalho, encontra-se em desacordo com todo o sistema internacional de proteção aos direitos do homem. Mas para entender seus dispositivos controversos, foi necessário abordar o contexto histórico no qual a lei fora desenvolvida, assim como as intenções do legislador quando da sua edição.

A lei de anistia fora editada em um período de transição do período militar brasileiro para o retorno da democracia, também denominado de redemocratização brasileira. A ditadura fora um momento histórico de grandes acontecimentos que, em sua maioria, infelizmente, apenas representaram o quanto o sistema de defesa de garantias individuais e direitos fundamentais carece de eficácia em âmbito interno.

Graves violações ocorreram dentro do território brasileiro neste período. Muitos homicídios, torturas, crimes de estupro, desaparecimento forçado de pessoas e injustificadas extradições. A maioria destes crimes praticados por agentes do Estado, em seu nome e a mando deste, com o objetivo de garantir e legitimar, por meio da coerção, um governo totalitarista e ditatorial.

As lutas pelo reestabelecimento dos direitos e garantidas individuais foram lentas, demoradas e muito limitadas. Guerrilhas armadas se voltaram contra o regime militar, mas foram silenciadas com políticas voltadas ao extermínio. Apenas o que sobrara foram os familiares das vítimas que, no final, apenas buscavam a verdade acerca dos sumiços e torturas que sofreram seus entes queridos.

Neste contexto, surgiram os Comitês Brasileiros pela Anistia, que visavam a obtenção do perdão das vítimas do regime que, ainda vivas, foram presas por crimes políticos. Diversos debates entre os Comitês e o governo ocorreram, quando, por fim, seria votado no Congresso Nacional, o projeto de lei sobre a anistia às vítimas do regime.

O que se seguiu, entretanto, foi a publicação de uma lei que divergia dos anseios da população. A lei da anistia publicada, de fato, anistiava os presos por crimes políticos, as vítimas da ditadura. Mas também anistiava os algozes que, contra essas vítimas, praticaram diversos crimes, independente de qual fossem. Qualquer crime, que estivesse de algum jeito envolvido com crimes políticos, também seria perdoado. Tortura, homicídio, desaparecimento forçado, estupro...

Esta lei, desde a sua publicação, encontrou bastante polêmica e posicionamentos a ela contrários. Ainda quando o Brasil já encontrava como um Estado democrático de direito, a partir da promulgação da Constituição de 1988, denominada de constituição cidadã, a lei da anistia encontrava vigência dentro do ordenamento jurídico.

Por conta de sua repercussão e da visível violação de preceitos fundamentais constantes na Constituição Federal, e de normas presentes em tratados internacionais, a validade da lei da anistia fora questionada pela OAB, na ADPF 153, proposta diante do Supremo Tribunal Federal. Mesmo com seus argumentos precisos e realistas, o STF decidiu pela improcedência da ADPF, mantendo a validade da lei em questão em toda a sua totalidade, inclusive o dispositivo que previa o perdão aos algozes da ditadura.

Em território nacional, contudo, a discussão acerca deste tema não se findou, com a constituição da Comissão Nacional da Verdade no ano de 2012. Como trabalhado, a CNV nasceu por reivindicações e anseios dos familiares de vítimas da ditadura, que buscavam alcançar a verdade acerca das violações, e a responsabilização de quem as provocou e encontrava protegido pela lei da anistia.

A CNV investigou incansavelmente, por dois anos, diversos casos de torturas, homicídios e outros crimes praticados contra diversos indivíduos da população brasileira. No final de 2014 publicou seu relatório final que, objetivando alcançar a maior veracidade possível dos fatos, reconheceu mais de 400 casos de atentados aos direitos humanos na época do regime militar.

No fim de seu relatório, a CNV, em suas recomendações, trata da lei da anistia, considerando-a empecilho para a busca da verdade de ocorridos e responsabilização de quem praticou crimes abomináveis à mando do Estado brasileiro. Se referiu ao posicionamento dos órgãos internacionais de proteção aos direitos humanos, relembrando que o Brasil é parte em diversas convenções, ratificadas internamente, e das quais a lei da anistia viola diversas normas.

Por este motivo, fora trabalhado no último capítulo caso específico no qual o Brasil fora julgado pelo atentado contra vítimas da Guerrilha do Araguaia. O caso Gomes Lund vs. Brasil teve decisão proferida pela Corte Interamericana em 2010, condenando o Brasil à prestação de reparações às famílias da vítima.

A corte se posicionou acerca da lei da anistia brasileira, como também já o tinha feito a respeito das leis de anistia de outras países da América Latina. Atribuiu à lei brasileira a impunidade presente no Brasil à agentes do Estado que praticaram violações dos direitos previstos na Convenção Americana e aduziu que ao Estado brasileiro cabia a adequação de suas normas internas à mesma Convenção. Deste modo, deveria o Brasil realizar internamente o seu controle de convencionalidade.

Entende-se que o controle de convencionalidade seria o meio ideal pelo qual a lei da anistia brasileira poderia se adequar à Convenção Americana. Como tratado, o controle de convencionalidade não é instituído formalmente, é uma construção da jurisprudência internacional, mais especificamente, da corte interamericana.

Mas esta construção jurisprudencial deve ser aplicada internamente, enquanto o brasil encontra-se vinculado a decisões da corte, pois reconheceu expressamente a sua competência. Inclusive, entende-se que este tipo de controle seria possível dentro do Brasil por já haver instituído, formalmente e nos termos da Constituição, mecanismo semelhante: o controle de constitucionalidade.

Deste modo, entende-se que a lei da anistia deve ser revisada, e esta revisão se daria por meio de controle de convencionalidade realizado pelo STF. Ao invés de analisar a validade da lei em face de preceitos e normas constitucionais, como já feito em sede da ADPF 153, esta deve ser realizada utilizando como parâmetro os dispositivos presentes na Convenção Americana, adequando a norma infraconstitucional à legislação internacional de proteção aos direitos humanos.

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[1] Direitos de primeira geração seriam aqueles de inspiração liberal, os direitos individuais, que garantissem a prevalência da liberdade individual em face do Estado, podendo este apenas interferir quando se tratasse de garantir a liberdade possível a todos. Os direitos de segunda geração seriam os direitos sociais, que defendem a intervenção do Estado para diminuir desigualdades sociais. Se trata de prestações positivas do Estado para garantir o bem-estar de sua população. Os direitos de terceira geração são aqueles inerentes à toda a população global, que levam em consideração não os indivíduos ou uma sociedade, mas todos os povos, como, por exemplo, o direito ao meio ambiente saudável. (CANOTILHO, 1992 apud WEIS, 2014).

[2] Artigo 2. Para realizar os princípios em que se baseia e para cumprir com suas obrigações regionais, de acordo com a Carta das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos estabelece como propósitos essenciais os seguintes:

a) Garantir a paz e a segurança continentais;

b) Promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção;

c) Prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica das controvérsias que surjam entre seus membros;

d) Organizar a ação solidária destes em caso de agressão;

e) Procurar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem entre os Estados Membros;

f) Promover, por meio da ação cooperativa, seu desenvolvimento econômico, social e cultural;

g) Erradicar a pobreza crítica, que constitui um obstáculo ao pleno desenvolvimento democrático dos povos do Hemisfério; e

h) Alcançar uma efetiva limitação de armamentos convencionais que permita dedicar a maior soma de recursos ao desenvolvimento econômico-social dos Estados Membros. (OEA, 1948b).

[3] O processo de Redemocratização será trabalhado no Capítulo II desta monografia. Quanto ao Decreto em questão, se trata de instrumento normativo utilizado para ratificar, em território nacional, a assinatura do Brasil da Convenção Americana. No Decreto em questão, o Brasil se prontifica a cumprir os dispositivos da Convenção, ressalvando que, o direito à visitas de inspeção in loco (no local) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos depende de anuência do Estado. (BRASIL, 1992).

[4] Artigo 33 - São competentes para conhecer de assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assumidos pelos Estados-Partes nesta Convenção:

a) a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Comissão; e

b) a Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada a Corte. (BRASIL, 1992).

[5] Habeas Corpus se trata de garantia em favor de quem sofre impedimento ou ameaça de impedimento, como constrangimento ilegal, de usufruir a sua liberdade de locomoção, por ato de autoridade ilegítima. (MORAES, 2011).

[6] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

§ 1.º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (BRASIL, 1988)

[7] Nos termos do parágrafo segundo do artigo 60 da Constituição Federal, maioria qualificada é considerada quando se atinge três quintos dos votos dos membros da Casa Legislativa. (BRASIL, 1988)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

[9] A Corte tem Consciência de que os juízes e tribunais internos estão sujeitos ao ímpeto da lei e, por isso, estão obrigados a aplicaras disposições vigentes no ordenamento jurídico. Porém, quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato do Estado, também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam prejudicados pela aplicação de leis contrárias ao seu objeto e fim, e que desde o seu início carecem de efeitos jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de “controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas que aplicam nos casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Nesta tarefa, o Poder Judiciário deve ter em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana. (CIDH, 2006 apud MAZZUOLI, 2014, p. 173, 174, tradução do autor).

[10] Quando um Estado é parte em um tratado internacional como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, incluídos seus juízes, estão a ele submetidos, o qual os obriga a velar a que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e fim, pelo que os juízes e órgãos vinculados à administração da Justiça em todos os níveis têm a obrigação de exercer ex officio um “controle de convencionalidade” entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no âmbito de suas respectivas competências e das regras processuais correspondentes, e nesta tarefa devem levar em conta não somente o tratado, senão também a interpretação que do mesmo tem feito a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana. (CIDH, 2011 apud MAZZUOLI, 2014, p. 175, tradução nossa).

[11] Assim, nos termos do artigo 103 da Constituição, seriam legitimados: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador de Estado ou do Distrito Federal; Procurador-Geral da República; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional. (BRASIL, 1988).

[12] Dispositivos constitucionais que não podem ser objetos de modificação por Propostas de Emenda Constitucional. Encontram previsão no parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal, e são: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988).