1. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS NA SOCIEDADE LIMITADA E A DESCONSIDERAÇÃO DE PESSOA JURIDICA

1.1. A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS NA SOCIEDADE LIMITADA

A sociedade limitada, segundo estatísticas do próprio DNRC - Departamento Nacional de Registro do Comércio, é o tipo jurídico de sociedade mais utilizado no Brasil. Antes do novo Código Civil esta matéria era disciplinada pelo Decreto n.3.708 de 10 de janeiro de 1919, que a intitulava de sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Com as novas determinações do Código Civil, passou a ser chamada simplesmente de sociedade limitada.

Sua utilização expressiva historicamente vem se dando em decorrência, sobretudo, do grande atrativo da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade. Com esta característica básica, o patrimônio pessoal dos empreendedores, como regra, não fica exposto a eventuais insucessos do negócio.

A partir do momento em que a sociedade é constituída mediante contrato escrito e registrado ou arquivado na Junta Comercial do Estado, tem-se aí o início da existência da pessoa jurídica de direito privado. Esta sociedade, embora composta de sócios - pessoas naturais ou pessoas jurídicas, passa a ter "vida própria", não se confundindo com as pessoas que a compõem, assumindo obrigações, direitos, podendo ainda ser parte em processos administrativos e em ações judiciais.

Nas relações negociais e operacionais da sociedade na busca da consecução de seus objetivos, assume a sociedade as mais variadas obrigações perante terceiros. Entretanto, o patrimônio pessoal dos sócios não fica totalmente exposto. Neste sentido determina o artigo 1.052 do código que na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Para a verificação da responsabilidade dos sócios, observa-se que um ponto importantíssimo nesta questão é o capital social. A obrigação fundamental e indispensável de cada sócio é a integralização da sua quota de capital. Quando os sócios assinam o contrato social para constituição da sociedade, naquele ato, subscrevem as quotas de capital com as quais passará a participar do negócio. Esta subscrição é a manifestação formal na qual assumem a obrigação de integralizá-la, ou seja, entrar com recursos na sociedade.

A integralização do capital social pode ser efetivada em moeda corrente, em bens ou com direitos a receber (títulos de crédito, etc.). A efetiva responsabilidade de cada sócio é pela integralização de sua quota, respondendo entretanto de forma solidária com os demais, na hipótese de algum sócio não cumprir com sua integralização.

Portanto, os sócios respondem pela integralização de suas quotas de capital e estando o capital social totalmente integralizado, o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade.

Havendo parte do capital social não integralizada os sócios respondem solidariamente pela quantia que falta para a completa integralização, cabendo ação de regresso contra o sócio que efetivamente não integralizou sua parte.

Assim, em dívidas da sociedade, os credores só podem executar os bens dos sócios até o limite que falta para a integralização do capital social da empresa. Se a sociedade falir, por exemplo, e estando o capital social totalmente integralizado, o prejuízo é dos credores, pois o patrimônio pessoal dos sócios não pode ser executado.

Nas operações da empresa asseguradas por fiança ou aval dos sócios, os bens dos fiadores ou avalistas serão executados, não sendo neste caso assegurada a limitação de responsabilidade.

Para melhor compreensão, fiança é a obrigação acessória assumida por terceira pessoa, que se responsabiliza, total ou parcialmente, pelo cumprimento da obrigação do devedor, caso este não a cumpra ou não possa cumpri-la, enquanto que aval é a garantia pessoal, plena e solidária, que se dá de qualquer obrigado ou coobrigado em título cambial.

Ainda sobre a questão da responsabilidade na sociedade limitada, existem algumas hipóteses em que os sócios respondem de forma subsidiária e ilimitada com seu patrimônio pessoal. São elas:

a) Deliberações contrárias à lei ou ao contrato social: O artigo 1.080 do código determina que as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram;

b) Sociedade constituída somente por marido e mulher contrariando o art.997 do Código Civil; Pelo artigo 977, faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória;

c) Débitos trabalhistas em que o poder judiciário busca a proteção do hipossuficiente nas relações trabalhistas;

d) Fraude contra credores quando se utilizada da autonomia patrimonial da sociedade. Esta hipótese poderá acarretar a desconsideração da pessoa jurídica, estabelecendo o art. 50 do código que em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica;

e) Débitos junto ao INSS. Pela Lei 8.620 de 05/01/1993 no seu artigo 13, o titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. Em seu parágrafo único está também previsto que os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa;


1.2. A DESCONSIDERAÇÃO DE PESSOA JURIDICA

1.2.1. Introdução


A desconsideração da pessoa jurídica, sem dúvida é um dos pontos de grande importância a ser observado pelos gestores. Por ser um tema de relevante interesse, sobretudo com sua positivação no código civil (artigo 50), vamos fazer um breve histórico de quando iniciou sua aplicação até hoje no nosso país.
A exploração da atividade empresarial requer a presença do empreendedor como sendo o elemento responsável pela articulação dos fatores de produção. Sem dúvida, a economia capitalista tem como um dos seus elementos fundamentais a presença do empresário, aquele que se dispõe a colocar em risco seu capital e todos os esforços a ele atrelados, com o objetivo de gerar negócios, empregos, renda e desenvolvimento.

Para a consecução destas metas o empresário precisa organizar seu empreendimento, não somente na essência do seu objetivo operacional, mas, sobretudo no que se refere à existência legal da sua empresa.

É neste momento que nasce a pessoa jurídica, cuja existência tem início com o registro ou arquivamento dos seus atos constitutivos, contrato ou estatuto social, no órgão competente, tornando pública sua existência.

No momento em que o empresário obtém o registro da sua empresa, começa aí uma nova realidade. Surge uma nova figura jurídica, distinta dos seus sócios, que passam a ser os responsáveis pelos destinos do empreendimento, sem, contudo confundir sua existência e independência com a de seus administradores.

Como conseqüências fundamentais do nascimento da pessoa jurídica, temos dois princípios básicos: o princípio da entidade contábil e o princípio jurídico da autonomia patrimonial. Dos dois, vamos abordar neste ato somente os efeitos da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.


1.2.2. A importância e o mau uso do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica


A importância da personificação da sociedade sob o aspecto jurídico decorre da própria necessidade de se criar mecanismos legais capazes de assegurar a distinção entre os sócios e a sociedade de modo a incentivar as pessoas a desenvolverem seus negócios.

Com a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a sociedade passa a responder legalmente pelas operações nela realizadas dentro dos limites de gestão estabelecidos nos seus atos constitutivos. Desta forma, a autonomia patrimonial constitui-se em um incentivo às pessoas, que passam a se dispor a colocar seu capital a serviço do empreendimento empresarial, tendo a garantia que não terá seu patrimônio pessoal ameaçado para suprir dívidas da pessoa jurídica. Isto é característico, sobretudo nas sociedades limitadas.

Com esta proteção patrimonial, que é uma espécie de escudo a defender a pessoa dos sócios, quanto ao seu patrimônio pessoal, muitos usam má fé e acabam praticando fraudes e abusos, lesando terceiros e credores. Se não houvesse um freio, ao se aplicar o princípio da autonomia patrimonial de forma absoluta, o credor passaria a ser refém das circunstâncias e da boa vontade do devedor.

Enquanto não se instituía um diploma legal para coibir as fraudes, nossos tribunais passaram, então, a firmar jurisprudência, visando coibir os excessos, decidindo que o direito à personalidade jurídica deveria sofrer restrições, podendo, em determinados casos, não levar em conta a distinção patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus sócios. Iniciava-se aí a aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica.


1.2.3. O código do consumidor


A inserção objetiva sob o aspecto legal deste tipo de medida de exceção sobre a desconsideração da pessoa jurídica surgiu pela primeira vez na legislação brasileira com o Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90, artigo 28), que assim estabelece: "O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso do direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração."


LEI 8.078 DE 11/09/1990 - Dispõe sobre a Proteção do Consumidor e dá outras providências:

ART.28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1º (Vetado).

§ 2º As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

§ 3º As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

§ 4º As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.


1.2.4. A lei antitruste


Posteriormente, a desconsideração da pessoa jurídica passou a fazer parte da lei que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica (Lei no 8.884/94, artigo 18, também conhecida como Lei Antitruste).


LEI 8.884 DE 11/06/1994 - Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE em Autarquia dispõe sobre a Prevenção e a Repressão às Infrações contra a Ordem Econômica e dá outras providências:

ART.18 - A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.


1.2.5. A lei de proteção ao meio ambiente


A exemplo do código do consumidor e da lei antitruste, veio em seguida mais um diploma legal, desta vez fazendo referência à desconsideração da pessoa jurídica nas questões relativas à proteção do meio ambiente.


LEI 9.605 DE 12/02/1998 - Dispõe sobre as Sanções Penais e Administrativas Derivadas de Condutas e Atividades Lesivas ao Meio Ambiente, e dá outras providências:
Art. 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.


1.2.6. O código civil


Como conseqüência da constituição da pessoa jurídica, a sociedade empresária passa a ser personalizada, tendo vinculado às suas relações jurídicas o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito empresarial. Por conta deste princípio, como regra, o patrimônio dos sócios não responde, pelas obrigações da sociedade.

Ressaltamos, porém que o princípio da autonomia patrimonial não tem prosperado em situações em que o credor é empregado, consumidor ou o estado, hipóteses em que o patrimônio dos sócios ou administradores responde pelas dívidas da sociedade. Igual tratamento tem sido aplicado nos casos de uso fraudulento ou abusivo do instituto da autonomia patrimonial, situação em que o juiz poderá determinar a desconsideração da pessoa jurídica, o que não significa sua extinção.

Quanto à questão da possibilidade da desconsideração da pessoa jurídica, o novo código civil positivou esta possibilidade no seu artigo 50. Esta determinação não existente no código anterior, nem no código comercial, veio cristalizar uma prática que, mesmo timidamente, já vinha sendo observada em alguns casos com o intuito de proteger os atos praticados de boa fé.

CÓDIGO CIVIL – LEI 10.406/02:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.


1.2.7. Quando aplicar a teoria da desconsideração da pessoa jurídica


A aplicação da desconsideração da pessoa jurídica deve ser motivada por umas das seguintes situações: a) utilização de forma abusiva da pessoa jurídica, com a intenção de escapar de obrigação legal ou contratual, ou mesmo fraudar terceiros credores; b) evitar a violação de normas de direitos societários; e c) impedir que a pessoa física pratique atos em proveito próprio utilizando a pessoa jurídica.

É bom observar que o simples fato do credor não conseguir receber seu crédito não implica necessariamente na possibilidade da desconsideração da pessoa jurídica. Tem que ficar devidamente comprovado a questão da má fé ou atos enquadrados dentro dos pontos citados.

É fundamental analisar com cuidado cada caso, haja vista a importância de se proteger os direitos da personalidade jurídica, como forma de que ela possa contribuir e atender ao fim para o qual foi criada e cumpra a sua função econômico-social, gerando emprego e renda, sem, contudo, se distanciar da preocupação de que esta proteção à personalidade jurídica não venha a ser utilizada como escudo ou obstáculo ao pagamento do credor.

2 - REFERÊNCIAS

FORTES, José Carlos. Direito Empresarial. Fortaleza: Editora Fortes, 2004.


GOMES, Fábio Bellote. Manual de Direito Comercial. 1ª ed, São Paulo, Ed. Manole, 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 13ª. ed,São Paulo: Saraiva, 2002.


FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil Comentado. 1ª. ed, São Paulo: Saraiva, 2002.


MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 16ª. ed, Rio de Janeiro. Forense, 1991.


NERY JUNIOR, Nelson. Novo Código Civil e Legislação Extravagantes Anotados, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.


REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 20ª. ed, São Paulo. Saraiva, 1991.


BULGARELLI, Waldírio. Direito Comercial. 8ª. ed, São Paulo. Atlas, 1981.