RESUMO

Raissa Campagnaro de Oliveira e Teodora Silva Santos[1] Sergio Henrique Sorocaba[2]

Gabriel Ahid Costa[3]

[1] Alunas do 8º período do Curso de Direito, da UNDB.

[2]Aluno do 9º período do Curso de Direito,da UNDB

[3] Professor e Mestre

O presente trabalho visa analisar o tipo penal compreendido no art. 137 do Código Penal: o crime de rixa. A rixa é caracterizada por agressões recíprocas entre três ou mais sujeitos (concurso de pessoas necessário). A rixa é crime de perigo abstrato, instantâneo, comissivo, plurissubsistente,  e para a maior parte da doutrina não existe tentativa. O paragrafo único do art. 137 do Código Penal traz a previsão de rixa qualificada, aonde o sujeito responde apenas por participar em rixa que deu causa a uma morte ou a lesão corporal grave. A doutrina discute em dois pontos importantes quanto à rixa qualificada, que será desenvolvido neste trabalho: o primeiro trata da responsabilidade penal daqueles sujeitos que não agiram com dolo ou culpa em relação à qualificadora e mesmo assim respondem por ela, possivelmente caracterizando uma responsabilidade objetiva, o segundo ponto traz que ao identificar a autoria da qualificadora, o autor pode responder pelo homicídio ou lesão corporal grave em concurso material com a rixa simples ou a rixa qualificada (neste último sofrendo critica do principio ne bis in idem).

Palavras-chave: Crime de Rixa, ne bis in idem, responsabilidade penal objetiva.

1 INTRODUÇÃO

No primeiro capitulo, é necessária a apresentação do tipo penal: Rixa. Encontrado no art. 137 do Código Penal “Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.”  Para que seja caracterizada uma rixa são necessários três ou mais sujeitos, podendo dentre os três ou mais, estarem envolvidos menores de idade, sem prejuízo para a responsabilização dos demais imputáveis. Como a rixa se traduz em uma troca simultânea de socos, chutes empurrões ou outras formas de ofensa corporal (e não somente moral), não existe separação entre agentes ativos e passivos neste tipo. Todos são autores e vítimas ao mesmo tempo, esta ideia se encontra-se na essência da rixa. O animus rixandi como forma dolosa do crime (não possui culpa), se traduz no verbo “participar”, informação importante para entender a discussão seguinte a respeito da rixa qualificada. Além disso, o crime de rixa é um crime formal, de consumação instantânea, plurissubsistente, de forma livre, e em regra na há possibilidade de tentativa.

A rixa qualificada prevista no Código Penal é encontrada no paragrafo único do art. 137 afirma que “se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção de 6 meses a 2 anos”. Por diversos casos, no entanto, percebe-se que indivíduos que não deram causa às qualificadoras nem dolosa nem culposamente, ainda assim são responsabilizadas na forma qualificada do crime. Dando inicio a discussão de um possível regresso do Direito Penal brasileiro ao punir de acordo com responsabilidade objetiva neste caso especifico. A responsabilidade penal objetiva é a desconsideração do elemento subjetivo do crime, o dolo ou a culpa que ligam o sujeito ao resultado, nesta responsabilidade se a conduta deu causa pura e simplesmente ao resultado há punição do agente, ou seja, considera-se somente o nexo causal objetivo.

Quando os autores das qualificadoras são identificados, estes não podem ser penalizados da mesma forma que os demais participantes da rixa, pois existiu o animus não só rixandi, mas também necandi ou laedendi, vontade de matar ou de lesionar, respectivamente. Alguns autores afirmam que pelo princípio da legalidade, o autor da qualificadora responde pelo crime praticado em concurso material com a rixa qualificada, pois esta última afirma que a mera participação em rixa em que ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave já é razão para punição. Por isso o autor mais do que ninguém foi participante neste tipo especifico de rixa qualificada, logo obedecendo à lei ele deverá ser punido por esta em concurso material com o homicídio ou a lesão corporal grave. Outros autores defendem que a punição do autor da qualificadora deverá ser o concurso material entre o crime de homicídio ou lesão corporal grave e a rixa simples. Pune-se a participação na rixa e a lesão corporal grave ou a morte separadamente. O argumento de que não se pode considerar um mesmo fato para atribuir duas sanções, encontrado no principio ne bis in idem é usado para fundamentar esta segunda corrente e desconsiderar a primeira.

2 CARACTERÍSTICAS FUNDAMENTAIS DO CRIME DE RIXA

O art. 137 do Código Penal prevê “Participar de rixa, salvo para separar os contendores: pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa.”. Segundo  Hungria o conceito de rixa se traduz em “briga entre mais de duas pessoas, acompanhada de vias de fato ou violências físicas reciprocas” Através do conceito verifica-se dois elementos essenciais da rixa: o concurso de pessoas necessário, só será crime de rixa se estiverem envolvidas 3 ou mais pessoas, e a impossibilidade de identificar, separar autores e vitimas, ou seja o requisito da reciprocidade das agressões. Além disso, percebe-se que agressões meramente verbais, ou ameaças não levam ao enquadramento no tipo penal rixa, é necessário que o contato físico seja feito, mesmo que através do lançamento de objetos aos outros participantes, não necessariamente um contato corpo a corpo (Damásio de Jesus, 2001).

Greco (2011) ainda sobre a noção básica de rixa afirma que “O que caracteriza a rixa, na verdade, é a confusão existente no entrevero.” O autor continua a explicar a importância da criação deste tipo penal (foi incluído no Código Penal de 1940), em diversos casos de lesões era impossível identificar qual sujeito iniciou as agressões e qual sujeito agiu apenas em legitima defesa, se é que existia essa distinção, pois muitas vezes quando o segundo sujeito foi se defender acabou por exagerar saindo do tipo de legitima defesa e caracterizando outra lesão. Logo, mediante tal duvida no julgamento, muitas vezes os sujeitos eram inocentados, através do principio in dubio pro reo, aonde para prevenir que um sujeito fosse culpado injustamente, se absolvia a todos. Com criminalização da rixa, a perturbação causada por uma briga acaba por possibilitar a penalização de todos os sujeitos, não exigindo identificação de sujeito passivo ou ativo. No crime de rixa, as vias de fatos e as lesões corporais leves são absorvidas na rixa, não qualificam o crime. Porém se ficar evidente quem foi o autor das lesões corporais leves, este responderá por suas ações em concurso de crime com a rixa simples.

A partir desta última característica mencionada no paragrafo anterior, a confusão inerente a toda rixa dá a entender consequentemente o porquê do crime de rixa ser de perigo de dano abstrato. Um crime de perigo abstrato não precisa atingir um resultado, a mera conduta já caracteriza crime, Bittencourt (2007) vai dizer que é um “perigo presumido juris et de juris. Não precisa ser provado, pois a lei contenta-se com a simples prática da ação que pressupõe perigosa”. Ou seja, no momento em que se iniciam golpes, socos, chutes entre três pessoas, o perigo de lesão seja leve ou grave é muito grande, até mesmo para terceiros, próximos à briga. Damásio de Jesus (2001) conclui que as vias de fato não precisam resultar em lesões aparentes, a existência de violência física já é o bastante.

Os sujeitos do crime de rixa são sujeitos comuns, sem nenhuma especificidade. Contudo, os rixosos, ou os participantes da rixa não precisam ser identificados como sujeitos passivos e ativos deste crime, é exatamente esta impossibilidade de identificar autores e vitimas a razão de ser deste tipo penal. Quando há a separação entre lesionado e autor da lesão, ou entre ofendido e autor da ofensa, estamos diante de tipos penais já existentes. No crime de rixa, o elemento subjetivo é o verbo “participar” que significa tomar parte, contribuir de alguma forma, assim independente de quais ações o sujeito efetivou na briga, ele será penalizado pela simples participação. Os rixosos são todos sujeitos ativos e passivos ao mesmo tempo, pois há reciprocidade de agressões. Se dois sujeitos se unem para lesionar um terceiro, não se caracteriza em rixa, a mesma coisa é valida para duas gangues rivais que marcam de brigar, não há rixa, pois cada sujeito precisa estar contra todos os outros participantes.

O animus rixandi é o elemento subjetivo do crime de rixa, a vontade de participar de uma briga, confusão, conjunto de agressões reciprocas. Só se percebe tal crime em sua modalidade dolosa, o Código Penal não prevê possibilidade culposa, portanto. Aquele sujeito que não possui esta vontade de participar em rixa, como, por exemplo, o sujeito que pretende separar a briga não responderá por este crime. O objeto tutelado neste é crime é a incolumidade pessoal, física e mental, além da ordem pública também ser afetada de forma mediata (CAPEZ, 2013).

Quanto ao concurso de pessoas no crime de rixa, é valido lembrar que são necessárias três ou mais pessoas para caracterizar o crime, e que existindo uma ou até duas pessoas inimputáveis, mas, pelo menos uma pessoa imputável esta última responderá pelo crime do art. 137 do Código Penal. Mesmo que menores de idade, por exemplo, a presença destes indivíduos deu causa a uma situação de perigo, a uma confusão.

Há que se falar ainda em participações em sentido estrito no crime de rixa. Como na maioria dos crimes existem sujeitos que praticam condutas acessórias ao crime principal, não são imputados pelo crime principal, porém devem sofrer alguma forma de sanção pelas ações praticadas que ajudaram com que o crime principal se concretizasse. Na rixa, existem os indivíduos que auxiliam os outros indivíduos que estão efetivamente participando da rixa. Este auxílio se dá de forma moral, aonde um sujeito de fora da briga induz ou instiga um participante ou todos a brigar efetivamente, podendo este auxilio também ser de forma material aonde um sujeito entrega instrumentos com os quais os rixosos possam se agredir. Nestes casos estes sujeitos responderão de acordo com o art. 29 do Código Penal que regulamenta o concurso de pessoas em um crime.

Quanto à tentativa no crime de rixa, a maior parte da doutrina penalista concorda que não há em regra esta possibilidade. Contudo, alguns doutrinadores acreditam que na rixa previamente combinada, chamada de ex proposito pode haver a punição pela tentativa. De algum modo pessoas, ou grupos rivais que marcam horário e local para brigar entre si, sejam impedidos por motivo alheio de consumar o crime poderão responder pela tentativa de rixa neste caso. A doutrina ainda lembra que tal possibilidade é muito remota de acontecer na realidade. A rixa que não for previamente combinada é denominada ex improviso. Neste último caso não há tentativa, existem apenas as agressões mutuas de fato, logo há consumação do crime. Por isso o crime de rixa é caracterizado como crime de consumação instantânea, e ainda plurissubsistente, ou seja, o crime passa por todas as fases do iter criminis.

3 RIXA QUALIFICADA, RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA E NE BIS IN IDEM

A rixa qualificada é prevista no parágrafo único do art. 137 do Código Penal “se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se pelo fato da participação na rixa, a pena de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos”.

Rogério Greco (2011) afirma que o que torna a rixa qualificada não é o animus necandi ou laedendi e sim o animus rixandi somado do puro fato de ter ocorrido uma morte ou uma lesão corporal grave em razão da rixa. O autor diz:

A rixa é considerada qualificada quando ocorrer a morte ou a lesão corporal de natureza grave, não importando, pois se esses resultados foram finalisticamente queridos pelos rixosos ou se ocorreram culposamente. Assim, se houver morte ou lesão corporal de natureza grave, não importando a que titulo tenham ocorrido – se dolosa ou culposamente -, a rixa já será considerada qualificada.

Damásio de Jesus (2001) completa o raciocínio de Greco ao reconhecer que os rixosos não precisam ter como objetivo matar ou lesionar gravemente um individuo pois

A morte e a lesão corporal de natureza grave são punidas em pricipio, a título de culpa. Significa que em regra a rixa qualificada pelo resultado é um crime preterintencional ou preterdoloso, em que o primeiro delito, a rixa, é punido a título de dolo de perigo, enquanto o resultado qualificador, a morte ou a lesão corporal de natureza grave, é punido a título de culpa (CP, art. 19).

O rol de qualificadoras é taxativo, por isso somente a lesão corporal grave e a morte qualificam o crime. A lesão corporal grave é interpretada em sentido amplo, como traz Damásio de Jesus (2001), inclui as duas formas dividas pela doutrina graves em sentido estrito e as gravíssimas.  Disparos de armas de fogo como tentativa de homicídio, ou qualquer outra tentativa de homicídio não qualificam a rixa, assim como lesões corporais leves como já foi dito. Nada impede que se ficar identificado o autor da tentativa de homicídio seja penalizado por esta conduta em concurso com a rixa simples.

Assim como explicado acima para a rixa simples, dois sujeitos que se juntam para matar terceiro não caracterizam uma rixa qualificada só porque houve morte. É preciso ter o elemento fundamental da reciprocidade. Dessa forma, entendendo que ocorre uma rixa com todos os participantes agindo contra todos ao mesmo tempo, e um sujeito percebendo a conduta do outro, vindo em sua direção para mata-lo, o primeiro sujeito tem direito de se defender, agindo em legitima defesa. Se este sujeito mata o seu atacante em legitima defesa, ele não responderá por homicídio, porém ainda responderá por rixa qualificada, juntamente com os outros rixosos.

A morte ou a lesão da rixa qualificada poderá se dá em um participante da rixa, ou até mesmo em um terceiro alheio a confusão da rixa. Contudo a qualificadora terá que ter relação causal com a rixa, no sentido de que sem a rixa, a briga, a confusão dos rixosos que seja não haveria morte ou lesão corporal grave, sendo determinante a rixa para que a morte ou a lesão venham a acontecer. Se por ventura uma morte ou lesão cause uma rixa, não se enquadra na forma qualificada do crime, pois o fato ocorreu prévio a rixa, não foi a rixa que lhe deu causa e sim o contrario. Da mesma forma se após o termino de uma rixa, um sujeito mate o outro, ou lese gravemente, não há rixa qualificada. O homicídio ou a lesão grave não foram causados em razão da rixa.

Com relação à responsabilização dos agentes dentro do crime de rixa qualificada, uma vez que houve morte ou lesão corporal grave é necessário analisar duas situações: a primeira todos os rixosos respondem pelo mesmo crime, pois o autor da qualificadora não foi identificado, a segunda o autor ou os autores da qualificadora são identificados dentro da rixa e respondem separadamente por sua conduta própria, somado a rixa (simples ou qualificada discussão da doutrina), e os demais respondem pela rixa qualificada.

Como já dito o objetivo dos rixosos dentro da rixa qualificada não é apreciado no momento de atribuição de responsabilidades a cada individuo. O tipo penal foi bem claro ao afirmar que a simples participação em rixa que resulte em morte ou lesão corporal grave, sem a exigência de mais nenhuma conduta, gera a consequência de penalização de seis meses a dois anos de detenção. E assim qualquer um que assim agir responde pela rixa qualificada. No entanto, em analise seguinte compreende-se que a caracterização do crime requer o preenchimento de muitos outros fatores, dessa forma impossível olhar apenas para o verbo do texto, pois se assim o fosse, qualquer um que matasse, agindo de acordo com o verbo previsto no crime de homicídio seria penalizado, e existem muitos motivos para a morte, acidentes imprevisíveis, formas de se defender ou defender outrem, necessidade de sobrevivência e muitos outros.

Para que um fato seja considerado crime ele precisa de diversos elementos. Um deles sem duvida é que a conduta do sujeito seja correspondente ao verbo do texto normaivo, preenchendo o tipo penal objetivo do crime, e logo a tipicidade que é justamente o enquadramento do fato com o que está descrito na lei penal. A tipicidade é um dos elementos do fato típico, e dentro de fato típico ainda existe o tipo subjetivo que se divide em dois: culpa e dolo previstos nos arts. 18 e 19 do Código Penal. O dolo é a vontade livre e consciente de realização de uma conduta prevista no Código Penal e a culpa é o agir de forma negligente, com imprudência ou imperícia, ou a ausência de vontade do sujeito mas este com a sua conduta dar razão ao ocorrido.

Outro elemento do crime é o nexo causal, e apesar de a rixa simples ser apenas um crime de perigo de dano abstrato, a rixa qualificada é um crime de resultado. Pois para que seja caracterizada é necessário o resultado de morte ou lesão corporal. Dessa forma entre a conduta e o resultado deve-se ter nexo causal que “é o ele de ligação concreto, físico, material e natural que se estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual é impossível dizer se aquela deu ou não causa a este.” (CAPEZ, 2005). Fernando Capez (2005) segue dizendo que para que haja fato típico faz-se necessário verificar o nexo normativo da situação também que é mais uma vez o dolo ou a culpa do sujeito, de forma que sem tais elementos não há crime e portanto, não há responsabilização penal.

Visto isso, a doutrina percebe que indivíduos que não deram causa às qualificadoras nem dolosa nem culposamente, ainda assim são enquadradas na forma qualificada do crime.

Parte da doutrina entende que se trata de uma representação clara da responsabilidade penal objetiva, já extinta do Direito Penal brasileiro. Pois o que caracteriza este tipo de responsabilidade é a ausência do elemento subjetivo do tipo penal: dolo ou culpa. No estudo de nexo causal, portanto existe o nexo causal objetivo, que é a simples relação entre a conduta do agente e o resultado encontrado e o nexo causal normativo que é em outras palavras é o principio da culpabilidade, apresentado no art. 18 e 19 do código penal. Portanto para tais doutrinadores trata-se de uma incoerência entre tais artigos.

A responsabilidade penal objetiva considera uma causalidade mínima para que haja crime e em seguida a sanção devida. Logo, no exemplo trazido por Greco (2011) aonde um sujeito dirigindo seu caminhão e obedecendo todas as regulamentações de transito viesse a atingir e matar um sujeito que se lançou em frente ao carro com objetivo de suicidar-se não seria necessário investigar se houve vontade de matar (dolo) ou culpa (negligencia, imprudência ou imperícia) do motorista de caminhão. O atropelamento do caminhão conduzido pelo sujeito deu causa à morte de terceiro, logo o motorista seria responsabilizado penalmente.

Portanto, a discussão é inevitável quanto ao crime de rixa qualificada.  Sujeitos que não possuíam dolo, ou não agiram com culpa na morte ou na lesão de outrem, respondem pela pena majorada em doze vezes. O animus de certos sujeitos era apenas rixandi, não havendo intenção de matar ou lesionar gravemente outro sujeito. Sendo assim, um paragrafo único do art. 137, ou pelo menos sua interpretação em vários casos, vai de encontro com o principio penal de responsabilidade subjetiva dos agentes.

Para corroborar com tal crítica, algumas decisões se recusam a punir injustamente todos os rixosos quando há morte ou lesão corporal grave, por exemplo na Ação Penal 196 – Paraíba:

RIXA, HOMICIDIO E TENTATIVA DE HOMICIDIO. 1. NÃO TENDO SIDO APURADO O AUTOR DO TIRO CAUSADOR DO HOMICIDIO, NÃO E ADMISSIVEL QUE POR ELE RESPONDAM TODOS OS PARTICIPANTES DA RIXA, QUE PRESSUPOE GRUPOS OPOSTOS. 2. EXTINTA, PELO DECURSO DE TEMPO, A AÇÃO PENAL PELA RIXA, DEVOLVEM-SE OS AUTOS A JUSTIÇA DO ESTADO, PARA PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO PELA TENTATIVA DE MORTE IMPUTADA A DETERMINADO PARTICIPE DA RIXA.

A crítica ao dispositivo se intensifica quando agentes que participaram da rixa, mas saíram antes do acontecimento da qualificadora, são ainda penalizados por esta, demonstrando falta de conexão temporal entre os acontecimentos. A justificativa para esta responsabilização é a de que o sujeito que sai antes de ocorrer à qualificadora, deu causa a esta de alguma forma, pois esta colaborando para a confusão, e se não fosse a rixa (da qual o sujeito fez parte) não haveria morte ou lesão corporal grave. Através desse raciocínio, um sujeito que adentra a rixa após o acontecimento de uma morte ou lesão corporal grave não responderá pela qualificadora, uma vez que a conduta deste sujeito de maneira alguma deu causa a qualificadora, pois por obvio não houve nenhuma conduta.

Outros autores não partilham da mesma interpretação de que a responsabilização para todos os rixosos é objetiva e injusta. O art. 137 afirma “por ter participado na rixa” o sujeito será penalizado. Deve haver uma separação, portanto nos animus, nas vontades de cada conduta. O tipo subjetivo a ser verificado, portanto é o de animus rixandi, em caso de dolo. Se houve participação em rixa que levou a uma lesão corporal grave ou a uma morte, sendo encontrado o animus rixandi, portanto, ( uma vez que não existe forma culposa neste tipo) o sujeito é enquadrado perfeitamente no crime de rixa em sua forma qualificada. Não existe porquê de verificar nexo causal normativo entre as condutas dos agentes e o resultado de morte, pois o tipo não afirma “por ter participado na rixa e no homicídio ou na lesão corporal grave”. A punição de acordo com o animus necandi ou animus laedendi será feita de forma separada, para o autor do homicídio ou da lesão (se este for identificado).

Assim, mesmo se um sujeito possuiu apenas o animus de rixandi, de brigar com outros indivíduos, a confusão gerada, a situação de perigo foi essencial para que houvesse o crime de homicídio ou lesão corporal grave. Logo, como já dito o sujeito age com animus rixandi, forma dolosa, porém com relação às qualificadoras ele age de forma culposa porque com suas ações ele dá causa à outros resultados., e por isso deve ser penalizado.

Outra problemática encontrada no crime de rixa se dá ao redor da penalização da vitima da lesão. Por lógica, apenas a vitima de lesão poderá ser julgada neste quesito e não a vitima de morte. Algumas decisões entendem que a vitima se enquadra no núcleo do tipo: participar. Logo, deverá ser penalizada tanto quanto os outros agentes. Uma vez que no crime de rixa não existem agentes ativos e passivos, todos são autores e vitimas simultaneamente. É importante ressaltar, que a vitima da lesão seria responsabilizada pela participação no crime rixa apenas.  Quanto à lesão o individuo será apenas vitima e não cabe nenhuma penalização, portanto. Em entendimento contrário, alguns afirmam que a ofensa já seria caracterizada como punição válida e suficiente para este sujeito.

Quando o autor ou os autores das qualificadoras do crime de rixa são identificados mais uma questão precisava ser resolvida. Que tipo de pena lhes será atribuída. Como eles foram os causadores da qualificadora com certeza se enquadram no paragrafo único do Art. 137, pois no mínimo participaram na rixa em que ocorreu a morte ou lesão corporal. Ao mesmo tempo precisam ser penalizados pelo homicídio e pela lesão corporal grave, de forma diferenciada daqueles que somente participaram na rixa. A doutrina majoritária afirma que tais sujeitos deverão responder em concurso material de crimes. Contudo, há divergências entre quais crimes se dará o concurso.

Primeira vertente traduzida da exposição de motivos do Código Penal em seu nº 48 afirma que o concurso se dá entre o crime de rixa qualificada e homicídio ou lesão corporal grave. Porque a simples participação na rixa em que ocorre morte ou lesão corporal grave gera independentemente de outro crime, uma penal majorada para o sujeito participante, e ao mesmo tempo se este sujeito participante foi o autor da qualificadora ele deve responder por esta também. Sendo assim dois animus diferentes, o animus rixandi (com pena aumentada por ser rixa qualificada) e o animus necandi ou laedendi. O crime de rixa possui como núcleo participar, o homicídio matar e a lesão corporal ofender, fatos e ações diferentes.

Outra vertente defendida por vários autores penalistas criticam tal posicionamento do ordenamento jurídico. Uma vez o homicídio ou a lesão corporal grave que são justamente as qualificadoras do crime, já são punidos no concurso material de crimes, não cabe esta conduta ser levada em consideração novamente no momento da penalização. A ação de levar em consideração um mesmo fato, ou uma mesma conduta duas vezes, aumentando assim a pena se caracteriza em bis in idem (outro principio extinto do Código Penal). Adota-se hoje o ne bis in idem um mesmo fato só pode ser contabilizado na pena uma única vez, portanto a critica acredita ser ideal o concurso de crimes entre a rixa simples e o homicídio ou lesão corporal grave.

CONCLUSÃO

O crime de rixa é definido como uma reciprocidade de golpes, agressões por três ou mais pessoas, sua pena prevista no art. 137 do Código Penal é de 15 (quinze) dias à 2 (dois) meses de detenção ou multa. O crime de rixa inovou no ordenamento jurídico ao trazer a oportunidade do sistema penal punir sujeitos que causam brigas impossíveis de identificar autores e vitimas, pois antes do art. 137 no Código de 1940 estes sujeitos eram absolvidos em face do princípio do in dubio pro reo. Portanto, dentre as características deste crime está a impossibilidade de distinção entre sujeitos ativos e passivos. Para que haja rixa é necessário violência física, e não somente verbal. O crime em sua forma simples é crime de perigo de dano abstrato, ou seja, não precisa obter um resultado para ser crime.

No paragrafo único do art. 137 do Código Penal encontra-se a forma qualificada do crime de rixa, e possui como qualificadoras a morte e a lesão corporal grave. De acordo com a exposição de motivos do Código Penal todos os rixosos participantes de rixa que resulte em morte ou lesão corporal grave terá a pena majorada para detenção de seis meses a dois anos, independente de autoria do crime, e independe se os rixosos queriam ou não tais resultados. A critica a esta responsabilização penal afirma que há uma negação à analise do tipo subjetivo dolo ou culpa no crime, passando a caracterizar-se uma responsabilidade penal objetiva aonde o único elemento observado é o nexo causal objetivo entre o resultado e a conduta do sujeito. Além da exposição de motivos do Código Penal entende-se que os rixosos agem com culpa em relação a morte ou a lesão corporal grave. Pois sem a sua participação não haveria rixa e sem a rixa não ocorreriam tais resultados qualificadores. Portanto os rixosos mesmo que sem vontade de matar ou lesionar dão causa a morte ou a lesão.

Ao identificar o autor da qualificadora este responderá por sua conduta de homicídio ou lesão corporal em concurso material de crimes com a rixa qualificada, uma vez que são dois animus diferentes, participar da rixa que resultou em morte ou lesão grave e matar ou lesionar outrem. Esse entendimento se dá através da exposição de motivos do Código Penal nº 48 que procura punir o sujeito pela simples participar em rixa que deu causa a uma morte ou lesão corporal grave. Parte da doutrina critica tal posicionamento pois, acredita que uma única conduta a de matar ou lesionar estão sendo consideradas duas vezes na penalização caracterizando bis in idem, princípio não adotado pelo ordenamento brasileiro. Logo o autor da qualificadora deveria responder por rixa simples em concurso material com o homicídio ou a lesão corporal grave.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2007.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2013.

FRANCO, Alberto Silva et al. Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. v. 2. Niterói: Impetus, 2011.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. v. 1. Niterói: Impetus, 2011.

JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2001.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 2. São Paulo: Atlas, 2007.