A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS PRATICADOS POR SEUS AGENTES.

 

 

Camila de Paula Neves[1]

 

 

 

RESUMO: O presente estudo tem como tema “A Responsabilidade Civil do Estado pelos danos praticados por seus agentes”, apresenta análise sobre a existência ou não dessa responsabilidade e corrobora-se a hipótese que o Estado responde sim pelos danos que seus agentes causarem a terceiro. Tem alta relevância social e acadêmica, pois, retrata a importância da reparação do dano, haja vista, que o instituto jurídico da Responsabilidade Civil surge a partir da prática de um determinado ato que causa prejuízo a outrem, seja material ou moral, ficando vinculado o agente a esta reparação. Assim, tem como objetivo geral, a acepção do tema Responsabilidade Civil do Estado, no que se refere à administração pública direta e indireta em uma perspectiva contextualizada face ao atual ordenamento jurídico. Busca especificamente, demonstrar a evolução histórica da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro; comparar diferentes linhas doutrinadoras a respeito da Responsabilidade Civil; e identificar qual a teoria adotada pelo Estado a respeito da responsabilidade objetiva, bem como, da responsabilidade subjetiva. Para a realização desse artigo foram analisadas, através de uma pesquisa exploratória, qualitativa e teórica, diversas obras, como artigos, livros e entendimentos doutrinários que apresentavam diferentes linhas de pensamento acerca do tema, que foram contrapostas e ponderadas a partir do método hipotético-dedutivo. Os resultados obtidos mostraram que trata-se o Estado de um ser intangível, sendo assim, se faz presente no mundo jurídico através de seus agentes, pessoas físicas, cujas condutas são a ele imputadas. Portanto é evidente que o Estado deve responsabilizar-se pelas ações que seus agentes de forma indireta, independente da ocorrência de culpa causarem a terceiros, pois, o Estado tem maior poder e prerrogativas mais sensíveis em relação ao administrado, dessa forma, deve arcar com os riscos naturalmente decorrentes de suas atividades.

 

Palavras-Chave: Responsabilidade civil. Estado. Reparação do dano.

 

  1. 1.      INTRODUÇÃO

A pesquisa tem por objeto de estudo a análise do instituto da responsabilidade civil da Administração Pública em face do atual ordenamento jurídico. Assim, pretende-se elucidar a questão, o Estado tem responsabilidade pelos danos, que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

A análise do instituto da Responsabilidade Civil do Estado permitiu uma melhor percepção quanto à relação de hipossuficiência do administrado em relação à Administração Pública, haja vista, que o Estado possui maiores poderes e mais sensíveis prerrogativas na esfera social que o particular, assim deve arcar com os riscos inerentes às suas funções.

Para a realização desse artigo foram analisadas, através de uma pesquisa exploratória, diversas obras, como artigos, livros e entendimentos doutrinários que apresentavam diferentes linhas de pensamento acerca do tema, que foram contrapostas e ponderadas a partir do método hipotético-dedutivo, buscando confirmar-se a hipótese proposta e embasar juridicamente as conclusões apresentadas.

Portanto, o objeto de estudo mostra-se interdisciplinar, uma vez que, foram analisados pressupostos das disciplinas de direito civil, direito constitucional, direito penal e direito do trabalho.

O estudo justifica-se pela alta relevância social e acadêmica, uma vez que retrata a importância da reparação do dano, haja vista, que o instituto jurídico da Responsabilidade Civil surge a partir da prática de um determinado ato que causa prejuízo a outrem, seja material ou moral, ficando vinculado o agente a esta reparação e o Estado enquanto condutor da nação, em um sentido amplo dentro do seu poder estatal, deve garantir aos seus administrados, fácil acesso à reparação de dano decorrente de atividade estatal.

  1. 2.      A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO

2.1  NOÇÃO JURÍDICA DE RESPONSABILIDADE CIVIL

                                          

Para a consecução do estudo da Responsabilidade Civil do Estado ou da Administração Pública é imprescindível que se faça algumas considerações de ordem geral, para uma melhor acepção do tema, frente ao nosso ordenamento jurídico.

A noção de responsabilidade implica a ideia de retratação, de reparação ou, simplesmente, de resposta, imposta ao responsável por determinado ato lesivo. Resulta do dano, material ou moral, causado a outrem, diretamente conseqüente da conduta, por ação ou omissão voluntária ou por negligência ou imprudência.

Faz-se necessário, a distinção entre a responsabilidade civil, da qual trata esse artigo, das outras duas modalidades de responsabilidade: a penal e a administrativa. Tal caracterização ocorrerá por meio do fato gerador da responsabilidade, que determinará a natureza jurídica desta, ou seja, o tipo de responsabilidade varia de acordo com a natureza da norma jurídica que regula a circunstância causadora da responsabilização.[2]

Então, temos, que se a conduta violar norma de natureza civil tem-se responsabilidade civil, se a norma é de direito penal, a consumação do fato provocará responsabilidade penal, mas se for a norma violada de caráter administrativo, por conseguinte a responsabilidade será administrativa.

Deve-se ainda, distinguir as sanções aplicáveis a cada forma de responsabilidade, já que estas também variam, se a responsabilidade for penal haverá a sanção penal e assim por diante, a sanção prevista para a responsabilidade civil é a indenização.

É indispensável, portanto, aludir quanto à independência dos três tipos de responsabilidade, pois, estas em princípio, são autônomas entre si. Entretanto, eventualmente, poderão cumular-se os três tipos de responsabilidade, como nas hipóteses em que a conduta violar, simultaneamente normas de naturezas diversas, como por exemplo, o crime de peculato (Artigo 312, CP), em que o servidor público se apropria indevidamente de bem público que estava sob sua custódia ou nos casos de atropelamento com veículos da Administração Pública. Nesses casos, o agente deverá sujeitar-se à ação civil regressiva do Estado, tanto quanto à ação penal e ao processo interno administrativo.[3]

O antigo Código Civil de 1916, já trazia a idéia Responsabilidade Civil, insculpida em seu artigo 159, da seguinte forma: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

O atual Código Civil manteve esse mesmo sentido, embora tenha desmembrado o conceito de ato ilícito da disciplina pertinente à responsabilidade civil. Dessa forma, em seu artigo 186, encontra-se a conceituação de ato ilícito: “Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito, ou causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Enquanto que o instituto da responsabilidade Civil encontra-se previsto em título próprio, Título IX do supracitado código, em seu artigo 927 e seguintes, com os dizeres: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Essa evolução da matéria, nos supracitados diplomas legais, evidencia dois pressupostos: o dano e a sua imputabilidade a alguém, confirmando a tutela tanto do dano patrimonial, quanto do dano moral, além da necessidade da efetiva correspondência entre a conduta e o prejuízo causado a outrem, ou seja, é obrigatória a existência do nexo de causalidade.

Assim, verifica-se que a responsabilidade pertinente ao cerne dessa pesquisa, ou seja, a responsabilidade que incide sobre os atos do Estado é a responsabilidade civil, tendo em vista que o Estado enquanto ser intangível faz-se presente no mundo jurídico, somente através de seus agentes[4], pessoas físicas, cuja conduta é a ele imputada.

Dessa forma, não poderia o Estado transgredir normas de natureza penal, nem tão pouco de natureza administrativa, consequentemente não há para o Estado a incidência de responsabilidade penal, nem de responsabilidade administrativa, no entanto, há a sujeição do Estado, entendido aqui por todas as pessoas públicas ou privadas que preste serviço público, à responsabilidade civil de maneira objetiva, como coloca-se à frente.

2.2  RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: DELIMITAÇÃO DO TEMA

 

 

A responsabilidade civil do Estado é matéria correntemente apreciada doutrinariamente, haja vista, que suscita diversas incertezas e variações, resultante das constantes evoluções e modificações das teorias adotadas, no que concerne à responsabilização estatal.

A primeira questão a ser apresentada, refere-se à adequada denominação desse instituto jurídico, enquanto alguns doutrinadores defendem a utilização da designação “Responsabilidade Civil da Administração Pública”, julgando que essa seja a forma correta, já que os atos que são passíveis de gerar a obrigação de indenizar são os atos administrativos, como bem demonstra o ilustre doutrinador, Hely Lopes Meirelles:

Mais próprio, portanto, é falar-se em responsabilidade da Administração Pública do que em responsabilidade do Estado, uma vez que é da atividade administrativa dos órgãos públicos e não dos atos de governo, que emerge a obrigação de indenizar.[5]

Em contrapartida, existem os adeptos da denominação responsabilidade civil do Estado, os quais argumentam ser o Estado, a pessoa jurídica, sujeito de direitos e não a Administração Pública, como defende Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Trate-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais.[6]

Contudo, neste artigo não há a pretensão de se estabelecer a forma correta de designação da matéria, adotando por vezes uma ou outra forma de expressão, por entender que as duas maneiras se referem perfeitamente ao objeto do estudo.

 Para a correta delimitação do tema a ser tratado, é absolutamente necessário salientar que o estudo se aterá à responsabilidade civil extracontratual, assim é imprescindível discernir esta modalidade, daquela oriunda dos contratos celebrados pela Administração, a contratual. Trata-se de responsabilidade extracontratual a que deriva das atividades estatais, que se estabelece sem qualquer conotação pactual.[7]

Tem-se que considerar ainda, que nem sempre o ordenamento jurídico pátrio atrela o fato causador da responsabilidade ao ato ilícito, contrário à lei, embora essa seja a regra, em alguns casos, como na responsabilidade civil do Estado, a ordem jurídica impõe a responsabilização tanto por ato ilícito, quanto por ato lícito, que ainda assim, tenha prejudicado a outrem, material ou moralmente.

Tendo em vista os aspectos observados, a conceituação mais oportuna para o tema, encontra-se nas lições da distinta autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Pode-se, portanto, dizer que a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.[8]

Assim, faz-se importante ainda, discernir a responsabilidade civil do Estado e a responsabilidade imputada aos particulares, sendo a responsabilidade civil que aplica-se aos cidadãos comuns subjetiva e assim regulada pelo artigo 927 do Código Civil, já mencionado anteriormente.

Enquanto que a responsabilidade referente aos atos da Administração Pública é matéria de direito público e dessa forma será regulada através de dispositivo constitucional próprio, o § 6˚ do artigo 37 da Constituição Federal, que assim dispõe: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Essa diferenciação, quanto ao emprego da disciplina no âmbito do direito privado e a responsabilização estatal, ocorrem porque as funções estatais ensejam a produção de danos mais intensos que os suscetíveis de serem gerados pelos particulares[9] e as hipóteses em que podem ocasioná-los também são distintas, de forma que o Estado é capaz de causar prejuízos em maior escala, conseqüência direta de seus deveres públicos e de sua posição jurídica peculiar no âmbito social.

Entendendo-se assim que será a Fazenda Pública responsável por reparar os danos causados a terceiros, pelos atos que seus agentes praticarem no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las [10], ainda que o fato seja independente de culpa, de acordo com a teoria atualmente adotada, que será abordada mais adiante.

 

2.3  BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA: TEORIAS ABORDADAS E ATUAL INTERPRETAÇÃO DO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL

 

 

A insegurança jurídica que ora se tem, em relação ao tema da responsabilidade civil do Estado, é justificável, devido o tratamento diverso, no tempo e espaço, que tem sido dispensado ao assunto e as inúmeras variações nas teorias adotadas.

A princípio, na metade do século XIX, prevalecia no direito ocidental a ideia da irresponsabilidade do Estado pelos danos praticados por seus agentes, era a época dos Estados absolutos, que adotavam uma postura equivocada de isenção, raramente intervindo nas relações particulares,[11] fundamentavam-se na ideia de soberania, onde era impossível o soberano causar danos a outrem, traduzida nos postulados “the King can do no wrong” e “Le roi le peut mal faire” e na expressão: “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem), e julgavam que “qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania”.[12]

            Essa teoria logo foi combatida, por sua evidente injustiça, com o advento do Estado de Direito foram atribuídos ao Estado direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas, não restando hoje nenhuma dúvida no tocante à rejeição da irresponsabilidade absoluta do Estado. O ordenamento jurídico pátrio nunca acolheu essa teoria, sendo sempre repudiada pela doutrina brasileira, a própria Inglaterra e os Estados Unidos, que foram os últimos a evoluírem nessa questão, abandonaram-na por meio do Crown Proceeding Act, de 1947 e Federal Tort Claim Act, de 1946, respectivamente.

Com a superação da tese da irresponsabilidade total, surgiram as teorias civilistas, assim denominadas, pois, a elas aplicavam-se os princípios do direito civil. Primariamente, houve o que alguns denominam de Teoria da Responsabilidade com culpa, na qual, defendia-se a responsabilização estatal nos casos de ação culposa de seu agente.

            Nessa proposição, distinguiam-se, para fins de responsabilidade, duas atitudes estatais: os atos de império e os atos de gestão. Portanto, definia-se como atos de império, aqueles praticados pela Administração Pública, decorrentes do poder soberano e impostos unilateral e coercivamente ao particular, enquanto que os atos de gestão eram aqueles praticados pela Administração, porém, que mais se aproximavam dos atos dos particulares, com a finalidade de desenvolver e conservar o patrimônio público,[13] assim ambos seriam regidos pelo direito privado. Então, se o Estado praticasse ato de gestão, poderia ser civilmente responsabilizado, mas, se fosse o ato de império o fato seria regido pelo direito público, o qual sempre protegia a figura estatal e assim não haveria responsabilização.

Entendida como mero abrandamento da anterior teoria da irresponsabilidade do Estado, muitas oposições surgiram a essa distinção, que buscava separar a pessoa do Rei, insuscetível de errar, que praticaria os atos de império, da figura estatal, que por sua vez exerceria os atos de gestão, quer seja pela dificuldade em se apontar o que era ato de império e o que era ato de gestão, quer seja pela impossibilidade de distinguir as faltas do agente atreladas à função pública das faltas dissociadas de sua atividade.

Uma vez abandonada essa diferenciação, no entanto, muitos autores continuaram apegados à ideia da teoria civilista, aceitando a possibilidade da responsabilização estatal quando da demonstração de culpa, tratava-se da teoria da culpa civil ou responsabilidade subjetiva, que acabou por influenciar o legislador ao regular a matéria, no artigo 15 do antigo Código Civil, que assim dispunha: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano”

O avanço posterior correspondeu à consagração da aplicação dos princípios do direito público à doutrina da Responsabilidade Civil do Estado, em substituição à aplicação das diretrizes do direito privado, nesse sentido, mais uma vez, Di Pietro corrobora:

Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados.[14]

Surge, portanto, a Teoria da Culpa Administrativa, que se fundamentava basicamente na premissa da não necessidade de se identificar o agente que praticou o ato causador do dano, bastando apenas que fosse provado o mau funcionamento do serviço público. Verifica-se, então, a desvinculação da ideia de culpa do funcionário, passando a falar-se em culpa do serviço público.

Essa comprovação, do mau funcionamento do serviço, podia ser feita através de três maneiras: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Havendo qualquer uma dessas três hipóteses, caracterizava-se a falta do serviço que implicava no reconhecimento da existência de culpa da Administração Pública.

            A teoria da culpa administrativa, na época, representava um importante estágio de evolução doutrinária, no entanto, ainda subsistia para o lesado que buscava uma reparação, o ônus da prova do elemento culpa o que ainda muito prejudicava os civis e beneficiava ao Estado.

            Após esse acentuado processo de evolução, finalmente consagra-se nos tempos modernos, a ideia da responsabilidade objetiva do Estado, segundo a qual não há a necessidade da perquirição do fator culpa.

A Constituição Federal de 1946 inaugura a alteração na norma jurídica, em seu artigo 194, revogando o artigo 15 do antigo Código Civil e determinando que “as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”.

Pode-se verificar, portanto, que a alteração no entendimento jurídico, em razão da inovação constitucional, resultou da remoção dos elementos: conduta contrária ao direito e inobservância de dever legal, como pressupostos para a constituição da responsabilidade civil estatal. Passando a ter a incidência da responsabilidade objetiva do Estado, os danos decorrentes, tanto dos fatos lícitos quanto dos ilícitos, bastando apenas que o lesado comprove a relação de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo sofrido.[15]

Essa forma de responsabilidade consolidou-se até os dias atuais, pois, as Constituições posteriores basicamente repetiram o postulado, estando presente em nosso ordenamento jurídico atual como o fundamento para a aplicação da norma aos casos pertinentes. Regulada no artigo 37, § 6˚ da vigente Constituição, conforme já colocado e em perfeita consonância com o artigo 43 do Código Civil, que possui os seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito de regressivo contra os causadores do dano, se houver por parte destes, culpa ou dolo”.

  1. 3.      A TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO: O FUNDAMENTO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

 

 

A teoria do risco administrativo consolidou a percepção da hipossuficiência do administrado em relação à Administração Pública devido à situação em que o Estado detém maior poder e mais sensíveis prerrogativas nas esferas social, jurídica e política que o particular, assim deve possuir também mais responsabilidades.

Esses fundamentos consagraram a adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva no direito público. Nesse contexto, Carvalho Filho assevera:

O Estado é realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos.[16]

            Nessa teoria, substitui-se a ideia de culpa pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado, ancorando-se na simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso, independentemente do fato de o serviço público ter funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.

Tendo em vista, que para o maior poder do Estado devem corresponder maiores riscos, naturalmente decorrentes de suas atividades. Essa teoria, no entanto, biparte-se, admitindo a idéia do risco administrativo e a teoria do risco integral, causando controvérsias na doutrina.

Para Hely Lopes Meirelles, a teoria do risco administrativo admite as causas excludentes da responsabilidade estatal, que para ele são: a culpa da vítima, a culpa de terceiros ou força maior, diferenciando-a do risco integral, onde o Estado deveria indenizar de forma discricionária, mesmo que houvesse o concurso da vítima para a ocorrência do fato danoso.[17]

Enquanto que, para a maioria dos doutrinadores não é necessário fazer essa distinção entre risco administrativo e risco integral, admitindo-se somente que na teoria do risco, o Estado tem o direito à contraprova de excludente de responsabilidade buscando-se comprovar que outros fatores, voluntários ou não prevaleceram ou concorreram como causa para o dano sofrido.

Visto que as divergências doutrinárias são mais terminológicas do que quanto ao conteúdo, entende-se que os autores em geral concordam em que há hipóteses em que a responsabilidade do Estado será excluída ou atenuada.

Contudo, a colocação de Hely Lopes Meirelles quanto ao risco integral, justifica-se pela introdução de normas em nosso ordenamento jurídico, prevendo circunstâncias em que a responsabilidade civil do Estado incide, ainda que estejam permeadas pela existência de excludentes de responsabilidade, como nos casos de danos causados por acidentes nucleares, por atos terroristas ou por atos de guerra, por exemplo.

           

  1. 4.      OS SUJEITOS DO CENÁRIO E AS RELAÇÕES JURÍDICAS PREVISTAS PELO ARTIGO 37, § 6˚ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O cenário concernente ao preceito constitucional, ora estudado, o Artigo 37, § 6˚ da Carta Magna compõe-se de três sujeitos: o Estado, o lesado e o agente do Estado e institui duas relações jurídicas diversas.

A relação jurídica correspondente à responsabilidade do Estado de reparar o dano sofrido pelo lesado está prevista na primeira parte do já mencionado artigo e regula-se pelos fundamentos da teoria da responsabilidade civil objetiva[18], no entanto, existe outra relação jurídica abarcada nesse dispositivo constitucional, que em sua segunda parte dispõe: “(...) assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

A segunda relação jurídica refere-se ao direito de ação regressiva do Estado contra o agente causador do dano, sob a qual incide a responsabilidade civil subjetiva, pois, conforme disposição expressa há a necessidade da comprovação da conduta culposa ou dolosa, assim apura-se pelos critérios do Direito Civil.[19]

Contudo, para o êxito da ação regressiva, expressamente concedida às pessoas de Direito Público ou Direito Privado prestadora de serviço público, contra o agente que causou o dano, prescinde-se dois requisitos: que a Administração Pública já tenha sido condenada a pagar a indenização à vítima do dano sofrido e que se comprove a culpa ou o dolo do agente no evento danoso.

Faz-se saber ainda que a ação regressiva, enquanto ação civil destinada à reparação patrimonial transmite-se aos herdeiros e sucessores do servidor culpado, até o limite de alcance da herança e pode ser instaurada mesmo após a cessação do exercício do cargo ou função.

  1. 5.      EXCLUDENTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE ESTATAL

 

 

A adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva, fundada na teoria do risco administrativo, resultou numa inversão do ônus da prova, já que nessas circunstâncias não é a vítima que acusa, quem deve comprovar a culpa do agente estatal, ao contrário, ela está desobrigada dessa comprovação. Ao Estado, no entanto, caberá a contraprova, buscando-se comprovar a inexistência de dano ou a ausência do nexo causal entre o fato e o dano para eximir-se da reparação ou ao menos atenuá-la.

As hipóteses que podem ser alegadas pelo Estado, como excludentes da responsabilidade civil estatal, são: a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior e a culpa de terceiro.

Antes de analisar essas hipóteses, cabe assinalar que existe muita divergência de terminologia entre os doutrinadores, principalmente, quanto à conceituação de caso fortuito e de força maior. Alguns descrevem o caso fortuito como sendo aquele decorrente da vontade do homem, como no caso da greve, e a força maior como o evento produzido pela natureza como tempestades, por exemplo, e outros os caracterizam exatamente ao contrário. Entendemos ser o mais correto, a primeira denominação, pois, trata-se do posicionamento majoritário.

Existe também, distinção na doutrina, quanto ao que se admite ou não como excludente de responsabilidade civil estatal, pois, alguns apenas reconhecem como excludentes a culpa exclusiva da vítima e a culpa de terceiro e colocam o caso fortuito e a força maior apenas como atenuantes, enquanto outros somam a essas duas primeiras hipóteses o caso fortuito e afirmam que a força maior apenas diminui a responsabilização estatal.[20]

Entende-se, portanto, que o necessário é investigar-se a proporcionalidade de cada circunstância, como bem relata com a objetividade e clareza que lhe são peculiares, Carvalho Filho:

É preciso, porém, verificar, caso a caso, os elementos que cercam a ocorrência do fato e os danos causados. Se estes forem resultantes, em conjunto, do fato imprevisível e de ação ou omissão culposa do Estado, não terá havido uma só causa, mas concausas, não se podendo, nessa hipótese, falar em excludente de responsabilidade. Como o Estado deu causa ao resultado, segue-se que a ele será imputada responsabilidade civil. Por respeito à equidade, porém, a indenização será mitigada, cabendo ao Estado reparar o dano de forma proporcional à sua participação no evento lesivo e ao lesado arcar com o prejuízo correspondente a sua própria conduta. [21]

  1. 6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo 37, § 6˚ da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, determina a responsabilização estatal e consagra a aplicação da teoria da responsabilidade civil objetiva, assim a principal conclusão obtida foi quanto à diferenciação entre a responsabilidade civil aplicada ao Estado e a responsabilidade civil imposta aos particulares, pois, evidenciou-se que o nascimento da obrigação de indenizar para o particular surge da efetiva caracterização da responsabilidade civil, para tanto devem estar presentes seus elementos constitutivos, sendo eles, o agente, a vítima, a ação ou omissão, o dano e o nexo causal.

Porém, esses pressupostos aplicam-se apenas aos particulares, já que suas relações jurídicas são regidas pelo Código Civil, portanto sob eles incidem a responsabilidade civil subjetiva, quanto ao Estado são aplicados os princípios básicos do direito público, assim, a teoria atualmente vigente é a do risco administrativo que fundamenta a aplicação da responsabilidade civil objetiva ao Estado, onde subsistirá a obrigação de indenizar, independentemente de culpa.

Verificou-se também e cabe ressaltar que, para quem sofreu o dano e pretende uma reparação civil do Estado não há obrigação de comprovar a culpa ou dolo, sendo necessária, apenas a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, efetivamente sofrido.

Entretanto, subsiste posteriormente para o Estado, o direito regressivo contra o agente causador do dano, quando a sua conduta estiver revestida de dolo ou culpa por parte deste.

Por fim, concluímos que eliminam ou atenuam a obrigação do Estado reparar o dano causado, as seguintes hipóteses: culpa exclusiva da vítima, caso de força maior, caso fortuito, culpa de terceiro e culpa concorrente da vítima.

 

  1. 7.      REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

CRUZ, Claudia Helena da et al. Metodologia Científica: conceitos e normas para trabalhos acadêmicos. Itumbiara: ILES/ULBRA, 2007.

DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade civil. Revisão e atualização de Rui Belford Dias. 11. ed., rev. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 7 volume.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed., São Paulo: Atlas, 2011.

FIRMINO, Nelson Flávio. Responsabilidade civil do Estado. Disponível em: http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/responsabilidade-civil-do-estado-1850717.html. Acesso em 18/10/2011 às 14:58:02 hrs.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizada por: Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 37. ed. atual. São Paulo : Malheiros, 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional; prefácio do Ministro Celso Mello. 8. ed. atual. São Paulo : Atlas, 2011.

 

SANTANA, Marcos Silvio. Responsabilidade Civil. Disponível em http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/fadipa/marcossilviodesantana/respcivilestado.htm#_ftn2. Acesso em: 07/10/2011. 15:57:42 hrs.

 



[1] Aluna do 9° Período do Curso de Direito do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara (GO)

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 499.

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizada por: Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 37. ed. atual. São Paulo : Malheiros, 2011.  p 710.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 501.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizada por: Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 37. ed. atual. São Paulo : Malheiros, 2011.  p 697.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. xxxvi,  p 642.

[7] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 500.

[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.  p 643.

[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011.  p 1005.

[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizada por: Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 37. ed. atual. São Paulo : Malheiros, 2011.  p 698.

[11] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 502.

[12] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.  p 644.

[13] Ibid., p 658.

[14] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011.  p 645.

[15] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p 1010.

[16] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 504.

[17] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualizada por: Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 37. ed. atual. São Paulo : Malheiros, 2011.  p 698.

[18] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2011. p 1011.

[19] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 506.

[20] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, 7 volume.  p 720.

[21] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p 515.