A RELAÇÃO ATUAL DA FILOSOFIA DA PRÁXIS DE KARL MARX COM O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

INTRODUÇÃO

Karl Marx trabalha em cima da perspectiva humana, deixando o idealismo de lado. Seu foco, é no homem concreto e não no homem abstrato, uma vez que as relações sociais advêm das relações na história e não uma relação com a natureza, e essa vida social é diretamente ligada à prática. Logo, para Marx o homem modifica a realidade através da práxis.

A Filosofia pode ser vista como um meio de transformação da realidade social, ou seja, compreender a realidade e a partir disso olhar o mundo como instrumento da práxis, através das contradições e das relações humanas predominando a matéria sobre as ideias. Dessa maneira, propiciará ao homem conhecimento sobre sua realidade, para este guiar os rumos da história tanto coletiva, quanto individual, com a finalidade de intervir e ver o mundo com liberdade, consciência e responsabilidade. Entretanto, para Marx os homens são seres produtores de história pois é através dela que ocorre a mudança e a transformação da realidade.

O modo de produção capitalista com suas contradições fez com que surgisse desigualdades dentro do meio social, com classes sociais distintas – a burguesia que detém os meios de produção e é vista como a classe dominante, e o proletariado que depende da sua força de trabalho para sobreviver e é a classe dominada. Relacionando as condições estabelecidas entre a burguesia e o proletariado com a criminalidade, pode-se dizer que a classe dominada sofre explicitamente com essa dominação, uma vez que fora a força de trabalho, ela procura outras formas para obter melhores condições de vida, onde muita das vezes acaba não sendo de forma honesta, visto que dentro da sociedade capitalista na qual estamos inseridos, a criminalidade surge como alternativa para esse viés e a partir disso se pode constatar o “perfil” do criminoso.

Diante do exposto fica evidente que o protecionismo penal protege a classe dominante denominada classe burguesa. Karl Marx relaciona o Direito como uma regra de conduta coercitiva que nasce a partir de preceitos da classe dominante e apresenta somente conflitos de interesses entre as classes sociais, na perspectiva marxiana há também influência do poder econômico sobre o Direito, uma vez que a dominação da burguesia sobre o proletariado na perspectiva econômica é legitimada por um Estado de Direito que pode modificar a cultura, a história e as relações sociais.

1. A Filosofia da Práxis como Instrumento de Modificação da Sociedade Civil

Karl Marx é influenciado pelas ideias de Hegel, que é um filosofo e idealista alemão. Ele se vincula aos “hegelianos de esquerda”, na qual buscam analisar questões sociais baseado na necessidade de transformação da classe burguesa da Alemanha e faz critica a Hegel. Portanto, foi filosofo revolucionário e sua critica era voltada para o capitalismo, onde criou as bases da doutrina comunista. Além do mais, sua filosofia influência diversas áreas do conhecimento como Sociologia, Economia, Direito, Política, Teologia, entre outras.

Quando Marx se vincula aos “hegelianos de esquerda”, ele faz uma ruptura com o idealismo tradicional e com o materialismo apenas contemplativo e isto passa a ser ponto essencial da filosofia marxiana, visto que o materialismo seria um desdobramento do idealismo. Entretanto, o primeiro é a “coisificação” do segundo, no sentido de materialidade mesmo.

Em primeiro momento, Marx faz uma critica faz uma critica a esse idealismo abstrato e vulgar, pois o homem é pensado somente como produto das circunstâncias e da educação, mas esquece que este homem é aquele que muda tais circunstâncias e que também deve ser educado.  Com isso, em segundo momento ele destaca que a filosofia se esqueceu do ser humano, aquele de carne e osso, em sua totalidade, de modo que o pensamento não pode está perdido em generalidade e abstrações, mas deve está ligado a uma prática, e esta relação entre teoria e prática surge para inovar e criar.

O inicio do conceito de “práxis”, que está no centro de toda filosofia de Marx e se distancia de uma tradição puramente conceitual, essencialmente cognitiva e idealista, como a de Hegel e Kant, passando para outro ponto de vista: a humana, ao invés da idéia abstrata, o homem concreto. Não vê a sensibilidade como prática humana e sensível. O imperativo categórico de Kant não é destituído de sentido, de significado, pelo contrário, ao analisá-lo vemos que num contexto social ele está vinculado à classe burguesa.

Na Filosofia da Práxis, é importante destacar que essa práxis não significa prática, pois a prática é uma parte da práxis que envolve muito mais conceitos, visto que é um ponto de vista puramente materialista, onde busca a transformação do homem, do filósofo e da sociedade. É um afastamento do idealismo, típico da filosofia alemã, para percorrer o caminho da filosofia concreta, orientado para transformação. As relações humanas não são dadas de uma mera apreensão empírica ou da “natureza” humana, mas das relações na história. De modo que, assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele. E essa “práxis” humana não se dá apenas pelo trabalho, mas também através das relações sociais que constitui o principio fundamental.  O homem é produto da história, ou seja, é resultado do contexto histórico – social – cultural político na qual está inserido na sociedade civil.

Karl Marx diz que “os filósofos só interpretam o mundo de diferentes maneiras; do que se trata é de transformá-lo” (MARX; ENGELS, 2002, p. 103). Desta forma a função da filosofia é conceder uma reflexão das circunstancias que envolvem as ações do individuo, uma vez que a Filosofia da Práxis se estabelece na critica a relação do homem, da natureza e da sociedade, privilegiando as relações sociais e se contrapõe aquela filosofia especulativa de concepção metafísica.  

É neste viés que se busca acolher a Filosofia da Práxis para relacionar com o protecionismo penal, de modo que o protecionismo penal é uma forma de amparo para classe burguesa dentro da sociedade civil atual, portanto é desta forma que o pensamento filosófico acaba por se transformar em uma condição para dá ao homem a consciência de sua existência e de suas ações ao longo da história, buscando outras formas de não se deixar influenciar pelas circunstancias na qual o individuo se encontra.

1.1 O Contraponto Entre o Homem Abstrato e o Homem Concreto

Dentro deste aspecto é importante ressaltar as definições de superestrutura e infraestrutura para Marx, visto que, não interessa o homem tomado apenas em sua materialidade física ou existência, mas também o que consta no aspecto político tomado em sua sociabilidade e consciência. A infraestrutura condiciona os meios materiais de produção, isto é, a força de trabalho e os meios de produção. Já a superestrutura busca dirigir uma espécie de produto que não tem forma material, ou seja, produções ideológicas, formação de idéias e conceitos dentro da concepção política, religiosa, códigos morais, sistemas de ensino, de comunicação, entre outros.

É neste ponto vista que a classe burguesa, por ser a classe dominante, busca condicionar em qual sistema o individuo deve está inserido no meio social através de uma ideologia penal dominante. É importante ressaltar que a sociedade tem o sistema penal que deseja, pois há uma seleção do individuo dentro da perspectiva de divisão do bem e do mal. Essa ideia tem como base o maniqueísmo e faz parte do sistema de controle informal social, a família, a escola, a mídia, o mercado de trabalho e até mesmo a religião fazem com que exista uma etiqueta positiva e negativa para cada individuo nessas instituições, esta é, portanto, a base para o senso comum penal. 

Como a Filosofia da Práxis se condiciona a partir da contradição e do conflito, o homem para ser concreto deve explorar sua condição de existência produzindo, transformando o mundo histórico e a si mesmo, para que a partir dessa perspectiva o individuo não deixe que essa idéia condicionada pela classe dominante possa influenciar na sua vida e atitude, pois o sujeito que pensa vai mais além, produz seus meios de existência de forma livre, não sendo alienado por ideologias que regulam a sua índole e consciência.

1.2 A Interdependência do Homem com a Produção e a Criminologia

Com o decorrer dos tempos, as sociedades buscam se transformar no que diz respeito a sua organização de trabalho. Dentro dessa perspectiva, para o marxismo existem as forças produtivas e as relações de produção, pois sem o trabalho e sem a produção a sociedade não pode se desenvolver, uma vez que esta é condição objetiva da existência humana e constitui a “história dos homens”.

Visando atender às suas carências, os indivíduos produzem seus meios de vida, através de instrumentos apropriados. Essa ferramenta é o intermédio entre o homem e outro homeme a natureza,poisconsiste na transformação de objetos naturais em objetos utilizáveis para sua sobrevivência. Podendo ser através das forças produtivas de forma livre, efetiva e recíproca, ou a partir das relações sociais de produção, que se dá através da distribuição dos meios de produção e de membros da sociedade.

Desta forma, surge um questionamento sobre quem são as pessoas detentoras dos meios de produção, se é a sociedade inteira ou somente os indivíduos detentores de poder econômico na qual se servem para explorar o trabalho de outros. Hodiernamente, na sociedade capitalista na qual estamos inseridos, as relações de trabalho são visíveis através da submissão e dominação, uma vez que dentro dessa estrutura social há uma divisão de classes e é marcante a desigualdade social, de modo que o quesito econômico é fator determinante para posição na qual o indivíduo deve ocupar.

Logo,é a sociedade que faz do homem o que ele é, visto que é dentro das relações de produção, que as pessoas interagem entre si de diversas maneiras.Essas relações deveriam se dá através de uma necessidade objetiva. Contudo a divisão de trabalho existente acaba se apresentando como uma segmentação social, visando somente atender ao interesse de alguns. Pois,o individuo que não possui bens materiais necessários à vida, se sujeita a trabalhar para outrem aceitando as relações de submissão.

É a partir dessa reflexão que podemos fazer uma conexão ao indivíduo que se transforma em criminoso, de modo que diante das circunstâncias na qual ele está inserido, não se subordina a condição de dominação e busca seus próprios meios de produção, trabalho e existência. A partir desse viés o individuo também busca outras maneiras de atender aos desejos econômicos que a sociedade capitalista impõe, como por exemplo, roubar e matar para obter a mercadoria cobiçada da época.  Dentro da criminologia, estuda-se que o crime é a regra, pois praticamente todo mundo os comete, podendo ser em maior ou menor grau de gravidade. Entretanto, a classe dominante é amparada pelo seu poder aquisitivo, pois o sistema penal acaba sendo seletivo. Portanto, o homem passa a não ser visto mais como pessoa humana e sim enquanto indivíduo da classe social na qual pertence.

2. Sistema Carcerário Brasileiro

Os presídios foram criados com a finalidade de acabar com as práticas utilizadas para punir os delinquentes anteriormente, visto que eram desumanas, havia, por exemplo, castigos corporais e a pena de morte. Todavia, o propósito dessa criação ainda não foi efetivado, hoje ainda há nas prisões costumes impiedosos, onde os presos recebem torturas físicas e psicológicas devido aos problemas existentes nos presídios.

Atualmente, o Brasil possui um sistema prisional precário e isso se deve a diversos fatores como – desatenção do poder público, falta de investimentos e abandono, refletindo todo esse descaso de uma maneira negativa na sociedade uma vez que, o cárcere ao invés de corrigir o indivíduo, ou seja, ressocializá-lo, acaba sendo uma escola do crime.

Outro problema nítido dentro desse contexto é a superlotação dos presídios, o espaço não é compatível com a demanda. Esse problema afronta os direitos fundamentais da pessoa que se encontra neste local, o preso, que tem seu direito assegurado no art. 5º, XLIX, da Constituição Federal Brasileira – ‘’é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’’.

Cabe ressaltar também que a Lei de Execução Penal (LEP), no seu art. 88 estabelece o seguinte – ‘’ O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório. Porém, não é isso que é acontece na realidade e fica evidente o descaso do poder público diante do sistema carcerário brasileiro, pois nem mesmos as leis são cumpridas corretamente.

Os presos, por serem tratados de maneira desumana, sem a devida ressocialização, vivendo em celas superlotadas, tornam-se mais violentos e a sociedade sofre as consequências por isso, pois estes retornam a esse meio sem recuperação, não são devidamente reeducados para não mais praticar delitos. Dessa forma, continuam roubando, matando, praticando crimes que, caso fossem tratados de maneira diferente durante o período em que estavam presos, se tornariam pessoas do bem, contribuindo para uma sociedade justa e igual para todos.

 Contudo, enquanto não houver políticas para inverter essa realidade das prisões brasileiras, ou seja, dar aos presos tratamento e educação de forma humana, o problema não vai acabar, pois se o indivíduo é tratado como um delinquente, consequentemente aprende a se comportar como um. Logo, é necessário reconhecermos a real situação dos presídios e pressionar o Estado para que este tome decisões para mudar esse quadro que contribui para o fracasso social.

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