A RESPONSABILIDADE CIVIL PELA INSCRIÇÃO INDEVIDA DE TÍTULO DE CRÉDITO NOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO: A anotação indevida em cadastro de proteção ao crédito e suas consequências.

 

Marcelo Frazão Costa e Milena Catarina Sousa Lima

Sumário: 1 Introdução; 2 Títulos de Créditos e possibilidade de sua inscrição junto aos sistemas de proteção de crédito; 3 Responsabilidade Civil decorrente da inscrição indevida junto aos órgãos de proteção ao crédito; 3.1 Adimplemento da dívida; 3.2 Incidência de juros e multas indevidas; 3.3 Prazo prescricional ultrapassado; Considerações Finais.

RESUMO

O presente trabalho versará sobre a notória importância do crédito, como forma de circulação de valores, na economia. Sua importância não só para as grandes indústrias, bancos ou financeiras multinacionais, mas também para um grande número de famílias, as quais necessitam do mesmo para assegurar certo nível de conforto. A principal forma de impedir o acesso do consumidor ao crédito é a inserção do cliente nos cadastros de restrição. Essa maneira é legítima e regulada por lei, entretanto, a inserção do consumidor nessas listas pode ocorrer de modo indevido e abordaremos as consequências desse fato, que pode ocorrer seja por a divida já ter sido adimplida, seja por ter sofrido a incidência de juros ou multas imorais, ou por conta de já se ter ultrapassado o prazo prescricional. Cada caso e suas consequências para a economia será abordado com maiores detalhes ao decorrer do trabalho. Desse modo, o fato da inserção do consumidor nas listas de restrição ao crédito, para impedir o acesso destes a esse crédito, ser uma maneira legítima, regulada por lei é motivo suficiente para não discutir se as empresas usuárias de tais cadastros estão fazendo algo errado ou não? E se feito de maneira indevida, quais as consequências desse cadastro indevido e maneiras de protesto sobre tal?

ABSTRACT

This paper will focus on the remarkable importance of credit as a means of circulation figures, the economy. Its importance not only for large industries, banks or financial multinationals, but also for a large number of families, which need the same to ensure some level of comfort. The main way to prevent consumer access to credit is the insertion of customer records in restriction. That way is legitimate and regulated by law, however, the inclusion of the consumer in these lists may occur unduly and discuss the consequences of this fact, which can occur either because the debt has already been dimpled, either by having suffered the impact of interest or fines immoral, or on account of having already exceeded the statute of limitations. Each case and its consequences for the economy will be addressed in more detail the course of work. Thus, the fact of inclusion in the lists of consumer credit restrictions to prevent access of those that claim to be a legitimate, regulated by law is reason enough not to discuss whether the companies using such registries are doing something wrong or not? And if done improperly, the consequences of registration and improper ways to protest about this?

Palavras-chave: Título de Crédito; Cadastro de Restrição de Crédito; Inscrição Indevida; Inadimplemento.

1 INTRODUÇÃO 

A atual crise na economia mundial revela a grande importância que o crédito possui, não só para grandes empresas, bancos ou financeiras, mas também à população de modo geral. Tal crise foi decorrente de uma falha nesse sistema de distribuição de crédito, este, o crédito, notória forma de circulação de valores em nosso sistema financeiro que sustenta toda a estabilidade da economia mundial.

Desse modo, por sermos consumidores, deve-se combater com vigor qualquer forma de impedimento ilegal a essa oferta de crédito. Sabe-se que a principal forma de impedir o acesso do consumidor ao credito é sua inclusão nas listas restrição. Apesar de ser regulada por lei para impedir muitos dos prejuízos do inadimplemento, é passível de discussão, pois, frequentemente vem sendo utilizada de modo abusivo pelos estabelecimentos comerciais trazendo prejuízos e consequências indesejáveis e inesperadas aos consumidores.

Diante disso, é preciso uma analise mais precisa e frequente dos dados pessoais e profissionais fornecidos por estes registros nos Sistemas de Proteção de Crédito (SPS). Este criado devido o crescente números de inadimplentes no mercado, para fornecer tais informações e é vinculado a uma associação comercial ou a uma Câmera de Dirigentes Lojistas.

Diante o exposto é que abordaremos o tema Inscrição Indevida em Cadastro de Proteção ao Crédito pelos estabelecimentos comerciais e suas consequências. Tal erro pode ocorrer de modo doloso ou culposo, prejudicando o consumidor e o resultado disso é amparado judicialmente, pois fere princípios constitucionais inerentes como o direito à privacidade, o direito à imagem, à honra, o direito de livremente contratar no mercado e mais ainda a própria qualidade de vida do consumidor lesado pela inscrição indevida.

Inicialmente serão abordadas questões preliminares quanto à emissão e circulação dos títulos de crédito, que servem às relações negociais e sua inscrição nos cadastros de proteção ao crédito diante o inadimplemento dos consumidores. Em segundo momento abordaremos o fato dessa inscrição ser indevida com o objetivo de aderir valores indevidos. Pode ocorrer pelo fato da divida já ter sido adimplida, ou seja, já ter sido paga e a retirada do nome da lista de restrição não ocorreu por culpa ou até mesmo dolo; seja por ter sofrido a incidência de juros ou multas abusivas que ultrapassem muito o valor da dívida original; ou por conta do prazo prescricional já ter sido ultrapassado, ou seja, decorrido certo prazo a divida não poderá mais ser reavida. Por fim, exploraremos as consequências de cada caso acima elencados.

2 TÍTULOS DE CRÉDITO E POSSIBILIDADE DE SUA INSCRIÇÃO JUNTO AOS SISTEMAS DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO

Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2004, p. 369), título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Além disso, é a forma mais importante de circulação de riquezas e de sustentação do sistema financeiro mundial. Desse modo, o título de crédito de fundamenta em uma relação de confiança entre dois sujeitos, quais sejam, credor (o que concede) e devedor (o que dele se beneficia), provando, portanto, a existência de relação jurídica ou relação de crédito.

Primeiramente, o título de crédito se refere unicamente a relação creditícia, ou seja, não se refere a nenhuma outra obrigação de dar, fazer ou não fazer, portanto, tratando-se de instrumento cambial. Em segundo lugar, o título apresenta uma facilidade na cobrança do crédito em juízo por se tratar de título executivo extrajudicial, ou seja, “possui executividade, quer dizer, dá ao credor o direito de promover a execução judicial do seu direito”. (COELHO, 2004, p. 371) Em terceiro lugar, o título de crédito possui negociabilidade, ou seja, é sujeito a disciplina jurídica, o que facilita sua circulação creditícia e a negociação do direito nele contido.

Desse modo, essa relação creditícia jurídico-cambial estabelece regras que devem ser seguidas pelas pessoas que participam dessa relação, gerando-as maiores garantias. Entretanto, esses efeitos só surgem a partir da emissão do título de crédito.

A emissão do título é sua colocação no mercado, onde ele irá circular. Nesse estágio a relação formada ainda é unilateral, possuindo existência apenas material e somente após entregá-lo ganha existência social.

Diante o exposto, conclui-se que “os títulos de crédito são instrumentos jurídicos cunhados para dar uma solução aos desafios do pagamento futuro de uma obrigação jurídica” (MAMEDE, 2012, p. 9), ou seja, é garantia de pagamento futuro de uma dívida. Portanto, a emissão serve à relação negociou e não é parte desta e, por se tratar de pagamento ou mera representação da obrigação de pagar, o título de crédito é passível de inadimplemento por parte do consumidor, o que vem ocorrendo de modo frequente no mercado e a maneira de evitar os prejuízos dessa inadimplência é a possibilidade do protesto desses títulos e também da inscrição dos devedores nos sistemas de proteção ao crédito de modo a garantir uma exigibilidade do cumprimento da obrigação e também penalidade que é o impedimento do acesso do devedor inadimplente ao crédito até que este pague sua dívida e todas as suas informações comerciais nos cadastros do SPC de modo público o que lhe dificulta, para não dizer impede, a atribuição de novas obrigações, entretanto, tal inscrição do consumidor deve ser previamente informada a este. Após o pagamento, o nome do consumidor é retirado do cadastro do SPC e seu crédito é liberado.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DA INSCRIÇÃO INDEVIDA JUNTO AOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO

O art 1º do Regulamento Nacional dos SPC’s, criado pela Câmara Nacional dor Dirigentes Lojistas, expressa a finalidade a que se destina tal sistema de proteção de crédito, expõe:

Art 1º - O Sistema Nacional de Proteção ao Crédito, formado por um arquivo de dados em nível nacional e operado pelos Serviços de Proteção ao Crédito, departamento de Câmeras de Dirigentes Lojistas-CDL’s, tem por objeto facilitar e dar maior segurança às operações mercantis, de serviços e financeiras.

Desse modo, o SPC é um sistema de dados que tem o objetivo de facilitar as transações comerciais e, portanto, fornecer maior segurança a seus usuários. Esses dados fornecem informações de crédito dos consumidores (pessoas físicas), abarcando referencias comerciais sobre informações de consumo e transmite essa informação de modo público com base no princípio constitucional do direito à informação. A legislação relativa ao SPC encontra-se também no CDC (Código de Defesa do Consumidor) a partir do seu art. 43.

As empresas, somente se forem associadas às Câmaras de Dirigentes Lojistas ou às Associações Comerciais, podem fornecer as informações de consumo e, assim, fazer o registro destas ao SPC após trinta (30) dias do vencimento da dívida. O registro é feito sem a necessária informação e comprovação da dívida, devendo a empresa associada apenas apresentar o formulário de registro. Após o pagamento do débito, a empresa deve solicitar de imediato a retirada do nome do consumidor da lista de restrição ao crédito.

O fato da empresa não ser obrigada a provar a dívida deixa os consumidores, de certa forma, inseguros devido o grande numero de inadimplência não só do consumidor que não liquidou seu débito, mas também descaso por parte das empresas e do próprio sistema de proteção ao crédito que, diante a má administração, por vezes mantém o nome do consumidor do cadastro por culpa ou dolo, prejudicando-o. Portanto, o fato do sistema de proteção ao crédito ser um instituto regulado por lei, não descarta seu questionamento diante os vários casos de inscrição indevida em tal sistema.

Para tanto, o SPC torna acessível a seus associados as informações contidas nos cadastros, em âmbito nacional, por várias vias, tais como, por nome, por número do CPF, por local, por protesto, entre outras. Tais instrumentos são disponibilizados de maneira avançada e por pessoas devidamente treinadas para tanto de modo a garantir maior segurança a seus usuários e às relações mercantis.

Desse modo, o consumidor ao efetuar uma compra parcelada, por exemplo, passa assim a adquirir uma dívida mensal com o lojista. Se este deixar de pagar sua dívida, a empresa, se associada ao SPC, poderá incluir o nome do devedor inadimplente no cadastro de proteção ao crédito somente após trinta dias do vencimento mediante prévia comunicação ao consumidor, que terá seus dados pessoais e comerciais disponíveis no sistema em âmbito nacional e terá seu acesso ao crédito interrompido.

Após a inclusão do consumidor no cadastro de proteção ao crédito, esse registro possui prazo prescricional de três (3) anos para títulos de crédito e de cinco (5) anos para demais dívidas constantes em outros instrumentos. Decorrido esse período prescricional os dados negativos constantes no cadastro devem ser eliminados de imediato, de acordo com o Código Civil de 2002 (BRASIL., 2012). Entretanto, caso venha o consumidor a pagar seu débito antes de decorrido o prazo prescricional, deve a empresa imediatamente solicitar perante o SPC o cancelamento do registro do consumidor, retirando assim o nome deste dos cadastros de inadimplentes e, portanto, garantir-lhe novamente o acesso a seu crédito.

Entretanto, por se tratar de um sistema de cadastramento complexo, torna-se de modo imperfeito. Isso gera um crescente número de casos de inscrição indevida no sistema do SPC o que provoca danos e consequências indesejáveis e inesperadas ao consumidor. Portanto, o consumidor, ao se ver presente nas listas de restrição ao crédito, deve analisá-la de modo crítico, pois, é passível de ser vítima de erro e sua inscrição ser indevida. Os possíveis casos serão analisados a seguir.  

3.1 Adimplemento da dívida

Um dos casos do registro indevido pode se dar por a dívida já ter sido adimplida, ou seja, o débito do consumidor foi liquidado, ele pagou a dívida, entretanto, seu nome continua negativado.

Se a dívida tiver sido protestada em cartório, o indicado a se fazer é o devedor se dirigir ao cartório referido e apresentar o comprovante de pagamento da dívida e juntamente, requerer o cancelamento do protesto. Entretanto, para efetuar o cancelamento, o cartório cobra uma taxa que pode ser reavida pelo falso credor, por este ter protestado dívida indevidamente, juntamente com ação judicial para reparação de possíveis danos morais e/ou materiais sofridos pelo consumidor.

Por outro lado, se a dívida não foi protestada em cartório, o indicado ao consumidor negativado indevidamente, é que este vá ate o SPC, órgão que mantém o cadastro, apresente o comprovante de pagamento e também requeira o cancelamento imediato do seu registro na lista de proteção ao crédito pelo fato de já ter liquidado o débito. Se o órgão de proteção ao crédito negar ao consumidor a retirada de seu nome do registro pelo fundamento de que somente o fornecedor pode fazer tal requerimento, o consumidor deve comunicar o falso credor para que este o faça de imediato sob pena de recorrer judicialmente pelos danos morais e/ou materiais sofridos.

3.2 Incidência de juros e multas indevidas

Outro caso de registro indevido de pessoa em cadastro de proteção ao credito pode se dar pelo fato da divida sofre incidência de juros e multas abusivas de modo a ultrapassar o valor do débito original. Diante desse caso, a dívida existe, entretanto, o credor tenta prejudicar o devedor inadimplente cobrando-lhe muito mais que o devido com o objetivo de obter lucro ilícito.

Desse modo, o recomendável ao devedor lesado é tentar uma conciliação com o credor para conseguir uma redução amigável do valor exorbitante da dívida e, se necessário, recorrer com ação judicial para reaver o valor dos juros e multas indevidas. Portanto, se a tentativa de conciliação for frustrada, o devedor deve ingressar com ação revisional de dívida, cabendo-lhe o ônus de provar os valores verdadeiramente devidos e, como pedido de liminar, demandar a retirada de seu nome do registro de negativação de crédito e se a dívida tiver sido protestada, o cancelamento de tal protesto.

3.3 Prazo prescricional ultrapassado

Um terceiro caso, assim como os acima explorados, também muito comum de inscrição indevida é por se ter ultrapassado o prazo prescricional. Por prescrição da dívida, entende-se que é o prazo decorrido, no qual, na relação contratual os sujeitos nunca cobraram um ao outro a prestação de suas obrigações e, desse modo, ao ultrapassar esse tempo, a dívida não pode mais ser reavida para garantir segurança jurídica.

Entretanto, vale ressaltar que a dívida não deixa de existir, ela somente não poderá mais ser cobrada pelo credor ao devedor, inclusive judicialmente, mas se o devedor optar por pagar o débito por questões morais, ele pode, só não pode é ser cobrado.

O Código Civil de 2002, em seu art. 206, estabelece os prazos prescricionais. Os mais comuns são de três anos para títulos de crédito e de cinco anos para demais dividas.

Art. 206 – Prescreve:

(...)§3º Em três anos:

VIII – a prestação para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

(...)§5º Em cinco anos:

I – a prestação de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; (BRASIL., 2012)

Assim, após o prazo prescricional ser ultrapassado, o credor não poderá mais requerer judicialmente a cobrança da dívida. O art. 43 do CDC em seu §1º adverte que os cadastros de restrição dos dados de consumidores, seja a dívida de qualquer natureza, possui tempo máximo de permanência no registro de cinco anos e o art. 46, §5º também do CDC, complementa que após o prazo de prescrição os dados pessoais e comerciais dos consumidores, fornecidos pelo sistema de proteção ao credito, devem ser eliminados de tal sistema de modo a não mais impedir o acesso dos consumidores ao crédito diante os fornecedores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, o consumidor, ao se ver cadastrado no SPC de modo indevido e devido tal fato ser prejudicado moralmente deve procurar o profissional de sua maior confiança e que demonstre grande capacidade de defendê-lo ao ingressar em juízo, pois, o dano moral para ser reconhecido judicialmente, deve ser provado, o que é de difícil tarefa.

Ainda, vale ressaltar que os cadastros de restrição ao crédito, apesar de serem regulados por lei e, portanto, legítimos, devem ser questionados não só pelos consumidores registrados, mas também pelas empresas associadas, quanto ao mal uso de tal sistema pelas próprias empresas. Desse modo, deve-se questionar se as mesmas estão usando o SPC, sistema criado para proteção contra os prejuízos da inadimplência, está sendo utilizado para seu fim destinado, se as empresas estão fazendo seu uso de modo errado ou não.

Para tanto, o §1º do art. 43 do CDC adverte que os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão (BRASIL., 2012) de modo a garantir segurança jurídica aos pólos das relações comerciais e garantir estabilidade ao sistema financeiro mundial.

REFERÊNCIAS

Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover... [et al.]. – 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5.ed. vol 7. São Paulo: Saraiva, 2012.

MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 7. ed. Vol 3. São Paulo: Atlas, 2012.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 19 ed. vol 4. São Paulo: Saraiva, 2002.

Vade Mecum Universitário de Direito Rideel / Anne Joyce Angher, organização. – 12. ed. – São Paulo: Rideel, 2012.