A RELIGIÃO COMO TEORIA DO SENTIDO DA VIDA

Valdecí Augusto
Qual o sentido da vida? Eis a pergunta... E inicia a criação; começam as buscas nas poesias, nas músicas, nas filosofias, nas religiões etc. Teorias surgem como resposta à pergunta. Mas são sempre superficiais e fragmentadas. Pois o sentido da vida não é em si, não existe em si. Não será encontrado como dado concreto. Não possui essência. Não é. Não existe porque não possui essência.
Deste modo, o sentido da vida está em buscá-lo. Não é fim em si. Dá se apenas como movimento do ser, rumo ao que não é e nunca será. O sentido da vida define-se apenas como vontade de encontrar e experimentar o nada, como tudo.
O monólogo final do filme Monthy-Phyton (O sentido da vida) exprime com clareza e simplicidade a vacuidade do sentido da vida:

"Aqui está o sentido da vida (abre-se um envelope). Hum... Bem, não é nada muito especial. Tente ser legal com as pessoas, evite gordura, leia um bom livro, caminhe um pouco e tente viver em paz e harmonia. E aqui estão algumas fotos de pênis completamente gratuitas só para irritar os censuradores." (Cf. O Monólogo final do filme Monthy-Phyton - O sentido da vida).

O filósofo existencialista, Jean Paul Sartre, em seus escritos também descreve o sentido da vida como acidente e não como essência. Para Sartre o sentido da vida pauta na subjetividade, no relativismo. Não há objetividade.

"O homem não pode desejar nada, a menos que antes compreenda que ele só pode contar consigo mesmo; que está sozinho e abandonado na Terra, sem outros objetivos a não ser os que ele mesmo estabelecer, sem outro destino a não ser o que ele forjar." (Cf. a obra "O Ser e o Nada", do Filósofo Jean Paul Sartre).

Entres as inúmeras teorias, que tendem a afirmar, definir e explicar o sentido da vida em si, está à religião, ou como queira as religiões. Mas a religião, ou religiões em si já é uma teoria. O antropólogo Raúl Iturra afirma que:

"A religião é uma teoria construída através do tempo que tenta, ou trata, de dar direção às relações especiais. Esta construção é também feita pelo investimento da experiência num modelo central, a divindade, que sintetiza tudo aquilo que o homem precisa ter enquanto vive". (Cf. ITURRA, Raul, A religião como teoria da reprodução social. Lisboa, Escher, 1991, p. 14).

Em outras palavras, a religião é uma teoria enquanto forma de pensar e entender o fenômeno da existência humana, isto é, teoria que tende a explicar o porquê e o para quê da existência humana. Principalmente tende a "explicar" as experiências de sofrimento e angústia que "roubam" o sentido da vida dos crentes.
A origem da religião revela sua própria intenção. Pois a religião originou-se do Mito, em grego mutheo, como tentativa de explicação de acontecimentos naturais ou sobrenaturais que fugiam ao entendimento. E ao oferecer as respostas oriundas dos questionamentos humanos, a religião afasta o homem da experiência do nada, do caos, do fim, da tragédia existencial. O poeta romântico alemão Heinrich Heine, em 1840, no seu ensaio sobre Ludwig Börne escreveu:

"Bendita seja uma religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança". (Citado por Löwy, Michael (2006) Marxismo e religião: ópio do povo? Borón, A. et.ao. (compiladores) A teoria marxista hoje. Buenos Aires: CLACSO. ISBN 987-1183-52-6).

Assim, a medida que a religião afasta o homem da experiência do nada, do caos, do fim, cria-lhe o sentido da vida, isto é, esconde o homem da tragédia existencial denominada: "nada", da experiência do não-ser. Na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, obra escrita em 1843 e publicada em 1844 no jornal Deutsch-Französischen Jahrbücher, que Marx editava com Arnold Roge, a religião é criticada e tida como mera teoria do sentido da vida. Teoria criada pelos homens.O texto diz:
"É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a religião não faz o homem. E a religião é de fato a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou voltou a se perder. Mas o Homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d'honneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua base geral de consolação e de justificação. É a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião. A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma. A religião é o ópio do povo. A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o germe da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola. A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a sua realidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo e, assim, em volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não circula em tomo de si mesmo. Conseqüentemente, a tarefa da história, depois que o outro mundo da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade deste mundo. A tarefa imediatada da filosofia, que está a serviço da história, é desmascarar a auto-alienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma-se deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, e a crítica da teologia em crítica da política." (Cf. Crítica da filosofia do direito de Hegel; São Paulo: Boitempo Editorial, 2005, páginas 146/147).

Conclui-se que a religião é apenas uma teoria que impulsiona o homem a buscar um sentido para a existência. Mas como já foi dito o sentido da vida está em buscá-lo. Não é fim em si. Dá-se apenas como movimento do ser rumo ao que não é e nunca será. Define-se apenas como vontade de encontrar e experimentar o nada, como tudo, isto é, não é objetivo, não tem essência.
"Religião salva o indivíduo do seu nada, livra-o de sua inquietude essencial e, em troca de sua fé, de sua confiança, de sua boa vontade, oferece-lhe o ser e a paz traçando-lhe um claro caminho a seguir para atingir a felicidade." (Cf. O sentido da Filosofia, Marcel Conche, Martins Fontes, São Paulo, 2006, p. 70).

Portanto, há intrínseco ao ser humano um movimento em direção a sua essência, ao seu âmago, pois o ser humano nasce fora de si. Sua realização consiste em encontrar se a si mesmo, a experimentar sua essência, a encontrar seu centro. Mas no centro, no âmago encontra-se o nada. E ao experimentar o nada, o ser humano angustia-se. Daí a religião oferece ao homem um sentido para a vida que o entorpece da real tragédia existencial: o nada.


Valdecí Augusto
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Licenciado em Filosofia pela Faculdade Católica de Pouso Alegre ? Curso Livre;
Bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção ? Curso do MEC;
Pós-Graduado (Lato Senso) em Parapsicologia pelo Centro Latino Americano de Parapsicologia ? Curso Livre;
Pós-Graduado (Lato Senso) em Ética e Filosofia pela Faculdade do Noroeste de Minas ? Curso do MEC.

Autor de Poemas do Ser & Poemas Complexos ? Filosofia em Versos.
http://clubedeautores.com.br/book/38257--Poemas_do_Ser__Poemas_Complexos

Abril de 2011