INSTITUTO LUTERANO DE ENSINO SUPERIOR DE ITUMBIARA – GOIÁS

CURSO DE DIREITO

 

PEDRO ALVES DE CARVALHO NETO

 

 

 

 

 

A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO EM ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS COM O ADVENTO DA LEI 12.850/13

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Itumbiara

2014
PEDRO ALVES DE CARVALHO NETO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO EM ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS COM AO ADVENTO DA LEI 12.850/13

 

 

 

 

Monografia apresentada ao curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, como requisito parcial para obtenção do título de bacharelado em Direito.

Orientadora: Maria das Graças Machado do Amaral Garcia.

Itumbiara

2014

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

 
   

 

 

 

 

 

 

 


Bibliotecária Responsável: Janaína Cunha da Silva CRB/1 - 2902

 

PEDRO ALVES DE CARVALHO NETO

 

 

 

RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO EM ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS COM O ADVENTO DA LEI 12.850/13

 

 

 

Monografia apresentada ao curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara, como requisito parcial para obtenção do título de bacharelado em Direito.

Data de apresentação: ______/_____________/_________

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Maria das Graças Machado do Amaral Garcia

Professora orientadora – Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara

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Professor (a) convidado (a)

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Professor (a) convidado (a)

Dedico este trabalho aos meus pais, por serem meus grandes incentivadores durante toda trajetória da minha vida. Dedico também, à minha amada Lorraine e nossa filha Lívia, que foi um presente de Deus: Querida, por você o papai aprende a trocar fraldas e até brincar de boneca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Agradeço ao Senhor Deus, que me deu esforços suficientes para que eu concluísse esse trabalho, pela fé e persistência de cada dia.  Agradeço também, a todas as pessoas que me auxiliaram e em especial à minha orientadora Maria das Graças Machado do Amaral Garcia.

“Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas graças a Deus, não sou o que era antes” (Marthin Luther King)

RESUMO

 

 

O presente estudo tem como tema delimitado a responsabilidade penal do agente infiltrado com o advento da Lei 12.850/13, visto que o agente policial na condição de infiltrado poderá vir a cometer ilícitos, os quais serão de importância para que ganhe reconhecimento e confiança dentro da organização criminosa. Neste sentido, tendo em vista a problemática a ser respondida,o presente trabalho procurará responder se o agente infiltrado poderá ser responsabilizado penalmente contra os crimes praticados. O interesse da pesquisa sobre o referido tema justifica-se pela necessidade atual em definir o campo de atuação do agente infiltrado contra o aspecto da responsabilidade penal das condutas praticadas no meio criminoso. É neste contexto que a presente pesquisa cingiu seu objetivo geral através de estudar a modalidade de infiltração policial em organizações criminosas com o advento da Lei 12.850/13, analisando desde o surgimento das organizações criminosas até a responsabilidade penal do agente infiltrado, traçando para isso, um histórico da antiga Lei 9.034/95 até a sua revogação com a Lei 12.850/13.O método de pesquisa, de forma interdisciplinar, o que delimitará este estudo será uma pesquisa bibliográfico-dedutiva, que se desenvolverá por meio de referencial bibliográfico traçando o conceito de organização criminosa e toda sua trajetória até a revogação da Lei 12.850/13 no ordenamento jurídico brasileiro. Tem como referencial teórico o doutrinador e promotor de Justiça Militar da União, em São Paulo, Renato Brasileiro de Lima, em seu livro Legislação Criminal Especial Comentada, do ano de 2014. Dessa forma, a hipótese que se busca provar, utilizando fontes primárias e secundárias, como leis, jurisprudências, livros e artigos de internet, seja possível concluir que o agente infiltrado em organizações criminosas, diante da Lei 12.850/13, não será punido pelos crimes praticados durante a infiltração.

Palavras chave: Organizações Criminosas. Lei 12.850/13. Infiltração Policial. Responsabilidade Penal.


ABSTRACT

 

 

This study delimit about the question of the criminal responsibility undercover agent with the enactment of Law 12,850 / 13, since the police officer on condition of infiltration is likely to commit offenses, in these cases, are of importance to win recognition and trust without the criminal organization. In this kind of sense, considering the problem to be answered, this paper attempts to answer the undercover officer may be held criminally liable against crimes. The research interest on the said topic is justified by the current need to define the playing field against the undercover aspect of criminal liability for conduct committed within the criminal milieu agent. It is in this context that this research girded your overall goal by studying the type of police infiltration of criminal organizations with the enactment of Law 12,850 / 13, from the time to analyzing the emergence of criminal organizations to infiltrate the criminal liability of the agent, plotting to do so, a long time ago, history of the Old Law 9,034 / 95 until terminated by Law 12.850 / 13. The research method in an interdisciplinary manner, which delimit this knowledge, that will be a literature-deductive research, which will be developed through a bibliographic reference tracing the concept of criminal organization and throughout its history until the repeal of Law 12,850 / 13, that can be found in law Brazilian. Its theoretical framework the counselor and promoter of Military Justice in Sao Paulo, Brazilian Renato de Lima, in his book, Special Criminal Laws Annotated, from the year of 2014. Thus, the hypothesis that seeks to prove, using primary sources and secondary, as laws, jurisprudence, books and internet articles, it is possible to conclude that the agent infiltrating a criminal organization, before the Law 12.850 / 13, will not be punished for the crimes that where committed during the infiltration.

 

 

KeyWord: Criminal Organizations. Law 12.850 / 13. Police infiltration. Criminal responsibility.


SUMÁRIO

 

 

INTRODUÇÃO.. 10

1      O ESTADO BRASILEIRO E A ESTRUTURAÇÃO DE POLÍTICAS NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO   14

1.1            Noções gerais de crime e organização criminosa e a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional 14

1.1.1        A Convenção de Palermo. 16

1.1.2        Organizações mais conhecidas pelas polícias mundiais. 17

1.2            A ratificação da Convenção de Palermo e o envolvimento do Brasil no combate à organização criminosa  19

1.3            A Política de Segurança Pública no Brasil 19

2      A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO BRASIL E O TRATAMENTO DA MATÉRIA NA LEGISLAÇÃO ESPECIAL. 23

2.1            Contextualização do crime organizado no Brasil e suas características 23

2.2            Principais leis referentes à organização criminosa. 26

2.2.1        Lei 9.034 de 03 de maio de 1995 (Crime Organizado) 27

2.2.2        Lei 10.217 de 11 de abril de 2001 (Altera artigos 1º e 2º) 28

2.2.3        Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013 (Organização Criminosa) 29

2.3            Dos institutos de investigação da Lei 12.850/13. 30

2.3.1        Colaboração Premiada. 30

2.3.2        Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. 31

2.3.3        Ação Controlada. 32

2.3.4 Acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais. 33

2.3.5        Interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica. 33

2.3.6        Afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica. 34

2.3.7        Cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais. 35

3      A TÉCNICA DA INFILTRAÇÃO POLICIAL E A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO   36

3.1            Contextualização da técnica de infiltração e previsão normativa no direito positivo brasileiro. 36

3.2            Atribuição para a infiltração. 39

3.3            Procedimento judiciário na autorização da infiltração policial 39

3.3.1        Autorização para a infiltração. 40

3.3.2        Requisitos para a infiltração de agentes. 42

3.4           A responsabilidade do policial infiltrado em organizações criminosas. 45

CONSIDERAÇÕES FINAIS. 51

REFERÊNCIAS. 54


INTRODUÇÃO

 

 

O presente estudo tem como delimitação de tema a responsabilidade penal do agente infiltrado em organizações criminosas, buscando demonstrar esse instituto de obtenção de prova que incrementou a legislação brasileira, respondendo a seguinte indagação: o agente infiltrado pode ser responsabilizado penalmente pelas condutas praticadas na condição de agente infiltrado em organizações criminosas, prevista na Lei 12.850/13?

Neste sentido, nota-se que a legislação brasileira necessitou de uma lei que amparasse a investigação de organizações criminosas, estas com o intuito de cometer diversos crimes dentro do território brasileiro e, muitas delas, com ligações internacionais.

Sabe-se que estas organizações criminosas afetam a estrutura jurídico-social, política e econômica da nação, pois ao corromper agentes públicos, as organizações abalam o sistema político. Ao comercializar drogas e armas, as organizações fazem a lavagem do dinheiro interferindo no sistema econômico do país. É tão grande o prejuízo que estas causam que o país precisou editar leis para coibirem condutas criminosas, tendo em primeiro momento criado a Lei 9.034/95 para tratar da matéria, mas o legislador deixou de conceituar organização criminosa, sendo posteriormente alterada parcialmente pela Lei 10.217/01, incluindo a possibilidade de infiltração de agentes de polícia e de inteligências como meio de obtenção de provas.

O legislador notando a ineficácia da legislação vigente editou a Lei 12.850, revogando expressamente a Lei 9.034/95, abarcando um conceito legal que abrangesse de forma correta e aplicável, as medidas contra o crime organizado no Brasil.

Com o advento da Lei 12.850/13, além de conceituar organização criminosa, tratou com maior enfoque a infiltração de agentes de polícia como meio de obtenção de provas, desqualificando a infiltração de agentes de inteligência, ficando somente a cargo dos agentes de polícia.

O interesse deste trabalho justifica-se em virtude do aumento das organizações criminosas e suas interferências nos países, em especial, no Brasil, prejudicando interesses do Estado e dos nacionais, ferindo direitos fundamentais. Pela dificuldade em investigar tais organizações foi necessário utilizar de outro recurso, infiltrar agentes policiais para identificar a estrutura da organização e sua hierarquia para que o Estado pudesse exercer o seu jus puniendi. Assim, há uma necessidade em definir o campo de atuação do agente infiltrado e analisar o aspecto da responsabilidade penal das condutas praticadas no meio criminoso.

Neste sentido, faz-se importante perguntar se o agente infiltrado, ao cometer crimes dentro das organizações criminosas, diante das excludentes de ilicitude, é punido ou não. Nota-se que o agente infiltrado, ao adentrar nas organizações criminosas, em alguns casos, terá que cometer ilícitos para ganhar confiança de outros integrantes das organizações e poder investigar, trabalhando para a aquisição de provas suficientes para prender e punir os criminosos que integram a organização.

O estudo é atual, sobretudo, levando-se em consideração as novas preposições e procedimentos legais, trazidos pela nova lei 12.850/13, que modificou aspectos procedimentais em conformidade com o entendimento internacional acerca do tema e visando suprir as falhas legais da lei revogada e que representa um progresso para o nosso ordenamento jurídico. De maneira didática, este estudo é essencial aos operadores do direito penal e para todos os interessados no assunto.

É neste contexto que o presente trabalho trouxe como objetivo geral, estudar a modalidade da infiltração policial em organizações criminosas com o advento da Lei 12.850/13. Analisando desde o surgimento das organizações criminosas até a responsabilidade penal do agente infiltrado, traçando para isso, um histórico da antiga Lei 9.034/95 até a sua revogação com a Lei 12.850/13.

Para cumprir o trabalho proposto, trouxe como marco teórico o doutrinador Renato Brasileiro de Lima, que trata em sua obra “Legislação Criminal Especial Comentada, 2ª Edição”, o problema proposto neste trabalho de pesquisa, bem como a Lei 12.850/13 que trata das organizações criminosas e que serviu como linha mestra na análise do objetivo do trabalho.

Em relação ao método, utilizou-se o método dedutivo, visto que o trabalho estudou de uma forma geral a legislação pertinente ao ordenamento jurídico, conduzindo o mesmo para a atividade da infiltração policial, como técnica de investigação e aquisição de provas em crimes promovidos por organizações criminosas.

Além disso, o trabalho é qualitativo, pois analisa os dispositivos legais pertinentes e como eles conduzem as pessoas, neste caso, o agente policial no sentido de orientar a conduta e o processo investigativo, além de possuir um conteúdo descritivo e interdisciplinar, visto que utiliza as disciplinas de Direito Penal, Processual Penal, Legislação Processual, Direito Constitucional e a responsabilidade sob a ótica Civil e Penal. Também importa ressaltar que o trabalho é bibliográfico, com análise da legislação pertinente, jurisprudências e doutrinadores brasileiros que tratam do tema atual em questão e com o emprego de fontes primárias e secundárias, pois se utilizou da lei especial que trata sobre a infiltração de agentes nas organizações criminosas, jurisprudências e de literatura doutrinária disponível acerca do tema, bem como artigos e monografias.

Parte-se do princípio de que se um agente está autorizado a trabalhar de maneira infiltrada, ele deve assumir o seu personagem perante os membros da organização criminosa para que não seja vítima de agressões ou tenha sua vida colocada em risco eao mesmo conquistar a confiança dos membros das organizações, a fim de conseguir o seu intento na investigação policial.

A ideia que se tem acerca da conduta do agente policial infiltrado, quando em atividade investigativa em organização criminosa, é este cometer algum ilícito penal, como, por exemplo, matar alguém, subtrair objetos, traficar drogas para conquistar a confiança do grupo, é a de que ele é isento de qualquer responsabilidade do ilícito, por mais grave que ele seja. Porém, precisam-se levar em consideração as causas excludentes de ilicitude, já que o ilícito só deverá ser cometido se o agente policial infiltrado não tiver outra forma de agir a não ser cometendo o mesmo. Por isso, o agente policial que trabalha infiltrado não deve responder por algum crime que, no exercício da sua ação policial, vier a cometer.

Isto explica a necessidade do estudo para entender que o agente na condição de infiltrado cometerá diversos tipos de delitos, sendo que o Estado na forma de julgador não poderá puni-lo, tendo em vista que o agente para ficar infiltrado nas organizações deverá demonstrar para os demais integrantes que este é também um criminoso e poderá assim fazer parte da organização.

Ademais, a prévia autorização judicial dada à Autoridade Policial garantirá que o agente infiltrado será segurado pelos crimes ocorridos durante a infiltração no meio criminoso.

Diante disso, pretende-se mostrar que é possível que a modalidade de infiltração policial como meio de obtenção de prova não restará punição ao agente infiltrado.

A presente monografia está estruturada em três capítulos. O primeiro enfatiza o Estado Brasileiro e sua estruturação de políticas públicas no combate ao crime organizado. Deste modo, apresentou as noções de crime organizado, de políticas públicas de segurança pública no Brasil, passando pela a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e as principais organizações criminosas conhecidas pelas polícias mundiais.

O segundo capítulo aborda sobre a organização criminosa no Brasil e o tratamento da matéria na legislação especial, contextualizando-a e apresentando suas características, bem como os ramos de atuação e ligações internacionais, demonstrando as primeiras organizações criminosas que surgiram no Brasil e a necessidade da criação das leis especiais contra organizações criminosas.

Por fim, o terceiro capítulo trata da modalidade de infiltração policial como meio de obtenção de provas, evidenciando os procedimentos, como autorização e requisitos para a infiltração e a responsabilidade penal do agente infiltrado diante das excludentes no direito penal.


1                    O ESTADO BRASILEIRO E A ESTRUTURAÇÃO DE POLÍTICAS NO COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

 

 

O crime organizado possui estabilidade, estrutura organizada e cooperação de agentes públicos, ganhando força em diversos países, sendo influente também no Brasil. Este por sua vez, vem editando leis que trate de tal matéria, na tentativa de combater o crime organizado transnacional.

A questão de segurança pública no Brasil passou a ser considerada como um problema fundamental, sendo também um desafio para o Estado. A insegurança da população vem trazendo um grande medo, com o aumento da violência e grandes taxas de criminalidade, aumentando assim a sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos. Desta forma, o Brasil, após sua reconstrução social e democratização, vem adotando Políticas de Segurança Pública para combater a criminalidade.

1.1              Noções gerais de crime e organização criminosa e a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional

Num primeiro momento, vale salientar que existem vários conceitos de crime, podendo ser diferenciado no que tange ao ramo a ser estudado. Em se tratando de Direito Penal, o conceito de crime pode ser dividido em conceito formal, legal, material e analítico. No que se refere ao crime material, pode se destacar que é “a concepção da sociedade sobre o que pode e deve ser proibido, mediante a aplicação de sanção penal” (Nucci, 2010, p. 123).

O conceito material trata-se do bem jurídico tutelado pelo Estado, fixando assim os limites das condutas. Torna-se crime aquilo que a sociedade impõe, tendo o Estado transcrito as condutas para uma legislação penal.

A definição de crime formal pode ser compreendida através da conduta que a norma prescreve. Por sua vez, crime formal pode ser entendido como “o delito é definido sob o ponto de vista do Direito Positivo, isto é, o que a lei penal vigente incrimina (sub specie júris), fixando seu campo de abrangência” (Prado, 2004, p. 236).

O conceito legal de crime é a lei propriamente dita, ou seja, a norma penal brasileira aplicada, narrando as condutas criminosas, assim determinando o que é correto. No que se refereao conceito analítico, existem duas correntes, uma nos traz que o conceito de crime é bipartido, ou seja, para ser considerado crime, deverá o fato ser típico e ilícito. Já a segunda corrente diz que crime deverá o fato ser típico ilícito e culpável.

Deste modo, pode-se destacar a seguinte definição de crime “é verdade que é a sociedade que define, em função de seus interesses próprios, o que deve ser considerado como crime: este, portanto, não é natural” (Michel Foucault, apud NUCCI, 2010, p.123).

A conduta delituosa foi imposta pela sociedade, essa por sua vez é quem define o que é certo ou errado, sendo criadas as leis para proteger o seu interesse. Daí, a ideia de que a sociedade é quem define o que é crime, devendo o Estado, através dela, criar leis que assegurem os seus interesses.

Diante da elucidação acima, tem-se a definição de crime em organização criminosa, esta por sua vez tipificada no artigo 2º, da Lei 12.850/2013, tendo como elementos subjetivos: “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”.

Para que ocorra um melhor entendimento sobre os crimes praticados pelas organizações criminosas, há de se falar sobre o conceito de organização. Desta forma, a Lei 12.850/2013 trouxe em seu rola definição de organização criminosa.

Artigo 1º, §1º: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Assim sendo, o conceito de crime de organização criminosa se dá quando pessoas se organizam e dividem tarefas com o intuito de obter vantagem ilícita de qualquer natureza, praticando infrações penais com penas máximas superiores a 4 (quatro) anos ou quando se tratar de crime transnacional, ou seja, organizações criminosas que praticam crimes internacionais, além das fronteiras brasileiras.

Neste sentido, Rogério Tadeu Romano, no artigo “o crime de organização criminosa”, constante na biblioteca do Portal da Justiça Federal do Rio Grande do Norte pontua que:

Temos aqui aquelas associações criminosas que tenham por desiderato a prática de infrações que vão além das fronteiras nacionais, englobando mais de uma nação. Para tanto, será necessário tratado ou convenção internacional que discipline os casos de apenação com relação a crimes cujo resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente.

Trata-se de organizações criminosas que envolvem mais de uma nação, cometendo crimes que vão além de suas fronteiras, sendo necessária uma legislação que estabeleça todos os parâmetros delitivos que consigam retardar a atuação destas. Com isso,houve a necessidade da intervenção do Estado, criando um tratado internacional no combate à criminalidade organizada.

Os crimes transnacionais são uma ameaça às Nações e aos Estados Unidos, que juntamente com a ONU almejaram amenizar os seus efeitos criando normas jurídicas referentes a crimes organizados e estabeleceu um tratado, chamado de Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, a Convenção de Palermo.

1.1.1         A Convenção de Palermo

A Convenção de Viena define tratado internacional em seu artigo 2º como “um acordo internacional concluído entre Estados em forma escrita e regulado pelo Direito Internacional consubstanciado em um único instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja a sua designação específica”.Nota-se que o tratado internacional é um acordo entre Estados de forma escrita e regulamentado pelo Direito Internacional, podendo ser sobre qualquer assunto jurídico.

O Tratado internacional deverá ser celebrado pelo Presidente da República, e ser aprovado pelo Congresso Nacional. Após a aprovação congressual, o mesmo é recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, através de decreto legislativo, instrumento pelo qual o Congresso Nacional trata sobre matéria de sua competência exclusiva.

No que tange à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também chamada de Convenção de Palermo, pode-se destacar que este tratado foi aprovado através da Resolução da Assembléia Geral da ONU nº. 55/25, de 15 de novembro de 2000, nos Estados Unidos da América e entrado em vigor no dia 29 de Setembro de 2003.

Nesta linha, o Departamento das Nações Unidas Sobre Drogas e Crimes traz em seu artigo “Prevenção ao Crime e Justiça Criminal: Marco Legal”, a seguinte informação:

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecido como Convenção de Palermo, é o principal instrumento global de combate ao crime organizado transnacional. Ela foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 15 de novembro de 2000, data em que foi colocada à disposição dos Estados-membros para assinatura, e entrou em vigor no dia 29 de setembro de 2003. 

A Convenção de Palermo foi um instrumento de grande importância no combate ao crime organizado, devido ao aumento da atuação dessas organizações no mundo. Foi aprovada no ano de 2000 e após 3 anos entrou em vigor para alívio de muitos países, os quais entraram nesta luta contra o crime organizado, além de ser o principal instrumento internacional no combate à organizações criminosas transnacionais. Rodrigo Carneiro Gomes, em sua obra “O crime Organizado na visão da Convenção de Palermo”, explica que:

A escolha de Palermo homenageia dois grandes ícones no combate às máfias italianas, os magistrados Paolo Borsellino e Giovanni Falcone assassinados, em atentados à bomba, naquela cidade, no ano de 1992. Crimes pelos quais foi responsabilizado Salvatore Riina (“Toto” Riina, ou “La besta”), chefe da família Corleonesi, ligada à Cosa Nostra, uma das mais antigas e conhecidas organizações criminosas de natureza transnacional. Aos 73 anos de idade, foi preso pela polícia italiana Bernardo Provenzano, chefe maior da máfia siciliana, condenado à prisão perpétua. O aeroporto internacional de Palermo é agora conhecido como Aeroporto Falcone-Borsellino (GOMES, 2008, p. 264).

Nota-se que a denominação “Palermo” adveio do local onde foi acordado o tratado contra o crime organizado, fazendo uma homenagem a dois ícones que ficaram marcados na guerra contra as organizações criminosas. Deste modo, após todo o alvoroço, o aeroporto internacional de Palermo ficou conhecido com o nome dos dois ícones Paolo Borsellino e Giovanni Falconni, originando-se o nome “Falcone-Borsellino”.

Neste sentido, nota-se que a Convenção de Palermo trouxe um progresso no combate ao crime organizado, adotada depois por diversos países entre eles, a Austrália, Canadá, China, França, Itália, entre outros. O crime organizado foi visto em diversos países, destacando-se as Máfias Italianas, Tríades chinesas e a Yakusa japonesa, as máfias mais conhecidas no mundo.

1.1.2        Organizações mais conhecidas pelas polícias mundiais

As organizações criminosas estão presentes no cenário mundial e algumas são mais conhecidas, sejam pelas suas ações mais cruéis, pelo modo que atuam, ou pela diversificação dos ilícitos. Cumpre destacar que não se pode precisar um momento certo do surgimento das organizações criminosas, mas pode-se dizer que as mais antigas e conhecidas associações criminosas são as Máfias Italianas, Tríades chinesas e a Yakusa japonesa. Eduardo Araújo da Silva menciona que:

A origem da criminalidade organizada não é de fácil identificação, em razão das variações de comportamentos em diversos países, as quais persistem até os dias atuais. Não obstante, esta dificuldade a raiz histórica é traço comum de algumas organizações. Essas associações tiveram início no século XVI com movimentos de proteção contra arbitrariedades praticadas pelos poderosos e pelo Estado em relação às pessoas que geralmente residiam em localidades rurais, menos desenvolvidas e desamparadas de assistência dos serviços públicos. A mais antiga delas é a Tríades Chinesa, que teve origem no ano de 1644, como movimento popular para expulsar os invasores do império Ming. (SILVA, 2009, p. 04)

Nota-se que não se pode afirmar um momento certo da origem das organizações criminosas, uma vez que essas organizações atuam de forma discreta, somente pode notar quando elas deixam rastros e são descobertas pelas autoridades. As primeiras organizações são originárias do século XVI e apresentam como característica comum a origem rural que se organizavam para reivindicar direitos devido ao desamparo do Estado. Fernandes & Fernandes elucidam que:

Na Itália, foram organizadas várias máfias, sendo que as mais conhecidas ainda estão em atividade nos dias de hoje e a mais notória, denominada Cosa Nostra ou máfia Siciliana. Surgiu na região da Sicília, por volta de 1860, onde a burguesia foi enfrentada por rurais em busca de novas terras. Formavam para tal caso, grupos de três ou quatro pessoas, denominados “homens de honra”. Buscavam desta forma, obter justiça onde as leis não lhes garantiam, organizando então ataques aos patrimônios de grandes terras improdutivas e que para não fossem atacados deveriam fazer acordos com a máfia. (FERNANDES, N; FERNANDES, V, 2002)

Observa-se que na Itália, surgiram várias máfias criminosas, mas destacou-se a Cosa Nostra, que surgiu por volta do ano de 1860. Era formada por grupos de três ou quatro pessoas que reivindicavam direitos. Diante do descaso da burguesia buscavam obter justiça onde não era garantida. Caso não ocorresse acordo, o grupo então atacava as vilas em busca do que era de seu interesse.As máfias italianas ainda estão presentes até hoje, podendo destacar que:

As Tríades ativas chegam cerca de cinquenta grupos, estimando um total de trezentos mil membros em toda a China. As mais influentes são a Wo On Lok, a 14K, Dai Huen Chai, Wo Shing Wo e a Sun Yee On. São altamente estruturadas e praticam desde sequestro a tráfico de drogas. (MONTOYA, 2001, p. 38).

Nesta definição, nota-se que as tríades foram formadas no século XIX, mas ainda continuam influentes em todo o mundo, altamente estruturadas, praticam seus crimes até os dias atuais, possuindo diversas ramificações em toda a China, além de possuir uma estimativa de milhares de membros atuantes nesta máfia.

Os Yakuza atuam, sobretudo, no campo do tráfico de anfetaminas e de outros tipos de droga, na exploração da prostituição, no comércio de material pornográfico, nos jogos de azar, no racket dos transportes, da usura, da extorsão, no tráfico de imigrantes. Controlam setores da construção, da especulação mobiliária e financeira, do esporte, do divertimento. Encontram em condições de interferir em muitas empresas, seja com extorsão ou com condução de greves e protestos. Atingem um volume de negócios que supera dez bilhões de dólares. (PELLEGRINI, 1999, p. 68-69)

A atuação da Yakuza é bastante diversa, atuando desde o jogo de azar até o tráfico de pessoas e drogas, aumentando seu poder diante do Estado. Esta máfia é também bastante influente nas empresas locais de onde atuam, e influenciam de forma direta nos lucros e gastos, além de interferir em greves e protestos, atingindo um lucro muito alto.  

Diante da ampla atuação das máfias e suas influências, houve a necessidade de uma legislação que vigorasse no mundo, no combate às organizações criminosas. Desta forma, a ONU, juntamente com os Estados Unidos, estabeleceram um Tratado Internacional ao Combate ao Crime Organizado Transnacional, denominado Convenção de Palermo.

1.2              A ratificação da Convenção de Palermo e o envolvimento do Brasil no combate à organização criminosa

No Brasil, o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 231, de 29 de maio de 2003, o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, após depositar instrumento de ratificação junto à Secretaria-Geral da ONU, em 29 de janeiro de 2004. Instituída por meio do Decreto 5.015, 12 de março de 2004, os Estados Unidos da América contaram com o apoio do governo brasileiro, além de 147 países que ficaram comprometidos a definirem e combaterem o crime organizado. Neste decreto brasileiro ficou cientificado o cumprimento do acordo com os EUA, da seguinte forma:

Art. 1o  A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

Desse modo, o artigo citado acima, salienta que após o acordo entre os países, estes deverão adotar inteiramente a convenção como nela contém. O Brasil adotou as medidas do Tratado após quatro anos de sua promulgação nos Estados Unidos, criando então uma política pública de segurança pública para o país.

1.3              A Política de Segurança Pública no Brasil

A violência vem tomando as ruas do Brasil a cada ano eisto tem gerado uma insegurança para a população, além de fragilizar o sistema de segurança pública do país. Esse aumento da criminalidade está relacionado diretamente ao surgimento de organizações criminosas. É notório, o crescimento de facções criminosas no Brasil, trazendo medo e insegurança para a sociedade com consequências que atingem todas as camadas da população.

Desta maneira, leciona Paulo Sérgio Pinheiro que “(...) a violência é, no entanto, também resultado da continuidade de uma longa tradição de práticas autoritárias das elites contra as não elites que, por sua vez, são reproduzidas entre os mais pobres” (PINHEIRO, 1997, p. 44).

A segurança da população brasileira é considerada uma demanda e garantia social que necessita de uma estrutura política complexa para combater a criminalidade. O Brasil, nas últimas décadas, presenciou a atuação de grupos criminosos o que preocupa a segurança pública do país.

A segurança da sociedade surge como o principal requisito à garantia de direitos e ao cumprimento de deveres, estabelecidos nos ordenamentos jurídicos. A segurança pública é considerada uma demanda social que necessita de estruturas estatais e demais organizações da sociedade para ser efetivada. As instituições ou órgãos estatais, incumbidos de adotar ações voltadas para garantir a segurança da sociedade, denomina-se sistema de segurança pública, tendo como eixo político estratégico a política de segurança pública, ou seja, o conjunto de ações delineadas em planos e programas e implementados como forma de garantir a segurança individual e coletiva. (ADELÍDIO; ROSÁRIO, 2011, p. 2)

O Brasil, incomodado com a presença de organizações criminosas, adotou ao final do século XX, uma política pública de segurança pública.

O sistema político público brasileiro estrutura o papel das organizações públicas e políticas, em particular o do Estado. Este tem sido constantemente reestruturado para se adequar e atender a sociedade brasileira. Surge, então, como garantia fundamental, a segurança pública da sociedade juntamente com deveres estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro.

A segurança pública vem sendo analisada no decorrer dos anos e é objeto de estudo de muitos doutrinadores, é também, uma questão social individual e coletiva, além do interesse governamental.

No Brasil, a reconstrução da sociedade e do Estado democráticos, após vinte anos de vigência do regime autoritário, não foi suficientemente profunda para conter o arbítrio das agências responsáveis pelo controle da ordem pública. Não obstante, as mudanças nos padrões emergentes de criminalidade urbana violenta, as políticas de segurança e justiça criminal, formuladas e implementadas pelos governos democráticos, não se diferenciam grosso modo daquelas adotadas pelo regime autoritário. A despeito de avanços e conquistas obtidos nos últimos anos, traços do passado autoritário revelam-se resistentes às mudanças em direção ao Estado democrático de Direito [...] (ADORNO, 1996, p. 233).

Com as mudanças de seu Estado autoritário para o Estado constitucional e Democrático de Direito, ficou constatada a necessidade de uma mudança, no modo de atuar dos órgãos responsáveis pela segurança pública, como Polícia Federal, Polícia Civil, Secretaria Nacional de Segurança Pública e Conselho Nacional de Segurança Pública.

Os instrumentos utilizados pelo Estado na tentativa de suprimir a violência têm sido insuficiente para garantir segurança à população brasileira. A globalização gerou transformações na estrutura estatal e adequação de seu papel como organização política. A Constituição Federal, promulgada no Brasil em 1988, não se opôs em trazer em seu rol do artigo 5º, a segurança pública como garantia fundamental. Denota-se que a sociedade e o Estado devem estar juntos e exercer papéis cruciais na demarcação de estratégias políticas. Neste embate, os interesses entre ambas constituem o fundamento de uma construção política melhor.

O Brasil, por meio do Governo Federal, decidiu no ano de 2000 criar um Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) e após no ano de 2007, estruturado o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci).

Após uma década da promulgação da Constituição Federal, o Brasil criou a Política Pública de Segurança Pública, por meio do Plano Nacional de Segurança Pública. Na análise da Defesa Social do Estado de Alagoas, o Plano Nacional de Segurança Pública é exposto da seguinte maneira:

O Plano Nacional de Segurança Pública tem como objetivo aperfeiçoar o sistema de segurança pública brasileiro, por meio de propostas que integrem políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, de forma a reprimir e prevenir o crime e reduzir a impunidade, aumentando a segurança e a tranquilidade do cidadão brasileiro.

Nota-se que o Plano Nacional de Segurança Pública tem o objetivo de aprimorar o sistema de segurança pública, com ações diferenciadas com o intuito de reprimir o crime organizado. Percebe-se que o governo brasileiro apresentou grande disposição em reorganizar a gestão de segurança pública no combate à criminalidade. Nesta acepção, Edson Lopes  assegura que:

O Plano Nacional de Segurança Pública de 2000 é considerado a primeira política nacional e democrática de segurança focada no estímulo à inovação tecnológica; alude ao aperfeiçoamento do sistema de segurança pública através da integração de políticas de segurança, sociais e ações comunitárias, com a qual se pretende a definição de uma nova segurança pública e, sobretudo, uma novidade em democracia.(LOPES, 2009, p. 29)

Fica evidente que o Plano Nacional de Segurança Pública criado no ano de 2000, é considerado  uma grande evolução contra a criminalidade organizada, estimulando o Estado na repressão de crimes cometidos por organizações criminosas, definindo também um novo sentido para a criminalidade. Evidentemente, esse primeiro Plano se Segurança Pública não conteve por inteiro a criminalidade no Brasil. Foi necessário um novo programa na área de Segurança Pública, surgindo então, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Sérgio Adorno narra que:

As políticas públicas de segurança, justiça e penitenciárias não têm contido o crescimento dos crimes, das graves violações dos direitos humanos e da violência em geral. A despeito das pressões sociais e das mudanças estimuladas por investimentos promovidos pelos governos estaduais e federal, em recursos materiais e humanos e na renovação das diretrizes institucionais que orientam as agências responsáveis pelo controle da ordem pública, os resultados ainda parecem tímidos e pouco visíveis. (ADORNO, 2002, p. 8)

Nota-se que as Políticas Públicas existentes no momento não suprem a finalidade para qual foi criada, pois a criminalidade organizada evolui a cada ano. Compreende-se que tanto o Plano Nacional de Segurança Pública de Fernando Henrique Cardoso, quanto a Política Nacional de Segurança Pública no governo de Luiz Inácio Lula da Silva obtiveram resultados significativos para a população brasileira. Foi necessário um novo programa, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), criado pelo Ministério da Justiça para a repressão e prevenção da criminalidade organizada. Dessa forma, a União, por meio de seus órgãos federais, estaduais e municipais, com a cooperação das famílias brasileiras implantou tal sistema, visando uma melhoria para a segurança pública.

Entende-se que todos os programas e planos nacionais são de suma importância para o desenvolvimento do país contra a criminalidade. Estes estão sendo rapidamente desenvolvidos, mas não são totalmente suficientes em seu propósito. Assim, os profissionais da segurança pública têm que desenvolver novos planos organizacionais com uma visão mais crítica do problema apresentado hoje no Brasil.

2                    A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO BRASIL E O TRATAMENTO DA MATÉRIA NA LEGISLAÇÃO ESPECIAL

 

 

Tem-se notado que no Brasil também há organizações criminosas com atuações em todas as regiões do país. Deste modo, o Brasil vem editando leis para combater a criminalidade organizada garantindo a segurança e a tranquilidade da população, além de punir aqueles envolvidos nessas organizações.

Após tomar conhecimento de organizações criminosas no país, o Brasil começou a criar políticas de segurança pública, além de editar leis e adotar a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional.

2.1              Contextualização do crime organizado no Brasil e suas características

Têm-se observado que o Brasil também possui organizações criminosas que atuam nos crimes de tráfico de pessoas, drogas e afins, com ligações transnacionais. Estas atividades criminosas existem há várias décadas, destacando-se o movimento do cangaço, que era um grupo organizado que praticavam condutas delituosas, invadindo cidades e vilas para saqueá-las. Eduardo Araújo Silva (2003), diz que “os cangaceiros se organizavam de forma hierárquica e tinham por atividades o saque às vilas, fazendas e pequenas cidades, a extorsão de dinheiro mediante ameaça de ataques e pilhagem, ou o sequestro de pessoas importantes”.

Os cangaceiros amedrontavam os moradores de vilas e fazendas e faziam saques mediante ameaças, e quando não conseguiam o que queriam, realizavam sequestros a pessoas importantes.

Mesmo sendo diferentes os objetivos e o modo de atuação dos cangaceiros das atuais organizações criminosas, há semelhanças no que pulsa ao comportamento hierárquico de ambas, com divisões de tarefas e chefes de equipe, o que leva a crer que era um tipo de organização criminosa.

Após o movimento do cangaço, identificaram outros grupos organizados que atuavam nos “jogos do bicho”, inicialmente idealizado pelo Barão de Drumond que começou com o objetivo de arrecadar dinheiro para salvar animais do zoológico da cidade do Rio de Janeiro. No entanto, esta ideia passou a ser visada por grupos organizados que passaram a monopolizar o jogo do bicho e a subornar políticos e policiais para continuar com o jogo ilícito:

O jogo se processava da seguinte maneira: Cada ingresso, vendido para visitar o zoológico, dava direito a um cupom que trazia a estampa e o nome de um animal para concorrer a um sorteio que concedia ao ganhador um prêmio vinte vezes maior do que o valor pago pelo ingresso. Como a entrada no zoológico, à época, custavam mil réis, a sorte enchia o bolso do ganhador com vinte mil réis. Toda manhã, logo cedo, o Barão escolhia uma estampa com a figura e nome de um dos 25 bichos que faziam parte do jogo e colocava esta estampa em um quadro de dimensões enormes, içado a um mastro erguido à porta principal do Jardim Zoológico. Uma vez o quadro içado ninguém tinha acesso a ele. Este quadro era de madeira e, trancado à chave. Às 15 horas o próprio Barão de Drumond acionava um dispositivo, exibia o bicho sorteado sem causar dúvida a quem assistia ao sorteio(SAKALL, 2013).

Já naquela época, o Barão Drumond arquitetou uma maneira de atrair um público maior para o zoológico que não vinha recebendo visitas. Desta forma, Drumond criou uma espécie de um jogo, no qual, os visitantes do zoológico compravam ingresso, recebendo junto um bilhete estampado com uma figura de algum animal, quando ao final da tarde o próprio Barão Drumond sorteava a figura de um animal.

Os jogos de azar eram proibidos no Brasil, desde o século XIX, mas foram autorizados pela polícia do Rio de janeiro como um simples divertimento no jardim Zoológico de Vila Izabel. Contudo, após algum tempo foi considerado um jogo de azar, pois o jogador dependeria da sorte. A proibição do jogo foi dada de fato, através de seguinte ofício do Dr. Chefe de Polícia:

Ao Dr. 2º delegado dirigiu ontem o Dr. Chefe de Polícia o seguinte ofício: No empenho de procurar atrair concorrência de visitantes ao Jardim Zoológico, solicitou o seu diretor para certo recreio público licença, que lhe foi concedida pela polícia, em vista da feição disfarçadamente inocente que da simples primeira descrição do divertimento parecia se deduzir. Entretanto, posta em prática essa diversão, se verifica que tem ela o alcance de verdadeiro jogo, manifestamente proibido. Os bilhetes expostos à venda contêm a esperança puramente aleatória de um prêmio em dinheiro, e o portador do bilhete somente ganha o prêmio, se tem a felicidade de acertar com o nome a espécie do animal que está erguido no alto de um mastro.  Esta diversão, prejudicial aos interesses dos encantos que com a esperança enganadora de um incerto lucro se deixam ingenuamente seduzir, é precisamente um verdadeiro jogo de azar, porque a perda e o ganho dependem exclusivamente do acaso e da sorte. (SAKALL, 2013)

Nota-se primeiramente, que o jogo do bicho foi aprovado pelo Delegado do Rio de Janeiro como forma de entretenimento dos visitantes do jardim zoológico, mas que após algum tempo tomou rumo diferente, com apostas por toda a cidade, tornando o jogo com um sentido diferente do que foi criado. O jogo começou de fato a ser proibido com o advento da lei de proibição dos jogos de azar no Brasil, no ano de 1941, com o Decreto-Lei 3.688 de 3 de outubro de 1941.

A prática desse jogo enriqueceu várias pessoas, a exemplo de Carlinhos Cachoeira, um dos maiores contraventores do país que foi condenado a 39 anos de prisão, conforme notícias do Globo.com:

O contraventor Carlinhos Cachoeira foi condenado nesta sexta-feira (7) a 39 anos de prisão pelos crimes de peculato, corrupção, violação de sigilo e formação de quadrilha. As acusações são relativas à Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. Cachoeira voltou a ser preso logo após a publicação da sentença, do juiz Alderico Rocha, da 11ª Vara Federal, nesta tarde, em Goiânia. 

Nota-se que no Brasil, o jogo do bicho é ilegal e há várias pessoas envolvidas, como policiais e políticos. Possui grande movimentação de dinheiro utilizado para financiar e subornar políticos e policiais, para dar prosseguimento em suas atividades, além de ter ligações com outros crimes, como lavagem de capital, corrupção ativa e passiva, pois é necessário movimentar o dinheiro com empresas “laranjas” para que o dinheiro arrecadado volte como dinheiro “limpo”. Ainda neste sentido, o dinheiro arrecadado é utilizado para subornar policiais que têm ciência dos locais de apostas para que não prendam os responsáveis pelo jogo, dando continuidade às apostas.

Além do envolvimento com o jogo do bicho, outras atividades ilícitas também foram responsáveis pela formação de organizações criminosa, a exemplo do tráfico do Grupo Comando Vermelho (CV) que surgiu nas dependências do Instituto Penal Cândido Mendes, o mais conhecido no Brasil. Como possuem ampla estrutura, têm a sua ramificação nos presídios de grandes cidades e passaram a ser conhecido como:

O Comando Vermelho (CV) nasceu no início da década de 70, na Penitenciária da Ilha Grande, durante o regime militar. Na esperança de conter assaltos a bancos promovidos por organizações terroristas de esquerda, o Governo baixou a Lei de Segurança Nacional. O artigo 27 determinava que fossem para a cadeia tanto os integrantes de organizações que promoviam assaltos por motivação política quanto os assaltantes comuns (REHDER, 1999).

O surgimento do Comando vermelho se deu quando presos comuns e presos políticos se uniram e trocaram informações, proporcionando aos criminosos um maior conhecimento do mundo político. A publicação no Portal do Ministério Público do Estado do Ceará narra o seguinte:

A convivência permanente entre os presos políticos e os presos comuns possibilitou uma troca de conhecimentos. O preso político fornece informações que até então nunca haviam sido passadas ao preso comum. Juntaram-se pessoas com alto nível intelectual e cultural com outras que não os tinham (em virtude, talvez, da baixa escolaridade em boa parte dos casos), mas que dispunham de conhecimento do mundo do crime (...)

(...) O intercâmbio cultural proporcionou aos bandidos comuns uma nova visão, uma maior conscientização do mundo que os cercava, absorveram as ideias daqueles e as aplicaram em suas atividades criminosas. Como consequência ocorre o surgimento de um tipo de crime mais elaborado, planejado com mais cuidado. (MAIA, 2011, p. 7)

O convívio entre presos comuns e presos políticos proporcionou uma troca de conhecimentos, criando um melhor entendimento sobre o mundo da política. Juntando-se pessoas com alto conhecimento da política com pessoas com pensamento criminoso, mas com baixa escolaridade, dispôs de uma visão diferente sobre o mundo que lhes rodeava.

Já em São Paulo, o grupo denominado PCC (Primeiro Comando da Capital), surgiu  no interior do sistema carcerário de São Paulo, com o intuito de autoproteção dentro dos presídios Paulistanos. O Jornal Folha de São Paulo (2006) assegura que:

A facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), a maior e mais organizada do país hoje, foi criada por oito presos, em 31 de agosto de 1993, no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté (130 km de SP), o Piranhão, tida naquela época como a prisão mais segura do Estado.

O seu surgimento foi durante uma partida de futebol dentro do referido presídio e, hoje, após 20 anos é uma das mais perigosas do Brasil e atua no país inteiro, nos crimes de roubo a banco, tráfico de drogas e outros ilícitos, financiando cada vez mais o tráfico ilegal.

Os ambientes prisionais são circunstancias e cruciais no surgimento de organizações, tornando deficiente a atuação do governo dentro das prisões. Elas aproveitaram a precariedade do sistema para favorecer outros presos em troca de ajuda, resultando uma relação de dependência dos outros presos em relação ao grupo criminoso.

Por conseguinte, é conhecido que no Brasil, as atuações das organizações criminosas se dão dentro de favelas e morros, onde se especializam em vários crimes infiltrados, na maioria das vezes, com colaboradores dentro do Poder Público. As notícias recentes do dia 27 de julho de 2014, do site G1.com, mostram o envolvimento de um juiz com organizações criminosas:

Polícia encontrou várias sentenças assinadas pelo juiz Amaury de Lima e Souza beneficiando traficantes, clientes da advogada Andrea Elizabeth de Leão Rodrigues. A Polícia Federal investiga um crime que pode ter sido cometido por aquele que mais deveria zelar pela Justiça. Um juiz de minas Gerais está preso, acusado de beneficiar uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas da Região Sudeste.

As autoridades brasileiras vêm estudando as organizações criminosas na tentativa de desvendar os mistérios do crime organizado, para que através de criação de leis, consigam combatê-las com verdadeiro vigor.

Com o surgimento de grandes organizações criminosas atuando no Brasil, geroua necessidade de uma legislação mais severa para controlar e acabar com esses grupos criminosos que provocam medo na sociedade, como também no sistema público de segurança. Foi adotada, no ano de 1995, a lei contra quadrilha ou bando na tentativa de acabar com a atuação desses grupos.

2.2              Principais leis referentes à organização criminosa

O Brasil, após adotar a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, criou uma legislação própria, mas foi insuficiente para combater o crime organizado, tendo em vista que não trouxe o conceito de crime organizado, tampouco a pena a ser imposta.

Desse modo, passou então a editar novas leis, dispondo ainda de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por estas associações e organizações criminosas.

2.2.1        Lei 9.034 de 03 de maio de 1995 (Crime Organizado)

Anteriormente ao ano de 1995, não existia uma lei específica legislando no Brasil, no combate ao crime organizado, somente era utilizado a convenção de Palermo. Por isso, necessitou-se de uma lei específica contra o crime organizado.

O legislador brasileiro notou a necessidade de uma mudança no ordenamento jurídico em relação ao crime organizado diante da insegurança que a sociedade vinha passando. Numa resposta imediata, o governo brasileiro criou a Lei 9.034, no dia 3 de maio do referido ano. Esta lei dispõe sobre a utilização dos meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Em seu artigo primeiro, narra a seguinte definição “Art. 1.º esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versarem sobre crime resultante de ações de quadrilha ou bando”.

Nota-se que a lei emprega o referido artigo dispondo sobre um conceito amplo de associação criminosa, caracterizado por grupos de três ou mais pessoas, para um fim específico, aplicando-se a referida nos casos de crimes cometidos por grupos associados.

O legislador ainda aplica tal lei para os crimes praticados por quadrilha ou bando, que são associações com mais de três pessoas, com a finalidade de praticar crimes. Nessa acepção, há o seguinte entendimento sobre a aplicação da lei acerca da quadrilha ou bando:

É a associação de mais de três pessoas, com a finalidade de praticar crimes, desde que haja estabilidade e durabilidade, nos termos tipificados pelo artigo 288 do Código Penal. A quadrilha ou bando – termos absolutamente correlatos, logo, bastaria a menção de um deles – não é um mero concurso de agentes. Este se caracteriza pela colaboração de duas ou mais pessoas para o cometimento de uma infração penal, ao passo que a quadrilha é uma associação criminosa estável, cuja pretensão é a concretização de vários delitos.  (NUCCI, 2006, p. 200)

Nota-se que o legislador aproveitou o texto do Código Penal e não conceituou de forma clara e concisa o conceito formal de organização criminosa, nem tampouco o conceito de quadrilha ou bando, deixando atarefa para o Código Penal. É possível destacar que nem toda quadrilha ou bando são grupos organizados, deixando ineficaz a Lei 9.034 do sistema jurídico brasileiro. O mesmo doutrinador diz que “de fato, muitas quadrilhas ou bandos não passam de associações de infratores amadores, que se unem, embora em caráter de estabilidade, para o cometimento de delitos, sem o real perigo que a organização criminosa representa à sociedade”.

Além de não trazer uma definição legal de organização criminosa, a Lei 9.034/95 tornou-se ineficaz em sua aplicabilidade, devido a grandes lacunas, como o conceito de organização criminosa. A aplicação da pena para integrantes dessas organizações deixou de ser vigente com a sua revogação parcial, depois de sancionada a Lei 10.217 de 11 de abril de 2001.

2.2.2        Lei 10.217 de 11 de abril de 2001 (Altera artigos 1º e 2º)

Até então, a única lei que discriminava organização criminosa era a Lei 9.034 de 1995. No ano de 2001, o legislador redigiu um novo texto, alterando os artigos 1º e 2º da lei anterior, além de implantar dois novos modos de investigação.

Passou então, a vigorar o artigo 1º, após a alteração da Lei 10.217/2001, com o seguinte texto: “Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha, bando, organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”.

Nota-se que antesa leiversava somente sobre crimes resultantes de ações de quadrilha ou bando, passando a considerar também ações resultantes de organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Nesse sentido, a quadrilha ou bando recebeu o rótulo de associação ou organização criminosa, deixando de lado o conceito de ambas, ficando a cargo do aplicador do direito o seu entendimento.

A nova lei ainda modificou o artigo 2º da lei anterior, passando a acrescentar os seguintes institutos investigativos:

Artigo 2º. Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:

IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;

V – infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

Parágrafo único. A autorização judicial será estritamente sigilosa e permanecerá nesta condição enquanto perdurar a infiltração."

Observa-se que o legislador não definiu o conceito legal de ambas as modalidades criminosas versadas na referida lei, deixando claro que a nova lei não foi suficiente para solucionar o conceito de organização criminosa, somente nivelou quadrilha ou bando com organização ou associação criminosa e acrescentou em seu rol duas modalidades de investigação criminal. Ao ficar vago um conceito de crime organizado, necessitou-se de uma nova legislação para que se tipificasse a definição de organização criminosa.

2.2.3        Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013 (Organização Criminosa)

Em 2 de agosto de 2013, o legislador brasileiro constituiu a nova lei de organização criminosa, introduzindo a tão esperada tipificação de crime de organização criminosa. Ficou cientificada a seguinte definição:

Artigo 1º, §1º da Lei 12.850/13: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

O ordenamento jurídico brasileiro nos trouxe uma definição formal acerca da organização criminosa que antes não era considerada em nenhuma outra lei brasileira, ficando ao aplicador do direito o seu entendimento. Prado diz que:

A nova Lei 12.850/2013 congrega dispositivos legais de natureza diversa, penal e processual. Com seu advento, cria-se, de modo inédito, um tipo penal específico para o crime organizado e se define organização criminosa para o ordenamento jurídico brasileiro, antes delimitado pelo artigo 2º da Lei 12.694/2012. (PRADO, 2013, p. 242)

Com o advento da nova lei, quadrilha ou bando passa a ser chamada de associação criminosa, além de alterar a quantidade mínima de participantes que passa de 3 (três) para 4 (quatro) ou mais de sujeitos, mediante a prática de infrações penais com pena máxima superior a quatro anos, ou que seja de caráter transnacional, ou seja, praticadas além das fronteiras brasileiras.

É evidente que não só depende de ser um grupo organizado com intuito de praticar ilícitos com penas acima de 4 (quatro), mas também, deverá conter outras circunstâncias para ser caracterizada como organização criminosa e ser aplicada a Lei 12.850/13. Além de conter o mínimo de pessoas participando, deverá ser também uma organização com estruturas e divisão de tarefas, ainda que de maneira falada para ser assinalada como tal.

Além de trazer um conceito legal de organização criminosa, a Lei 12.850/13 dispôs em seu rol de artigos os meios de obtenção de provas, e conter a pena para quem participa de uma organização criminosa com as características da mesma.

2.3              Dos institutos de investigação da Lei 12.850/13

Anterior à Lei 12.850/13, a antiga lei contra o crime organizado previa somente quatro institutos de investigação criminal. Com o advento da nova lei, trouxe consigo um rol de meios de obtenção de provas, incluindo ainda: colaboração premiada; interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica; cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal; e afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica. A Lei 12.850/13, além de trazer um rol dos meios de obtenção de provas, trouxe ainda a explicação de cada uma das ações utilizadas para obter provas.

Para que o juiz entenda que o investigado é o culpado e sentencie o mesmo, é necessário que ele tenha certeza de seu cometimento. Para que isso ocorra, deverá atentar-se às provas obtidas no decurso do processo; prova é todo elemento pelo qual demonstra que se faz, através dos meios legais, a existência e veracidade de um fato concreto.

Para que se obtenham as provas coerentes de cada caso concreto, será necessário um meio de obtenção de prova, ou seja, um instrumentos ou ação utilizada para demonstrar a verdade dos fatos.A Lei 12.850/13 trouxe consigo diversos meios de obtenção de provas, sendo esses destacados a seguir.

2.3.1        Colaboração Premiada

Num primeiro momento, a colaboração premiada já estava instituída na lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), em seu artigo 8º, parágrafo único que previa uma redução de pena para aquele que denunciasse o restante da quadrilha ou bando, colaborando com o desentranhar do procedimento investigatório. Renato Brasileiro de Lima denota da seguinte forma:

O agente fará jus aos prêmios previstos nos dispositivos legais que tratam da colaboração premiada apenas quando admitir sua participação no delito e fornecer informações objetivamente eficazes para a descoberta de fatos dos quais os órgãos incumbidos da persecução penal não tinham conhecimento prévio, permitindo, a depender do caso concreto, a identificação dos demais autores, a localização do produto do crime, a descoberta de toda a trama delituosa ou a facilitação da libertação do sequestrado. (BRASILEIRO, 2014, p. 513)

O colaborador terá os benefícios que a lei lhe proporciona, caso as suas informações forem eficazes para a identificação e posteriormente a prisão de outros integrantes da organização criminosa. Para que se obtenha tal benefício, a sua colaboração deverá conter informações que antes delas, os órgãos não as tinham.

A Lei 12.850/13 trouxe em seu rol a possibilidade do perdão judicial, redução da pena ou a substituição pela pena restritiva de direitos se o colaborador ajudar de maneira voluntária, além de obter resultados significantes para o processo. Uma simples confissão ou algum dizer, não significa ser uma colaboração premiada.

É notório que o colaborador necessite de uma proteção após colaborar com a justiça, a nova lei narra também os direitos do colaborador, pois é necessária uma segurança para aquele que entregue seus companheiros em troca de um possível perdão judicial ou até mesmo uma redução em sua pena. O colaborador terá os seguintes direitos:

I – Usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II – Ter o nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas;

III – Ser conduzido, em juiz, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV - Participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V - Não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

A Lei 12.850/13 assegura aos colaboradores alguns direitos, para que este se sinta seguro para cooperar com a Justiça, uma vez que, ao colaborar com a justiça, este terá que, por exemplo, entregar os outros integrantes da organização, o que acarretará numa possível vingança entre eles. Tendo o Estado preocupação com o colaborador, garantiu-lhe alguns direitos. Deste modo, o Estado garantirá que o colaborador se sinta seguro no momento de entregar seus parceiros para ter uma redução de pena. As medidas de proteção estão arroladas na Lei 9.807/99 que dispõe sobre a proteção a acusados, vítimas e testemunhas que porventura venham a sofreralgum tipo de ameaça, em razão de sua colaboração com a justiça.

2.3.2        Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos.

Consiste na captação de sons ou imagens de pessoas ligadas às organizações criminosas, sem que elas saibam de seu monitoramento. É possível que um terceiro que esteja presente onde os monitorados estão, obtenha, por meio de captação de sons e imagens, elementos suficientes para utilização no decorrer da investigação criminal.

Por violar o direito à intimidade, compreendido na Constituição Federal, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos deverá ter autorização prévia para se realizar a referia captação. Eduardo Araújo da Silva leciona que:

Poderão os agentes de polícia, mediante prévia autorização judicial, instalar aparelhos de gravação de som e imagem em ambientes fechados (residências, locais de trabalho, estabelecimentos prisionais etc.) ou abertos (ruas, praças, jardins públicos etc.), com a finalidade de gravar, não apenas os diálogos travados entre os investigados (sinais acústicos), mas também,  de filmar as condutas por eles desenvolvidas (sinais ópticos). (Ainda poderão os policiais registrar sinais emitidos pelos aparelhos de comunicação, como rádios transmissores, sinais eletromagnéticos), que tecnicamente não se enquadram no conceito de comunicação telefônica, informática ou telemática. (SILVA, 2003, p. 103-104)

Os  agentes de polícia poderão utilizar de todos os meios de obtenção de sinal sonoro ou imagem para comprovar a responsabilidade criminal de possíveis infratores ligados à organizações criminosas, sendo um meio de alta relevância e eficácia como meio de investigação.

2.3.3        Ação Controlada

A ação controlada é uma técnica policial que consiste no retardamento da prisão em flagrante e no acompanhamento das ações até um momento mais oportuno para a sua intervenção e permite, por conseguinte, uma prisão de outros membros. A lei de Organizações Criminosas trouxe a definição de Ação Controlada da seguinte forma:

Artigo 8º. Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

A ação controlada nada mais é do que, a Autoridade Policial retardar uma prisão com o intuito de uma melhor apuração criminal, possibilitando também a apuração de outros crimes interligados às organizações criminosas.

A depender do caso concreto, é estrategicamente mais produtivo, sob o ponto de vista da colheita de provas, evitar a prisão prematura de integrantes menos graduados de determinada organização criminosa, pelo menos num primeiro momento, de modo a permitir o monitoramento de suas ações e subsequente identificação e prisão dos demais membros, notadamente daqueles que exercem o comando da societas criminis. (PRADO, 2013)

Nota-se que esta é uma estratégia adotada pelos policiais para que, em um momento oportuno, prenda os integrantes de maior escalão das organizações criminosas. É necessário um acompanhamento dos agentes para uma melhor atuação, além de possibilitar que se identifiquem outros membros ligados e obtenha provas mais concretas para a condenação do integrante da organização.

2.3.4        Acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações eleitorais ou comerciais.

Entende-se que o delegado responsável pelo Inquérito Policial utilize deste meio de investigação para obter os dados pessoais necessários das pessoas envolvidas nessas organizações criminosas em seu rol exemplificativo, que é um meio de investigação que pode ser utilizado em qualquer fase da persecução penal.Neste entendimento, a Lei 12.850 traz que é possível ter acesso aos registros de ligações, a dados cadastrais em bancos públicos ou privados e até mesmo informações junto à Justiça Eleitoral, obter dados dos eleitores que estão sendo investigados.

O acesso aos dados dos investigados é de suma importância para desenrolar a investigação, por exemplo, a obtenção de um endereço que consta em um órgão, o qual os investigadores não possuam. A Autoridade Policial poderá também, ter acesso aos registros de ligações telefônicas, obtendo, a hora, o número e a duração das chamadas realizadas, mas não o conteúdo das conversas, podendo, conseguir os números telefônicos de outros integrantes da organização criminosa.  É entendimento dos Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DENÚNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. MEDIDA FUNDAMENTADA. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 7 DO STJ. PRORROGAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 83 DO STJ. 1. O Tribunal de origem ao receber a denúncia, determinar a interceptação telefônica e proferir o acórdão, o fez de forma fundamentada e com base no acervo fático-probatório delineado nos autos. Incidência da Súmula n. 7 do STJ.2. A jurisprudência desta Corte de Justiça há muito consignou que "o prazo de duração da interceptação telefônica pode ser seguidamente prorrogado, quando a complexidade da investigação assim o exigir, desde que em decisão devidamente fundamentada (...)." (RHC n. 28.794/RJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª.T., DJe 16.3.2007). 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 94065 SC 2011/0300225-2. Relator(a): Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ. Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA. Publicação: DJe 02/05/2014.

2.3.5        Interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas, nos termos da legislação específica.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu artigo 5º, Inciso XII, que é inviolável o sigilo de dados e das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, na forma que a lei estabelecer. Sendo assim, o legislador brasileiro regulamentou os casos possíveis de interceptação telefônica, e fundamentou na Lei 9.296/96 (Interceptação Telefônica).  A Lei de Interceptação telefônica nos traz a seguinte descrição:

Artigo 1º. A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.Parágrafo único. O disposto nesta lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Em regra, a interceptação telefônica é inconstitucional, mas poderá ser concedida em casos de necessidade, a exemplo, quando comprovada a necessidade nas investigações em organizações criminosas. O juiz autorizando a interceptação telefônica, a Autoridade Policial, terá acesso ao conteúdo das conversas dos integrantes da organização criminosa, seja por meio da captação de uma conversa realizada entre pessoas sem o seu conhecimento, a captação de um ambiente, ou até mesmo uma escuta telefônica realizada por um terceiro com o conhecimento de um dos comunicadores, pois a lei traz a expressão “de qualquer natureza”.

A comunicação telefônica ocorre quando dois interlocutores, através de um aparelho telefônico, fazem a troca de mensagens. Já a comunicação telemática, é a troca de informações através de um recurso de telecomunicação como satélites, cabos ou através de computadores.

A interceptação telefônica tem o objetivo de captar a comunicação, tomando conhecimento de fatos e ter o conteúdo das conversas realizadas entre os investigados.

2.3.6        Afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, nos termos da legislação específica.

No ano de 2001, o legislador brasileiro dispôs sobre o sigilo das operações de instituições financeiras na Lei Complementar nº. 105, de 10 de janeiro do referido ano. Trouxe consigo, em seu artigo 1º, a seguinte exposição “As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”.

Nesta explicação, as instituições financeiras estão expressamente proibidas de repassar quaisquer informações bancários de seus clientes. Porém, a lei trouxe que somente poderá ser decretada a quebra de sigilo, nos casos de investigação de qualquer ilícito, mas, em especial, nos crimes de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, contrabando ou tráfico de armas, lavagem de dinheiro, todos relacionados com as organizações criminosas.

2.3.7        Cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais.

Entende-se por cooperação entre instituições as trocas de informações e dados de instituições ou órgãos, como  as prefeituras municipais e a Receita Federal, recebendo através destas, receber dados que os investigadores não possuam, possibilitando um maior avanço nas investigações. As investigações poderão se desenrolar de uma maneira mais rápida, com a ajuda das instituições que possuam informações mais precisas.

Além desses institutos de obtenção de meios de provas, a Lei 12.850/13 trouxe consigo a modalidade de infiltração policial, permitindo ao agente de polícia, infiltrar em organizações criminosas em busca de dados e provas para identificar e autuar os envolvidos nessas redes criminosas. Esta matéria será discutida no tópico seguinte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3        A TÉCNICA DA INFILTRAÇÃO POLICIAL E A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO

Este capítulo pretende apresentar a técnica de infiltração como um procedimento especial utilizado pela polícia para conhecer a estrutura da organização criminosa, seus componentes, líderes e a forma ilícita de atuação no mercado econômico brasileiro e internacional. Visto que este tipo de crime possui redes de atuação em diferentes países e possuem uma influência política no sentido de abrir caminhos para a realização de seus objetivos que são a comercialização de produtos e pessoas de forma ilícita, e consequentemente o lucro, ferindo todas as bases constitucionais e legais em países onde atuam.

Além disso, este capítulo também irá tratar da responsabilidade penal do agente infiltrado. Uma vez autorizado a compor essas organizações criminosas, o agente infiltrado passa por diversas situações de risco à sua vida e, para garanti-la, muitas vezes incorre em ilícito penal, comprometendo a sua conduta policial.

 

3.1              Contextualização da técnica de infiltração e previsão normativa no direito positivo brasileiro.

A infiltração policial se dá quando um agente adentra em uma organização criminosa com o intuito de buscar provas e identificar os integrantes das organizações criminosas, concluindo na prisão de todos.

Infiltração é a introdução de agente público, dissimuladamente quanto à finalidade investigativa (provas e informações) e/ou operacional (“dado negado” ou de difícil acesso), em quadrilha, bando, organização criminosa ou associação criminosa ou, ainda, em determinadas hipóteses (como crimes de drogas), no âmbito social, profissional ou criminoso do suposto autor de crime, a fim de obter provas que possibilitem, eficazmente, prevenir, detectar, reprimir ou, enfim, combater a atividade criminosa deles (FEITOZA, 2009, p. 820)

Por este conceito pode-se inferir que a infiltração policial é técnica essencial na apuração de provas e autoria de forma a estabelecer estratégias à segurança pública e comando de intervenção no meio criminoso.

Nota-se que a infiltração se faz necessária quando não há outra maneira de obter provas e informações, se não introduzir um agente de polícia nas organizações criminosas para então ter o acesso a este grupo e descobrir de que forma atuam e quem são seus integrantes. A polícia não consegue romper o silêncio de seus membros, já que tem uma relação de fidelidade e medo.

O Estado, de forma infiltrada, consegue não só obter provas, mas desarticular uma organização criminosa que atue em um único ramo ou em várias outras atividades criminosas correlacionadas. Esta prática não é nova, e já foi utilizada em outros momentos históricos com a finalidade de obter provas de autoria e materialidade do crime, da estrutura e poder de decisão para que haja intervenção estatal.

A origem da modalidade das operações de agentes infiltrados tem sua origem na agência Pinkerton, que tinha gente encarregada de infiltração nas bandas do Oeste Americano. Depois da guerra civil, o Departamento de Tesouro dos Estados Unidos, infiltraram detetives para combater os roubos dos correios e as falsificações. Em 1930 nos Estados Unidos, através do FBI, aprimorou e começou a utilizar a técnica de infiltração policial para combater outros tipos de crimes. (FERNANDES, 2007, P. 149)

A origem comprovada dessa técnica se deu quando os Estados Unidos, no ano de 1930, por meio de uma agência de inteligência, infiltrou funcionários para combater roubos e falsificações nos Correios de seu país, possibilitando o combate ao crime que estava em curso. Pelo sucesso da técnica esta foi utilizada em outros eventos delituosos.

Entretanto, observa-se que a originalidade da ideia não se deu por volta dos anos 30. Retroagindo na história é possível perceber o seu emprego à época de Jesus Cristo, em Mateus 26:15, registrado na Bíblia Sagrada. Conta a passagem bíblica que Judas, um dos doze discípulos de Jesus, ficou de maneira infiltrada, traindo Jesus por trinta moedas de prata. Tem-se, nesta técnica, a ideia de traição a uma parte em nome da lealdade à outra parte.

No Brasil, a infiltração policial foi implantada com a criação da primeira lei contra o crime organizado, a Lei 9.034/95. Segundo esta, o agente escolhido para a infiltração, deve agir de forma disfarçada, ocultando sua verdadeira identidade e com prévia autorização judicial. No entanto, a Lei 9.034 não dispôs de forma clara e concisa as definições legais, nem tampouco a forma de se conduzir a infiltração; somente determinou que este fosse um meio de obtenção de prova.

Anteriormente a esta lei, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado transnacional dispunha em seu artigo 20º, a seguinte determinação:

Se os princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico nacional o permitir, cada Estado Parte, tendo em conta as suas possibilidades e em conformidade com as condições prescritas no seu direito interno, adotará as medidas necessárias para permitir o recurso apropriado a entregas vigiadas e, quando o considere adequado, o recurso a outras técnicas especiais de investigação, como a vigilância eletrônica ou outras formas de vigilância e as operações de infiltração, por parte das autoridades competentes no seu território, a fim de combater eficazmente a criminalidade organizada.

 O Tratado Internacional Contra o Crime Organizado trouxe de forma clara, a possibilidade da infiltração do agente, quando por “ultima ratio” não haver outro recurso para desarticular a organização criminosa. Desta forma, cada Estado, de acordo com sua própria legislação, poderia utilizar deste meio para a obtenção de provas. A legislação brasileira dispõe sobre tratados e convenções internacionais da seguinte forma:

Art. 5º, §3º da CF: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

O Brasil recepciona o Tratado Internacional, mas só o insere no ordenamento jurídico, após ser votado em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos e ainda obter três quintos dos votos de seus membros. Após a votação e a aprovação do tratado, o mesmo terá força idêntica a uma emenda constitucional.

No entanto, ao criar a Lei 9.034/95, o Brasil trouxe somente esta modalidade, mas não especificou de forma clara como iria proceder com a infiltração, deixando a desejar vários outros aspectos da organização criminosa. Com a Lei 12.850/13, o legislador trouxe de forma explicativa esse instituto de obtenção de provas, dispondo sobre o conceito, prazo máximo e outras informações necessárias para a infiltração do agente. Salientando ainda que tal procedimento deverá ser adotado, somente quando não dispuser de outro meio para produzir provas contra a organização criminosa, suprindo todas as lacunas existentes nas legislações anteriores.

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

A Lei 12.850/13 tem a previsão da possibilidade da infiltração de agentes, de forma regulamentada, o que gerou o esclarecimento de dúvidas quanto à infiltração, quando era tratada pela Lei 9.034/95, tanto na sua amplitude, efeitos, especialmente quanto à qualificação da conduta do agente infiltrado. Pode-se destacar que a infiltração, para ser considerada legítima, dependerá de prévia autorização judicial circunstanciada, motivada e sigilosa, mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público, ou a requerimento deste.

Constarão na autorização, as suas determinações, como limite da ação do agente e o tempo da infiltração, considerando as circunstâncias do caso concreto, garantindo a segurança do agente durante o procedimento. O artigo 10, §5º, da Lei 12.850, dispõe que: “no curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração”. Entende-se que a autoridade policial ou o Ministério Público, poderão requerer relatórios circunstanciados do andamento das atividades ao agente infiltrado e desta forma acompanhar o andamento do procedimento de infiltração.

3.2              Atribuição para a infiltração

Anteriormente, à revogada Lei 9.034/95, a legislação trazia a possibilidade de infiltração em organizações criminosas de agente de polícia e de inteligência. Segundo a Lei 9.883/99, Artigo 1º, §2º, entende-se por inteligência:

A atividade objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

Antes da revogação da referida lei, havia uma discussão acerca da infiltração por agentes de inteligência, uma vez que, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 144, incisos, que os órgãos de segurança pública são privativamente: a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, policias civis, militares e Corpos de Bombeiros Militares. Por sua vez, os parágrafos2º e 4º do artigo 144 da Constituição Federal, cominam às Polícias Civis estaduais e Polícia Federal a tarefa de investigação. Portanto, somente as Polícias Federal e Civis estão habilitadas para servirem como agentes infiltrados.

A Lei 12.850/13 atentando-se ao fato trouxe expressamente que somente será permitida a infiltração por agentes de polícia, afastando a participação de outros agentes que não os componentes das polícias “lacto sensu”.

3.3              Procedimento judiciário na autorização da infiltração policial

Para que ocorra a infiltração do agente policial em organizações criminosas, deverá se destacar o procedimento para a infiltração, bem como os requisitos legais. Dessa forma, este tópico irá explicar os procedimentos e requisitos para que a infiltração policial se dê como um meio de obtenção de provas, de forma legítima e legal.

O legislador, ao criar a Lei 12.850/13, teve o cuidado de dispor claramente sobre o procedimento a ser adotado para a infiltração de agentes de polícia e os requisitos legais para que se torne um meio legal, ou seja, de forma a não ser questionado o material adquirido durante este período de infiltração.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso LVI são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Este princípio de inadmissibilidade de provas ilícitas no processo penal é caracterizado pela prevenção, visto que, o Estado impede que as autoridades estatais se utilizem de meios ilegítimos para gerarem provas.

 

3.3.1        Autorização para a infiltração

 De acordo com o disposto no artigo 10 da Lei 12.850/13, a infiltração policial dar-se-á com autorização judicial, após representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público, ou por requerimento deste.

Em relação à autoridade policial, seu pedido só é pertinente durante as investigações criminais. Como o Ministério Público é o titular da ação penal pública e, por conseguinte destinatário final das investigações, na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente deverá ouvir o órgão ministerial antes de proferir sua decisão. (BRASILEIRO, 2014, p. 568)

Dessa forma, somente o delegado de polícia poderá representar a infiltração policial, quando no curso do inquérito policial e investigar a atuação da organização criminosa. O delegado de polícia, ao representar a infiltração policial,  somente o juiz poderá deferir sua decisão, após ouvir o Ministério Público. Para conceder tal procedimento investigatório, o requerimento da autoridade policial deverá constar a necessidade da medida, alcance das tarefas do agente e, ainda, nomes e apelidos das pessoas investigadas, e quando possível o local da infiltração.

Em se tratando da necessidade de tal medida, esta deverá ser extrema ou menos invasiva, ou seja, só será aplicada caso não haja outra técnica a ser tomada para obter provas, pois se trata de um procedimento arriscado ao agente que irá se infiltrar na organização criminosa.

Além de demonstrar a necessidade da medida, deverá também constar o alcance das tarefas dos agentes, ou seja, no ato do requerimento far-se-á necessária a indicação de quais possíveis condutas o agente infiltrado poderá ter dentro da organização e durante o procedimento investigatório. Tendo em vista que, o agente público poderá cometer crimes e ainda poderá utilizar de outros meios para a obtenção de prova, como por exemplo, a filmagem e captação de sons dos envolvidos nas organizações criminosas. Exemplo de que todas as medidas e condutas do agente devem estar previamente autorizadas é o caso relatado no livro de Rafael Pacheco:

(...) um policial permaneceu seis meses “trabalhando” em uma empresa, o que lhe possibilitou tirar fotos e observar o cotidiano até se chegar aos suspeitos que ocupavam as funções dentro da organização criminosa. Para evitar a revelação da real identidade do agente infiltrado e garantir a sua integridade, foram tomadas medidas de lastro, como a “criação” de uma empresa de consultoria para a qual trabalharia o agente, cartões de visita, locação de imóvel para reuniões sociais, dentre outras. Mediante autorização judicial. Foram confeccionados documentos falsos com o nome utilizado pelo policial, também foi criado e-mail profissional e designados outros policiais para manter sua segurança quando de seus encontros com os integrantes da quadrilha. De acordo com o autor, no decorrer da ação e com base nas informações repassadas ao Promotor, “lançou ”-se mão de uma série de instrumentos jurídico-legais colocados à disposição dos órgãos de persecução penal, como captação ambiental de sinais óticos e acústicos, interceptação telefônica e telemática, acesso a informações de operações financeiras, ação controlada, quebra de sigilo fiscal, busca e apreensão, sequestro de bens, e por fim, a prisão temporária. Vale salientar que o procedimento investigativo foi integralmente judicializado e que ao tempo do encerramento deste livro, a defesa não questionou absolutamente nada acerca da infiltração realizada. (PACHECO, 2007)

Nota-se a necessidade da prévia autorização judicial para a utilização da infiltração policial como meio de obtenção de provas, constando ainda outros meios de obtenção de provas e possíveis condutas a serem executadas dentro da organização criminosa no curdo da infiltração.

Além de a autoridade policial requerer autorização para a infiltração policial, também o Ministério Público poderá requerer a infiltração policial à autoridade judicial, tanto na fase investigatória, quanto no curso da instrução processual, pois o órgão ministerial possui titularidade da ação penal pública e, por conta de jurisprudência, possui poder investigatório.

EMENTA: RECURSO. EXTRAORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PODERES DE INVESTIGAÇÃO. QUESTÃO DA OFENSA AOS ARTS. 5º INCS. LIV E LV, 129 E 144, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. APRESENTA REPERCUSSÃO GERAL O RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE VERSE SOBRE A QUESTÃO DE CONSTITUCIONALIDADE, OU NÃO, DA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.DECISÃO: 1. A Federação Interestadual do Sindicato de Trabalhadores das Polícias Civis – DF – FEIPOL requer seu ingresso no processo na qualidade de amicus curiae. Para tanto, aduz a “inequívoca pertinência temática entre a matéria ventilada na presente ação e a finalidade precípua da Entidade Requerente, que consiste na defesa de direitos e interesse da categoria dos servidores policiais civis que forma sua base” (fl.266). 2. A intervenção deve autorizada. Conforme se  extrai do estatuto, o requerente é a associação destinada a “representar perante o Executivo e Legislativo (Federal, Estadual e Municipal), e ao poder Judiciário, os interesses da Categoria Policial Civil, judicial e/ou extrajudicialmente” (fl. 289). Vê-se, pois, que ostenta adequada representatividade (adequacy of representation) dos interesses envolvidos na causa, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 e do art. 323, § 2º, do RISTF, a título de requisito de viabilidade da intervenção como amicus curiae. Afinal, é a entidade representativa das entidades sindicais das categorias que representa os policiais civis, interessados na apreciação do tema da atribuição de poderes investigatórios, reputados pela entidade como próprios dos órgãos policiais, ao Ministério Público. 3. Defiro, portanto, o ingresso do requerente na qualidade de amicus curiae, devendo a Secretaria proceder às anotações pertinentes. Determino, ainda, seja disponibilizada, no site do Tribunal, a digitalização integral dos autos, para fins de consulta. Prejudicado, assim, o pedido de vista dos autos pelo requerente. Publique-se. Int. Brasília, 7 de abril de 2010. Ministro CEZAR PELUSO Relator(RE 593727, Relator (a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 17/04/2010, publicado em DJe-066 DIVULG 14/04/2010 PUBLIC 15/04/2010)

Nota-se que o entendimento ministerial é favorável para que o Ministério Público tenha o poder de investigação, de forma que, além de fazer o papel de acusador e fiscal da lei, poderá também presidir investigações e requerer à Autoridade Competente que instaure inquérito policial, além de requerer que uma infiltração policial seja feita.

Ainda no requerimento, o delegado de polícia ou o Ministério Público, deverão constar previamente os nomes e apelidos das pessoas investigadas, demonstrando assim, a existência de uma organização criminosa, caso estas informações sejam conhecidas. Tal disposição encontra-se no artigo 11 da Lei 12.850/13, que dispõe da seguinte forma:

O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração.

Depois de autorizada a infiltração, o Ministério Público acompanhará a sua execução, e a qualquer tempo o delegado de polícia ou o Ministério Público poderão solicitar relatório das atividades executadas pelo agente infiltrado, conforme dispõe a Lei 12.850/13 “Art. 10, §5º. No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração.”

Uma vez deferida a infiltração, sua execução deve ser acompanhada pelo Ministério Público, no papel de titular da ação penal e de órgão de controle externo da atividade policial (CF, art. 129, I e VII). Destarte, a qualquer tempo, o Ministério Público poderá requisitar relatório da atividade de infiltração (Lei 12.850/13, art. 10, §5º, in fine) (BRASILEIRO, 2014, p. 570).

O Ministério Público exercendo o seu poder investigatório, também poderá requerer relatórios do procedimento policial, de forma que, acompanhe todo o processo de infiltração, podendo ainda intervir, quando necessário, para que cesse a infiltração do agente na organização criminosa.

3.3.2        Requisitos para a infiltração de agentes

A Lei 9.034/95 trazia, em seu artigo 2º, V, a modalidade de infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, mediante circunstanciada e sigilosa autorização judicial, tendo posteriormente, com a edição da Lei 12.850/13, mantido estes requisitos para a infiltração.

Nesse sentido, entende-se que o magistrado deverá fixar toda e qualquer atuação possível do agente na condição de infiltrado, abrangendo ou limitando conforme a sua necessidade. Assim, “deverá fixar o objeto e conteúdo da atividade do agente infiltrado, que naturalmente, poderão ser ampliados ou restringidos de acordo com a necessidade advinda da produção dos resultados” (ROCHA, 2007, p. 09-10).

É notório que o juiz, nem o agente que irá se infiltrar saberão a profundidade das ações que deverá ter, devido a grande dificuldade e tamanha rede de ramificações das organizações criminosas, não sendo possível ter noção real da abrangência do infiltrado. Marcelo Mendroni destaca:

O mandado judicial pode conter, extensivamente, autorização expressa para que o agente, sendo favoráveis as condições e sem risco pessoal, apreender documentos de qualquer natureza, desde papéis a arquivos magnéticos; e, dispondo de equipamentos correspondentes, realize filmagens, fotografias e escutas ambientais e telefônicas. São meios de prova dos quais a polícia não pode prescindir e nada os impede, ao contrário, tudo favorece, sejam realizados pelo agente mediante expressa e prévia autorização judicial. Seria,  absolutamente inviável para cada situação vivida na infiltração, não só pelo evidente risco de periculum in mora, mas também, pela absoluta impossibilidade fática. São também providências que se encaixam com o princípio da proporcionalidade, pois se o agente pode estar infiltrado no meio dos criminosos, não há razão para que não possa, via de extensão e em compatibilidade com a sua função, demonstração cabal da situação criminosa vivenciada. (MENDRONI, 2009, p.111)

A infiltração policial não deverá ser única e somente uma carta de atuação da polícia. O magistrado deverá constar na autorização outras possíveis medidas investigativas, arroladas na Lei 12.850/13, a exemplo da captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, que será utilizada durante a ação do agente infiltrado na organização criminosa, tornando assim, as provas obtidas lícitas, devido àsua prévia autorização judicial.Destaca-se:

Fosse o agente infiltrado obrigado a buscar autorização judicial para cada situação vivenciada durante a execução da operação, haveria evidente prejuízo à eficácia deste procedimento investigatório, além de colocar em risco a própria segurança do policial. Daí, a importância de o magistrado, ao conceder a autorização judicial para a infiltração, pronunciar-se, desde já, quanto à execução de outros procedimentos investigatórios (BRASILEIRO, 2014, p. 562).

A autorização prévia de todas e possíveis formas de atuação, garantirá ao agente infiltrado uma segurança maior no seu desempenho. A necessidade de tal autorização deve ser antecedente à infiltração, devido ao grande risco que o agente poderá correr, caso seja obrigado a pedir autorização para cada atuação dentro da organização criminosa.

Outro requisito para a infiltração policial relaciona-se ao fummus comissi delicti e periculum in mora, ou seja, a comprovação da existência de um crime praticado por organizações criminosas, tratado na Lei 12.850/13, em seu artigo 10º, §2º, primeira parte: “será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal”. Destaca-se:

Não se faz necessária a prova cabal da existência da organização criminosa, até mesmo porque, fosse isso necessário, não haveria motivo para a produção de quaisquer outros elementos de informação. Em face da complexidade dos crimes decorrentes dasorganizações criminosas, geralmente praticados por agentes residentes em estados e/ou países diversos, o que acaba dificultando a identificação de todos os integrantes, o dispositivo legal sob comento não exige a presença de indícios de autoria (ou de participação), como se faz necessário, por exemplo, para a decretação de prisão preventiva (CPP, art. 312) (BRASILEIRO, 2014, p. 563)

É notório que não se exige uma prova concreta da existência de uma organização criminosa, haja vista que, caso fosse possível, não seria necessária a infiltração de policias para produção de provas e elementos de convicção para desarticular a organização, bem como a prisão de todos seus integrantes.Ao contrário do Código de Processo Penal, a Lei 12.850/13, não exige a presença de indícios de autoria, como ocorre na decretação da prisão preventiva.

Uma prova disso é o dispositivo legal no artigo 11, da Lei 12.850/13, que deixa claro que os nomes e apelidos das pessoas envolvidas na organização criminosa, bem como o local da infiltração, deverão constar no requerimento, quando possíveis.

Quanto ao periculum in mora, deverá se atentar ao atraso da realização da medida, haja vista que a demora poderá ocasionar a prática de novos delitos, além de representar grande dano para a aplicabilidade da lei penal.

Em relação à indispensabilidade da infiltração policial, tal procedimento deverá ocorrer caso a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis na Lei 12.850/13. Levar-se-á em consideração o princípio da proporcionalidade, por ser uma medida mais invasiva e de maior risco para o agente, só deverá ser utilizada se for de extrema necessidade.

A infiltração deve ser precedida por outros meio de obtenção de prova, mesmo que igualmente invasivos, como, por exemplo, a interceptação das comunicações telefônicas. Considerando-se, os riscos inerentes à infiltração de agentes de polícia e o grau de invasão inerente à adoção desta técnica especial de investigação, antes de adotá-la, deve o magistrado verificar se não há outro meio de prova ou de obtenção de provas menos invasivo (BRASILEIRO, 2014, p. 563).

O legislador, ao criar este dispositivo de lei, determinou que tal procedimento investigatório deva ser precedido de outros meios de obtenção de provas, sem riscos à vida do agente. O magistrado que receber o requerimento ou a representação para a infiltração de agentes de polícia, deverá se atentar se não é possível obter as provas incriminadoras por outros meio, como a interceptação telefônica dos investigados. Neste sentido, destaca-se:

É intuitiva a obrigação de se demonstrar a necessidade da infiltração. O grau de invasão na esfera particular do indivíduo (ainda que se trate de um membro de organização criminosa), e o risco inerente à diligência que correrá o agente infiltrado, reclamam que se aponte a necessidade da medida. Como taldeve entender mesmo a “imprescindibilidade da medida”, isto é, a impossibilidade de obtenção de prova senão por meio da infiltração.Claro: podendo ser colhida a prova por meios outros que não importem nos inconvenientes acima apontados, não se deve deferir sua realização. A análise será realizada casuisticamente, frente ao caso concreto que é apresentado, cabendo ao juiz, animado pelo bom sendo, decidir a respeito (CUNHA, 2014, p. 105)

Faz-se necessária a demonstração do procedimento de infiltração, tendo em vista que a invasão do agente no meio criminoso pode gerar risco à sua vida. A infiltração policial deverá ser de último caso, deferida pelo juiz, pois cabendo outros meios de obtenção de prova, a infiltração policial não precisará ocorrer. Deverá ser feita uma análise a cada caso concreto, definindo assim, qual o melhor meio de se obter provas para incriminar e punir os integrantes das organizações criminosas.

Em face de vulnerabilidade do agente e uma possível corrupção, deverá haver uma preparação ideal para laborar a tarefa de investigação. O magistrado Flávio Cardoso Pereira elenca os caracteres básicos desse agente:

Perfil físico compatível com as dificuldades da operação, inteligência aguçada, aptidão específica para determinadas missões, equilíbrio emocional vez que poderá ficar distante do âmbito familiar por tempo indeterminado, sintonia cultural e étnica compatível com a organização a ser infiltrada etc. (PEREIRA, 2009, p. 117).

Não será todo, nem qualquer policial apto para exercer a tarefa de investigação, tendo em vista a periculosidade do método investigatório. Vários aspectos podem ser levantados, mas pode-se destacar a periculosidade da infiltração, trazendo risco eminente à vida do policial, caso a infiltração saia do controle. Além do perigo à vida, o agente terá que ter um equilíbrio emocional, haja vista que o mesmo irá ficar longe de seus familiares.

Consoante disposto no artigo 14, I, da Lei 12.850/13, o agente policial indicado a se infiltrar na organização criminosa poderá, por direito, recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada. A recusa ou a cessação da infiltração não caracteriza a insubordinação, por se tratar de um meio arriscado e perigoso para a vida do agente. Deste modo, o agente policial poderá, voluntariamente, manifestar seu interesse em participar ou não da infiltração, tendo o legislador destacado como um direito do agente, sendo este um requisito para a infiltração policial.

3.4              A responsabilidade do policial infiltrado em organizações criminosas

A responsabilidade penal significa ter a obrigação de responder criminalmente pelos atos praticados em controvérsia com a legislação penal, fato este considerado um crime ou contravenção no âmbito jurídico. Trata-se de uma consequência pelo cometimento de um crime, tipificado na legislação vigente.

O Código Civil de 2002 descreve em seu Art. 927, o seguinte: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Nota-se que a pessoa que cometer um ilícito, seja ele penal ou civil, ficará obrigada a uma sanção. No âmbito civil, a sanção imposta é a reparação do dano causado a outrem. Já no âmbito penal, o cometimento de um ilícito, acarretará a uma sanção, seja ela pecuniária, ou com restrições de direito e obrigações.

Após a autorização para a infiltração do agente, o mesmo passará a integrar a organização criminosa como se fosse um de seus membros, pois os demais integrantes exigirão do agente, condutas que contribuam com a execução de crimes, já que a recusa do agente infiltrado poderá acarretar no descobrimento do disfarce, levantando à suspeita de ser um policial e colocando em risco não somente a operação, mas também ,a integridade física do policial.

Anteriormente, a revogada Lei 9.034/95 não dispunha da responsabilidade criminal do agente infiltrado, apesar de ser regulamentada pela mesma. O legislador diante das lacunas da antiga lei notou a necessidade e importância de uma nova lei contra as organizações criminosas, discorrendo sobre o assunto em seu artigo 13, destacado da seguinte maneira: “O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados”.

Por este dispositivo de Lei 12.850/13, o legislador fez referência à proporcionalidade, mas não explicitou o que poderia ser compreendido como devida proporcionalidade com a finalidade da investigação. A proporcionalidade refere-se em manter o equilíbrio entre as ações, ponderando os pontos positivos e negativos, o bem e o mal, a omissão e o excesso, ou seja, saber que há duas formas de se prosseguir,  praticando a conduta coerente em cada caso concreto, chegando à proporcionalidade da conduta a ser praticada. Dessa forma, Vicente Greco Filho, dispõe que:

(...) Na descrição da operação e na analise técnica a ser submetida ao juiz para autorização já pode haver menção de alguns deles, de modo que está gerada a presunção de sua legalidade. A prática da operação, porém, pode gerar situações imprevisíveis cuja análise será feita a posteriori, mantendo-se a advertência acima feita de que a interpretação deve levar em consideração a necessidade, a inexibilidade de conduta diversa e a pressão das circunstâncias de risco em que se encontra o agente. (FILHO, 2014, p.63)

Desse modo, é possível notar que o agente infiltrado, mediante prévia autorização judicial, com intuito de obter provas contra as organizações criminosas, ao cometer ilícitos não poderia ser penalizado, por estar representando o Estado.

Estando este na condição de infiltrado, o mesmo irá produzir não somente provas para penalizar os envolvidos em organizações criminosas, mas também, obter provas para condená-lo.

Nesse sentido, Manuel Augusto Alves Mereis destaca que “o que é imoral, no processo de infiltração, é o fato de ser o suspeito, involuntariamente, produzir a prova da sua própria condenação” (MEREIS, 1999, p. 171).

O fato de o agente estar dentro da organização criminosa não o coloca como criminoso, mas deverá ser tratado como “O Estado”, sob forma de um agente público, tentando obter provas para punir uma organização criminosa que atua em diversos delitos, confrontando as leis do país. Pode-se considerar que:

Afinal, o fato de haver prévia autorização judicial para a utilização desta técnica especial de investigação, permitindo sua infiltração no seio da organização criminosa, tem o condão de afastar a ilicitude de sua conduta, diante do estrito cumprimento do dever legal (CP, art. 23, III) (BRASILEIRO, 2014, p. 572).

Pode-se inferir que o agente infiltrado estaria respaldado pela prévia autorização judicial, além de estar amparado pelo estrito cumprimento do legar legal, elencado no artigo 23, inciso III do Código Penal Brasileiro, como causa de exclusão de ilicitude.Nesse entendimento, Bittencourt diz que “Cremos, sob este aspecto e a depender, evidentemente de cada caso concreto, que não obstante a conduta típica, estaríamos diante de um estrito cumprimento do dever legal se o ato praticado fosse “rigorosamente necessário” (Bitencourt, 1999, p. 89).

É importante ressaltar que se não fosse o agente infiltrado um policial e não estivesse trabalhando sob o cumprimento de ordens superiores estaria ele incorrendo em um ilícito penal. Pois a norma penal descreve uma determinada conduta constituindo-se em uma norma geral e abstrata e, portanto, válida para todos, se consumada na vida concreta, ocorreria o fenômeno da subsunção. Por subsunção entende-se que “subsunção é o enquadramento do caso concreto à norma legal em abstrato aplicável” (NETTO, 2012, p. 524).

Há subsunção quando um caso concreto se enquadra a uma legislação em abstrato. Isto é, quando alguém pratica uma conduta tipificada na lei, logo este está confrontando a legislação, sendo punido por sua conduta. Um exemplo é quando alguém pratica a conduta de subtrair coisa alheia, este será punido pelo crime de furto.

Porém, no caso de infiltração, o que se tem é uma exclusão de sua responsabilidade perante o ilícito penal. Entretanto, não se deve esquecer que o excesso das condutas deverá ser responsabilizado.

Em situações normais, no caso de infiltração a situação não é regra, pois o agente comete o ilícito mediante ordem e autorização judicial, cumprindo a sua função de policial. Assim, ele estaria acobertado na excludente de ilicitude prevista no art. 23, III, do Código Penal, descrevendo que “Não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.

O estrito cumprimento do dever legal é uma causa de excludente de criminalidade, em virtude de a conduta caracterizar um ilícito, mas não poderá ser punível, tendo em vista que não possui juridicidade. É de forma estrita, pois deve respeitar a forma imposta, os limites estabelecidos. O agente atuando como infiltrado em organização criminosa, em razão do estrito cumprimento do dever legal, não poderá incorrer em crime. Nesse sentido, destaca-se:

A exclusão da antijuridicidade é evidente e inafastável, pois, havendo autorização para a infiltração do agente, que significa integrar o bando, mas para fins de investigação criminal, que serve aos fins dos órgãos de persecução. Ele não estaria na verdade integrando a organização criminosa, mas sim, dissimulando a sua integração com a finalidade de coletar informações e melhor viabilizar o seu controle (MENDRONI, 2006, p. 55)

Diante desta circunstância, o agente que se infiltrar em organizações criminosas, passará a agir como se fosse um de seus membros, pois se fosse para somente coletar dados, o mesmo não estaria na organização como um membro e sim, um mero informante que repassaria as informações para o Estado. Pode-se frisar que o agente não fazendo parte e não agindo como um membro levantaria suspeita e poderia acabar com a investigação e se expor ao perigo.

Rafael Pacheco discorda da afirmação de que, o agente infiltrado terá que cometer crimes como prova de fidelidade aos demais integrantes das organizações, dispondo que “(...) nem sempre será necessário praticar crimes, pois pode o infiltrado atuar em diversos níveis da organização, inclusive em uma de suas faces lícitas, pela qual poderá cumprir seu dever sem a necessidade imperiosa e mandatária de delinqüir” (PACHECO, 2008, p. 88).

Por outro lado, na hipótese de o agente infiltrado estar sendo coagido a praticar crimes, o mesmo, para garantir sua integridade física e para obter confiança dos demais integrantes, dispondo da inexigibilidade da conduta diversa, como causa de excludente de culpabilidade, o ideal seria concluir o que lhe impõe.

A culpabilidade penal é a combinação de três elementos jurídicos que são: exigibilidade de conduta diversa, imputabilidade e potencial consciência da ilicitude. Quando faltar um desses elementos, inexiste a culpabilidade do agente, ou seja, para que ocorra a punição dele,deverão ser observados tais requisitos da culpabilidade. Caso falte um desses requisitos não poderá ser punido, sendo uma causa de excludente de culpabilidade, devendo então ser absolvido.

A inexigibilidade de conduta diversa é uma causa supra legal de exclusão de culpabilidade, sendo esta uma solução não prevista, expressamente, na legislação brasileira, mas em coerência com o ordenamento jurídico, podendo ser empregada para benefício ao acusado. Renato Brasileiro, ainda destaca que:

Em prol da infiltração do agente, nada justifica o sacrifício de uma vida. No entanto, se um policial infiltrado, impossibilitado de impedir o pior, se vir obrigado a atirar contra uma pessoa por ter uma arma de fogo apontada para sua própria cabeça, não se pode estabelecer um juízo de reprovação sobre sua conduta, porquanto, no caso concreto, não lhe era possível exigir conduta diversa. (BRASILEIRO, 2014, p. 572)

Se for possível, o policial infiltrado optar por outra ação, o mesmo deverá fazê-la, sob pena de incorrer em ilícito penal e poderá ser punido pelo ato praticado, pois não se atentou ao fato de responder quando inexigível conduta diversa. Dispõe na Lei 12.850/13, de forma expressa, no artigo 13, parágrafo único que “Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa”.

Entende-se que o agente infiltrado, ao fazer parte da organização criminosa, pode escolher outra atitude a ser tomada quando imposta uma tarefa. O mesmo não responderá pelo crime, diante da inexigibilidade conduta diversa, ou seja, o agente infiltrado quando não puder optar por outra conduta, não será punido pelo crime cometido por ele. OSuperior Tribunal de Justiça entende do seguinte modo, in verbis:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. - INEXIGIBILIDADE DE OUTRA CONDUTA. CAUSA LEGAL E SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DE CULPABILIDADE, CUJA ADMISSIBILIDADE NO DIREITO BRASILEIRO JA NÃO PODE SER NEGADA. - JURI. HOMICÍDIO. DEFESA ALTERNATIVA BASEADA NA ALEGAÇÃO DE NÃO EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. POSSIBILIDADE, EM TESE, DESDE QUE SE APRESENTEM AO JURI QUESITOS SOBRE FATOS E CIRCUNSTÂNCIAS, NÃO SOBRE MERO CONCEITO JURÍDICO. - QUESITOS. COMO DEVEM SER FORMULADOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 484, III, DO CPP, A LUZ DA REFORMA PENAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA EXTIRPAR-SE DO ACORDÃO A PROIBIÇÃO DE, EM NOVO JULGAMENTO, QUESTIONAR-SE O JURI SOBRE A CAUSA DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE EM FOCO. (STJ - REsp: 2492 RS 1990/0002487-0, Relator: Ministro ASSIS TOLEDO, Data de Julgamento: 23/05/1990, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 06.08.1990 p. 7347 RSTJ vol. 15 p. 377 RT vol. 660 p. 358)

Diante do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nota-se que, se a conduta exercida pelo agente público poderia ser evitada, ou seja, agir de outra maneira não justificando tal conduta, logo este seria punido, caso não houvesse outra maneira de se prosseguir, o agente não será punido pela conduta praticada. Roberto Brasileiro destaca sobre o assunto da seguinte maneira:

Excluindo-se apenas a culpabilidade do injusto penal praticado pelo agente infiltrado, isso significa dizer que subsiste a tipicidade e ilicitude da conduta, permitindo, por meio da teoria da acessoriedade limitada, a punição dos demais integrantes da organização criminosa pelas infrações penais praticadas. (BRASILEIRO, 2014, p. 573)

Nota-se que diante da teoria da acessoriedade limitada, os integrantes da organização que estiverem ligados diretamente à atitude tomada pelo policial infiltrado, responderá pelo crime dele praticado. Para que isso ocorra, a conduta praticada pelo agente infiltrado deverá ser típica e antijurídica. Significa que no caso concreto, a participação de outro integrante da organização terá que ser acessória da principal, não exigindo que o autor seja culpável.Por conseguinte, Cunha, doutrina com o mesmo entendimento, da seguinte forma:

Com esta solução, sendo o agente infiltrado induzido, instigado ou auxiliado a praticar um crime no âmbito da organização, respeitando a proporcionalidade e sem extrapolar a finalidade da investigação, sendo dele inexigível conduta diversa, exclui-se apenas a culpabilidade do injusto por ele praticado, permanecendo típico e ilícito, possibilitando de acordo com a teoria da acessoriedade limitada (ou média), a punição dos partícipes (integrantes da organização) pelo delito praticado. (CUNHA, 2014, p. 116)

O entendimento doutrinário acerca da responsabilidade penal do agente infiltrado é de que o agente não será punido pelos crimes praticados. Partindo-se do princípio da inexigível conduta diversa, ou seja, o agente ao se infiltrar em uma organização criminosa, em alguns casos, terá que cometer crimes para não prejudicar o andamento da investigação, tampouco para não por sua vida em risco, para ganhar assim, confiança e respeito dos integrantes das organizações, quando não tiver outra maneira de se proceder.

As manobras criadas pelo Estado, como a criação da Lei 12.850/13, antes precedida pela Lei 9.034, são de grande importância e utilização, a fim de desbaratar um mal que ele mesmo criou com a ausência de uma legislação eficaz no combate ao crime organizado. A referida lei trouxe de forma expressa que não será punível o agente infiltrado no âmbito da infiltração, a prática de crimes durante a investigação, quando exigir conduta diversa, mas responderá pelos excessos praticados

Assim, a partir dos estudos realizados, conclui-se que o Estado, ao utilizar a infiltração policial como meio de obtenção de provas, no curso da autuação, não punirá o agente pelas condutas delitivas praticadas por ele, quando exigir conduta diversa, mas sempre ponderando tais condutas, partindo-se também do princípio da proporcionalidade, podendo ser responsabilizado pelos excessos praticados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho pretendeu responder se o agente infiltrado poderá ser responsabilizado penalmente, quando praticar crimes no curso da investigação. Durante o estudo realizado, pôde-se observar que o agente infiltrado em organizações criminosas, ao praticar condutas delituosas não será punido pelos crimes, quando inexistir uma conduta diversa, mas poderá responder pelos excessos praticados.

Neste trabalho, se buscou vislumbrar a responsabilidade penal do agente infiltrado prevista na Lei 12.850/13, como meio de obtenção de provas. Não será punido o agente que, no curso da infiltração, cometer ilícito penal quando inexigível conduta diversa, isto confirma a hipótese levantada no início da pesquisa, visto que o agente policial se infiltrará nas organizações criminosas em busca de provas incriminadoras, na condição de representante do Estado.

Ademais, a lei não se mostrou omissa em relação à responsabilidade penal do agente infiltrado, já que a infiltração policial é um método de investigação da atual lei das organizações criminosas que necessita de autorização judicial para ser efetivada. Desta forma, com o consentimento do juiz, que descreverá possíveis condutas a serem exercidas pelo agente durante a infiltração.

Foi trazida à baila a estruturação de políticas no combate ao crime organizado, tendo o Estado brasileiro adotado em primeiro momento, a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional. Posteriormente, o Brasil, notando a evolução das organizações criminosas, começou a editar leis contra o crime organizado, como a 9.034/95, que não atendeu aos parâmetros sociais e no ano de 2001, editou a Lei 10.217/01 que alterou os artigos 1º e 2º, introduzindo como meio de obtenção de provas, a infiltração policial por agentes de polícia ou de inteligência.

Feito isto, traçou-se um breve histórico acerca do surgimento das organizações criminosas no mundo e em especial no Brasil e o tratamento da matéria na legislação especial. Contextualizou-se o crime organizado no Brasil e suas características, como por exemplo, o objeto ilícito comercializado pelas organizações criminosas que vão desde o jogo do bicho ao tráfico internacional de drogas e armas.

Posteriormente foi feito um risco nas principais leis utilizadas no combate ao crime organizado. Anteriormente, a antiga lei contra o crime organizado deixava a desejar em vários aspectos conceituais e processuais. O legislador brasileiro notou a ineficácia desta lei e editou a 12.850/13, que além de conceituar o que é organização criminosa, extinguiu a infiltração de agente de inteligência, passando a infiltração ser somente a cargo de agentes de polícia. A Lei 12.850/13 trouxe uma pena a ser imposta àquele que promove, constitui, financia ou integra, pessoalmente, ou por interposta pessoa, organização criminosa.

Destarte, em caráter atual e bem estruturado que as organizações criminosas vêm se equipando cada vez mais, se tornando uma dificuldade para garantir a segurança da sociedade. O Estado se mostra também disposto a acompanhar a evolução destas, com ferramentas que possam ser eficazes para a desarticulação das organizações e punir os seus integrantes.

A Lei 12.850/13 trouxe um rol exemplificativo dos meios para a obtenção de provas que poderão ser, em qualquer fase da persecução penal, autorizados sem prejuízo de outros já constituídos em lei. Nesse sentido. Foi feita uma conceituação nos institutos de investigação, desde a colaboração premiada à cooperação entre instituições e órgãos, sejam eles federais, estaduais ou municipais.

Em seguida, fez-se uma análise acerca da técnica da infiltração policial, tendo como principal objetivo demonstrar a responsabilidade penal do agente infiltrado em organizações criminosas. Uma contextualização da técnica de infiltração foi feita para demonstrar a atribuição da infiltração que é realizada somente por agentes de polícia e também o procedimento judiciário na autorização da infiltração policial, como os requisitos para a infiltração. Notou-se que a infiltração policial somente ocorrerá com a autorização judicial, isto porque o procedimento é invasivo e poderá trazer riscos à vida do agente infiltrado.

 Observou-se que na autorização judicial constarão as possíveis condutas a serem praticadas pelo agente infiltrado. Tendo em vista que no deslumbrar da investigação o agente poderá cometer ilícitos penais, não somente para ganhar a confiança dos demais integrantes, mas também,cometerá ilícitos para salvar sua vida, pois se descobrirem sua identidade trará riscos não somente para a investigação, mas também, à sua integridade física.

Isso se explica a necessidade prevista pelo legislador da Lei 12.850/13 de garantir que a infiltração policial venha a ser autorizada anteriormente, para que assim, determinam-se as condutas a serem exercitadas pelo agente infiltrado.

Observa-se, pois, que em virtude de tal autorização, o agente infiltrado seja resguardado pela mesma, não sendo responsabilizado penalmente contra os ilícitos cometidos.

Igualmente, o entendimento doutrinário acerca da responsabilidade penal do agente infiltrado é de que ele não será punido pelos crimes praticados. Partindo-se do princípio da inexigível conduta diversa, ou seja, o agente não será penalizado quando não exigir outra conduta e terá que agir daquela forma para garantir êxito nas investigações e não exporem risco a sua vida, mas poderá ser penalizado caso ocorra excessos em sua conduta.

A partir da teoria da acessoriedade limitada, os integrantes que estiverem ligados diretamente à conduta exercida pelo policial infiltrado, responderá pelo crime que praticou. Será excluída a culpabilidade do agente infiltrado, mas subsistirá a tipicidade e ilicitude da conduta, punindo então os demais integrantes da organização criminosa.

Por fim, conclui-se que o panorama do instituto da infiltração policial frente à responsabilidade penal do agente infiltrado mostra que o policial, ao cometer condutas criminosas dentro da organização, não será punido penalmente, mas os demais integrantes ligados a sua conduta, responderão por tal.

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