A RELIGIÃO E A PSICANALISE 

João Francisco da Silva Cezar[1]

 Paulo Brum da Assunção¹

Luis Henrique Ramalho Pereira[2] 

 

RELIGIÃO

Na  perspectiva freudiana de que a necessidade da religião vincula-se ao estado infantil de desamparo - e à nostalgia do pai suscitada por esse estado, a profunda ambiguidade que cerca a palavra pai. O objetivo principal é destacar alguns elementos que posiciona  a psicanálise diante da religião.

O objetivo analisar, as linhas essenciais, de alguns discursos utilizados por Freud na interpretação do fenômeno religioso. Na dinâmica de um pensamento dialético, os discursos de Freud ajudam-nos a compreender a sua posição ambivalente diante da religião.

Freud na complecidade de sua obra, são inúmeros os textos em que ele se propõe a elaborar uma interpretação psicanalítica da psicogênese e da natureza do fenômeno religioso, bem como a analisar o significado dos ritos e do comportamento religioso.

Freud utiliza dois discursos inteiramente diferentes: um inspirado na ideologia iluminista e outro O discurso cientificista.

O discurso iluminista tinha, na ideologia cientificista, um verdadeiro paradigma epistemológico, indispensável para a construção do saber científico.

O discurso cientificista foi, desenvolvido particularmente no livro O Futuro de uma Ilusão (Freud, 1927/1976a) e na última das Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise, intitulada Sobre a Questão da Weltanschauung (Freud, 1933/1976b).

Freud não aceitava que a psicanálise fosse considerada uma ciência judaica. Tornou claro que se fosse o caso de ligarem sua descoberta ao espírito judeu, não teria motivos para se envergonhar, nem tampouco para se sentir mais orgulhoso. Nunca renegou  sua origem, bem como nunca perdeu a solidariedade para com seu povo. Por outro lado, Freud afirmou também, ter sabido tirar partido dessa origem para sustentar uma firme oposição , a fim de defender a originalidade de suas descobertas. (Freud, 1926).

Freud,  encarou a religião como uma ilusão sem futuro e como a contrapartida da neurose que todo homem atravessa no caminho compreendido entre a infância e a maturidade. Atribuiu ao desamparo infantil a fonte última de toda religião, defendendo com veemência este ponto de vista em inúmeras oportunidades (Freud, 1909/1939).

Freud. dirigindo-se a Jung, assinala que, na impossibilidade de imaginar um mundo sem pais, o homem cria as piores falsificações antropomórficas da imagem do universo de que podia tornar-se culpado  (Freud, 1906/1914).

Para Freud a palabra pai dá um passo adiante da consideração centrada numa referência puramente genética permitindo que se efetue um salto discreto do biológico à lógica do sujeito, ou seja, transpõe o aspecto da reprodução, buscando circunscrever algo que participaria da produção do funcionamento psíquico, sobretudo no que toca à formação dos sintomas neuróticos.

Freud trabalha  a questão do pai em sua função edípica, em torno da substituição da cena de sedução pelo fantasma histérico. O pai edípico detém a chave do acesso à sexualidade e introduz o sujeito na castração. Retórica portanto, do pai como esse laço entre a suposição de saber a ele feita e sua impotência.

A dimensão da verdade é misteriosa, inexplicável, nada permite decisivamente discernir-lhe a necessidade, pois que o homem se acomoda perfeitamente à não-verdade. Tentarei mostrar-lhes que é justamente a questão que até o fim atormenta Freud em Moisés e o Monoteísmo (Lacan, 1985, p.245).

Lacan é quem retorna às inquietações de Freud, através de uma crítica contundente à burocracia instalada no próprio seio das sociedades psicanalíticas. As primeiras intervenções de Lacan tiveram como objetivo apontar de que maneira a prática da psicanálise se transformara em exercício religioso, não poupando esforços para estabelecer uma teorização rigorosa que contribuiu para elucidar tanto questões relativas ao dispositivo analítico.

Lacan nos oferece um denominador comum às três versões do pai trabalhadas por Freud, pensando a questão paterna segundo o sistema significante e que, como sabemos, não se encontra em Freud, articulado como tal. Na lei de Moisés reencontramos as leis da palavra, cuja estrutura reduz o pai a um significante : o Nome do Pai. Este significante nomeia a lei do desejo enquanto desejo sexual e rege toda a dinâmica subjetiva ao inscrever o desejo no registro da dívida simbólica. Ainda na mesma conferência, Lacan acrescenta: o homem é efetivamente possuído pelo discurso da lei, e é com esse discurso que ele se castiga, em nome dessa dívida simbólica que ele não cessa de pagar sempre mais em sua neurose (Lacan, 1985, p.276).

 

OS MITOS

Os mitos, conforme esclarece Lacan, são figuras desenvolvidas que são referíveis não à linguagem, mas à implicação de um sujeito capturado na linguagem - e, para complicar as coisas, no jogo da fala (Lacan, 1992, p.312). É função da mitologia assegurar uma espécie de genealogia, de reconstruir com as palavras a questão sempre irresoluta da origem. O mito é o que dá forma épica à estrutura, fazendo entrar na linguagem aquilo que nela escapa, como um modo de colonizar essa hiância.

Se há um lugar no qual a humanidade inteira cabe, onde cabe toda a nossa angústia de existir, esse lugar é a hiância de que fala o Lacan.

Assistimos em Lacan a uma insistência pela retomada da experiência do mito a partir de uma articulação estruturalista, denominando por mito o cenário fantasístico central da neurose.

Tanto Freud como Lacan operam uma desmitificação dos mitos, por mais paradoxal que seja o uso desta expressão neste caso. Não é preciso ir muito longe para lembrar o quanto na linguagem comum a palavra mito aparece como sinônimo de mentira, irrealidade, engano, enfim, toda uma série de expressões que aludem ao caráter maligno do mito, como não possuír consciência plena de suas palavras.

O imaginário, plano onde se aspira ao retorno de uma ilusória unidade primordial - à mãe, ao incesto , não desaparece, mas é a Lei do Pai que, ao estabelecer a interdição, instaura a definitiva impossibilidade do imaginarizado e a mudança dessa aspiração para o registro simbólico.

Freud demonstrou no mito, como nos sonhos que  temos em ação o mecanismo da condensação operando diferentes significações que guardam a memória de experiências arcaicas essenciais e estruturantes do ser humano, que pode ser acontecimentos, verificáveis ou não, historicamente, que assumem um valor significante para determinado sujeito e para uma cultura.

 

LEI NO DESEJO

A transformação da autoridade parental em modelo está diretamente associada à função coercitiva do supereu, promovendo uma  estranha discordância do discurso freudiano com o discurso dos psicanalistas (Lacan, 1992, p.82). A fim de satisfazer as exigências do supereu, as instâncias ideais trabalham sempre no sentido de favorecer o recalcamento, impedindo o curso do desejo.

 

 

 

À diferença do pai imaginário, o pai simbólico não está em lugar algum e nesse sentido a resposta de Deus a Moisés pode ser tomada como exemplo daquela que o sujeito recebe do Outro ou do pai simbólico. Ou seja, revela uma forma de inexistência do Outro (A). Nesse sentido, Lacan pôde nos advertir quanto ao fato de Freud, ao erigir o pai como Nome, atribuir-lhe uma posição singularmente difícil até certo ponto é um personagem manco (Lacan 1988, p.221).

Lacan distingue a propósito do Nome-do-Pai o lugar de um vazio que é sua essência, um Nome que serve para encarnar a Lei no desejo. Da correlação entre o Nome-do-Pai e o desejo decorrem diversas conseqüências. Com isso, a questão do pai em psicanálise é o ponto crítico que faz fronteira e obstáculo à filosofia, à ciência e à religião.

 

CONSIDERAÇÕES

DEUS

Há muito tempo atrás, ele o homem formou uma concepção ideal de onipotência e onisciência que corporificou em seus deuses. A estes, atribuía tudo que parecia inatingível aos seus desejos ou lhe era proibido. Pode-se dizer, portanto, que esses deuses constituíam ideais culturais. - Freud (1929).

A explicação que Freud dá ao sentimento religioso decorre do desamparo na qual o indivíduo é dotado ao nascer em um mundo que lhe parece estranho, hostil e cheio de enigmas, da existência àprópria morte. O desamparo infantil decorre dos conflitos e dúvidas quanto às garantias sobre o existir e o futuro.


BIBLIOGRÁFICA

FREUD, S. e JUNG. C. G., Correspondence 1906-1914. Paris: Gallimard, 1975.

FREUD, S. Y PFISTER. O., Correspondencia 1909-1939. México: Fundo de Cultura Economica: 1966.

FREUD, S. Carta aos membros da loja da Sociedade Bnait Brith, 6 de maio de 1926, In: Correspondência de amor e outras cartas, 1873-1939, Edição preparada por Ernst L. Freud. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

FREUD, Sigmund (1929[30]/1981). O mal-estar na civilização. In: Obras Completas. Madrid : Biblioteca Nueva. v.3.

Freud, S. (1976a). O futuro de uma ilusão (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago (Originalmente publicado em 1927).

Freud, S. (1976b). Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise: Conferência XXXV: A questão de uma Weltanschauung (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol.22). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1933 [1932]).

LACAN, J. O Seminário, Livro 3: As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.

LACAN, J. O seminário, Livro 7. A ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

LACAN, J.  O Seminário, Livro 8: A transferência (1960-1961). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.



[1] Acadêmicos do Curso de Psicologia ULBRA-SM

[2] Professor do curso de Psicologia ULBRA-SM, Especialista em Clinica infantil e Ms. em Educação UFSM