UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA

CURSO DE LETRAS

 

 

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA OBRA "O CORTIÇO": BERTOLEZA E RITA BAIANA

Carla Janaina Ferreira de Sousa

                                              

 

 

RESUMO: Este artigo tem como objetivo tratar da representação da mulher na obra "O cortiço", utilizando duas grandes personagens de destaque nessa obra: Bertoleza e Rita Baiana. Duas personagens que são totalmente diferente uma da outra, enquanto uma representa a mulher na condição de inferioridade: negra, escrava e submissa ao homem; a outra a mulher sensual e autônoma. As obras utilizadas como fonte de pesquisa para realização deste artigo foram Bosi (2006), Coutinho (2002) e Franconi (1997). Este trabalho tem por objetivo analisar a representação da mulher através das personagens Bertoleza e Rita Baiana da obra "O cortiço" de Aluísio de Azevedo, levando em consideração a figura da mulher na literatura, especificamente no naturalismo. Nossa ênfase maior será trabalhar a questão da mulher: pobre, negra, escrava e submissa ao homem; a mulher sensual e independente.

 

PALAVRAS-CHAVE: Bertoleza. Rita baiana. Submissa. Sensualidade. Representação

 

 

 

INTRODUÇÃO

Este trabalho nasceu da curiosidade que se tinha a respeito de analisar a representação da mulher na obra O cortiço, utilizando para essa análise duas personagens dessa obra: Bertoleza e Rita Baiana.

Podemos perceber que maiorias dos escritores do naturalismo da nossa literatura brasileira retratam a figura feminina de forma bastante real. Essa realidade não é idealizada ou imaginada através da razão, mas sim, através dos sentimentos, uma realidade materialmente verdadeira. Faz uma análise em profundidade, de fatos psicológicos e sociais que assinalam a estética do real.

Para realização da análise da representação da mulher na sociedade de uma forma bastante real, suas implicações e defeitos. Selecionamos a obra "O cortiço" de Aluísio de Azevedo. Essa obra é uma das obras mais importantes de Aluísio, trata-se de um romance escrito em 1881, e imortalizado por tratar de questões de grande relevância, no seu conteúdo, as questões sociais, de gênero, podem ser observadas na obra.

Aluísio Azevedo destaca a preocupação com os aspectos de inferioridade dos personagens. Com clareza, equilíbrio, harmonia na composição, o autor se preocupa com a "perfeição formal" utilizando uma linguagem próxima da realidade. Podemos perceber isso, no decorrer da obra O cortiço, na descrição das personagens, etc.

Só em O cortiço Aluísio atinou de fato com a fórmula que se ajustava ao seu talento: desistindo de montar um enredo em função de pessoas, ateve-se à sequenciação de descrição muito precisas onde cenas coletivas de tipos psicologicamente primários fazem no conjunto do cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista. (BOSI, 1994, p.190)

Para realização deste ensaio ao seguinte suporte: Bosi (2006), Coutinho (2002) e Franconi (1997). Os autores citados deram grande contribuição para este trabalho. A edição do O cortiço que utilizamos para elaboração do ensaio foi a 36ª edição da editora Ática. São Paulo, 2005.

O presente estudo resulta de uma investigação bibliográfica, qualitativa, explicativa e descritiva, conforme o objetivo, no qual, com base na fundamentação teórica, procedeu-se à análise das duas personagens: Bertoleza e Rita Baiana, na obra O cortiço em seus diferentes episódios e o resultado, sintético, é apresentado no texto em apreço.

No naturalismo a mulher é representada de uma forma bem real, com suas implicações e defeitos, e até mesmo de forma exagerada, é trabalhada psicologicamente e patologicamente. O autor naturalista Aluísio procura destacar o comportamento e o modo de algumas personagens bem como as condições socioeconômicas do universo feminino do século XIX, em sua obra O cortiço.

Nessa obra a mulher é representada como agente da realidade, por diversas vezes como sedutora, ela aparece de forma sensual e autônoma, como é caso da personagem Rita Baiana e submissa, como a personagem Bertoleza.

Aluísio representa nas duas personagens supra ditas; as suas representações, através delas, suas contradições e exageros próprios do naturalismo. Segundo Coutinho (2002, p.11 apud ALVES, s.d), conceitua da seguinte forma o naturalismo: “É realismo fortalecido por uma teoria peculiar, de cunho científico, uma visão materialista do homem, da vida e da sociedade.

Ao analisar a obra, um aspecto importante é notado, a redução da mulher a um simples objeto; objeto de exploração "escrava" ao homem, como é o caso da personagem Bertoleza; objeto sexual, como a personagem Rita Baiana.

A personagem Bertoleza representa a mulher na condição de inferioridade, submissa a homem, ou melhor, aos pés de João Romão, no romance aparece sempre nessa mesma condição. Uma mulher trintona, negra e escrava, que representa a sociedade escravocrata em processo de abolição e a vulnerabilidade social, pois mesmo estando supostamente "forra", continuava trabalhando como escrava e sendo submissa ao seu companheiro João Romão. Podemos perceber isso, no seguinte trecho:

Bertoleza representava agora ao lado de João Romão o papel tríplice de caixeiro, de criada e de amante. [...] às quatro da madrugada estava já na faina de todos os dias, avisando o café para os fregueses e depois preparando o almoço para os trabalhadores de uma pedreira que havia para além de um grande cazinzal aos fundos de venda. Varria a casa, cozinhava, vendia ao balcão na taverna, quando o amigo andava ocupado lá por fora; fazia a sua quitanda durante o dia no intervalo de outros serviços, e à noite passava-se para a porta de venda e, defronte de um fogareiro de barro, fritava fígado e frigia sardinhas. [...]. (AZEVEDO, 2005, p.16)

Observamos nesse trecho, que a personagem Bertoleza representa um objeto de exploração por parte do seu companheiro João Romão, o qual não a valorizava como mulher. A personagem continuava vivendo na condição de escrava, apesar de está supostamente forra. Nesse contexto, vale ressaltarmos, que a sociedade do século XIX era marcada pelo advento da sociedade burguesa, influenciou muito na construção da personagem por parte do autor, ou melhor, na construção da representação da mulher. Analisando os personagens, percebemos que João Romão representa a burguesia e a Bertoleza os explorados, afinal ela dava lucro o João Romão, pois trabalhava loucamente sem ser recompensada.

A imagem literária da mulher negra, ao longo da história está vinculada basicamente a um modelo de inferioridade e descriminação de sua personalidade, fato esse que está entrelado ao cenário de escravidão, que serviu ainda para descriminação da mulher negra. Na maioria das vezes, a mulher é representada pelo o olhar opressor da sociedade. Através das características da personagem Bertoleza descrita pelo o autor Aluísio, podemos notar essa descriminação. "Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de serviço, sem domingo nem dia santo [...]. (AZEVEDO, 2005, p.221)

O autor Aluísio deixa clara a relação de preconceito existente entre os personagens. A própria Bertoleza que sofria preconceito, também exercia preconceito em ter um companheiro da mesma cor que ela. "[...] Bertoleza não queria sujeitar-se a negros e procurava um homem numa raça superior à sua.” (AZEVEDO, 2005, p.14). A própria personagem ajudava com essa atitude colocar sua raça na condição de inferioridade.

Outro fato analisando na personagem é representação da mulher dependente do homem. Bertoleza se tornou dependente do João Romão, a partir do momento em que ele se tornou seu confidente; eles vão morar juntos e ele consegue supostamente comprar a carta de alforria dela.

A personagem Bertoleza era tratada pelo seu companheiro João Romão como objeto descartável. Após ele consegue alcançar a condição social que almejava, planejou se livrar dela, ela que sempre trabalhou loucamente para ajudar o amado João Romão. "[...] Bertoleza devia ser esmagada, devia ser suprimida, porque era tudo que havia de mau na vida! Seria um crime conservá-la a seu lado! [...]"(AZEVEDO, 2005, p.246). Em outro trecho, fica bem claro o fim que João Romão almejava para negra Bertoleza. "Sim! Despachá-la! [...] Sumi-la por uma vez! (AZEVEDO, 2005, p.246). A personagem não era tratada como só um ser inferior, mas algo muito baixo, já que, o próprio autor ao descrever a personagem na obra não perdia tempo com ela, Bertoleza não tinha desejos ou opiniões.

O fim dado pelo autor a personagem é bastante impactante. Ela acaba se suicidando, devido às ameaçadas feitos pelo João Romão (ameaça de entregar ela aos seus verdadeiros donos).

A personagem Bertoleza é o símbolo de uma mulher submissa ao homem, escrava dele. Ela apresenta o principal aspecto do naturalismo, a crítica social.

Ao analisar a segunda personagem Rita Baiana, vale ressaltar suas características marcantes, uma mulher baiana, uma bela mulata, sensual, forte, intensa e autônoma, capaz de envolver todos à sua volta. Essas características presentes em toda obra sempre se referi a esta personagem. Isso pode notar no seguinte trecho:

[...] No seu farto cabelo, crespo e reluzente, puxado sobre a nuca, [...], irrequieta, saracoteando o atrevido e rijo quadril baiano, respondia para direita e para a esquerda, pondo à mostra um fio de dentes claros e brilhantes que enriqueciam a sua fisionomia com um realce fascinador. (AZEVEDO, 2005, p.68)

Nesse trecho, podemos observar que o desenho da mulata Rita tornou-se um dos símbolos da brasilidade mal disfarçada, por trás do estereótipo de beleza e alegria, uma figura feminina sexualidade. A personagem torna-se ainda mais estereotipada pelo fato dela ser uma bela baiana, e por si só representa um símbolo sexual.

Em uma análise mais aprofundada, vermos que a personagem Bertoleza aparece na obra como negra; enquanto a personagem Rita Baiana é mulata, ela é caracterizada como bela, sensual, perfeita e perfumada, e a negra é caracterizada como feia, suja e ligada ao lado pejorativo do trabalho fica na imagem da primeira personagem que analisamos.

A personagem Rita representa a sensualidade da mulher. Essa sensualidade é como uma característica ligada a uma identidade, uma propriedade e uma marca da própria mulata Rita, pois a sensualidade costuma ser uma figura de controle ou dominação sobre o indivíduo.

Rita Baiana, que foi trocar o vestido por uma saia, surgir de membros e braços nus, para dançar [...] cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda do paraíso, com muito de serpente e muito de mulher. [...] O chorado arrastava-os a todos, [...], desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita, só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebrados que não sabiam ser sem o cheiro que a mulata voltada de si e sem a voz doce, quebra harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. (AZEVEDO, 2005, p.76-87)

Observamos nesses dois trechos, a sensualidade da mulata Rita. O autor Aluísio ao exibir o requebrado de Rita Baiana e o movimento da cobra amaldiçoada, ele sexualizar a personagem que envolve o Português Jerônimo. Podemos notar também no nesse trecho, uma característica do naturalismo, a presença do zoomorfismo, no momento em que o autor compara o movimento da personagem ao um movimento de uma cobra amaldiçoada.

Rita é a representação da mulher independente, tem sua vida humilde como os demais moradores do cortiço, é lavadeira como a maioria das mulheres que vivem no

Cortiço, mas, apesar disso, é diferente delas. É uma personagem forte, ela não se deixa vencer pelas dificuldades de sua vida, ao contrário, esta sempre procurando um motivo para festejar, convidar os amigos e, juntos, e dançarem até a mais absoluta exaustão. Suas atitudes representam um exemplo de uma mulher que não se deixa rebaixar pelo homem. O autor Aluísio a retrata como uma forte, que através das roupas que lava para fora, se mantém pagando o aluguel do seu quarto, assim como sua alimentação e suas farras. A personagem Rita é tipo representação de uma mulher que tem sua própria independência financeira, que não precisa de homem para pagar suas contas.

A mulata Rita é tipo de mulher que vive suas paixões, mas não abrir mão de sua autonomia, que não quer se sentir presa, "escrava" de um homem, quer ser livre para realizar seus desejos, não admitindo por isso a ideia de se sentir unida pelo casamento. Com essa atitude, a personagem quebra o padrão estabelecido pela sociedade "o matrimônio". "-Casar? Protestou a Rita. Nessa não cai a filha do meu pai! Casar? Livra! Para quê? Para arranjar cativeiro? Um marido é pior que o diabo; pensa logo que agente é escrava! [...]. (AZEVEDO, 2005, p.69). A personagem via o casamento como um cativeiro, o qual tornava a mulher presa ao homem, escrava dele.

[...] O matrimônio é uma instituição e, como tal, está sujeita à prescrição de regras que devem ser seguidas e obedecidas. Há uma mútua vigilância no casamento, no sentido de uma constante observação dos deveres e dos direitos de cada um, de forma que o não cumprimento de uns e a desobediência, aos outros levam, conseqüentemente, à ação de punir, nas suas mais diversas manifestações. (FRANCONI, 1997, p.111)

Rita não quer fica presa a essas regras do matrimônio. Ela busca a sexualidade, almeja desfrutar dos desejos sexuais sem com isso, torna-se um mero objeto de prazer de seu amante, pois, contrariamente a isso, ela é quem deseja enlaçar, dominar e aprisionar seu parceiro.

A personagem se envolve em um triângulo amoroso. No início da obra Rita é amigada com o personagem Firmo, ao retorna o cortiço, ela se envolve também com o Português Jerônimo, que é casado com Piedade. Nesse contexto, a mulata Rita participa de um adultério. Através desse adultério, podemos perceber que o autor coloca a personagem no papel de destruidora de lar, ou melhor, uma mulher que se envolve com homem casado, representa assim, o pior lado da mulher.

Rita com sua sensualidade envolve tanto o Português Jerônimo numa paixão louca, que acaba conseguindo o abrasileirar. "O tal seu Jerônimo dantes tão apurado, era agora o primeiro a dar o mau exemplo! Perdia noites no samba. Não largava os rastos da Rita Baiana e parecia embeiçado por ela! Não tinha jeito! (/AZEVEDO, 2005, p.136).

Podemos notar, que a personagem Rita é como fosse à alma do cortiço, sua sensualidade está presente em todos os seus atos no cortiço. Ela representa o melhor e o pior da mulher dentro à obra O cortiço.

Concluímos com a realização deste artigo, que a obra "O cortiço" de Aluísio de Azevedo nos oferece uma oportunidade de refletir a representação da mulher na literatura, levando em consideração a figura da mulher no naturalismo. Através da análise realizada nas personagens Bertoleza e Rita Baiana, podemos notar que a mulher é representada através da personagem Bertoleza numa condição de inferioridade, enquanto na personagem Rita Baiana no papel da mulher sensual e autônoma.

Elaboramos este trabalho com a finalidade de contribuir com os estudos acerca da representação da mulher nas obras literárias brasileira, especialmente na obra "O cortiço", onde ela é marcada por traços do naturalismo, representada de forma bem real e sem uma ideia idealização; apesar das diversas transformações do século XIX, que são contextualizadas no livro, a leitura dessa obra é agradável e envolvente, levando-nos analisar de diversas formas a representação da mulher daquela época, através das personagens Bertoleza e Rita Baiana, figuras femininas totalmente diferentes, ou melhor, a representação da mulher em diversas situações no cortiço.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 36ª Ed. São Paulo: Ática, 2005.

BOSI,Alfredo.História concisa da literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 199, p, 187-194.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 8ª Ed.Civilização Brasileira, 2002.

CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 2ª Ed. São Paulo: Companhia Nacional, 1967.

Sites consultados

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[1] Aluno do curso de Licenciatura em letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.  [email protected]