A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA COLETIVA ATRAVÉS DE SÍTIOS ELETRÔNICOS

Carla Maria Rodrigues de Mendonça Lima 

Resumo: 

Este artigo consiste num estudo destinado a discorrer sobre a questão da responsabilidade a ser atribuída a todos os que estão envolvidos na contratação mediante os sites de compras coletivas, que atualmente é um meio bastante explorado e utilizado, por fornecedores e consumidores, diante das facilidades que lhe são, supostamente, oferecidas. Porém, apesar do uso da internet estar cada vez mais em alta, algumas questões ainda precisam ser analisadas, revistas e regulamentadas, para que o consumidor não venha ser lesado, levando - se em consideração que ainda não existem legislações específicas suficientes para solução de todos os conflitos decorrentes desta modalidade de compra e venda coletiva de produtos ou serviços. Mas, como se trata de uma relação de consumo, o Código de Defesa do Consumidor, o qual foi, recentemente, alterado, é o instituto jurídico utilizado por equiparação a esta nova modalidade de compras e vendas coletivas.

PALAVRAS-CHAVE: COMPRAS COLETIVAS – RESPONSABILIDADE CIVIL – COMÉRCIO ELETRÔNICO

1 – Introdução 

O comércio eletrônico surge com o grande avanço tecnológico no mundo, fazendo com que as informações cheguem de forma rápida e imediata à sociedade. O mercado, diante desta nova oportunidade, visando auferir lucros, procura se adequar a esta realidade tecnológica, oferecendo seus produtos e serviços com descontos vantajosos, direcionados a determinado grupo de consumidores. 

Mas, junto a este agressivo meio de relação de consumo, surgem os conflitos, que precisam de uma solução, através de ações que garantam o cumprimento às normas legais e contratuais, principalmente no que tange o consumidor, o qual é considerado a parte mais vulnerável nesta nova modalidade de oferta de produtos e serviços. Questões como segurança das informações privadas, quanto ao meio de pagamento, forma de entrega da mercadoria e foro competente, são alguns dos desafios que vão surgindo com o decorrer dos negócios jurídicos realizados pela internet, em específico, compra e venda coletivas, visto que o Direito não acompanha na mesma velocidade a evolução acelerada da tecnologia.  

As partes integrantes desta relação jurídica seriam os gestores (donos) dos sites onde os produtos ou serviços são ofertados, equiparados ao comerciante de acordo com o CDC; o fornecedor, do produto ou serviço; e os consumidores. 

O comércio eletrônico de compras coletivas consiste num sítio eletrônico que atua como intermediário entre o fornecedor e consumidor, onde são oferecidos descontos que chegam a até 90% do valor normal de comércio, sendo determinada certa quantidade de pessoas para que comprem aquele produto ou serviço com os descontos ofertados. 

É uma conduta que beneficia tanto o fornecedor como o consumidor. Porém, inerente a este tipo de negócio, existem algumas regras impostas ao consumidor, que muitas vezes, não facilmente identificadas. São as chamadas cláusulas abusivas, consideradas nulas perante o Código de Defesa do Consumidor.

Algumas destas cláusulas visam, principalmente, isentar os donos dos sites de qualquer responsabilidade no caso de existência de algum dano causado ao consumidor ou descumprimento do que foi contratado por parte do fornecedor. 

Porém, ao agir desta forma, as empresas passam a infringir vários dispositivos legais existentes e aplicáveis à espécie, especificamente o CDC, o qual, recentemente, foi alterado mediante o Decreto nº 7962/2013, onde passou a dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, e demais entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, que, como dito, devido à falta de legislações específicas para tratar sobre este novo meio de relação de consumo, o judiciário tenta resolver os conflitos que vão surgindo, e passa a coibir a prática reiterada de condutas que ponham em desvantagem o consumidor, diante da sua classificação de vulnerabilidade e hipossuficiência.

Assim visa o presente estudo, diante do aparato que nos é disponibilizado, seja ele legal, jurisprudencial ou doutrinário, esclarecer alguns pontos no que tange a responsabilidade civil atribuída às partes integrantes desta relação de consumo.

2 – As compras coletivas 

Com a expansão da internet e do comércio eletrônico, as distâncias diminuíram e o acesso aos produtos e serviços atingiram as mais diversas faixas da sociedade. Onde as empresas, visando à obtenção de lucro e visibilidade no mercado de consumo criaram os sites de compras coletivas, oferecendo descontos vantajosos, passando, assim, a adquirir mais clientes.  

Nas compras coletivas realizadas por meio de sítios eletrônicos, podemos identificar a existência de três relações jurídicas, são elas: entre o dono do site e o fornecedor do produto ou serviço; entre o proprietário do site e o consumidor; e, finalmente, entre o fornecedor do produto ou serviço e o consumidor. Porém, neste trabalho, só serão abordadas as duas últimas relações jurídicas, já que a primeira, entre o proprietário do site e o fornecedor do produto ou serviço corresponde à relação entre empresas, com aplicabilidade do código civil, não sendo considerada como de consumo. 

Este tipo de contrato eletrônico de compra e venda coletiva, trata-se de uma relação de consumo, por estarem presentes as figuras do comerciante, do fornecedor e do consumidor, aplicando-se, por consequência, a legislação consumerista. 

 

O sistema de compra coletiva funciona da seguinte forma: o fornecedor do produto ou serviço firma um contrato, que não é de adesão, com o dono do site, para que o mesmo divulgue a oferta nas condições estabelecidas, como prazo de duração da oferta, desconto a ser ofertada, quantidade mínima de pessoas necessárias, bem como o percentual a ser repassado para o dono do site pelo serviço prestado. 

A empresa proprietária do site vai servir de intermediária entre o fornecedor do produto ou serviço e o consumidor, onde será responsável pelo envio de e-mail apresentando as ofertas, pelo cadastro do consumidor que tiver interesse em adquirir o produto/serviço, passando, o consumidor, neste momento, a aceitar, ou não, as condições que lhe são impostas, típico de contrato de adesão. 

Sendo atingido o número mínimo de consumidores exigido para aquela oferta, é disponibilizado um cupom ao consumidor, comprovando a aquisição daquele produto ou serviço. 

Isto posto, em se tratando de um contrato de adesão, aplica-se, por equiparação, o CDC, para garantir os direitos do consumidor diante do descumprimento por qualquer das partes envolvidas nesta relação de consumo que venha a descumprir com o que foi contratado.

3 – Os contratos eletrônicos 

Na seara contratual, o Código Civil atribui alguns valores que são protegidos através de princípios, como o da sociabilidade, da função social dos contratos, como prevê o art. 421 do CC/2002, dos valores éticos, da boa-fé objetiva, decorrente dos princípios da lealdade, probidade e honestidade, entre outros, que visam garantir a relação com o consumidor.  

Segundo Cláudia Lima Marques¹: “na atual visão de totalidade da boa-fé das relações de consumo, os atos negociáveis prévios à conclusão de contratos, fazem nascer para os fornecedores deveres de conduta como o dever de informar, o dever de cuidado e dever de cooperar. Nas relações de consumo, a publicidade e as demais informações suficientemente precisas vinculam, fazem parte da oferta e estarão incluídas no contrato eventualmente celebrado entre fornecedor e consumidor. A oferta de negócio, mesmo que por meio eletrônico, terá os mesmos efeitos da oferta contratual num comércio tradicional”. 

No comércio eletrônico, toda e qualquer publicidade sobre oferta de produtos ou serviços disponibilizados por meio virtual, dos sites, deverá obedecer ao princípio da transparência e da publicidade, conforme discorre sobre o tema, Cláudia Lima Marques: “[...] As ofertas, nos sites, são “globais” em rede, não encontram mais limites territoriais ou nacionais, e são acessíveis a todos os milhões de consumidores brasileiros da rede, a qualquer hora. Estas circunstâncias novas não descaracterizam o site ou o e-mail como oferta; ao contrário, reforçam a sua força vinculativa [...] [ ²]  

Aos contratos eletrônicos, realizados à distância, por meio do comércio eletrônico de compras coletivas, aplicam-se perfeitamente os ditames previstos do Código de Defesa do Consumidor, já que esta também se trata de uma relação de consumo, onde as figuras do fornecedor e consumidor estão claramente presentes, inclusive, com sua recente alteração, que passou a dispor sobre o comércio eletrônico.

O Código de Defesa do Consumidor, passando a dispor sobre o comércio eletrônico, dá maior garantia para esta relação de consumo, no que tange às informações, que devem ser claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor; que seja dado o direito de arrependimento ao consumidor, que é de 07 dias; facilidade no atendimento ao consumidor; que os sítios eletrônicos disponibilizem as informações sobre o fornecedor, com o consumidor está contratando; as condições para a contratação; descrição clara dos produtos/serviços ofertados, dentre outros.

Verificando-se que a elaboração dos contratos para esta modalidade de comércio, corresponde ao contrato de adesão, onde as cláusulas são preestabelecidas, elaborados de forma unilateral, as quais são inseridas pelas empresas proprietárias dos sites e pelos fornecedores, de forma a beneficiá-los, onde só cabe ao consumidor aceitar ou não nos exatos termos que lhe é imposto, não lhe sendo atribuído o direito de discutir ou modificar seu conteúdo.

Sendo assim, diante da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor nesta relação de consumo, passa o Código de Defesa do Consumidor e demais dispositivos aplicáveis à espécie, a estabelecer regras e princípios a serem respeitados pelas empresas na formação dos seus contratos, que diante do seu descumprimento, gere o dever de indenizar e reparar o dano, através da responsabilidade civil atribuída às partes integrantes do contrato.   

4 – Da Responsabilidade Civil 

A responsabilidade civil surge a partir da inobservância ou descumprimento de uma obrigação, aos preceitos normativos que regulam a vida. Caracteriza-se pela prática de um ato doloso ou culposo, vindo a causar dano a outrem, por ação ou omissão, gerando assim o dever de indenizar. 

Poderá ser a responsabilidade civil classificada como subjetiva, quando há a necessidade da existência de dolo ou culpa do agente que praticou a conduta danosa, gerando assim o dever de indenizar; bem como objetiva, que independe de dolo ou culpa, que deriva do risco inerente da sua atividade, a qual está prevista no art. 927 do Código Civil: “haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, isco para os direitos de outrem”. 

Na relação consumerista, tendo por base o art. 6º do código de defesa do consumidor, aplica-se a responsabilidade objetiva, não sendo necessária a comprovação da existência de culpa, com fundamento na relação de hipossuficiência inerente às relações de consumo. Pois, a culpa estaria vinculada ao risco proveniente da atividade econômica do fornecedor.

Sendo a coletividade de pessoas equiparadas aos consumidores, que adquirem produtos ou serviços de forma indireta, aplica-se a obrigação de indenizar nas relações de consumo através das compras coletivas realizadas através de sítios eletrônicos. 

Conforme se pode observar, diante da compra e venda coletiva por meio de contrato eletrônico, haverá a responsabilidade por parte dos sítios eletrônicos que servem de intermediários entre o fornecedor do produto/serviço e o consumidor, nos quais são disponibilizadas as ofertas, as condições, por meio do qual o consumidor contrata com o fornecedor. 

Ademais, com a recente inserção no CDC dispositivos sobre o comércio eletrônico, deixou mais evidente a responsabilidade dos sítios eletrônicos, a partir do momento em que atribui a eles obrigações a serem cumpridas, dando mais segurança a esta relação jurídica.

No que tange à responsabilidade por parte do fornecedor, já não há o que se contestar, visto o aparato já existente que regulam a sua obrigação de reparar.  

Sendo assim, apesar de alguns sites se utilizam de cláusulas que visam retirar sua responsabilidade diante do descumprimento pelo que está sendo ofertado pelo fornecedor, dentre outras cláusulas que visem excluir sua obrigação em indenizar, não geram efeitos, visto que para o CDC, toda cláusula que coloca em desvantagem o consumidor, são consideradas nulas. Sendo a responsabilidade solidária, onde tanto o fornecedor do produto ou serviço, como os donos dos sites, estão obrigados a reparar o dano causado ao consumidor diante do descumprimento por uma ou ambas as partes. 

Inclusive, com a recente alteração no Código de Defesa do Consumidor, através do Decreto Federal nº 7962 DE 15/03/2013, que passa a ter vigência a partir de maio do corrente ano, veio a dar mais garantia ao consumidor, o qual passou a dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. 

Dentre as alterações trazidas pelo referido decreto, temos a questão da informação, que deverá ser clara a respeito do produto ou do serviço, e ao consumidor, direito ao arrependimento (previsto no prazo de 07 (sete) dias); disponibilização dos meios de contato pelo consumidor com as empresas; fornecer todas as informações necessárias para que o consumidor não tenha dúvida sobre o produto/serviço, bem como as condições impostas para sua aquisição. 

Este aparato legal associado às demais normas aplicáveis a este negócio jurídico, reforça a preocupação na proteção da parte contratante mais frágil e vulnerável, que é o consumidor, onde a responsabilidade subsidiária só virá a ser utilizada quando esta for mais favorável ao consumidor. 

5 – Conclusões possíveis 

Por tudo que foi brevemente exposto neste trabalho, observamos que o dever de indenizar e reparar o dano por parte das empresas que integram a relação de consumo, especificamente, a decorrente dos contratos eletrônicos de compra e venda coletivos, ou seja, realizados por meio de ambiente virtual, encontram respaldo necessário para a aplicação da responsabilidade solidária diante do descumprimento da obrigação, por uma ou ambas as empresas. 

Diante da aplicação da legislação consumerista, a responsabilidade atribuída aos sítios eletrônicos, bem como aos fornecedores dos produtos ou serviços nas compras coletivas, são as mesmas aplicadas ao contrato físico. Apesar de se tratar de um contrato realizado no ambiente virtual, há necessidade de se cumprir regras, sob pena de não ser atribuída a eficácia e validade inerente ao negócio jurídico realizado. 

Assim, levando em consideração que os sítios eletrônicos são equiparados aos comerciantes, onde parte da doutrina, bem como o entendimento do STJ, apesar de não ser majoritário, entende que a responsabilidade do comerciante pode ser solidária, até mesmo pelo fato do atr. 13 dizer que o comerciante “é igualmente responsável” nos termos do art. 12, que atribui responsabilidade ao fabricante, produtor, construtor e o importador.  

Porém, por consequência, há a necessidade de o consumidor poder demandar tanto contra o comerciante assim como contra o fornecedor. Podendo haver a opção de escolha por parte do consumidor em demandar contra um ou outro, ou ambos. 

Isto posto, decorre desta nova modalidade de comércio, eletrônico, virtual, obrigações inerentes à espécie de contrato, que cada vez mais tende a possuir leis e entendimentos jurisprudenciais que regulamentem as relações de consumo oriundas do comércio eletrônicos, o qual já ganhou espaço no CDC, visando dirimir, contudo, os conflitos que por ventura venham a surgir para que seja um meio disposto de forma segura e eficaz, acompanhando a evolução necessária do Direito às novas tecnologias. 

6 - Referências Utilizadas 

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado, jurisprudência – Niterói: Ímpetos, 2011. 

Marques, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico) São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. 

NETO, João Batista Coelho de Araújo. A responsabilidade civil nos contratos de compras coletivas. Disponível em  -

http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2539 – acesso em 20/04/2013. 

Vancim, Adriano Roberto. Direito e Internet: contrato eletrônico: e responsabilidade civil na web: jurisprudência selecionada e legislação internacional correlata/Adriano Roberto Vnacim; Jeferson Luiz Matiolli – Leme: Lemos e Cruz, 2011.