A RESPONSABILIDADE DO SÓCIO RETIRANTE NAS EXECUÇÕES TRABALHISTAS

Nome do autor: Ítalo Ariel Morbidelli
Qualificação do autor: advogado, especialista em processo civil, atua nas áreas de direito empresarial, trabalhista e cível


1. INTRODUÇÃO

A busca pela tutela jurisdicional plena nas execuções trabalhistas, somada a moderna Teoria da Despersonificação da Pessoa Jurídica (Disregard of Legal Entity), traz inúmeras conseqüências para a empresa executada e aos seus sócios, notadamente em relação aos seus bens.

A teoria da despersonalização da pessoa jurídica da sociedade tem sido aplicada na execução trabalhista quando constatada a prática de atos que acarretem o desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial realizada pelo sócio ou pelo administrador da empresa, no intuito de frustrar a execução. Por essa razão, exige-se atenção redobrada aos fatos e provas que demonstrem o dolo, a fraude, a dissolução irregular da empresa, a confusão patrimonial e o desvio de finalidade.

Nesse sentido, é o que se infere da redação do artigo 50, do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Um dos pontos de grande discussão é a responsabilidade do sócio retirante, ou seja, aquele que não pertence mais ao quadro societário da empresa, quando os bens da sociedade e dos atuais sócios, são insuficientes para a garantia da execução e conseqüentemente para a satisfação do crédito do exeqüente.

Diante dessa discussão, não se pode olvidar, que embora a execução trabalhista se faça no interesse do credor, consoante disposição do artigo 612 do Código de Processo Civil, os atos praticados para a satisfação desse interesse, devem, observar o Princípio da Execução Menos Gravosa para o Devedor, conforme autoriza o artigo 620 do CPC.

Por certo, havendo a possibilidade de a execução ser realizada por mais de uma modalidade, não há que se falar em prejuízo ao credor em razão da aplicação do princípio da "Execução Menos Gravosa", pois o exeqüente, embora de outra forma, terá a satisfação de seu crédito.

Aliás, em razão dos avanços conquistados, principalmente no campo da informática, é possível ao credor a obtenção de informações sobre a situação financeira da empresa executada e dos atuais sócios, através do Bacen jud, que impõem a constrição de ativos financeiros existentes na conta bancária do credor; Infojud, que permite o acesso a dados e declarações junto à Receita Federal; e-CPF que auxilia na busca de imóveis junto aos Cartórios de Registro de Imóveis, instrumentos estes, que colaboram com o credor na busca pelo recebimento de seu crédito.

Contudo, quando mesmo diante da utilização destes mecanismos, estes não se mostram suficientes e adequados, surge a problemática: Qual seria a responsabilidade do ex-sócio da empresa? Poderia ele ser responsabilizado sem a participação no processo de conhecimento. Esses são só alguns dos desdobramentos possíveis que podem ocorrer na fase de execução em relação ao sócio retirante da empresa.

2. Da Responsabilidade do Sócio Retirante


O artigo 1025 do Código Civil, disciplina que o sócio ingressante na sociedade, não se exime das dívidas sociais contraídas anteriormente à sua admissão.

Da mesma forma, tratou o CC de delimitar a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade nos artigos 1003 e 1032, que assim dispõem:

"Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade."

"Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação".

Pelo teor dos artigos acima citados, verifica-se que o sócio retirante, possui responsabilidade subsidiária em relação à sociedade empresária e solidária em relação aos sócios atuais por um lapso temporal de 2 (dois) anos, desde que averbada a resolução do contrato no órgão competente.

Contudo, embora pareça pacífico o entendimento sobre os limites da responsabilidade do ex-sócio, verifica-se que há controvérsia na jurisprudência quanto à aplicação do artigo 1003 do Código Civil na esfera trabalhista, existindo argumentos sólidos de ambas as partes.

"SÓCIO RETIRANTE - RESPONSABILIDADE. A pessoa jurídica da empresa não se confunde com a pessoa física dos sócios ou acionistas. Estes, entretanto, não se eximem da responsabilidade, se aquela não possui bens bastante para satisfazer o crédito ou se furta a responder pela execução, pois conforme jurisprudência assente em nossos Tribunais, tais fatos, por si só, configuram atos de má gestão ou abuso de poder e autorizam a aplicação da teoria da despersonalização da pessoa jurídica do empregador ("Disregard of Legal Entity"), inexistindo impedimento legal - em que pese a responsabilização primeira dos atuais sócios - para que a execução se volte contra o sócio ou acionista retirantes, desde que estes tenham se beneficiado da mão de obra do ex-empregado, pois o crédito trabalhista, de natureza exclusivamente alimentar e caráter privilegiadíssimo, não pode se submeter a questões decorrentes de alterações na estrutura jurídica da empresa, necessitando ser satisfeito sem maiores delongas, aplicando-se, na hipótese, os termos dos artigos 10 e 448 da CLT." (TRT/SP -02211200331102005 - AP - Ac. 10ªT 20090476047 - Rel. Rilma Aparecida Hemetério - DOE 07/07/2009; in www.trtsp.jus.br)

Em sentido contrário:

AGRAVO DE PETIÇÃO. TEORIA DA DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. INCABÍVEL APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 1003 ? PARÁGRAFO ÚNICO, E 1032, DO CCB, NESTA JUSTIÇA TRABALHISTA:"A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica patenteia-se em todas as sociedades modernas, encontrando guarida nesta Justiça Especializada, que busca os meios para a satisfação do crédito trabalhista, notadamente quando verificada a insuficiência do patrimônio societário. É inaplicável, no processo trabalhista, o disposto nos artigos 1003 - § único, e 1032, do Código Civil, que prevêem a responsabilidade do sócio retirante e dos seus herdeiros até dois anos depois de averbada a modificação contratual, tendo em vista as peculiaridades da ação trabalhista, que resguarda direitos de natureza alimentícia". Agravo de petição a que se nega provimento (ACÓRDÃO Nº: 20090314187, 11ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, Rel. Dora Vaz Treviño, Jul. 28.04.2010).

Portanto, verifica-se que ambas as posições trazem em seu contexto argumentos sólidos para a defesa de suas alegações, porém, em que pese entendimentos em sentido contrário, parece ser mais adequado e coerente que o ex-sócio, responda pela dívida trabalhista da empresa, pelo lapso de 2 (dois) anos da data sua saída, desde que este, tenha se beneficiado da mão de obra do ex-empregado e não tenha ocorrido a prescrição bienal e quinquenal disciplinadas no inciso XXIX, do artigo 7º da Constituição Federal.

3- Da Execução Trabalhista em Face do Ex-Sócio que não Participou da Fase de Conhecimento

Outro ponto, de grande relevância a se discutir, é se o ex-sócio que não participou da fase de conhecimento na Reclamação Trabalhista, ou seja, não teve a oportunidade de exercer o contraditório e ampla defesa, princípios estes, consagrados na Constituição Federal (incisos LIV e LV do art. 5º), responderia pelos débitos advindos da condenação imposta na demanda trabalhista, a despeito de não ter participado do processo na fase de conhecimento.

A posição tradicional de nosso direito é ortodoxa, ou seja, em princípio os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos estritos casos expressamente previstos em lei, como dispõe o art. 596 do Código de Processo Civil.

Contudo, verifica-se que os juízes do trabalho de primeiro grau, tendem em sua maioria, desconsiderar a doutrina clássica e a adotar a da desconsideração da personalidade jurídica, bastando na grande maioria dos casos, que não sejam encontrados bens da empresa para responder pela execução, responsabilizando os atuais sócios, bem como o sócio retirante que sequer participou da fase de conhecimento.

Tal posição, embora adotada por diversos Juízes, não se coaduna com os princípios estabelecidos pela Constituição Federal, notadamente, quanto ao exercício da defesa do réu, em particular, do ex-sócio que não possui mais o "affectio societatis" com os demais sócios da empresa, o que, o impossibilita de ter prévio conhecimento sobre os pedidos e valores formulados na Reclamação Trabalhista, que não raras vezes são extremamente majorados e não refletem a veracidade da relação de trabalho ocorrida entre empregador e empregado.

Nesse sentido decidiu o E. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, no Mandado de Segurança da SEDI no Acórdão nº 1953/98, de 6/4/98, quanto à responsabilidade do sócio que não participou da fase de conhecimento:

"EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO. Não é admissível, senão com insuportável ofensa ao princípio constitucional do due process of law, inscrito nos incisos LIV e LV do art. 5º da Carta Magna, que as pessoas físicas do sócio ou do diretor, sob a acusação de terem praticado atos contrários à lei, ao contrato social ou aos estatutos, venham a responder pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica que elas integram ou administram, sem que antes lhes seja assegurado o direito de ampla defesa para, em dilação probatória ampla e exauriente, positivarem inclusive, se for o caso, que não concorrem, na espécie, os pressupostos legais autorizadores da sua pretensa responsabilidade. Desse modo, para compelir o sócio ou o diretor, seja como devedor solidário, seja como responsável subsidiário, a satisfazer obrigação da pessoa jurídica, não basta que tenha ele agido nos moldes descritos nas disposições legais que, em tese, lhe conferem responsabilidade. É também essencial, absolutamente indispensável mesmo, que haja participado como litisconsorte passivo no processo em que se intenta a cobrança do crédito e sofrido condenação na sentença afinal constituída em título de execução judicial" (in Revista LTr. 63-06/758). (grifei)

Desta feita, em que pese entendimentos em sentido contrário, se em relação ao sócio da empresa que não participou da fase de conhecimento, não seria possível a constrição de seus bens pessoais por ferir o devido processo legal, entre outros princípios constitucionais, com muito mais razão, não se justifica a penhora de bens do ex-sócio que sequer participou da relação processual na fase de conhecimento.

4-Conclusão

Do acima exposto, pode-se concluir que o sócio retirante, poderá ser responsabilizado pelas dívidas trabalhistas, quando os bens da empresa e dos atuais sócios não forem suficientes para a garantia da execução trabalhista, porém, deve ser observado o lapso temporal estabelecido em lei (artigo 1003 do Código Civil), ou seja, 2 (dois) anos da data de sua retirada da empresa, respeitadas as prescrições quanto aos créditos trabalhistas e, desde que o ex-sócio, tenha se beneficiado da mão de obra do ex-empregado.

Nada obstante, deve ser oportunizado ao sócio retirante, a apresentação de defesa na fase de conhecimento, com a sua inclusão no pólo passivo da Reclamação Trabalhista, como forma de preservar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a fim de assegurar uma justiça digna e eficaz as partes.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Execuções de bens dos sócios ? obrigações mercantis, tributárias e trabalhista, 7ª Ed., Saraiva, 2004, p. 154.

BALARÓ, Carlos Carmelo.O sócio, o ex-sócio, o administrador da empresa e o alcance da execução trabalhista, Revista do Advogado, nº 97, maio de 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, 12ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2000.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho, 2ª Ed., São Paulo, São Paulo, 2009.