A REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO QUE LABORA EM DIA DE REPOUSO OU FERIADO NÃO COMPENSADO PELO EMPREGADOR¹

 

Carlos Alberto Braga Diniz Neto²

Anderson dos Santos Guimarães³

Ana Carolina Cardoso4

 

 

SUMÁRIO: Resumo; Considerações Introdutórias; 1. Da disciplina Jurídica do Descanso Obrigatório e do Trabalho em dia de Repouso;2. Da Remuneração ao Trabalho em dia de Repouso não Compensado pelo Empregador; 2.1.Do Tratamento dado pela Doutrina e Jurisprudência; 2.2Da Interpretação à luz dos Princípios do Direito do Trabalho; Considerações finais; Referências.

RESUMO

A legislação trabalhista brasileira não expressa de forma inequívoca se o pagamento da remuneração do empregado que trabalha em dia de repouso ou feriado não compensado deve ser feito de forma simples, em dobro ou triplicada. Dessa forma, coube à doutrina e à jurisprudência tal missão. Para Mozart Victor Russomano (apud CASSAR) e Sérgio Pinto Martins, a remuneração para o empregado que trabalha no domingo, por exemplo, e não foi compensado, deve ter sua remuneração em dobro, ou seja, com um adicional de 50%. Outros autores, como Vólia Bonfim Cassar, amparado na legislação pátria (art. 9º, Lei nº 605/49 e art. 6º, §3º, Dec. nº 27.048/49) e na jurisprudência (Súmula nº 146, TST e Súmula nº 461, STF) defende que a remuneração, nestes casos, deverá ser em dobro, contudo, sem prejuízo da remuneração habitual do repouso, ou seja, se feito dessa forma, o pagamento do dia de repouso não compensado seria triplicado.

Palavras-chave: Repouso. Remuneração. Empregado. Princípios. Empregador.

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

 

O presente trabalho será elaborado com o objetivo de identificar a posição das correntes doutrinárias, jurisprudenciais e legais que discorrem acerca da remuneração do empregado que trabalha em dia de repouso ou feriado não compensado pelo empregador, analisando a questão do pagamento simples, dobrado (adicional de 50%) ou triplicado (adicional de 100%) dos dias de repouso não compensados.

Para tanto, será necessário se debruçar, sobretudo, sobre a jurisprudência e Enunciados da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho. E também será de suma importância identificar os princípios constituicionais-trabalhistas envolvidos nesse contexto e realizar uma análise crítica acerca destas fontes do Direito do Trabalho, constatando se há harmonia entre norma, interpretação e princípios.

A necessidade e relevância do presente trabalho surgiram por se identificar que a legislação trabalhista brasileira não traz de forma expressa o quantum da remuneração do obreiro que trabalha em dia de repouso ou feriado, os quais o empregador não compensa. Dessa forma, essa árdua tarefa passou a ser feita por doutrinadores e tribunais, por meio de interpretações “autênticas” e “não-autênticas” – à luz do ideal Kelseniano – das mais variadas possíveis. Fato este que deu origem a três principais correntes, quais sejam, a do pagamento de forma simples, a da remuneração duplicada e, por fim, da remuneração triplicada.

Diante da discussão sobre o fato da remuneração do empregado que trabalha em dia de repouso ou feriado não compensado, faz-se mister uma análise aprofundada das correntes teóricas para chegar a uma conclusão quanto ao percentual acrescido na remuneração do mesmo. Temos em mente que o descanso obrigatório do empregado deve ser remunerado, é direito do trabalhador. Desta forma é necessário buscar, por meio deste estudo, um esclarecimento, tendo em vista que, se o empregado trabalhar em dia de descanso e este não for compensado pelo empregador, sua remuneração sofrerá acréscimo.

Em suma, o resultado desejado é comprovar que, em face da ausência de previsão legal específica, preocupou-se a doutrina e jurisprudência com a questão e, hodiernamente, há entendimento sumulado acerca da questão. Visa aqui à comprovação de que o entendimento sumulado é o que obedece aos princípios constitucionais-trabalhistas e respeita a natureza jurídica e direitos, tanto do obreiro, quanto do empregador.

  1. 1.                  DA DISCIPLINA JURÍDICA DO DESCANSO OBRIGATÓRIO E DO TRABALHO EM DIA DE REPOUSO

 

Em primeiro lugar, é irrefutável apregoar que faz-se mister trazer a baila todo o arcabouço legal acerca da matéria. O descanso obrigatório é consagrado pela Constituição Federal pátria, em seu art. 7º, inciso XV: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. Além de previsão constitucional, dispõe sobre o descanso obrigatório também a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seus artigos 66 a 70. Destes, se destacam as seguintes características: a) é assegurado ao trabalhador repouso semanal de, no mínimo 24 horas consecutivas; b) a preferência pelo domingo; c) vedação do trabalho em dias de feriados nacionais e religiosos, salvo exceções previstas em lei.

Há, também, legislação específica tratando sobre o tema. No tocante ao repouso semanal obrigatório, a Lei 605/1949 é quem o disciplina e no que tange ao repouso em dia de feriado, quem regula é o Decreto 27.048/1949. Assevera a doutrina que o descanso semanal obrigatório e o repouso em dia de feriados são espécies do gênero “dias de repouso remunerado”. É como pensa Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2012, p. 565):

Pode-se sustentar a existência do gênero comum, pertinente aos dias de repouso remunerado, tendo como espécies o descanso semanal e aquele em feriados, submetidos à mesma regulamentação, o que fica nítido na redação do art. 1.º do Regulamento do Decreto 27.048, de 12 de agosto de 1949.

De fato, são espécies do mesmo gênero. Contudo, em contraponto, ressalva a doutrina que essas duas figuras não se confundem. O repouso semanal remunerado é, como o próprio nome sugere, devido semanalmente (e preferencialmente aos domingos), de no mínimo 24 horas consecutivas e respeitando os costumes do país, conforme Convenção 106, de 1957 da OIT. Já o repouso em dia de feriado é, também, remunerado, mas concedido apenas nos dias previstos em lei, quais sejam, feriados civis e religiosos.

Tendo em vista que repousos semanais e em dia de feriado não se confundem, torna-se necessário conceitua-los adequadamente.Sobre aquele, em primeiro lugar, é fundamental denomina-lo corretamente, sendo sua correta denominação “repouso semanal remunerado” (RSR) ou “descanso semanal remunerado” (DSR), como afirma GARCIA (2012, p. 566). O mesmo autor trata de conceituar o RSR com as seguintes palavras: “o repouso semanal remunerado pode ser conceituado como o período de ausência de trabalho por vinte e quatro horas, com direito à remuneração, para o descanso do empregado, que deve ocorrer uma vez por semana, preferencialmente aos domingos”. (GARCIA. 2012, p. 566). Observa ainda o autor que a é devida a remuneração dos dias de descanso obrigatório se contemplados os requisitos de frequência e pontualidade.

Em contrapartida, os feriados, nas palavras do autor retro, “por sua vez, são fixados em lei, em que não há o dever de prestar serviços, mas o empregado permanece com o direito de receber a respectiva remuneração”.(GARCIA. 2012, p. 566).

No tocante à natureza jurídica, ambos, tanto o RSR quanto o repouso em dia de feriado, possuem o mesmo regramento, portanto, o que se aplica para um, se aplica ao outro. Gustavo Filipe Barbosa Garcia divide em duas categorias a natureza jurídica: a) enfoque do período; e b) enfoque do valor recebido. (GARCIA. 2012, p. 567). Sob o enfoque do período em si, afirma-se que o RSR tem natureza jurídica de intervenção do contrato de trabalho, sendo remunerado. Já acerca do enfoque sobre o valor recebido pelo empregado, diz a doutrina supra que é de natureza jurídica salarial. Ademais, dias de descanso remunerado é direito trabalhista fundamental consagrado na Carta da República e, por conseguinte, é de dever jurídico do empregador.

  1. 2.                  DA REMUNERAÇÃO AO TRABALHO EM DIA DE REPOUSO NÃO COMPENSADO PELO EMPREGADOR

A previsão constitucional (art. 5º, XV) do repouso semanal remunerado afirma que é apenas “preferencialmente” que seja concedido aos domingos. Assim, tem-se que não há obrigatoriedade, sendo este pensamento corroborado pela Lei 605/1949 em seu art. 1º. Embora não haja obrigatoriedade, em outras palavras, sendo autorizado o trabalho aos domingos, o legislador tenta ao máximo respeitar a “sugestão” constitucional, como se depreende da exegese do art. 1º da Lei 11.603/2007, que aplica-se ao comércio em geral:

Art. 1o. O art. 6o da Lei no 10.101, de 19 de dezembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6o Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.

Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva.” (NR)

 

Acerca dos feriados, a referida lei incluiu o art. 6º-A à Lei 10.101/2000, com a seguinte redação:

Art. 2o A Lei no 10.101, de 2000, passa a vigorar acrescida dos seguintes dispositivos:

Art. 6º-A. É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.” (NR)

Art. 6º-B. As infrações ao disposto nos arts. 6o e 6o-A desta Lei serão punidas com a multa prevista no art. 75 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943.

Parágrafo único. O processo de fiscalização, de autuação e de imposição de multas reger-se-á pelo disposto no Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho.” (NR)

Pelo que se depreende dessa legislação, o repouso semanal remunerado é sempre a regra, devendo ser mitigado apenas em casos justiçáveis pela empresa. É o que se tem no art. 6º, § 2º do Decreto 27.048/1949, ou em casos de força maior. Indubitável é que deve sempre haver folga compensatória. É direito fundamental do trabalho o descanso semanal remunerado, que foi mitigado pela possibilidade de trabalhar em dias de descanso e em feriados. Dessa forma, deve o mesmo ser compensado, sob pena de acréscimo de percentual à sua remuneração. É acertada a lição de Sérgio Pinto Martins (2002, p. 127), afirmando que

Se um funcionário trabalha em dias de repouso ou feriados, deve receber em dobro (art. 9º da Lei 605), exceto se o empregador conceder a folga em outro dia. O referido artigo só trata dos feriados e não dos domingos, mas entendo que se aplica por analogia aos domingos trabalhados sem folga compensatória.

Ressalva que a remuneração ao repouso semanal só se faz devida se preenchidos os requisitos da assiduidade e pontualidade durante a semana anterior ao dias de repouso semanal previstos na Lei 605/1949, em seu art. 6º, conforme preconiza Barbosa Garcia (2012, p. 574).

No que diz respeito ao repouso em dias de feriado, este é assegurado infraconstitucionalmente pela Lei 605/1949 em seu art. 8º: “excetuados os casos em que a execução do serviço for imposta pelas exigências técnicas das empresas, é vedado o trabalho em dias feriados, civis e religiosos, garantida, entretanto, aos empregados a remuneração respectiva, observados os dispositivos dos artigos 6º e 7º desta lei”. E também no art. 70, CLT: “salvo o disposto nos artigos 68 e 69, é vedado o trabalho em dias feriados nacionais e feriados religiosos, nos termos da legislação própria”.

Novamente vê-se que a regra é o descanso, sendo o labor em dia de feriado a exceção. Tem-se, portanto, que há mitigação para o repouso nos feriados, que se dá nos casos excepcionais supramencionados e previstos nos arts. 8° e 9° da Lei 605/1949. Ademais, para o caso dos feriados, aplica-se ainda o art. 6º-A da Lei 10.101/2000. Neste certame, apregoa Barbosa Garcia:

Assim, passou a existir permissão para o labor em feriados nas “atividades do comércio em geral”, desde que presente a autorização em “convenção coletiva de trabalho”. Deve-se, ainda, observar a legislação municipal a respeito da matéria, conforme art. 30, inciso I, da CF/1988 (de acordo com o qual compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local”).(GARCIA. 2012, p. 575).

Para os feriados, também há necessidade de compensação, sob a pena supracitada. Neste certame, ressalta-se a inteligência do art. 9º, Lei 605/1949: “nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga”. Acerca disso, bem observa GARCIA, 2012, p. 576: “Ressalta-se que o pagamento em dobro do trabalho em feriado não quer dizer, propriamente, autorização para tanto, conforme correta interpretação do art. 9º da Lei 605/1949”.

Aplicam-se também em relação aos feriados os requisitos da assiduidade e da pontualidade para tornar devida a remuneração, calculada conforme art. 7º da lei retro. Frisa-se ainda a necessidade de autorização em Convenção Coletiva de Trabalho.

 

2.1.Do Tratamento dado pela Doutrina e Jurisprudência

Inicialmente, é fato que a legislação trabalhista brasileira não é expressa ao determinar o pagamento em dobro dos dias de repouso não compensados pelo empregador. Há legislação expressa que disciplina o pagamento em dobro para feriados não compensados, sendo assim, a jurisprudência, por meio de interpretação extensiva do art. 9º da Lei 605/1949, firmou que o pagamento em dobro se aplica também ao DSR.

Entretanto, surgiu na doutrina um questionamento bastante pertinente, qual seja: dobro de quê? Qual a base para a fixação do acréscimo e qual a natureza do mesmo? Diverge a doutrina e os próprios tribunais superiores a este respeito.

São duas as principais correntes. A primeira afirma que a remuneração se dá em dobro, mas levando-se em consideração a remuneração normal do repouso já embutida no salário do mensalista. Defendem esta tese Sérgio Pinto Martins, Mozart Victor Russomano afirmando que a remuneração para o empregado que trabalha no domingo, por exemplo, não foi compensado, deve ter sua remuneração em dobro, ou seja, com um adicional de 50%. Sérgio Pinto Martins é categórico ao afirmar que:

O empregador não deve pagar o dia trabalhado em domingo e feriado com o adicional de horas extras de 100%, pois inexiste o direito a horas extras ou adicional de horas extras para esse dia, apenas a penalidade de remunerá-lo em dobro. Da mesma forma, não há que se falar em reflexos de trabalho em feriados e domingos em outras verbas, porque as penalidades devem ser interpretadas restritivamente. Inexiste previsão legal desses reflexos, além de que não se trata de horas extras, para que houvesse reflexos. (MARTINS. 2011, p. 580).

Compartilha desta corrente o Supremo Tribunal Federal em seu Enunciado 461 de sua Súmula, que apregoa: “é duplo, e não triplo, o pagamento de salário dos dias destinados a descanso” (STF, S. 461).

A segunda corrente defende que a remuneração é em dobro, mas sem prejuízo da remuneração habitual percebida pelo obreiro. Os partidários desse entendimento, tais como Vólia Bonfim Cassar, Gustavo Filipe Barbosa Garcia e Ricardo Resende, criticam a corrente anterior argumentando que seus defensores confundem a visão do pagamento em dobro com o adicional sobre as horas trabalhadas. (CASSAR. 2012, p. 700).

Ao passo que criticam, aproveitam para defenderem seus pontos de vista, defendendo assim, a sua corrente. Afirmam que o pagamento em dobro se dá sem prejuízo da remuneração normal recebida pelo trabalhador mensalista. Vale elucidar por meio do exemplo trazido por Ricardo Resende: considerando que um mensalista tenha remuneração de R$900,00 e trabalhe um domingo sem folga compensatória, calcula-se o valor da remuneração diária (900 : 30 = 30), multiplica-se por dois e soma-se ao salário inicial, ou seja, receberá R$ 960,00. (RESENDE. 2011, p. 402). Levando-se em consideração que dentro do salário inicial já está embutido os valores referentes ao repouso remunerado, tem-se que o obreiro está recebendo em triplo, em outras palavras, com adicional de 100%.

Cassar defende esta posição e completa:

Nada mais justo, pois se o empregado que faz horas extras, após seu expediente normal de trabalho, as recebe com adicional de 50%, que dirá aquele que, em dia destinado ao descanso, trabalhar (o que acarreta em afastamento da família e despesas a mais com a condução para ir e voltar do trabalho). Não seria justo que a hora extra trabalhada após o expediente, e menos nociva à saúde física e social, fosse remunerada de forma mais benéfica que o trabalho nos dias de folga não compensada.

Corrobora esse entendimento o Tribunal Superior do Trabalho quando da publicação do Enunciado 146 da própria Súmula: “o trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal”. (TST, S. 146). Barbosa Garcia completa afirmando

Caso exista labor no dia de descanso semanal remunerado, sem folga compensatória, segundo construção jurisprudencial e doutrinária, o empregado também faz jus à remuneração em dobro, “sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal” (Súmula 146, TST, com redação determinada pela Resolução 121/2003). (GARCIA. 2012, p. 571).

Martins, adepto da primeira corrente, critica veementemente a postura adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho. Afirma o autor que “se se remunerasse em triplo, estar-se-ia remunerando uma vez mais do que o correto” e continua, dizendo que “se o empregado já recebe o repouso semanal em seu salário, por ter remuneração mensal, terá o empregador de pagar mais uma vez o repouso trabalhado sem folga compensatória, para atingir o pagamento em dobro e não aplicar a dobra sobre a verba recebida” (MARTINS. 2011, p. 580).

Data venha aos adeptos da primeira corrente e ao STF, entendemos equivocado tal entendimento e reputamos mais acertado o posicionamento da segunda corrente. Isto porque a remuneração em dobro por dia trabalhado, seja em dia destinado ao repouso semanal ou em feriado, não compensado pelo trabalhados não se trata de adicional de hora extra ou compensação de horas, tendo tratamento bastante diverso desta. Ademais, vale ressaltar que a natureza jurídica da remuneração em dobro é salarial e, mais ainda, de penalidade, diversa, portanto, das demais citadas, que são de natureza não-salarial ou de adicional.

2.2.Da interpretação à luz dos Princípios do Direito do Trabalho

 

É de entendimento cristalino que as normas, leis postas devem estar em harmonia com os princípios que regem todo o direito pátrio, desde a conformidade principiológica constitucional até a conformidade com os princípios que regem um ramo específico do direito. Assim também o é no Direito do Trabalho. Dessa forma, qualquer norma de Direito do Trabalho, seja material ou processual, se submete tanto ao crivo constitucional quanto ao crivo principiológico próprio do âmbito trabalhista. Ademais, “qualquer norma” se refere literalmente a qualquer norma aplicável ao direito trabalhista, não importando sua origem. Em outras palavras, não só as normas previstas na CLT passam por esse crivo, leis específicas, especiais, decretos, resoluções e demais fontes do direito trabalhista também são submetidas ao mesmo.

Assim sendo, fundamental é analisar a questão do percentual acrescido à remuneração do obreiro que trabalha em dia destinado ao repouso semanal ou em feriado não compensado pelo empregador com outro dia de folga, com enfoque principal nos princípios trabalhistas da Norma mais Favorável ao Empregado, da Condição mais Benéfica, do In Dubio Pro Operario e da Intangibilidade Salarial.

No que se refere ao primeiro princípio citado, entende a doutrina que, em caso de conflito de normas que se aplicam a um mesmo trabalhador, deve-se, pelo método do “tudo ou nada”, aplicar a que for mais favorável ao mesmo. Ademais, frisa-se que o regramento trabalhista é diferente do direito civil no tocante à conflito de normas. Naquele não se aplica a regra da trinca especialidade, hierarquia e temporalidade. Cassar é certeiro quando afirma que o princípio em questão

Determina que, casa haja mais de uma norma aplicável a um mesmo trabalhador,, deve-se optar por aquela que lhe seja mais favorável, sem se levar em consideração a hierarquia de normas. A regra geral em outras áreas do direito nos ensina que, quando há conflito de normas aplicáveis ao mesmo caso concreto, deve-se aplicar a de grau superior e, dentre as de igual hierarquia, a promulgada mais recentemente. Entrementes, em termos de Direito do Trabalho a regra é diferente, pois norteado pelo princípio da norma mais favorável ao trabalhador. (CASSAR. 2012, p. 179).

Dessa forma, é irrefutável apregoar que deve-se aplicar a remuneração em dobro sem prejuízo da remuneração habitual do dia de descanso obrigatório. Isto pelo fato de se obedecer ao princípio retro e pelo fato de podermos aplica-lo analogamente às Súmulas supracitadas. Sendo estas fontes formais do Direito do Trabalho, devem se submeter aos princípios, portanto, não importa a hierarquia entre Enunciados do TST e STF, isto porque deve-se sempre aplicar aquele que for mais benéfico ao obreiro. Aplica-se, então, o Enunciado 146 da Súmula do TST em detrimento do Enunciado 461 da Súmula do STF. Remunera-se sempre prejuízo do salário habitual percebido pelo trabalhador em seus dias de RSR e feriados.

Acerca do Princípio da Condição mais benéfica, tem-se que é cumprido de forma direta e até mesmo de forma reflexa pela segunda corrente (vide tópico 2.1). O cumprimento por via reflexa se dá pelo fato de este princípio ser desdobramento do Princípio da Norma mais Favorável, sendo estes espécies do gênero Princípio da Proteção do Trabalhador. Cumpre de forma direta tendo em vista a lição de Cassar mencionada anteriormente:

Nada mais justo, pois se o empregado que faz horas extras, após seu expediente normal de trabalho, as recebe com adicional de 50%, que dirá aquele que, em dia destinado ao descanso, trabalhar (o que acarreta em afastamento da família e despesas a mais com a condução para ir e voltar do trabalho). Não seria justo que a hora extra trabalhada após o expediente, e menos nociva à saúde física e social, fosse remunerada de forma mais benéfica que o trabalho nos dias de folga não compensada.

A obediência da orientação do TST mais relevante é para com o Princípio do Indubio Pro Operario. Este mandamento apregoa que  

O intérprete deve optar, quando estivar diante de uma norma que comporte mais de uma interpretação razoável e distinta, por aquela que seja mais favorável ao trabalhador, já que este é a parte fraca da relação. Ou seja, quando emergir da norma dúvida a respeito de sua interpretação, desde que seja razoável, o exegeta deverá optar por aquela que beneficiar o hipossuficiente. (CASSAR. 2012, p. 182).

Corrobora esse entendimento Ricardo Resende, afirmando que “se uma determinada regra permite duas ou mais interpretações, estará o intérprete vinculado à escolha daquela que se mostre mais favorável ao empregado”. (RESENDE. 2011, p. 27). Dessa forma, é indubitável que o Tribunal Superior do Trabalho observou tal princípio e deu a melhor interpretação ao art. 9º da Lei 605/1949. Correta está a segunda corrente, portanto, pois na dúvida sobre o percentual a ser acrescido e sobre a remuneração do dia de repouso trabalhado e não compensado, aplicou a interpretação mais benéfica ao obreiro, qual seja, a remuneração em dobro sem prejuízo da remuneração percebida no RSR e nos feriados.

Em conseqüência, obedeceu também o Princípio da Intangibilidade Salarial, visto que, estando a remuneração aos dias de descanso obrigatório embutida no salário do mensalista, esta não pode retirada ou reduzida. É devida e correta, portanto, a remuneração com adicional de 100%. Como afirma Ricardo Resende (2011, p. 32), este “é o princípio segundo o qual não se admite o impedimento ou restrição à livre disposição do salário pelo empregado. Tal princípio tem como pedra de toque a natureza alimentar do salário”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Tendo em vista as considerações feitas no presente artigo, entende-se como mais correta a corrente doutrinária e jurisprudencial que defende a remuneração em dobro sem prejuízo da remuneração habitual para o dia de repouso trabalhado e não compensado pelo empregador.

Levando em consideração tudo apregoado acima, sobretudo as disposições legais previstas na Carta Magna, na CLT e nas legislações específicas, tais como o Decreto 27.048/49, a Lei nº 605/49, Lei 10.101/2000 e a Lei nº 11.603/2007, bem como a Convenção 106 da OIT, os entendimentos sumulados no Tribunal Superior do Trabalho e toda a argumentação doutrinária retro, além da análise principiológica, é de se compreender que a interpretação deve ser a mais benéfica ao trabalhador, por ser parte hipossuficiente. Sendo assim, entende-se mais favorável ao mesmo a tese defendida pelo TST, corroborado pelos adeptos da segunda teoria supracitada.

Portanto, conclui-se que a corrente mais correta e fundamentadamente formada é a que entende pela remuneração em dobro, sem prejuízo do salário habitual referente aos dias de repouso obrigatório.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.542, de 1º de maio de 1943.

BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949.

BRASIL. Lei nº 605, de 05 de janeiro de 1949.

BRASIL. Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000.

BRASIL. Lei nº 11.603, de 05 de dezembro de 2007.

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Método, 2012.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 5.ed. São Paulo: Método, 2012.

                                                                                          

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

Organização Internacional do Trabalho. Convenção 106, de 04 de julho de 1957.

RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Método, 2011.

STF. Supremo Tribunal Federal. Súmula 461. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em 30 de abril de 2013.

TST. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 146. Disponível em:< http://www.tst.jus.br/home>. Acesso em 30 de abril de 2013.