A RETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA INTERPRETATIVA: UMA ANÁLISE SOBRE A SUA CONSTITUCIONALIDADE1

Evandro Antonio V. Moura Filho

José André Nunes Neto2 

RESUMO 

Este artigo aborda o princípio da irretroatividade e a hipótese de retroatividade da norma tributária interpretativa, analisando, além de suas características e natureza, principalmente a sua constitucionalidade. Também será analisada a Lei Complementar n° 118/05, que é uma lei tida como interpretativa, a qual alterou regras prescricionais e de cobrança do crédito tributário, ensejando divergências jurídicas. Tem por escopo demonstrar que as leis interpretativas devam ser interpretadas conforme o sistema jurídico brasileiro, respeitando sobretudo o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, em referência ao princípio da segurança jurídica. 

Palavras-chave: Princípio da Irretroatividade. Norma Tributária Interpretativa. Constitucionalidade. 

1 INTRODUÇÃO 

O presente trabalho versará sobre a retroatividade da lei tributária interpretativa, cuja hipótese é expressamente prevista pelo artigo 106, I, do Código Tributário Nacional, analisando seus aspectos conceituais e seus efeitos.

A Constituição Federal prevê expressamente a irretroatividade como garantia especial quanto à instituição e majoração de tributos, conforme artigo 150, inciso III. Essa é a regra que garante que situações pretéritas não sejam abrangidas por leis posteriores a sua ocorrência.

A previsão constitucional de irretroatividade da lei tributária ocupa papel fundamental, pois serve de instrumento que garante segurança jurídica aos contribuintes. Entretanto, por ter abrangência ampla, conforme será visto, o próprio CTN admite duas exceções ao princípio: nas situações em que a lei tributária for mais benéfica em matéria de infração e nas hipóteses de retroatividade das leis interpretativas.

Essa segunda hipótese é o ponto central do trabalho, sendo também ponto de divergência entre boa parte dos doutrinadores tributaristas.

A lei tributária interpretativa foi trazida pelo legislador no sentido de objetivar a clareza da lei anterior, tendo uma tarefa meramente interpretativa, como o próprio nome já diz, devendo retroagir ao início da vigência da lei que está sendo interpretada.

No entanto, parte da doutrina entende que tal hipótese de retroatividade acaba por ofender o princípio da irretroatividade, pondo em risco a própria segurança jurídica dos atos já praticados durante a vigência lei interpretada, já que, segundo essa vertente, sempre se estará diante de uma lei inovadora em certo ponto.

Nesse sentido, será analisada a problemática em torno da constitucionalidade das leis interpretativas em âmbito tributário, analisando-se a LC 118/2005, que é uma lei tida como interpretativa, a qual alterou regras prescricionais e de cobrança do crédito tributário.

2 PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA 

Desde a Constituição de 1824 o postulado tributário da irretroatividade aparece nos textos constitucionais, à exceção da Constituição de 1937, que o omitiu. Com relação à vigente, há a previsão da irretroatividade relativa da lei, ao determinar que esta não pode atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), assim como também aparecem vedações específicas à retroatividade das leis (SABBAG, 2014, p. 209). Uma delas refere-se à matéria tributária.

A Constituição Federal prevê expressamente a irretroatividade como garantia especial quanto à instituição e majoração de tributos, conforme artigo 150, inciso III:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Essa é a enunciação da irretroatividade tributária que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece, quanto à instituição e à majoração de tributos, sendo, portanto, uma garantia adicional aos contribuintes, que extrapola a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito (PAULSEN, 2014, p. 134).

Alguns autores entendem que o termo "fatos geradores" foi mal empregado, visto que o fato que antecede a norma não é um fator gerador. Segundo Luciano Amaro (2014, p. 129):

 

Só se pode falar em fato gerador anterior à lei quando esta aumente (e não quando institua) tributo. O que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência.

 

Nesse sentido, o Código Tributário Nacional, em seu art. 105, estabelece que “a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes”.

A regra é que as situações pretéritas não sejam abrangidas por leis posteriores a sua ocorrência. Se o ato for anterior a ela, este deve ser regido pela lei do tempo em que foram realizados, à luz do aforismo tempus regit actum (o tempo rege o ato). Essa regra vem do direito intertemporal, sinalizando que a lei tributária deve ser irretroativa. Segundo Sabbag, se “houver situações em que a lei puder reportar- se a fatos pretéritos, modificando­-lhe os efeitos jurídicos e elidindo a incidência da lei anterior, estar-se-­á diante de casos de plena retroatividade da lei” (SABBAG, 2014, p. 210).

Quanto à sua aplicação, não há uma proibição quanto à redução ou dispensa do pagamento de tributo, em relação a fatos do passado, subtraindo-os dos efeitos oriundos da lei vigente à época, desde que o faça de maneira expressa. Em relação à criação ou aumento de tributo, o princípio é inafastável. Portanto a lei não poderá retroagir, sendo aplicada tão somente aos fatos futuros (AMARO, 2014, p. 132).

Existem algumas discussões em torno dos fatos geradores pendentes. Para entendê-la faz-se necessário voltar-se para a classificação que a parte da doutrina dá aos fatos geradores dos tributos, dividindo-os em instantâneos e periódicos (ALEXANDRE, 2014, p. 234).

Seguindo essa linha, periódicos são os fatos geradores que se prologam no tempo, tendo sua ocorrência determinada legalmente. Assim, a cada período concluído, uma nova obrigação tributária é gerada, como é o cado do IPVA. Já os instantâneos são os fatos geradores que ocorrem em um momento preciso. Logo, a cada ocorrência surge uma nova obrigação tributária, como é o Imposto sobre Importação (ALEXANDRE, 2014, p. 120).

De acordo com esse entendimento, se os fatos forem periódicos, a lei estipulará exatamente o instante da completude e perfeição; se forem instantâneos, ser-lhes-á aplicada a legislação vigente na data definida como verificado o fato gerador do tributo. Seguindo essa doutrina, jamais os fatos poderiam ser considerados “pendentes”, pois ou "ou o período legal se completou e o fato é passado; ou, não se tendo completado, o fato é futuro, não devendo haver dúvida sobre a legislação a ser aplicada" (ALEXANDRE, 2014, p. 120).

A previsão constitucional de irretroatividade da lei tributária ocupa papel fundamental, servindo de instrumento para dar um “maior nível de certeza quanto ao direito aplicável aos atos que praticar ou à situação que ostentar em determinado momento” (PAULSEN, 2014, p. 134). Dessa forma, a lei tributária mais onerosa não poderá ser aplicada a fatos pretéritos.

É fundamental também salientar que o princípio da irretroatividade, conforme definido no art. 150, III, a, da CF, não possui qualquer exceção. Entretanto, não acontece o mesmo com o princípio da irretroatividade disciplinado no CTN, que por ter abrangência mais ampla, dá ensejo ao surgimento de exceções. Ocorre que, segundo Ricardo Alexandre, essa maior amplitude se deve ao fato de o CTN tratar da "[...] irretroatividade de toda a legislação tributária e não apenas da lei que institua ou majore tributos. Já as exceções terão vez em situações bem específicas, não relacionadas à majoração ou instituição de tributo" (ALEXANDRE, 2014, p. 234).

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 106, enumera, taxativamente, duas situações em que a retroatividade é possível, ainda que a lei nova nada diga a este respeito, in verbis:



Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II – tratando-se de ato não definitivamente julgado

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática.

 

A segunda situação prevista corresponde às situações em que a lei tributária for mais benéfica para o contribuinte em matéria de infração. Essa hipótese decorre de forte influência do direito penal, onde a retroatividade da lei mais benéfica é praticamente absoluta, porém, na seara tributária, a lei mais benéfica retroage, mas não alcança o ato não tenha sido definitivamente julgado (ALEXANDRE, 2014, p. 238).

No entanto, o ponto de maior controversa e crítica por parte dos doutrinadores está no inciso I do artigo 160 do CTN, quando este dispõe da retroatividade das chamadas leis interpretativas, que se analisada adiante, em capítulo específico

 

2.1 Irretroatividade Tributária e a Segurança Jurídica

 

A concepção da irretroatividade está ligada a própria ideia do Direito, trazendo a lume a garantia da segurança jurídica e a estabilidade dos direitos subjetivos, ao prever a vedação de cobrança de tributos relativos a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou majorado (SABBAG, 2014, p. 212)

Inclusive, entende-se que o princípio da irretroatividade advém de outro princípio, que é o da segurança jurídica, o qual serve para otimizar aquele e dar um maior grau de certeza ao direito. De acordo com Regina Helena Costa (2014, p. 70), o princípio da segurança jurídica compreende as seguintes ideias:

 

[…] 1) a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade; 2) a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger­-se pela boa­-fé e pela razoabilidade; 3) a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; 4) a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; e 5) a igualdade na lei e perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas.

 

No contexto da irretroatividade, a segurança jurídica se apresenta sob duas perspectivas: a de que o cidadão deva saber antecipadamente qual é a norma vigente e o conhecimento do plano eficacial da lei; e que o cidadão deve compreender, em um segundo momento, o conteúdo da norma, quanto a sua clareza, calculabilidade e controlabilidade (SABBAG, 2014, p.212).

Nesse sentido, faz parte do conteúdo da segurança jurídica a certeza do direito, que é um fator primordial, visto que deve haver um respeito ao conhecimento do direito vigente e aplicável aos casos. Dessa forma, as pessoas poderão orientar suas condutas conforme os efeitos jurídicos estabelecidos, buscando determinado resultado jurídico ou evitando consequência indesejada (PAULSEN, 2014, p. 79).

Da mesma forma, o conteúdo da intangibilidade das posições jurídicas e da estabilidade das situações jurídicas podem ser vislumbrados. Este está evidenciado, por exemplo, nos arts. 150, § 4º, 173 e 174 do CTN, que estabelecem prazos decadenciais e prescricionais, ambos quinzenais (PAULSEN, 2014, p. 79).

 

3 A LEI TRIBUTÁRIA INTERPRETATIVA

 

Exposto isso, cumpre explanar sobre a Lei Interpretativa. Este instituto está, em âmbito tributário, na parte de aplicação da legislação tributária e tem como base a retroatividade da lei tributária para a doutrina majoritária.

Em regra, não se aplica a lei a fatos pretéritos, no entanto, o CTN prevê expressamente duas exceções, no seu art. 106: a lei interpretativa e a lei mais benéfica em matéria de infração. Eduardo Sabbag, acerca disso, leciona:

 

Em termos inaugurais, calha mencionar que a lei, se interpretativa, encerra inequívoco paradoxo, “no rigor dos princípios, não há leis interpretativas”. Em nossa ordem jurídica, a interpretação da lei, em caráter decisório-definitivo, será feita pelo Poder Judiciário, a quem compete desempenhar a função interpretativa conclusiva.

[...]

É fato que a lei interpretativa, conquanto inábil a inovar, deve tender a retirar pontos obscuros e imprecisos da norma pretérita, elidindo dúvidas a seu respeito. A compatibilidade dessa norma com o postulado ora estudado desponta, a nosso ver, quando se restringe a tarefa da lei interpretativa ao ato, genuíno e verdadeiramente, interpretativo (2014, p. 671).

 

Nesse sentido, a lei interpretativa foi trazida pelo legislador no sentido de objetivar a clareza da lei anterior, dessa forma, ela poderá ser aplicada de forma retroativa.

A data de vigência da lei interpretativa será a mesma da lei anterior. Luciano Amaro aduz que é difícil analisar a relação entre a lei interpretativa e o princípio, consagrado na Constituição Federal, da irretroatividade . A lei interpretativa deve apenas esclarecer fatos obscuros e ambíguos, somente. O doutrinador citado faz uma análise crítica sobre essa espécie de norma (AMARO, 2014, p. 217) :

 

Com efeito, a dita “lei interpretativa” não consegue escapar do dilema: ou ela inova o direito (e, por isso, é retroativa, com as consequências daí decorrentes, ou ela se limita a repetir o que já dizia a lei anterior (e, nesse caso, nenhum fundamento lógico haveria nem para a retroação da lei nem, em rigor, para sua edição. Não se use o sofisma de que a lei interpretativa “apenas” diz como deve ser aplicada (inclusive pelo juiz) a lei anterior; nem se argumente que o legislador “somente” elucida o que ele teria pretendido dizer com a lei anterior.

 

Para que seja tratada, como lei interpretativa, segundo José de Oliveira Ascensão três premissas devem ser observadas: “a) a fonte interpretativa deve ser posterior à interpretada; b) possua a nova lei o fim de interpretar a antiga7; c) a nova fonte não deve ser hierarquicamente inferior à lei interpretada” (ASCENÇÃO apud NOBRE JÚNIOR, 2007, p. 15).

Com base em outros doutrinadores, concernente às leis interpretativas, deve-se atentar para duas situações que poderá vir a acontecer por “descuido” do legislador: a repetição da lei pretérita e a manutenção dos pontos obscuros e ambíguos, sendo necessário uma terceira norma para supressão destes.

Nesse diapasão, [...] encaradas sob esse ângulo, despem-se da natureza inovadora que acompanha a atividade legislativa, retroagindo ao início da vigência da lei interpretada, explicando com fórmulas elucidativas sua mensagem antes obscura” (CARVALHO, 2004, p. 93). Ou seja, para o emérito doutrinador, é permitida a edição da lei interpretativa, sob a ótica de sanar a obscuridade lei passada com efeitos retroativos.

Para Leandro Paulsen, na obra Direito Tributário Constituição e Código Tributário, para a existência da lei interpretativa, esta deve obedecer as seguintes situações:

a) constituem leis novas e, portanto, como tal devem ser consideradas;

b) se meramente esclarecem o sentido de outra anterior, não estarão inovando na ordem jurídica, de maneira que nenhuma influência maior terão, senão de esclarecimento para os agentes públicos e contribuintes, se no seu texto constar a aplicação retroativa à data da lei interpretada;

c) esta retroatividade será meramente aparente, vigente que estava a lei interpretada; d) somente subsistirá o preceito supostamente retroativo se a interpretação que der à lei anterior coincidir com a interpretação que lhe der o Judiciário;

e) do contrário, havendo qualquer agravação na situação do contribuinte, será considera ofensiva ao princípio da irretroatividade das leis, merecendo atenção, ainda, o princípio da anterioridade comum ou especial no que diz respeito à criação e majoração de tributos (2014, p. 1.936).

 

 

Portanto, a lei interpretativa possui caráter excepcional no ordenamento jurídico pátrio, haja vista que o Poder Legislativo tem a tarefa de pugnar por leis versando sobre fatos gerais e futuros.

Vale ressaltar, que existe uma exceção dentro da lei interpretativa: esta não poderá dispor sobre a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados com base no art. 106, I, do CTN. A exclusão está fundada no entendimento de que nenhuma lei poderá retroagir se causar agravamento na situação do indivíduo (ALEXANDRE, 2014).

 

4 A CONSTITUCIONALIDADE DA RETROATIVIDADE DA LEI INTERPRETATIVA TRIBUTÁRIA

 

A doutrina majoritária costuma criticar a retroatividade da lei tributária na modalidade interpretativa. Questiona-se sua constitucionalidade, haja vista que estaria o legislador conferindo uma outra análise do dispositivo pretérito, dito assim, interfere diretamente no princípio constitucional da irretroatividade da lei.

Cuide-se que a expressão “em qualquer caso” do art. 106, I, do CTN deve ser vista em cada caso concreto, haja vista que põe em risco a segurança jurídica e ofensa direta aos princípios constitucionais (NOBRE JÚNIOR, 2007).

Leandro Paulsen (2014) considera que a lei interpretativa inova no ordenamento jurídico pátrio e como tal deve ser tratada como lei nova. O autor comenta ainda sobre uma lei “supostamente interpretativa”, rechaçando a ideia de que seja apenas uma lei retroativa. No mesmo sentido, Regina Helena Costa versa:

 

O inciso I consigna a hipótese de lei expressamente interpretativa. Trata-se de conceito bastante polêmico, pois cabe indagar-se se, efetivamente, é possível falar-se em interpretação autentica, isto é, aquela que é procedida pelo próprio legislador. Sabe-se que a tarefa de interpretação das normas não cabe ao legislador, a quem cumpre, tão somente, confeccioná-las. No entanto, há quem admita que, excepcionalmente, por razões de interesse público, venha o próprio legislador a fazê-lo (2014, p. 164).

 

Note-se que a doutrinadora criticou mas na leitura continuada de sua obra, entretanto se mostrou inerte ao se posicionar, pelo fato que “deixou” por conta do Código Tributário Nacional a opinião final que outorga a permissão para que o legislador caracterize a lei interpretativa, respaldada no art. 106, I do CTN.

Diferentemente, Luciano Amaro critica veementemente e se posiciona no sentido de que, de fato, a lei interpretativa é inconstitucional. Nos seus dizeres, entende:

Por isso, quer se olhe a lei interpretativa como uma substituição retroativa do preceito “obscuro” da lei velha pelo preceito “aclarado” da lei nova, quer seja ela encarada como uma determinação ao juiz ou ao aplicador da lei para que julgue ou aplique a lei velha em tal ou qual sentido, estaremos sempre diante de uma lei nova que pretende regrar o passado, sendo, pois, aplicáveis todas as restrições oponíveis às leis retroativas (2014, p. 217).

 

Diante disso, a lei interpretativa deve ser editada em prol da segurança jurídica. No entanto, jamais a lei poderá ser aplicada de forma isolada, ao passo que acarretaria no mesmo ponto mencionado por Luciano Amaro, conforme visto, de que sempre será vista como lei nova, não importando se regra ou esclarece a lei pretérita (SABBAG, 2014).

Entretanto, Edilson Pereira Nobre Júnior não entende que há inconstitucionalidade da lei interpretativa, o magistrado comenta sobre os direitos dos cidadãos e a evolução da sociedade e que necessita sim de uma lei que auxilie, esclarece a passada. Assim, ele versa (NOBRE JÚNIOR, 2007, p. 18):

 

Com o devido respeito à razoabilidade da primeira compreensão, melhor entender pela retroatividade, haja vista que se tem uma lei posterior projetando seus efeitos sobre situações jurídicas já, na sua maioria, transcorridas. Por isso, torna-se imprescindível delimitar o campo de operação desses efeitos, com o propósito de garantia dos direitos do cidadão. De mencionar, sem mostrar-se pretensioso em demasia, que a opinião adversa, ao vislumbrar uma ficção de contemporaneidade entre a lei interpretada e a interpretadora, talvez venha informada no sentido de dissimular a real retroação de efeitos, com o propósito de satisfazer certa preocupação da consciência jurídica à medida que, de modo geral, abomina a ideia [sic] de leis retroeficazes.

 

É fato que o magistrado supracitado ponderou, na medida em que se não for nessas situações, não há que se falar sobre lei interpretativa. Outros doutrinadores (doutrina clássica) admitem a lei interpretativas, mas com ressalvas. Assim, Sergio Feltrin Corrêa (apud NOBRE JÚNIOR) assevera:

 

Lei que interpreta outra há de ser retroativa por definição, no sentido de que lhe espanca as obscuridades e ambiguidades. Mas contaminar-se-á de inconstitucionalidade se, em matéria fiscal, criar tributos, penas, ônus ou vexames que não resultavam expressa ou implicitamente do texto interpretado. Tais inovações só alcançam o futuro (2007, p. 26).

 

A questão da constitucionalidade, principalmente no ponto da vigência, é bastante criticada por Saulo Medeiros da C. Silva (2007), o autor trata com exatidão e veemência a ofensa ao Estado Democrático de Direito, à segurança jurídica e a separação dos poderes, haja vista que este neste último, o Poder Judiciário exerce a função de oferecer sentido, interpretar leis para que sejam aclaradas no mundo jurídico e com o fito de melhor entendimento pela sociedade.

Sobre o que foi dito acima, leciona Luciano Amaro:

 

Ocorre que, de um lado, o legislador, nas matérias que se contêm no campo da irretroatividade, só legisla para o futuro. De outro lado, dar ao legislador funções interpretativas, vinculantes para o Judiciário na apreciação de fatos concretos anteriormente ocorridos, implicaria conceder àquele a distribuição de dizer o direito aplicável aos casos concretos, tarefa precipuamente conferida pela Constituição ao Poder Judiciário (2014, p. 217).

 

Existe uma usurpação de competência, haja vista que é tarefa do Poder Judiciário transmitir a interpretação mais correta da lei pretérita, conferindo a devida segurança jurídica. O doutrinador citado acima trata, assim, a lei interpretativa como inútil podendo ser inócua ou inoperante (AMARO, 2014) .

Exemplo claro é quanto à Lei Complementar 118/2005 que tratou por “adaptar” o Código Tributário Nacional de acordo com a Lei de Falências. Acontece que, a referida lei fugiu do plano interpretativo para o normativo (ALEXANDRE, 2014), haja vista que estava versando sobre mudanças no CTN que nada tinham qualquer ligação com as normas de falências e recuperação de empresas. Diante disso, Ricardo Alexandre conversa sobre as mudanças:

Dentre as mudanças realizadas, uma chamou bastante atenção. O Código Tributário Nacional, em seu art. 168, prevê que o direito de pleitear restituição de atributos extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados da data da extinção do crédito tributário. O Superior Tribunal de Justiça, interpretando o dispositivo, firmou jurisprudência no sentido de que a data da extinção do crédito seria a data do pagamento, nos casos de lançamento de ofício ou por declaração e a data da homologação, nos lançamentos por homologação (2014, p. 236).

 

Deste modo, a Lei Complementar 118/2005 inovou no mundo jurídico ao versar matéria diferente da Lei de Falências, disso acarretou discussão na doutrina pátria, no sentido de que a lei interpretativa não pode ser contrária a preceito formado pela jurisprudência, pelo fato que o fato era contado a partir da teoria do cinco mais cinco (ALEXANDRE, 2014). Se mostrou evidente que a LC 118/2005 que reduzir o prazo de pedido de restituição de 10 (dez) para 5 (cinco).

Cumpre então dizer que a lei interpretativa fugiu de sua finalidade, haja vista que esta não poderá ser retroativa se tratar sobre qualquer tipo de inovação, seja criando ou modificando a lei pretérita (SILVA, 2007).

Não obstante as inovações da LC 118/2005, esta era ainda com data retroativa conforme lecionava o art. 4 do referido dispositivo. O Superior Tribunal de Justiça rebateu nestes dois pontos: quanto à inovação e a retroatividade. Diante disso, Ricardo Alexandre versa:

A resposta do STJ, contudo, não demorou muito. A Corte entendeu que o alcance que o legislador complementar quis dar à novidade agredia: a) a separação dos poderes (pois o Legislativo tentava infirmar retroativamente posicionamentos do Judiciário) e (o que é fundamental neste ponto do curso); b) a garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (pela tentativa de conferir à “interpretação” uma retroatividade ilimitada, tendo por termo inicial a data da edição do CTN) (2014, p. 237).

 

Rebate também Saulo Medeiros da C. Silva:

É evidente que o art. 3º da LC 118/05 veio para acabar com a interpretação que o próprio Superior Tribunal de Justiça chama de tese dos "cinco mais cinco". Apesar de se declarar interpretativo, estatui direito novo. Por sinal, esse direito gerou um gravame para o contribuinte, pois, como dito alhures, antes da referida Lei Complementar n. 118, ele tinha o prazo de 10 (dez) anos para solicitar a devolução do que tinha pago a mais ou indevidamente e, agora, teve o prazo reduzido para 5 (cinco) anos (2007, p. 43).

 

De acordo com a lição do autor acima, não há como dizer que a lei interpretativa foi de acordo com a jurisprudências consolidada pela Corte Superior, não deveria ser chamada de interpretativa por não possuir este caráter, pelo fato que usurpou a competência do Poder Judiciário (SILVA, 2007).

Contudo, o STJ conferiu validade à Lei Complementar 118/2005, no entanto, vedou a retroatividade da referida (ALEXANDRE, 2014), haja vista que a Lei possui ideias que inovam no mundo jurídico. Assim, tinha caráter normativo e não interpretativo.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori A. Zavascki encara, no Recurso Especial 327.043/DF, que pode ser considerada legítima, desde que a lei interpretativa não modifique premissas já consolidadas. Assim, aduz o emérito Ministro (apud SILVA, 2007, p. 36): “Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil concreção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente”.

Outro ponto importante acerca da constitucionalidade das leis interpretativas em âmbito tributário é que, para uma parte da doutrina, o Código Tributário Nacional não foi recepcionado pela Constituição Federal (SILVA, 2007). Embora o legislador considera que foi recepcionado (e ainda como Lei Complementar), Saulo Medeiros da C. Silva (2007) entende que não houve recepção (a Constituição é posterior à lei que instituiu o CTN, Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966), pois não obedece preceitos da Constituição Federal de 1988 que garante o princípio da irretroatividade das leis, a segurança jurídica e a harmonia dos poderes. Aduz o autor:

Logo, corroboramos com a doutrina que defende que o aludido dispositivo não faz parte do ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, se considerarmos o dispositivo como existente, deverá ser declarado inconstitucional pela Suprema Corte por violação direta dos princípios constitucionais da irretroatividade, separação dos poderes e segurança jurídica e, indiretamente, do Estado Democrático de Direito (2007, p. 37).

 

Assim, a tarefa de interpretar a lei pretérita deve ser conferida ao Poder Judiciário, que detém os meios capazes de transmitir a interpretação mais concreta e eficaz sobre determinada norma.

 

5 CONCLUSÃO

 

O estudo do tema se deu pela explanação da aplicação da legislação em âmbito tributário, com base no princípio constitucional da irretroatividade das leis. O estudo deu-se ainda pela aplicação da lei tributária quanto aos fatos pendentes e, principalmente, quanto à retroatividade da lei tributária, suas caracterizações e suas espécies que estão tratadas no art. 106, do Código Tributário Nacional, em especial, sobre as leis interpretativas (inciso I).

Com alicerce da doutrina e jurisprudência foi a abordada a constitucionalidade da lei interpretativa retroativa. Há diversas discussões em âmbito doutrinário, haja vista que a Constituição Federal estabelece o princípio da irretroatividade da lei como o norteador das relações e no Direito Tributário não deve ter tratamento diferente.

Dito isso, o Direito Tributário deve estar disposto de acordo com as normas da constitucionais que prezam pela segurança jurídica, pelo direito adquirido, pelo ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A este último foi analisada a Lei Complementar 118/2005 que trata de disposições interpretativas acerca da Lei de Falências, no entanto, o legislador, à época, tratou de inovar na Lei ao mudar o período prescricional de 10 (dez) anos, entendimento embasado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para 5 (anos). O Poder Legislativo argumentou que apenas estava interpretando no sentido de melhor compreender o CTN à luz da Lei de Falências. No entanto, ficou nítido que houve usurpação de competência do Poder Judiciário.

O Superior Tribunal de Justiça mesmo assim reconheceu a validade, ponderando que a LC 118/2005 não poderia ser retroativa, somente pro futuro.

O Supremo Tribunal Federa ainda reconhece as leis interpretativas como constitucionais em âmbito do Direito Tributário, ponderando que não ofensa à separação dos poderes.

Corroboramos no sentido de que as leis interpretativas são constitucionais quando utilizadas de forma “restritiva”, ou seja, de forma meramente interpretativa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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1Paper apresentado à disciplina de Direito Tributário I, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

2Alunos do 7° período do Curso de Direito, da UNDB.