A REGULAÇÃO DA PUBLICIDADE SENSÍVEL NO BRASIL

Antes de analisar propriamente os órgão de controle da publicidade no  âmbito público e privado, é de salutar importância para melhor compreensão do tema, buscar uma definição de publicidade, ao que passaremos a analisar conceitos variados e elegeremos um para fins desse estudo.

 

Publicidade sensível

Este trabalho adotará a expressão “publicidade infantil” para identificar o seu objeto, aquela que tem um fim persuasivo manifesto, destinado a incitar o consumo de bens e serviços. Entretanto, o uso indiscriminado dela não é tecnicamente adequado. Constitui-se em alternativa destinada a facilitar a leitura, evitando-se os termos “propaganda infantil”, “propaganda dirigida a crianças” ou, “publicidade de produtos e serviços destinados a crianças”.

Vista como um instrumento eminentemente de persuasão, um ato comercial com a função de vender produtos e serviços. A publicidade não é expressão de pensamento, mas sendo um instrumento da atividade econômica, pode ser restringido se lesar princípios constitucionais.

            Não se vislumbra no Condigo de Defesa do Consumidor nenhuma conceituação do termo publicidade, embora o trate de forma específica na Seção III do Capítulo V.

A definição de publicidade não é encontrada em nenhum documento legal do sistema jurídico brasileiro, porém, destacamos alguns conceitos provenientes da doutrina. De acordo com Antônio Carlos Efing (2004, p.184):

Publicidade é sinônimo de mensagem publicitária, a qual corresponde ao conjunto de comunicações controladas, identificáveis e persuasivas, transmitidas através dos meios de difusão como o objetivo de criar demanda de produtos e contribui para a boa imagem da empresa.

Por sua vez, a doutrinadora Cláudia Lima Marques conceitua a publicidade com (1999, p. 673):

 Publicidade é toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado.

Nesse passo, Dorothy Cohen, define a publicidade da seguinte maneira (2005, p. 305):

(...) publicidade é uma atividade comercial controlada, que utiliza técnicas criativas para desenhar comunicações identificáveis e persuasivas dos meios de comunicação de massa, a fim de desenvolver a demanda de um produto e criar uma imagem da empresa em harmonia com a realização dos gostos do consumidor e o desenvolvimento do bem-estar social e econômico

Merece atenção a conceituação de publicidade comercial de Jacobina conceituada como aquela (2002, p 11):

(...) realizada com o objetivo de ofertar um bem ou serviço a consumo, através de um meio de comunicação capaz de atingir, ainda potencialmente, um número indeterminado de pessoas e veiculada às expensas do fornecedor.

            Ao longo dos anos o doutrinador brasileiro não observou qualquer diferença entre as expressões “publicidade” e “propaganda”. Muitas vezes encontramos esses termos como semelhantes, apesar da grande diferença entre eles.  Numa interpretação lógica sistemática, não se consideram os termos como sinônimos. A doutrina e jurisprudência brasileira apontam nesse sentido.

O vocábulo “propaganda” é apontado na legislação brasileira como qualquer forma remunerada de difusão de ideias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado. Trata-se de uma acepção que se propõe a restringir a aplicação da palavra, muito mais aberta, e que remata em si a acepção de propagação de princípios, ideias, conhecimentos ou teorias. Desta feita, do ponto de vista legal, podemos definir a propaganda como a propagação de uma mensagem geral, de caráter persuasivo, por parte de um anunciante identificado.

Já a palavra “publicidade” tem, do ponto de vista legal, uma acepção muito mais ampla, ligada primordialmente à noção de visibilidade. O “princípio da publicidade” que orienta a administração pública direta e indireta emana imediatamente dessa noção de levar ao conhecimento de todos seus atos, dando transparência, tendo o sigilo como exceção. De fato, o termo “publicidade” está ligado ao que é público, ao caráter do que é feito em público.

            Além da diferenciação mencionada, precisamos conhecer uma classificação específica que é a publicidade comercial. Merece atenção tal diferenciação para fins de desenvolvimento desse trabalho e conforme a compreensão de Vida Nunes (2008, p. 275):

a) Publicidade Comercial: atividade desenvolvida para fomentar o consumo, seduzindo o consumidor para a aquisição de determinado produto ou serviço;

b) Publicidade: meio pelo qual o Estado dá transparência às suas decisões e informa a população;

c) Propaganda: visa à divulgação de ideias, teorias e princípios.

Dessa forma, a publicidade comercial voltada ao público infantil, que não têm a plena capacidade de análise e entendimento dos conteúdos midiáticos que lhes são dirigidos, é aquela que estamos tratando no presente texto.

 Extensão das medidas controladoras no brasil

Assim, ultrapassados esses problemas meramente conceituais, prosseguimos a discussão verificando a extensão das medidas legislativas controladoras da publicidade dirigida ao público infantil, no sistema legal Brasileiro.

            A legalidade na adoção de medidas regulatórias é vista sob diferentes perspectivas, todas buscando a efetivação de princípios já consagrados em todo o arcabouço jurídico existente, qual seja, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor, que ratificam a situação da criança como indivíduo hipervulnerável em formação.

            Nesse ponto, ressaltamos o grande paradoxo que a discussão enfrenta, pois apesar de se reconhecer o dever do Estado de assegurar direitos constitucionalmente estabelecidos, inclusive atuando na esfera privada, parece que as leis do mercado se sobrepõem a essa realidade, e a questão perpassa inclusive a legalidade na adoção de medidas regulatórias.

A fase em que vivíamos num estado liberal, onde o poder econômico subjugava os direitos individuais já foi ultrapassada. Atualmente, temos que a interferência estatal é possível e necessária, a fim de proteger crianças e adolescentes de qualquer forma de dano que possa advir da conduta publicitária.

            Conforme apresentado anteriormente, a criança mereceu proteção especial do legislador, por sua vulnerabilidade exacerbada. No âmbito constitucional, dada essa condição de hipossuficiente, o legislador optou por discriminar direitos às crianças, sendo até mesmo redundante, pois alguns desses já são consignados para todos em geral, no âmbito previdenciário e trabalhista, por exemplo.

            Os direitos fundamentais da criança e do adolescente são enumerados no artigo 227 da Carta Magna, quais sejam, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

As principais peças jurídicas sobre a proteção de crianças e adolescentes são a própria Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente que adotam o conceito da proteção integral, em consonância com a Convenção sobe o Direito da Criança, aprovada pelas Nações Unidas em 1990.

Como se pode ver, os direitos assegurados às crianças não são, na sua maioria, distintos dos que se aplicam a todos os cidadãos. A diferença primordial está na “absoluta prioridade”, que faz com que esses direitos devam ser protegidos de maneira especial para esse grupo. Neste sentido, ressalta Fernandes:

Torna-se nitidamente avesso à Constituição o não atendimento ou violação dos direitos enunciados. (...) Em poucas, mas expressivas palavras, a criança e o adolescente passaram a ter o direito à assistência e à proteção integral. Aliás, conforme a Constituição da República em vigor, a assistência social é um dever do Estado e direito de qualquer pessoa que dela necessitar. Em síntese, significa uma política pública, objeto de lei, no âmbito da seguridade social.

É sob esses preceitos primordiais da corresponsabilidade entre família, sociedade e Estado e da proteção integral que todos os outros direitos da criança, inclusive aqueles relacionados à proteção contra eventuais efeitos nocivos da publicidade, são construídos.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, destaca em seu artigo 17 o direito ao respeito, abrangendo dentre outros, a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente.

Os preceitos mais respeitáveis concernentes a conteúdos midiáticos propostas a crianças trazidas pela ECA, aqui falamos do os princípios da classificação indicativa, excepcionalmente não são aplicáveis à publicidade. O estatuto não diz isso explicitamente, mas, ao considerarmos quais conteúdos são aludidos como passíveis de serem classificados, fica evidente que a publicidade não é um deles. E, para afastar qualquer outra interpretação, a Portaria nº 1220/07 do Ministério da Justiça, que regulamenta as disposições referentes ao processo de classificação indicativa, institui enfaticamente, em seu artigo 5º, inciso IV, que “publicidade em geral, incluídas as vinculadas à programação, não se sujeitam à classificação indicativa”

O inciso II do § 3º do art. 220 da Constituição, por exemplo, deixa essas regras claras, ao definir que compete a lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão danosos e da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

O § 4º seguinte enfatiza essa regra, ao definir que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estarão sujeita a restrições legais e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Cumpre salientar que a proibição da publicidade direcionada ao público infantil já encontra previsão legal, se a considerarmos como publicidade abusiva na ótica do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, como não há um comando imperativo nesse sentido, na prática as crianças continuam sendo alvo da publicidade.

Percebe-se que a discussão sobre a publicidade dirigida às crianças, está permeada pela questão central deste público não estar preparado para interpretação crítica dos apelos que lhes são dirigidos.

O CDC, originado por expresso mandamento constitucional dedica uma seção inteiramente à publicidade. Institui que toda publicidade deve ser facilmente identificável (art. 36) e veda toda publicidade enganosa ou abusiva, definindo-as como publicidade falsa, capaz de induzir a erro, discriminatória, que incite a violência, que explore o medo, que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, que desrespeite valores ambientais ou que induza o consumidor a se comportar de forma prejudicial à sua saúde ou segurança.

Atualmente, a regulamentação via CDC é estabelecida para os anúncios caracterizados como abusivos, descritos em seu art. 37, caput e § 1°:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falso, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Nota-se, consequentemente, que a menção que o CDC faz à publicidade dirigida às crianças é precisa, com uma regra bastante universal. Cinge-se a coibir publicidade enganosa ou abusiva. E nesta alusão, o legislador empregou um termo bastante questionável, “deficiência”. Não existe, na psicologia, qualquer menção a esta julgada “deficiência”, e sim a uma vulnerabilidade provocada pelo seu estágio de desenvolvimento intelectual e por sua inexperiência, que a impede de contrastar, comparar e corretamente julgar a publicidade.

Ante a essa inexatidão e insuficiência, a proposta inicial do Projeto de Lei nº 5.921, de 2001, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), era acrescentar um parágrafo ao mencionado artigo 37 do CDC: “É também proibida a publicidade destinada a promover a venda de produtos infantis, assim considerados aqueles destinados apenas à criança.” E somente a partir desse debate, verificou-se que o tema do consumo merecia atenção.

É salutar que o enfoque da questão levantada esteja além da proteção garantida ao consumidor pelo Código, pois embora o mesmo esteja pautado no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, trata-se de um consumidor hipervulnerável que necessita de proteção ainda mais especial. Nesse sentido, os autores Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 223):

A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade – mas nunca a todos os consumidores. A utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitam da hipossuficiência do consumidor caracteriza a abusividade da prática. A vulnerabilidade do consumidor justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno, legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio Código, como por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII).

Depreende-se que além da vulnerabilidade, a criança é hipossuficiente, pois não se encontram sob tutela de mecanismos específicos de defesa contra a publicidade direcionada a ela.

As complexidades das relações sociais e da sociedade contemporânea dividem a responsabilidade pelo desrespeito aos direitos fundamentais das crianças não somente para quem produz a propaganda, mas também para quem se beneficia dela.

Os efeitos da publicidade sobre as crianças e adolescentes levantam questionamentos nos diversos setores da sociedade, todavia, o Direito deve ocupar-se dessa questão, agindo como operador de mudança social. Nesse sentido a lição do Professor Clèmerson Merlin Clève, que afirma (2001, p.215):

Tenho para mim que o direito não é incompatível com a mudança social. Sendo instância normativa mediadora, os signos libertários incorporados ao corpo jurídico-normativo podem facilitar e, por vezes, mesmo exigir a mudança social (revele-se que utilizo a locução ‘mudança social’ com um sentido emancipatório). Para isso, porém, é necessária a existência de bons operadores do direito. Operadores preparados, para, no momento oportuno (...), e com instrumento teórico adequado, justificar juridicamente as mudanças (fazendo uso do saber jurídico).

Há grande evidência do interesse das agências publicitárias em conquistar e abranger o mercado consumidor infantil, o que reforça a necessidade de medidas que protejam as crianças das mensagens publicitárias.

De acordo com a parcela favorável à veiculação de anúncios, a comunicação destinada ao público infantil encontra embasamento nos seguintes artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990):

Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.

Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibição.

Entendemos que exibição de comerciais infantis não cumpre nenhum desses artigos supracitados. O artigo 79 estabelece uma única regra, bastante precisa, designada apenas ao especial nicho da publicidade difundida em revistas infanto-juvenis.

 A autorregulamentação no brasil

O modelo brasileiro de regulamentação à atividade publicitária é baseado na autorregulamentação, realizado através do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária), órgão de controle constituído pelas próprias empresas, que inclusive, tem se posicionado contra qualquer tipo de regulamentação legal à publicidade.

Nesse diapasão, é de bom alvitre esclarecer a natureza jurídica do CONAR. Consoante o artigo 1º de seu estatuto social, é sociedade civil sem fins lucrativos, composta por entidades representativas do ramo publicitário, ou seja, agências de publicidade, veículos e anunciantes.

Não cabe aqui internar-se nas peculiaridades da estrutura do CONAR, porém é mister averiguar quais atividades se refreiam ao controle desse Conselho. Considerando que possui como cardeal função a aplicação do Código de autorregulamentação e este dispõe sobre os princípios éticos da atividade publicitária, a performance da mencionada sociedade abarca a publicidade comercial, o merchandising e a publicidade institucional.

A seção 11 do código é absolutamente dedicada a crianças e jovens. Há

regras genéricas, a serem acatadas por todo tipo de publicidade, e regras especiais, voltadas exclusivamente para a propaganda de artigos destinados ao consumo por crianças e adolescentes:

 

Regras gerais:

- não desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente;

- não provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto;

- não associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;

- não impor a noção de que o consumo do produto proporciona superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;

- não provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de incentivar o consumo;

- não empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto;

- não utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia

Importante para o presente estudo é o que dispõe o artigo 37 do Código, in verbis:

Artigo 37 - No anúncio dirigido à criança e ao jovem:

a. dar-se-á sempre atenção especial às características psicológicas da audiência-alvo;

b. respeitar-se-á especialmente a ingenuidade e a credulidade, a inexperiência e o sentimento de lealdade dos menores;

c. não se ofenderá moralmente o menor;

d. não se admitirá que o anúncio torne implícita uma inferioridade do menor, caso este não consuma o produto oferecido;

e. não se permitirá que a influência do menor, estimulada pelo anúncio, leve-o a constranger seus responsáveis ou importunar terceiros ou o arraste a uma posição socialmente condenável;

f. o uso de menores em anúncios obedecerá sempre a cuidados especiais que evitem distorções psicológicas nos modelos e impeçam a promoção de comportamentos socialmente condenáveis;

g. qualquer situação publicitária que envolva a presença de menores deve ter a segurança como primeira preocupação e as boas maneiras como segunda preocupação.

            Também destacamos a recomendação acrescida em março do corrente ano, que proíbe ações de merchandising, que nada mais é do que um termo específico utilizado para definir a publicidade indireta de produtos ou logotipos que aparecem inseridos no contexto de uma cena. A norma foi incorporada à Seção 11, e foi fruto de um pedido da Abap – Associação Brasileira de Anunciantes.

            Assim, a nova redação do Código, em seu artigo 37, foi acrescida das seguintes orientações:

3 - Este Código condena a ação de merchandising ou publicidade indireta contratada que empregue crianças, elementos do universo infantil ou outros artifícios com a deliberada finalidade de captar a atenção desse público específico, qualquer que seja o veículo utilizado.
4 - Nos conteúdos segmentados, criados, produzidos ou programados especificamente para o público infantil, qualquer que seja o veículo utilizado, a publicidade de produtos e serviços destinados exclusivamente a esse público estará restrita aos intervalos e espaços comerciais.

5 - Para a avaliação da conformidade das ações de merchandising ou publicidade indireta contratada ao disposto nesta Seção, levar-se-á em consideração que:

a. o público-alvo a que elas são dirigidas seja adulto;

b. o produto ou serviço não seja anunciado objetivando seu consumo por crianças;

c. a linguagem, imagens, sons e outros artifícios nelas presentes sejam destituídos da finalidade de despertar a curiosidade ou a atenção das crianças.

 

Para operacionalizar o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, como citado anteriormente, o Código prevê algumas regras específicas:

- crianças e adolescentes não figurarão, de qualquer forma, em anúncios; qualquer pessoa que neles apareça deverá ser e parecer maior de 25 anos de idade;

- as mensagens serão exclusivamente destinadas a público adulto, não sendo justificável qualquer transigência em relação a este princípio. Assim, o conteúdo dos anúncios deixará claro tratar-se de produto de consumo impróprio para menores; não empregará linguagem, expressões, recursos gráficos e audiovisuais reconhecidamente pertencentes ao universo infanto-juvenil, tais como animais “humanizados”, bonecos ou animações que possam despertar a curiosidade ou a atenção de menores nem contribuir para que eles adotem valores morais ou hábitos incompatíveis com a menoridade;

- o planejamento de mídia levará em consideração este princípio, devendo, portanto, refletir as restrições e os cuidados técnica e eticamente adequados. Assim, o anúncio somente será inserido em programação, publicação ou website dirigidos predominantemente a maiores de idade. Diante de eventual dificuldade para aferição do público predominante, adotar-se-á programação que melhor atenda ao propósito de proteger crianças e adolescentes;

- os websites pertencentes a marcas de produtos que se enquadrarem na categoria “bebidas alcoólicas” deverão conter dispositivo de acesso seletivo, de modo a evitar a navegação por menores.

 

Cumpre salientar, que apesar de apresentar medidas mais restritivas ao setor, o CONAR se mostra contrário à proibição da publicidade infantil, e entende que os parâmetros adotados pelo Código, se mostram eficazes na proteção dos menores, todavia reconhece a necessidade de ampliar a proteção ao público vulnerável, o que representa um aperfeiçoamento das normas.

Entrementes, o que parece ser liberalidade das agencias publicitárias, não é mais que a resposta à pressão exercida pela sociedade e entidades de defesa ao consumidor que agem na proteção das crianças e adolescentes. Há que se reconhecer a importância da auto-regulamentação no setor, porém a julgamos insuficiente.

Imperioso destacar que apesar da nomenclatura, o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária não se trata de norma legal, pois o conteúdo do diploma cinge-se apesar a nortear a atividade publicitária, não possuindo nenhum poder coercitivo, por se tratar de um conselho de iniciativa privada.

            Outra questão inerente à própria concepção do CONAR, é que a adesão ao conselho é optativa, ou seja, ele não alcança todas às agencias publicitarias ou os veículos de comunicação do país, o que também impede que esses dispositivos sejam realmente concretizados.

E, verificando-se a lista de signatários, constata-se as centenas de agências de publicidade não filiadas à Abap, as inúmeras empresas não filiadas à ABA, os muitos jornais não filiados à ANJ, as incontáveis revistas não filiadas à Aner, as várias empresas de mídia externa não ligadas à Central de Outdoor e, ainda, as múltiplas emissoras de rádio e televisão – dentre as quais a Bandeirantes e a Rede TV – não filiadas à Abert, que não são obrigadas a seguir o que determina o Conar.

Vale notar, ainda, todo o contingente de milhares de publicitários, empregados ou não em agências, que também não têm qualquer obrigação legal ou ética de abraçar o que está estipulado, pois não se trata de um código deontológico de uma categoria profissional, mas de um conjunto de normas acertadas por um grupo de empresas. Na realidade, isso faz com que no Brasil haja, no fundo, um sistema de autorregulamentação de cartel, no qual um grupo defenda seus interesses comerciais, criando e nutrindo a fantasia de que são fidedignos representantes da sociedade e do interesse coletivo.

            Da análise do tratamento dado pelo ordenamento jurídico brasileiro à publicidade infantil, tendo como base apenas a objetividade do artigo 37 do CDC e a auto-regulamentação do CONAR, percebe-se que não há garantias suficientes da segurança jurídica nesse assunto.

           

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da análise de alguns aspectos peculiares da publicidade, vista como uma ferramenta de persuasão que incute valores sociais e culturais na sociedade, especialmente nas crianças, que são mais vulneráveis aos apelos publicitários, observamos o crescimento dos investimentos nesse setor, evidenciando o seu poder.

Inclusive, vale lembrar que o tema faz parte dos debate no Congresso Nacional e em campos do Poder Executivo e Judiciário. O Projeto de Lei 5.921/2001, que sugere a regulação da publicidade dirigida a crianças, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), sua última fase de tramitação na Câmara Federal.

O projeto tem a aderência de várias organizações de defesa do consumidor e da criança, a exemplo do Instituto Alana, por proporcionar a possibilidade de balizar o direcionamento de apelos comerciais ao público menor de 12 anos, que tem sido um foco das ações de publicidade.

Através da apreciação da legislação relativa a publicidade sensível no Brasil, inferimos que a  regulação de propagandas potencialmente danosas a crianças e adolescentes está ainda dando seus primeiros passos. Não vislumbramos uma regulamentação privativa sobre o tema. De fato, o único dispositivo que menciona claramente é o Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer no § 2º do seu art. 37 que é abusiva a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança.

Nesse sentido, também encontramos o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que destina algumas de suas prevenções à publicidade infantil, porém também de maneira bastante genérica. Aqui cabe pontuar novamente que referido Código não foi criado por Lei e não tem a eficácia de uma autoridade pública.

No Brasil, a performance do Conar - Conselho de Autorregulamentação Publicitária, não tem apresentado implicações efetivas com relação aos interesses coletivos na questão da publicidade infantil. Ainda se demonstra contumaz ao indispensável compartilhamento da regulação publicitária com o Estado, a chamada corregulação.

Se mostra totalmente inconsistente a alegação dos dirigente deste órgão de que a corregulação seria remontar à censura. Vale lembrar que o Conar foi criado nos anos 70 como uma tentativa do setor de evitar a instituição de normas mais restritivas para o setor, como as que haviam sido instituídas anteriormente. Todavia, no estágio atual em que a sociedade de encontra, e com a evolução inclusive dos meios publicitários, não se mostra plausível tal argumento falacioso.

A coexistência de um regime legal subjacente que avalie o policiamento e implemento das regras é primordial para o sucesso da autorregulação, a exemplo do Canadá, cujo exemplo de corregulação é descentralizado e está fundado em um austero ordenamento jurídico, tendo a prática e a contribuição das regras delegadas a organizações da sociedade civil.

Caso não exista exigibilidade e competência de punir, a autorregulação não será bem sucedida. Além disso, destacamos a importância de acepções e preceitos claros, para não gerar imprecisões que acarretem sobreposições de regras ou que tolerem o mercado criar seus critérios de acordo com interesses privados.

A demarcação clara das competências que cabem aos organismos de autorregulação, ao governo e a outras autoridades promove a transparência e avigora o impacto da atividade das aludidas estruturas. Cabe aos Estados que adotam o modelo de autorregulação uma responsabilidade manifesta na fixação de balizes jurídicos claros.

Por óbvio, o estudo da legislação estrangeira deve com muita moderação, desviando-se de comparações entre estruturas sociais completamente diferentes e, assim, incomparáveis.

É necessário se instituir estruturas legais para regulamentar a publicidade, a propaganda e o marketing, em particular os direcionados para crianças e adolescentes. A base dessas estruturas deve ser o respeito aos direitos da criança e adolescente, incorporando questões prioritárias, que através da apreciação da legislação estrangeira, notou-se que se repetem na maioria dos países e que seriam facilmente adotados pelo Brasil. Citamos algumas, tais como restrição do horário de veiculação, de uso de desenhos, personalidades e figuras quando direcionadas a crianças, vedação da associações com brindes ou prêmios, e o uso de advertências após a veiculação de propagandas de alimentos ricos em gordura, açucares e sal, que a criança seja desconsiderada como público alvo.

A sociedade deve ser organizar contra os abusos da publicidade direcionada para crianças e adolescentes, para que não tenhamos uma descendência meramente consumista, acrítica, nefasta, alienada e arrogante. Os exemplos que agora nos arranjos familiares são suficientes para reexaminarmos nossa práxis como cidadãos críticos ao capitalismo; precisamos melhorar nosso desenvolvimento cultural a partir de escolas e universidades.

Há que se aprofundar nossos argumentos, repousando-os em pesquisas sérias e pensamento lógico e moral para confrontarem-se os argumentos falaciosos dos grupos que estão organizados para vender publicidade, mormente para países despreparados ou desordenados na defesa da sociedade pluralista.

Esses estudos devem subsidiar ações mais eficazes do Estado, estabelecendo-se normas mais efetivas que ataquem os maiores problemas relacionados ao tema. Indubitavelmente o aprofundamento no tema se mostra necessário, para formulação de um diagnóstico mais preciso e para mensurar o impacto que a publicidade tem sobre os menores, afim de a partir desse conhecimento sejam adotadas intervenções estatais e políticas públicas que se façam necessárias.

 

 

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