As leishmanioses são doenças provocadas por protozoários do gênero Leishmania, transmitidas acidentalmente ao homem, por meio da picada de insetos flebotomíneos. Primeiramente, o inseto se infecta durante a hematofagia, quando ingere células parasitadas por formas amastigotas do parasito, as quais, ao chegarem ao intestino do flebotomíneo, transformam-se em formas promastigotas. Estas formas são flageladas e no intestino do inseto são chamadas de procíclicas. As formas procíclicas, ao sofrerem um processo de metaciclogênese dão origem as formas metacíclicas, que são infectantes e migram para a porção bucal do inseto. Em um novo repasto sanguíneo as formas promastigotas metacíclicas são inoculadas no hospedeiro. As formas promastigotas são internalizadas pelas células do sistema fagocítico mononuclear, especialmente os macrófagos. Nestas células, o parasito se transforma em uma forma arredondada imóvel, a amastigota, a qual se multiplica continuamente, até que o macrófago se rompa e libere os parasitos (REITHINGER et al., 2007).

O processo inflamatório, induzido pelo parasito, causa lesões cutâneas e/ou mucosas típicas da Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA). No Brasil, as principais espécies responsáveis pela LTA pertencem a dois subgêneros: (1) Viannia, representado pelas espécies Leishmania (Viannia) braziliensis e Leishmania (Viannia) guyanensis, associadas com lesões cutâneas localizadas ou disseminadas e lesões mucocutâneas e (2) Leishmania, representado pela espécie Leishmania (Leishmania) amazonensis, associada com o desenvolvimento de lesões cutâneas localizadas ou com a forma difusa (GONTIJO & CARVALHO, 2003). Dentre estas espécies, L. (V.) braziliensis é a mais prevalente, causando lesões mais graves, que podem ser cutâneas múltiplas ou extensas, e cerca de 3 a 5% dos casos estão relacionados à invasão de mucosa (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). As diferentes espécies do gênero Leishmania produzem grande variedade de manifestações clínicas, que dependem da interação entre a resposta imune do hospedeiro vertebrado e da invasividade, tropismo e patogenicidade do parasito.

Quando os parasitos de Leishmania spp são introduzidos no hospedeiro mamífero, as formas promastigotas encontram um ambiente constituído por componentes do sangue (células e plasma) extravasados para o tecido durante o repasto sanguíneo do inseto vetor. Imediatamente após este contato, há o inicio da resposta imune natural contra os parasitos. Foi demonstrado, no entanto, que as formas metacíclicas inoculadas no hospedeiro são hábeis para evadir da resposta imune natural. Vários mecanismos foram descritos, tais como (1) inativação do sistema complemento, (2) modulação da produção de citocinas e quimiocinas, (3) interferência nos processos de migração e apoptose celulares e (4) modificação do micro-ambiente intracelular para diminuir os efeitos microbicidas dos macrófagos (revisto por AWASTHI; MATHUR; SAHA, 2004). As formas metacíclicas são, portanto, as formas que, após internalização pelos macrófagos, resistem aos mecanismos microbicidas destas células, estando envolvidas diretamente na patogênese da doença.

O contato do parasito com os componentes do sistema imune inato do hospedeiro mamífero representa um passo crucial na resistência ou suscetibilidade do hospedeiro à leishmaniose. Diferentemente das formas procíclicas, as formas metacíclicas, através do alongamento da molécula de LPG (aumento do número de unidades repetitivas de dissacarídeos fosforilados) e da superexpressão da enzima gp63 na membrana, são capazes de se proteger da lise pelo sistema complemento (BRITTINGHAM et al.,1995; SACKS; SHER, 2002). Por outro lado, a opsonização das formas metacíclicas com componentes C3b ou C3bi do sistema complemento, facilita a ligação do parasito com os receptores do complemento CR1 e CR3, respectivamente, mediando sua adesão ao macrófago hospedeiro e conseqüentemente, a internalização dos parasitos. Outros receptores no macrófago do hospedeiro vertebrado, que reconhecem padrões moleculares dos parasitos, têm sido identificados, tais como o receptor para fucose-manose, o receptor para fribronectina, o receptor para a porção Fc dos anticorpos e o receptor para proteína C reativa, que facilitam a entrada da forma promastigota metacíclica, geralmente de forma silenciosa, na célula hospedeira (revisto por MCCONVILLE; NADERER, 2008).

No processo de fagocitose do parasito pelos macrófagos, as leishmânias localizam-se inicialmente em vacúolo parasitóforo, circundado pela membrana da célula hospedeira, que a seguir funde-se com lisossomo, que contém enzimas proteolíticas capazes de lisar os parasitos, formando o fagolisossomo. No entanto, as formas metacíclicas podem retardar a formação do fagolisossomo e a enzima gp63 (protease) pode atuar degradando as enzimas lisossomais. Assim, as formas metacíclicas, atuam inicialmente, modificando o ambiente intracelular, para transformar-se com sucesso na forma amastigota e promover sua replicação. Além disso, dependendo da espécie de leishmânia fagocitada, o vacúolo parasitóforo exibe características distintas. Os fagolisossomos contendo parasitos do subgênero Leishmania são grandes (cerca de um terço da célula), contendo várias amastigotas aderidas à membrana. Já os fagolissomos contendo parasitos do subgênero Viannia são pequenos e apertados, contendo somente uma amastigota livre por vacúolo. Alguns trabalhos também demonstram que é possível encontrar parasitos invadindo o citoplasma da célula (revisto por RITTIG; BOGDAN; 2000).

Apesar dos inúmeros mecanismos de evasão que os parasitos utilizam, as células do sistema imune inato possuem receptores que reconhecem padrões moleculares do parasito e pode ativar vários fatores de transcrição, desencadeando a produção de citocinas e quimiocinas, que culminam na formação da resposta inflamatória à invasão tecidual. Na infecção por Leishmania, o receptor do tipo TLR2 (Toll Like Receptor 2), presentes em macrófagos e células dendríticas, podem ser acionados pelas moléculas LPG (DE VEER et al., 2003; KAVOOSI; ARDESTANI; KARIMINIA, 2009). O TLR2 pode sinalizar a ativação do fator de transcrição NF-kB nessas células e induzir a produção de diversas citocinas proinflamatórias (KAWAI; AKIRA, 2010).

O Interferon-gama (IFNγ) e o Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF) são citocinas proinflamatórias que atuam sinergicamente para a eliminação dos parasitos, induzindo a produção de importantes moléculas microbicidas pelos macrófagos, como óxido nítrico, peróxido de hidrogênio e peroxinitrito (LIEW; LI; MILLOTT, 1990; VOULDOUKIS et al., 1997). Estudos in vitro de infecção de macrófagos humanos por diferentes espécies de leishmânia mostram que estas células são permissivas a infecção por estes parasitos, e quando ativadas por citocinas, como o IFNγ e por produtos bacterianos, tais como o lipopolissacarideo (LPS), um agonista de TLR4, são capazes de eliminar os parasitos intracelulares (VOULDOUKIS et al., 1995; BOSQUE et al., 1998; PANARO et al., 1999). Os estudos de interação entre macrófagos humanos e leishmânias são escassos e menos ainda há publicado, considerando a infecção por L. (V.) braziliensis e L. (L.) amazonensis (REY et al., 1990; CALEGARI-SILVA, 2009).