A RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE GRATUITO EM CASOS DE ACIDENTE 

Giselle de Sousa Fontes Martins

Diego Estrela Martins

RESUMO

O presente trabalho versa sobre o transporte gratuito e a responsabilidade do transportador, a fim de entender as diferentes doutrinas sobre o assunto e avaliar qual responsabilidade é apropriada diante do caso apreciado no trabalho. 

PALAVRAS-CHAVE:

Transporte Gratuito. Responsabilidade.

 INTRODUÇÃO

A respeito dos transportes gratuitos, primeiramente neste trabalho explica-se o que é um transporte gratuito, e atenta-se que há uma diferença entre transporte gratuito e aparentemente gratuito.

Posteriormente, procura-se explicar quais os diferentes tipos de responsabilidades do transportador-carona. Diferentes pois, a doutrina não é pacífica quanto à nomeação da responsabilidade. E por fim, um caso em especial será analisado, para responder qual seria a responsabilidade do transportador em face de um acidente em transporte gratuito.

1 TRANSPORTE GRATUITO

 Para um transporte ser gratuito, ele ser dotado das características cortesia ou benévolo. Contudo, é imperioso esclarecer a existência do transporte aparentemente gratuito e transporte puramente gratuito. Assim, quando há no transportador um interesse patrimonial no transporte, há que se falar em transporte aparentemente gratuito, ainda que tal interesse seja indireto, como é o caso do corretor levar seu cliente ate o imóvel que está à venda.

Portanto, em se tratando desse tipo de transporte, a responsabilidade do transportador é objetiva, só podendo ser desconsiderada em casos que há fortuito externo, fato exclusivo da vítima e fato exclusivo de terceiro[1].

Já em se tratando de transporte puramente gratuito, é aquele prestado por mera cortesia de quem está transportando, como é o caso de caronas, socorrer alguém que está ferido na rua ou não tem meio de condução, dentre outros casos[2].

2 A RESPONSABILIDADE DOS TRANSPORTE GRATUITO

 No que concerne a responsabilidade do transportador gratuito há muitas divergências tanto na doutrina como na jurisprudência, pois alguns entendem que essa responsabilidade é contratual, outros defendem que trata-se de uma responsabilidade extracontratual, e uma terceira corrente acusa a inexistência de responsabilidade na relação travada entre transportador gratuito e transportado[3].

2.1 A RESPONSABILIDADE AQUILIANA

 Como o transporte puramente gratuito é feito exclusivamente no interesse do transportado, e não em interesses onerosos ou comutativos do transportador, não caracteriza um contrato de transporte, conforme o entendimento de Sérgio Cavalieri Filho, pois o preço do transporte é obrigação de quem está sendo transportado, e transportar é obrigação do transportador. Como não há onerosidade, nem comutatividade, não há contrato[4].

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, haveria comutatividade toda vez que se auferisse presumivelmente uma vantagem econômica[5] e caracterizar-se-ia onerosidade se o transportador obrigasse a levar o transportado em busca de uma remuneração em dinheiro. Como não há essa essência do contrato de transporte, o transportador “dispõe-se a levar pessoa ou coisa no interesse da outra parte da relação jurídica por mera cortesia, não tendo por isso direito a nenhuma contrapartida, remuneração ou ressarcimento de despesas - é a carona.” [6].

Seguindo esse entendimento, quem transporta gratuitamente não se vincula a uma vigilância severa, já o transporte remunerado sim. Nem quem é transportado por cortesia pode exigir os rigores da cláusula de incolumidade, apenas assume os riscos que podem acontecer ao ser transportado. E um transporte por cortesia não poderá ser exigido do prestador, muito menos pode o transportador ser questionado pelo o que venha acontecer com o transportado e ter que indenizá-lo pelo dano sofrido [7].

O Código Civil diz em seu artigo 736, que o transporte feito gratuitamente, por amizade ou cortesia, não se subordina às normas do contrato, explicitando assim, que o contrato gratuito não é contrato de transporte. Assim, Cavalieri acredita que desloca-se a responsabilidade contratual para a aquiliana, afirmando que a solução justa para o transporte puramente gratuito se encontra na aplicação dos princípio que regem responsabilidade aquiliana [8].

O ilustre civilista esclarece que no transporte gratuito há apenas um ato de liberdade, onde as circunstâncias do fato não configuram vínculo jurídico convencional, nem caracterizam uma relação contratual. Mas o citado civilista diz que, quando alguém presta ou aceita a carona, não acredita que ambos têm o intuito de emitir uma declaração de vontade vinculante, muito menos de se equiparar essa conduta ao mútuo ou à doação (contratos gratuitos que se submetem ao artigo 392 do Código Civil). Ou seja, o transporte gratuito é um ato não-negocial, não sendo submetido à regra do artigo 392 do CC/2002, pois este rege os contratos unilaterais[9]. Assim dispõe o citado artigo:

Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.

Isto pois,  o doutrinador Cavalieri informa que caso o artigo 392 fosse aplicado, o carona responderia por dolo, situação esta que o colocaria em situação jurídica pior que a do pedestre que foi eventualmente atropelado pelo motorista, por exemplo. Seu entendimento, então, é de que a solução juridicamente correta seria aplicar os princípios da responsabilidade aquiliana ao fato ocorrido, que decorreu do transporte gratuito, já que esse tipo de transporte não se configura como contrato, nem contrato benéfico[10].

Portanto, ao acreditar que o carona não pode ser compelido a indenizar o transportado, pelos danos causados, a óptica do transporte gratuito é deslocada para o artigo 186 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 Caberá, então, ao ofendido provar que seu carona agiu com culpa, ou seja, não haverá mais presunção de culpa, como em casos de contrato de transporte[11].

2.2 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

Para Silvio Rodrigues, a responsabilidade do transportador gratuito é contratual, pois trata-se de um contrato benéfico, no qual o transportador, por simples cortesia, propõe-se a prestar um serviço ao transportado, que o aceita. Portanto, o transportador não se exime de responsabilidade por ter causado por culpa grave, um dano ao passageiro[12].

E, ainda, a culpa grave se equipararia ao dolo, caso “o condutor arriscou-se a atravessar a rua quando o semáforo se encontrava fechado”. O motorista deve então ser obrigado a reparar o dano, mesmo que o transporte fosse desinteressado[13].

Miguel Lopes explica que para aqueles que sustentam o caráter contratual da responsabilidade no transporte gratuito, acreditam que tanto em uma relação voluntária que repercute uma culpa contratual, como a culpa extracontratual decorrente da violação da ordem jurídica, aplica-se o princípio do vínculo contratual, devido ao seu fundamento filosófico, pois a gratuidade não faz com que desapareça o caráter contratual, conseqüentemente seus princípios sobre a responsabilidade[14].

2.3 EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE

E por fim, para os adeptos do transporte gratuito como uma relação puramente natural, sem eficácia jurídica, “entendem destituída de qualquer aspecto contratual o transporte benévolo. Consideram que se está diante de um acordo de vontades do qual, porém, não deflui nenhuma conseqüência jurídica”. Para essa corrente, das relações de cortesia não decorrem obrigações jurídicas, por isso a responsabilidade só pode surgir quando caracteriza ato ilícito, devendo o transportador a cumprir uma digilência quam suis e incubir o ônus da prova [15].

 

3. ANÁLISE DE CASO DE TRANSPORTE GRATUITO E SUA RESPONSABILIDADE

 Neste tópico, aborda-se o seguinte caso de transporte gratuito: um motorista prestou carona para uma pessoa e no decorrer do percurso colidiu com um poste em razão do estouro de um pneu adquirido na semana anterior. Diante do exposto, qual seria a responsabilidade civil da motorista?

Primeiramente deve-se analisar se o transportador gratuito tinha ciência de algum defeito do pneu. Caso tivesse, esta iria responder sozinha pelos danos causados ao transportado. Mas caso ela não tivesse ciência ou não tivesse meios para se ter ciência de que havia algum defeito no pneu, defende-se aqui que o motorista não teria que ser responsabilizado, devendo responder pelo acidente o fornecedor do pneu. Isso porque o vendedor deveria ter obrigação de velar pela segurança de quem iria tomar o veículo como condução.

Voltando à responsabilidade civil do motorista, defende-se aqui que ele não tem que ser responsabilizada se não tinha como saber de um eventual defeito do pneu, pois não teve culpa do estouro tanto quanto o transportado, e, além disso, não é obrigada a se vincular a uma vigilância severa de seu carro, pois não se tratava de transporte remunerado.

Porém, se ela tinha ciência de um defeito no pneu ou tinha como saber, o motorista deve reparar o dano, independentemente de culpa, mesmo que o transporte fosse desinteressado, pois o motorista foi omisso ou negligente. Seria responsabilidade aquiliana, se enquandrando nos moldes do art. 186 do CC/2002.

CONCLUSÃO

Com tudo o que foi visto, percebe-se que há divergências na doutrina sobre qual a responsabilidade do transportador ao dar uma carona. No caso deparado no tópico 3, defende-se que se o motorista não tomou todos os cuidados necessários sendo, portanto, negligente, ou então foi omisso voluntariamente,  fica obrigado a reparar o dano causado à pessoa que pegou a carona. Portanto, a responsabilidade da motorista é aquiliana, lhe sendo imputada o artigo 186 e 927 do Código Civil de 2002.

 

ABSTRACT

 This work is about the free transport and liability of the carrier in order to understand the different doctrines on the subject and evaluate what is appropriate responsibility before the fictitious case exposed at work.

KEY-WORDS:

Free transportation. Responsibility.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2.ed. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2007.

FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. vol.5. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2007.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7.ed. Vol. 4. São Paulo: Atlas, 2007.



[1] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 302-303.

[2] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.303.

[3] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.303.

[4] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.303.

[5] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2.ed. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2007, p.46.

[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2.ed. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 392.

[7] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.303-304.

[8] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.305.

[9] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.305.

[10] FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.306.

[11] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7.ed. Vol. 4. São Paulo: Atlas, 2007, p.163.

[12] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2007, p.105.

[13] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. vol. 4. São Paulo: Saraiva, 2007, p.105-106.

[14]  LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. vol.5. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, p.354.

[15]  LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 5.ed. vol.5. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, p.353.