LUIZ FLÁVIO MATOS MEDRADO

RESUMO

Este trabalho se propõe a identificar se tem ocorrido desrespeito ao princípio da capacidade contributiva no Brasil. Para tanto, será analisado seu conceito no ordenamento jurídico nacional, visualizando sua finalidade e seus limites. Então, se buscará entender quais são as características da incidência dos tributos classificados em razão de sua repercussão econômica e onerosidade relativa. Posteriormente, se indicará as possíveis distorções do sistema. Por fim, identificando situações lesivas ao aludido princípio, se tentará apresentar sugestões para amenizar tais problemas, com o intuito de obtenção de justiça social através da justiça fiscal, da qual a capacidade contributiva se coloca como instrumento.

PALAVRAS-CHAVE: capacidade contributiva; tributação indireta; regressividade.

1 INTRODUÇÃO

A proposta do presente estudo, verificando-se os moldes em que ocorre e tem se dado, tanto a tributação quanto arrecadação tributária no Brasil, é inferir qual tem sido seu caráter preponderante, para, ao analisar o princípio constitucional da capacidade contributiva sob a ótica do ordenamento jurídico nacional, identificar se tem sido respeitado seu preceito pelos aludidos fenômenos.
Num primeiro momento, será investigado mais profundamente a noção do conceito atual do princípio da capacidade contributiva no Brasil, através da análise de sua positivação histórico-constitucional, bem como pelas inferências da doutrina pátria sobre o tema.
Nesta investigação se buscará a finalidade, a que se propõe este princípio, seu alcance, se ao falar de capacidade contributiva está-se falando somente de imposto ou das demais espécies tributárias também, e seus limites, perquirindo por situações autorizativas do afastamento de sua incidência.
Antes de determo-nos na análise dos dados representativos da arrecadação tributária no Brasil, insta perfazer uma breve digressão acerca das teorias envoltas no fenômeno da tributação.
Neste momento, em razão da vastidão do tema a disposição, e com a finalidade de não se afastar por demasiado do problema posto neste trabalho, considerar-se-á apenas dois critérios de classificação dos tributos, quais sejam: a onerosidade relativa destes, que os define em progressivos e regressivos; e a sua repercussão econômica, dividindo-os em tributos diretos e indiretos.
Mais especificamente no tocante aos tributos diretos e indiretos, se aprofundará a análise em relação ao seu conceito, efeito e características, para, de posse destas informações, adentrar na seara dessa tributação no meio empresarial.
Com as distorções identificadas no sistema tributário nacional, serão lançadas sugestões com o intuito de procurar saná-las e adequá-las aos ditames do princípio da capacidade contributiva, bem como ao ideal de justiça fiscal que este preceito visa instrumentalizar.

2 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

2.1 CONCEITO

O conceito do princípio da capacidade contributiva encontra-se atualmente positivado no ordenamento jurídico nacional pelo artigo 145, §1º da Constituição em vigência, possuidor de elementos que visam garantir a efetividade e aplicabilidade do princípio, na seguinte forma:

[...]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a este objetivo, identificar, respeitados os direitos individuais e os termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Apresentado o conceito constitucionalmente disposto, pode-se passar a buscar a conceituação da doutrina sobre o que viria ser este tal princípio da capacidade contributiva.
Manoel Lourenço dos Santos, citado por Hugo de Brito Machado, visando conceituar o princípio em discussão diz:

O princípio da capacidade contributiva, universalmente consagrado pela Ciência das Finanças, facilmente impressiona o nosso espírito, como regra comum da Justiça: o Estado deve repartir a carga tributária de acordo com as possibilidades econômicas de seus habitantes, de modo geral, e, de modo específico, conforme a capacidade econômica de cada indivíduo, poupando, tanto quanto possível, o necessário físico de cada um. (SANTOS, apud MACHADO,1993, p.9).

Cumpre ressaltar que, à primeira vista, a utilização do vocábulo "imposto" na Constituição de 1988, em detrimento de tributo, gênero do qual aquele é mera espécie, pode denotar a idéia de que, desde a nova Carta Magna, as demais espécies tributárias diversas do imposto não sofrem incidência do princípio da capacidade contributiva.
Porém, o que se pode observar da doutrina majoritária, não é uma interpretação tão restritiva assim da aplicação do aludido princípio nas espécies tributárias. Sendo assim, Luciano Amaro é direto em afirmar:

Embora a Constituição [...] só se refira a impostos, outras espécies tributárias podem levar em consideração a capacidade contributiva, em especial as taxas, cabendo lembrar que, em diversas situações, o próprio texto constitucional veda a cobrança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade econômica. (AMARO,2006, p. 142).

Considerando-se o princípio da capacidade contributiva como um meio de promover a justiça fiscal, mais razão parece assistir à segunda doutrina, haja vista as inegáveis isenções aos mais pobres de pagamento de taxas das mais diversas naturezas, ainda que efetivamente aproveitem dos serviços prestados.
Percebe-se que as demais espécies tributárias diversas do imposto, embora não possam carregar, por sua própria natureza, respeito à capacidade econômica relativa, ao menos o legislador deve cumprir seu dever e dotar a nova norma tributária de caracteres que mostrem o respeito à capacidade objetiva do contribuinte no momento de elaboração das leis, ao incluir reduções, ou até mesmo isenções, para realizações de fatos geradores da norma que demonstrem indícios de (in) capacidade econômica.
Ademais, cumpre ainda perquirir a respeito da auto-aplicabilidade deste princípio. Na visão de Aliomar Baleeiro, o princípio da capacidade contributiva, no contexto da Constituição de 1946, tinha a natureza de norma programática, conforme se pode depreender da leitura deste trecho:

Contemporaneamente, tende a tornar-se geral a crença de que a justiça tributária deve repousar na personalidade e na graduação dos tributos, segundo a capacidade econômica do contribuinte.
Reflexo dessa convicção, o art. 202 cristalizava-se em diretriz programática traçada aos legisladores ordinários, finado na competência destes a procura dos processos, métodos, adaptações e manejos compatíveis com a relativa possibilidade entrevista pelo constituinte com os intrincados problemas políticos, sociais, técnicos e, sobretudo, econômicos. (BALEEIRO, 2005, p.688).

Misabel Abreu Machado Derzi, nesta mesma obra, ao comentar o princípio à luz da Constituição de 1988, pontua:

Mas se se podia afirmar sua diretriz meramente programática no contexto constitucional de 1946 como o fazia Aliomar Baleeiro, já não se pode negar a força vinculante do preceito tanto para o legislador ordinário, como para o interprete e aplicador da norma na constituição de 1988.
[...]
Portanto, o princípio da capacidade contributiva não mais pode ser interpretado à luz da concepção de um Estado de Direito ultrapassado e abstencionista. Ao contrário. A Constituição de 1988 tende à concreção, à efetividade e à consagração de princípios auto-aplicáveis, obrigatórios não apenas para o legislador como também para o intérprete e aplicador da lei. (DERZI, 2005, p. 689).

Claro mostra-se então que o princípio da capacidade contributiva não mais é norma meramente programática que deveria ser observada pelo legislador no processo criador de normas, mas sim um princípio auto-aplicável, ensejando o papel de operador deste a todos os cidadãos, que têm o direito de fazer valer esta garantia fundamental constitucionalmente garantida recorrendo ao judiciário sempre que considerá-la violada.
Questionamento final para uma compreensão do conceito de capacidade contributiva é a interpretação da locução "sempre que possível" que abre o preceito normativo do §1º do art. 145 da Carta Magna, cuja errônea interpretação pode levar a idéia de que o princípio em foco somente seria aplicável quando possível.
Aliomar Baleeiro, sobre o tema, se posiciona da seguinte forma:

A cláusula sempre que possível não é permissiva, nem confere poder discricionário ao legislador. Ao Contrário, o advérbio sempre acentua o grau de imperatividade e abrangência do dispositivo, deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos de acordo com a capacidade econômica subjetiva do contribuinte. (BALEEIRO, 2005, p.694).

Por oportuno, tanto Luciano Amaro, quanto Aliomar Baleeiro entendem ser mais complexa a valoração do princípio da capacidade contributiva em face do fenômeno dos tributos indiretos, onde é sobre o consumidor final, que é o contribuinte de fato, que recaem os ônus da tributação.
Aliomar Baleeiro, no entanto, na obra acima citada, leciona:

O fenômeno, que estamos referindo, da translação ou da repercussão ocorrente nos impostos ditos ?indiretos?, exigirá um tratamento especial frente aos dois princípios que estamos pondo em contrato e resolver-se-á, exclusivamente, na seletividade de alíquotas ou na isenção de gêneros de primeira necessidade. (BALEEIRO, 2005, p. 694).

Contudo, em sentido contrário, Luciano Amaro rebate:

Mas os impostos reais (que consideram, objetivamente, a situação material, sem levar em conta as condições do indivíduo que se liga a essa situação) também devem ser informados pelo princípio da capacidade contributiva, que é postulado universal de justiça fiscal. Ou seja, não se pode, na criação de impostos reais (como soem ser os impostos indiretos), estabelecer critérios de quantificação do gravame em termos que ofendam a presumível capacidade econômica do contribuinte, ou do contribuinte "de fato", em função de quem, nos tributos indiretos, deve ser aplicado o princípio. (AMARO, 2006, p. 141).

Conceituado o princípio da capacidade contributiva e lançada a dificuldade na aplicação deste nos chamados tributos indiretos, se faz necessária a incursão sobre outros conceitos, antes de enfrentar tal problemática.

2.1. 1 CAPACIDADE ECONÔMICA X CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

Para se ter uma compreensão mais ampla da extensão do princípio da capacidade contributiva no Brasil, insta perquirir acerca da diferenciação entre capacidade econômica e capacidade contributiva, em virtude da locução "capacidade econômica do contribuinte", utilizada pelo constituinte para reinstituir o referido princípio no ordenamento jurídico nacional.
Regina Helena Costa defende a distinção de conceitos entre capacidade econômica e capacidade contributiva. Afirma ser a capacidade econômica de um indivíduo pressuposto para sua capacidade contributiva. (2006, p. 86).
Isto se dá na medida em que a capacidade econômica da pessoa se exprime através de uma demonstração fática no mundo exterior de um ato representativo da sua potencialidade econômica de pagar (auferir renda, realizar uma operação financeira ou comercial, etc.).
A capacidade econômica, nas palavras de Humberto Eustáquio César Mota Filho, "[...] é a aptidão, de ordem genérica, para produzir ou dispor de riqueza. Revela, ao menos, indícios de força econômica." (MOTA FILHO, 2006, p.80).
Enquanto isso, a capacidade contributiva é a obrigação da pessoa de contribuir para um Estado em razão do tal ato exterior representativo da sua potencialidade econômica de arcar com o ônus deste vínculo na proporcionalidade dos seus haveres e de suas capacidades pessoais.
Em concordância com a idéia defendida por Regina Helena Costa, já exposta, de ser a capacidade econômica pressuposto da capacidade contributiva, Humberto Eustáquio César Mota Filho aprofunda a análise, e arrebata: "A capacidade econômica seria o critério informativo da capacidade contributiva na comunidade política democrática e decorrência da aplicação do princípio da igualdade e da justiça no campo do direito tributário." (MOTA FILHO, 2006, p.81).
Compreendida tal distinção, é deduzível ter sido, efetivamente, a intenção do legislador positivar em sede constitucional o princípio da capacidade contributiva, pois ao utilizar a locução "capacidade econômica do contribuinte", trouxe não somente a necessidade de exteriorização de potencialidade econômica, como também implicou a obrigação da existência de um vínculo entre a pessoa e o Estado ao se referir ao ente que demonstre capacidade econômica por contribuinte.

2.4 LIMITES

Se a ratio essendi do princípio da capacidade contributiva e sua conseqüente aplicação às espécies tributárias existentes, seja na elaboração pelo legislador da norma tributária, seja na individualização do caso concreto pelo magistrado, é a obtenção da justiça social (ou fiscal, como prefere Aliomar Baleeiro) através da instrumentalização do princípio da igualdade, considerando-se a concepção aristotélica de tratar os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades, o mundo fático apresenta situações em que, justamente para se obter esta justiça social, essencial se faz desvincular a norma jurídico-tributária do princípio da capacidade contributiva.
Neste sentido, Humberto Eustáquio César Mota Filho conceitua o que viriam a ser os limites ao princípio da capacidade contributiva ao afirmar:

Quando se fala em limites ao princípio da capacidade contributiva, diz-se em que casos o seu enunciado não será passível de aplicação ou incidência nas relações fático-econômicas mesmo que reste demonstrado algum signo presuntivo de renda. Para tanto, são exigidas justificativas e fundamentação razoáveis, dentro da lógica do sistema democrático. (MOTA FILHO, 2006, p. 103).

Aliomar Baleeiro, tratando do assunto em questão, chama os limites ao princípio da capacidade contributiva de "derrogações parciais ou totais da capacidade contributiva que não ferem o princípio da igualdade." (BALEEIRO, 2005 p. 543).
Este mesmo autor defende a tese que, embora seja o princípio da capacidade contributiva o meio costumeiramente utilizado para servir ao princípio da igualdade, "a igualdade de todos perante o imposto se concilia com a aplicação deste aos fins extrafiscais correspondentes às atribuições do Governo, que exercita o poder de tributar." (BALEEIRO, 2005, p. 543).
Sendo assim, o que se pode entender da lição do professor Aliomar Baleeiro, é que para fomentar o desenvolvimento econômico e social de seu povo, o Estado poderia incentivar a poupança interna mediante isenções do imposto de renda. Representaria a extrafiscalidade autorizadora de afastamento do princípio da capacidade contributiva com a finalidade de obtenção de justiça.

3 TRIBUTAÇÃO

A doutrina se ocupou da tarefa de classificar os diferentes tributos, utilizando, para tal, diferentes critérios, nem sempre jurídicos.
Há quem classifique os tributos em razão do sujeito ativo da obrigação tributária ser ou não o Estado, denominando-os fiscais ou parafiscais. Há também a divisão entre tributos de finalidade fiscal ou extrafiscal, de acordo com o objetivo visado pela lei de incidência, sendo o primeiro com o intuito de prover recursos à entidade arrecadadora, e o segundo visando induzir comportamentos.
Com conceitos emprestados dos financistas, cumpre destacar, em atenção aos objetivos deste trabalho, dois modelos de classificação dos tributos que levam como critério, um a sua onerosidade relativa e o outro a repercussão econômica do tributo.
Quanto à sua onerosidade relativa, os tributos podem ser regressivos e progressivos. Nos dizeres de Luciano Amaro:

Denominam-se regressivos quando sua onerosidade relativa cresce na razão inversa do crescimento da renda do contribuinte. E progressivos se a onerosidade relativa aumenta na razão direta do crescimento da renda. Suponha-se que o indivíduo ?A? pague (como contribuinte de direito ou de fato) 10 de imposto ao adquirir o produto X, e tenha uma renda de 1.000; o imposto representa 1% de sua renda. Se esta subisse para 2.000, aquele imposto passaria a significar 0,5% da renda, e, se a renda caísse para 500, o tributo corresponderia a 2%. Assim, esse imposto é regressivo, pois, quanto menor a renda, maior é o ônus relativo. (AMARO, 2006, p. 90 e 91)

Visando caracterizar os impostos progressivos, segue o autor:

Dissemos que, nos impostos progressivos, a onerosidade relativa aumenta na medida do crescimento da renda. É esse o caso típico do imposto de renda das pessoas físicas, que não é mero tributo variável ou proporcional, mas um tributo progressivo. Não apenas quem ganha mais paga mais, mas paga progressivamente mais. Se alguém tem renda de 100, paga, por hipótese, 10; mas, se sua renda cresce para 200, ele não paga 20 e sim, por exemplo, 30, porque sobre a nova porção de renda foi maior o quinhão destinado aos cofres públicos. (AMARO, 2006, p. 91)

Assumindo-se como critério de classificação dos tributos a sua repercussão econômica, estes se subdividem em diretos e indiretos, a depender da coincidência entre contribuinte de fato e contribuinte de direito. São diretos os tributos que incidem diretamente sobre o contribuinte que efetivamente sofre o ônus patrimonial, são os tributos que incidem sobre a renda e o patrimônio, enquanto que tributos indiretos são aqueles cujo ônus não incide no contribuinte de jure, ou seja, o contribuinte de direito o repassa ao contribuinte de fato, que sofre decréscimo patrimonial, trata-se dos tributos que incidem sobre as relações de consumo de bens e serviços.

3. 1 TRIBUTAÇÃO DIRETA X INDIRETA: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Tendo em mente que se parte de um critério de classificação não científico para definir os tributos como diretos ou indiretos (a repercussão econômica do tributo), urge adentrar-se a seara das características, e, principalmente, dos efeitos que decorrem destas características dos tributos.
Da dicotomia dos tributos em diretos e indiretos, surge uma verdade fática: os tributos ditos diretos oneram a renda e o patrimônio e os tributos ditos indiretos oneram o consumo de bens e serviços.
Acerca do tema repercussão econômica e influência nas relações econômicas, Luciano Amaro posiciona-se nos seguintes termos:

Uma classificação, de fundo econômico, mas com reflexos jurídicos é a que divide os tributos em diretos e indiretos. Os primeiros são devidos, de direito, pelas mesmas pessoas que de fato, suportam o ônus do tributo; é o caso do imposto de renda. Os indiretos, ao contrário, são devidos, de direito, por uma pessoa (dita contribuinte de direito), mas suportados por outra (contribuinte de fato): o contribuinte de direito recolhe o tributo, mas repassa o respectivo encargo financeiro para o contribuinte de fato; os impostos que gravam o consumo de bens ou serviços (IPI, ICMS, ISS) estariam aqui incluídos. (AMARO, 2006, p. 90).

Tem-se, então, que ao incidir diretamente sobre a renda e o patrimônio do contribuinte, os tributos diretos têm oportunidade de, mais facilmente, instrumentalizar o princípio da capacidade contributiva.
Os fenômenos da progressividade e da pessoalidade tenderão a estarem mais presentes nos tributos diretos, dando chance ao legislador de incutir sobre estas espécies o princípio da capacidade contributiva na busca da distribuição de riquezas, ao respeitar-se de forma mais efetiva a capacidade de contribuir para os custeios do Estado, e a obtenção da tão almejada justiça fiscal.
Exemplo de clareza do exposto sobre o tema é o imposto de renda das pessoas físicas, onde todas estas características encontram guarida na sua elaboração.
Sobre a adequação do imposto de renda à capacidade contributiva de seu sujeito passivo, discorre Fernando Aurélio Zilvetti:

Como qualquer tributo pode ser pago somente com a renda, a capacidade para pagá-lo depende obviamente da sua obtenção. A capacidade cresce na exata proporção da quantidade de renda. Não obstante, essa renda deve, necessariamente, ser disponível. O princípio da capacidade contributiva é, portanto, o princípio pelo qual o imposto se mede em correspondência com a renda, em proporção com a renda. (AMARO, 2006, p. 267 - 268).

Aliomar Baleeiro, no entanto, alerta que para se respeitar a capacidade contributiva, nos tributos incidentes sobre a renda, o conceito de renda deve ser bem delimitado pelo legislador, para que se considere tão somente apenas aquilo que efetivamente é renda:

A capacidade econômica de concorrer, a título de tributo, às despesas do Estado, quer das pessoas naturais, quer das jurídicas, somente se inicia após a dedução de todos os custos e gastos necessários à aquisição, produção e manutenção da renda em sentido lato (quer consumida, percebida ou poupada ? patrimônio). Antes disso, não há capacidade contributiva, sendo confiscatória a tributação. (BALEEIRO, 2005, p.578 - 579).

A respeito da progressividade desta espécie tributária, Roque Carraza entende que está obrigado o legislador a incutir a progressividade no imposto de renda em razão da existência de norma cogente neste sentido na Constituição Federal, contudo ressalva que "A lei poderá regular o modo pelo qual se dará a progressividade no IR. Mas não poderá anular esta exigência constitucional." (CARRAZZA, 2004, p. 107 - 109).
Problema surge nos impostos sobre o patrimônio, também ditos reais, na classificação que os subdivide em pessoais e reais. Como exemplo de impostos desta espécie encontra-se na legislação pátria, dentre outros, o IPTU ? imposto sobre propriedade territorial urbana, outorgado aos municípios ? e o IPVA ? imposto sobre a propriedade de veículos automotores - de competência estadual.
Primeiramente, levanta Fernando Aurélio Zilvetti que "[...] se patrimônio é renda acumulada, então já foi tributada por ocasião de sua obtenção, não sendo justificável tributar de novo a renda acumulada com o imposto sobre o patrimônio, pois representa uma dupla imposição." (ZILVETTI, 2004, p. 271).
Contudo, para obtenção da justiça social almejada pelo princípio da capacidade contributiva, insuficiente demonstra-se a tributação exclusiva da renda, mister se faz, para se perquirir o objetivo da distribuição social da riqueza, atingir-se fatos econômicos diversos da renda, como o patrimônio, por exemplo.
Analisando através da ótica do ordenamento jurídico-econômico-tributário nacional, o fenômeno da tributação sobre o patrimônio exerce fundamental papel no objetivo da instrumentalização do princípio da igualdade através da distribuição social de riquezas com o fim de justiça fiscal.
Claro fica, então, o papel da finalidade extrafiscal destes tributos, que tem sua ratio essendi não limitada apenas ao objetivo acima citado, mas também, no caso concreto, visando fazer cumprir a função social da propriedade, desestimular a especulação imobiliária, fomentar uma melhor utilização do solo urbano.
Em concordância com esta tese, Fernando Aurélio Zilvetti completa:

Os impostos sobre os imóveis podem, ao contrário do que pensa Tipke, ter um objetivo de dirigismo para mobilizar o mercado imobiliário. Como ocorre com o IPTU municipal brasileiro, que prevê a progressividade como forma de assegurar o cumprimento da função social da propriedade, o objetivo é extrafiscal distributivo de riqueza. (ZILVETTI, 2004, p. 273).

Dificuldade maior de convivência com o princípio da capacidade contributiva encontra-se nos tributos indiretos, cuja marcante característica de onerar o consumo de bens e serviços, fato econômico indispensável à sobrevivência nas sociedades desde a Revolução Industrial, afronta diretamente o princípio da capacidade contributiva na sua usual concepção de exigir dos cidadãos de contribuir para o custeio das despesas do Estado em razão de seus haveres.
Emprestando-se o conceito de capacidade de poupança da Economia, tem-se a construção teórica de que as pessoas de menor renda são obrigadas a disponibilizar de toda esta sua renda para sua manutenção existencial, destinando-a a aquisição de bens de consumo essenciais, tais como alimentação, vestuário, transporte, etc. restando-lhe pouco ou nada para formação de seu patrimônio de poupança. Em contrapartida, aqueles que têm maior disponibilidade de renda, têm maior capacidade de poupança, não precisando dispor de toda sua renda para sua manutenção.
Desta forma, vislumbra-se que os indivíduos com maior capacidade de poupança estão menos sujeitos à tributação incidente sobre o consumo, contribuindo, portanto, em quantidade superior em termos absolutos por terem mais acesso aos produtos ofertados no mercado, mas de não proporcionalmente mais, por não sujeitarem toda sua disponibilidade de renda ao consumo.
Com este cenário, tem-se que numa sociedade onde a arrecadação estatal se focar nos tributos incidentes no consumo, os mais ricos contribuirão proporcionalmente menos que os mais pobres para o custeio do Estado.

3.2 EMPRESA PAGA TRIBUTO?

A atividade empresarial indubitavelmente é de fundamental importância para o custeio do Estado em qualquer sistema jurídico-tributário do mundo. É nela que mais claramente verifica-se a circulação do capital, as operações financeiras, e, consequentemente, onde estarão os mais importantes fatos geradores, visto que expressivos de elementos externos indicadores de capacidade econômica.
Neste cenário, os mais significativos indícios de capacidade econômica encontram-se justamente nas atividades comerciais de produção de bens e serviços, na atividade empresarial, tendo, por óbvio, maior participação na contribuição para o custeio do Estado mediante cobrança e pagamento de tributos.
Contudo, em meio à complexidade de fatos econômicos existentes na sociedade atual, a atividade empresarial há muito não mais é a única maneira daqueles que possuem o capital de obterem frutos de suas riquezas.
Uma pessoa que disponha de uma determinada quantia deverá vislumbrar no mercado econômico com suas conjunturas particulares em que está inserida qual a maneira mais segura e célere de gerar frutos do seu capital.
As opções são das mais variadas.
Avaliando-se as taxas de rendimento da poupança, investimento dos mais sólidos, porém de baixa rentabilidade, verifica-se que o período de retorno é longo. Tendo em vista as conjunturas macroeconômicas de uma determinada região, pode-se chegar a uma previsão de quanto seria a valorização de um ativo imóvel num determinado espaço de tempo, bem como os frutos provenientes da disponibilização deste a terceiros mediante contrato de aluguel.
A modalidade de investimento que apresentar a mais favorável relação tempo de retorno por risco será a escolhida.
Ocorre que na empresa a taxa de lucro utilizada para a realização desta decisão de investimento não é a mera diferença entre as receitas auferidas e os custos experienciados, mas a ampliação do conceito de custo incluindo aí os valores despendidos com os tributos inerentes à atividade e aos resultados obtidos.
Portanto, se uma determinada empresa define que a viabilidade do seu negócio depende de uma lucratividade anual correspondente a um determinado percentual do seu investimento em um período planejado, para efetivamente obter tal resultado ela irá ajustar sua margem de lucro projetada de tal modo que, após a incidência dos devidos tributos sobre esta mais-valia, reste não menos que os resultados previamente planejados.
Isto importa dizer que, ainda que num plano lógico jurídico-contábil a empresa seja efetivamente o contribuinte de fato e de direito dos tributos ditos diretos, ainda assim o real impacto fático desta tributação há de ser suportado pela pessoa humana consumidora dos bens e serviços produzidos pela atividade empresarial, ao menos hipoteticamente.
Obviamente que conjunturas sócio-econômicas tendem a reduzir significativamente este impacto previsto, a exemplo da concorrência de preços, pedra fundamental do sistema capitalista, quando um comerciante vê-se obrigado a abrir mão de seus lucros almejados a fim de manter a competitividade de seus preços ou conquistar o mercado de seus concorrentes.
Claro resta, por fim, que a empresa, como ente tributável, tende a repassar a tributação que sobre ela incide ao longo da cadeia produtiva. Ela nada mais é do que uma reunião de vontades em um objetivo comum: a exploração econômica visando um lucro planejado. Em assim sendo, a não ser por conjunções alheias à sua vontade, não prestará, a empresa, de forma justa para ser o ente sobre o qual o Estado da primazia à composição das receitas que proverão seu custeio.
3.2.1 CONTRIBUINTE DE DIREITO X CONTRIBUINTE DE FATO


É ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária que se incumbe a obrigação de pagar tributo, ou penalidade pecuniária. Contudo, nem todo sujeito passivo é denominado contribuinte. O Código Tributário Nacional elege como ocupante do pólo passivo desta relação a figura do contribuinte e do responsável tributário, utilizando-se como critério diferenciador destes o grau de relação com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Caso a relação seja pessoal e direta, denomina-se contribuinte, em não o sendo, e havendo previsão legal para figuração neste pólo, receberá a alcunha de responsável tributário.
De maneira semelhante é o posicionamento de Luciano Amaro:

Nessa pertinência lógica entre a situação e a pessoa, identificada pela associação do fato com o seu auto, ou seja, pela ligação entre a ação e o agente, é que estaria a ?relação pessoal e direta? a que o Código Tributário Nacional se refere na identificação da figura do contribuinte. (AMARO, 2006, p. 299)

Continua este autor: "Quando não estiver presente relação dessa natureza entre o fato gerador e o sujeito passivo, mas algum vínculo existir entre ele e a situação que constitui o fato gerador, iremos identificar a figura do responsável." (AMARO, 2006, p. 299)
Contudo, para realização do objetivo deste trabalho, qual seja, através da análise do princípio da capacidade contributiva e da tributação indireta e seus fenômenos, em especial a regressividade, verificar se há lesão ao aludido princípio constitucional, necessário se faz tomar emprestado da Economia e da Ciência das Finanças os conceitos necessários para a diferenciação dos sujeitos passivos em contribuintes de fato e de direito.
Desta forma, utilizando-se do mesmo critério adotado pelo CTN, Hugo de Brito Machado leciona:

O sujeito passivo direto (ou contribuinte) é aquele que tem relação de fato com o fato tributável, que é na verdade uma forma de manifestação de sua capacidade contributiva. Assim, no imposto sobre a renda, o sujeito passivo direto é aquele que aufere a renda. No imposto sobre o consumo, o sujeito passivo direto é o consumidor, e assim por diante. (MACHADO, 2006, p. 161)

Na eleição de fatos tributáveis e seus respectivos sujeitos passivos, está o legislador adstrito a ponderar os indícios de capacidade econômica presumíveis pela realização do fato escolhido e a razoável assunção da capacidade econômica que terá o sujeito passivo de relação pessoal e direta com este fato.
Continuando no tema, Hugo de Brito Machado pontua que nem sempre figurará no pólo passivo da relação jurídico-tributário sujeito que tenha ligação direta com a realização do fato, podendo, a critério da Administração, ter o dever de pagar o tributo alguém que, embora vinculado ao fato, sua realização por si só não enseje indício de capacidade econômica: "O sujeito passivo indireto é aquele que, sem ter relação direta de fato com o fato tributável, está, por força da lei, obrigado ao pagamento do tributo." (MACHADO, 2006, p.162).
Importando-nos mais para o desenvolvimento deste trabalho o aprofundamento da figura do contribuinte, a doutrina convencionou em classificá-lo em duas categorias distintas, usando para tal o critério da repercussão econômica do tributo, ou ao menos a mera autorização da repercussão econômica, como se verá mais adiante.
Seria o contribuinte de fato aquele que, em possuindo uma ligação pessoal e direta com o fato gerador do tributo, suporta seu ônus financeiro, não o repercutindo a terceiros, mais comumente em razão de ser a pessoa final na cadeia de fatos eleitos como geradores do dever de pagar tributo.
A contrario sensu, contribuinte de direito é aquele a quem, mantendo-se a relação pessoal e direta com o fato gerador do tributo, a norma explicitamente lhe faculta, e na maioria das vezes assim age, a repercutir o tributo economicamente no preço.
Se tem então entendido na doutrina que nos tributos incidentes sobre as relações de consumo, ditos indiretos, a figura do contribuinte de fato e de jure são diversas, enquanto nos tributos de incidência na renda e no patrimônio, também ditos diretos, a figura dos contribuintes de direito e de fato fundem-se em uma só, tendo o impacto econômico e a obrigação de pagar simultaneamente, a não ser que a lei eleja figura diversa responsável pelo recolhimento do tributo, como ocorre com o IRRF ? Imposto de Renda Retido na Fonte, onde a fonte pagadora assume o papel de reter e recolher o tributo em nome do contribuinte.

3. 2. 2 A TRIBUTAÇÃO DIRETA NAS EMPRESAS

Embora diversas sejam as espécies tributárias classificadas como diretas, que oneram a renda e o patrimônio, a exemplo do IPTU, na propriedade urbana, o ITR, incidindo sobre a propriedade rural, o IPVA, na propriedade de veículos automotores, o ITCMD, ou ITD, nas transmissões causa mortis e doações de bens e direitos, as duas principais espécies tributárias diretas que convivem com o dia a dia da atividade empresarial são o IRPJ ? Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, e a CSLL ? Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido.
Maiores comentários acerca da regra matriz de incidência e das finalidades destes dois tributos se fazem desnecessários para o deslinde deste trabalho, posto que incompatíveis com o objetivo aqui pretendido.
Contudo, mister se faz uma breve análise do aspecto material do IRPJ e da CSLL para compreensão do seu real alcance na economia, em especial, na distorção já causada pela famigerada regressividade dos tributos indiretos.
O Imposto de Renda, constitucionalmente previsto, tem suas normas gerais insculpidas nos artigos 43 a 45 do Código Tributário Nacional, dentre elas, a previsão do seu fato gerador, qual seja a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou proventos, que o CTN, por exclusão, determina serem os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.
O conceito de renda para a pessoa jurídica não deve ser confundido com as receitas por ela auferidas, pelo próprio conceito dado pelo CTN, é a aquisição de disponibilidade econômica, ou seja, é o resultado da empresa, seu lucro, a diferença entre as receitas e os custos, considerando-se um determinado período.
No mesmo sentido é a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, cujo aspecto material é a apuração de lucro na atividade empresarial, obtido nos mesmos regimes de apuração utilizados pelo IRPJ com apenas pontuais diferenças, especialmente na forma e tipos de deduções permitidas.
Cristalinos parecem estes dois tributos de espécies de incidência direta, por terem seu aspecto material diretamente vinculado à obtenção de resultados positivos das empresas, afastando-se qualquer hipótese de repercussão destes tributos nos produtos ou atividades produzidas por estas pessoas jurídicas.

3.3 ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS QUE ONERAM O CONSUMO

A tributação sobre o consumo, nos moldes em que é praticada no Brasil, possui dois nefastos efeitos, quais sejam, o desrespeito ao princípio da transparência dos impostos e uma inexorável regressividade da carga tributária imposta aos contribuintes, na medida de quem menos auferir renda, e consequentemente ter uma parcela maior de comprometimento desta renda com o consumo, será mais taxado proporcionalmente do que aqueloutro mais abastado e de maior capacidade de poupança.
O princípio da transparência dos impostos encontra-se positivado no §5º do artigo 150 da Constituição Federal, e na concepção de Luciano Amaro, trata-se de princípio correlato ao da informação no âmbito do Direito do Consumidor. Em seus dizeres:

Os impostos ditos indiretos têm como proclamada virtude a circunstância de virem disfarçados no preço de utilidades adquiridas pelo ?contribuinte de fato?, que, em geral, não percebe o ônus tributário incluído no preço pago. Trata-se de tributos que ?anestesiam o individuo, quando este, ao adquirir bens ou serviços não se dá conta de que, embutido no preço, pode vir um pesado gravame fiscal. (AMARO, 2006, p. 147)

Aliado a isto, este desrespeito ao princípio da transparência dos impostos gera um efeito psicológico sobre o contribuinte, que, ao não perceber o grau real de carga tributária que sobre si incide, não se revolta contra a incapacidade de seus governantes de reverterem estes montantes em serviços públicos de qualidade acessíveis a todos os cidadãos.
Quanto ao outro efeito dos tributos indiretos, vislumbra-se que a oneração do consumo possui como característica marcante, a sua regressividade. A Economia traz o conceito de capacidade de poupança, que consiste na idéia de que num patamar inicial mínimo de renda, toda ela se exaure no consumo de bens ou serviços indispensáveis à sobrevivência do indivíduo, como alimentação, vestuário, lazer, etc. Na medida em que a variável "renda" se eleva, a essência básica das necessidades se mantém, alterando-se somente a qualidade dos bens consumidos, até o ponto em que este indivíduo não mais exaure suas receitas com suas despesas, dando-lhe a chance de poupar parte desta renda para finalidades diversas do consumo básico e imediato.
Neste viés, quão menor a capacidade de poupança de uma pessoa, maior será a carga tributária nela incidente decorrente de seu consumo, ao passo que o inverso se mostra verdadeiro: na medida em que maior for a capacidade de poupança de alguém, menor será a carga tributária sobre si, haja vista, proporcionalmente, ser menor o seu consumo de bens e serviços.
Numa sociedade capitalista em que facilmente é observável entre sua população a existência de grupos reduzidos que apresentam considerável concentração de renda, como se avista no Brasil, a opção por uma predominância da tributação indireta, incidente sobre o consumo, em detrimento da tributação direta na pessoa natural, incidente sobre a renda e o patrimônio, se mostra mais onerosa para aqueles que formam a base da pirâmide social, como mais adiante será explicado.

3. 3. 1 IMPOSTOS

Na baila dos impostos que oneram o consumo, tem-se sobre a administração da União o II ? Imposto Sobre Importação, o IPI ? Imposto sobre Produtos Industrializados e o IOF ? Imposto sobre Operações Financeiras.
É de competência dos Estados o ICMS ? Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, e restou ao município a administração do ISS ? Imposto Sobre Serviços, cabendo ao Distrito Federal a Administração concomitante destas duas últimas espécies tributárias.
Segundo dados da Unafisco Sindical, Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil em estudo divulgado em seu sítio na internet a variação em valores absolutos arrecadados pelo Fisco Federal, entre 1997 e 2006, corrigidos pelo IPCA até abril de 2006, foi de 7,35%, no Imposto Sobre Importação, 11,95%, no Imposto sobre Produtos Industrializados e de 7,74%, no Imposto sobre Operações Financeiras. (2006, p.1)
Tais números podem ser interpretados como meramente indicativos de crescimento econômico, principalmente levando-se em conta que os tributos indicados não possuem função exclusivamente fiscal, mas extrafiscal também por essência pelo fato de através de sua arrecadação chegar-se a indicadores econômicos importantes e, via manipulação de suas alíquotas se poder implantar políticas de estímulo a áreas estratégicas da economia.

3. 3. 2 CONTRIBUIÇÕES

Diferentemente dos impostos de competência da União, cujo aumento na arrecadação parece moderado, embora constante, as contribuições incidentes sobre o consumo administrados pela Receita Federal apresentam significativos e consecutivos aumentos na arrecadação, tanto em números absolutos, quanto na sua representatividade perante as demais receitas.
As contribuições administradas pela Receita Federal com natureza tributária indireta são a COFINS ? Contribuição para Seguridade Social, a Contribuição para o PIS/PASEP e a CIDE ? Combustíveis, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis.
Os dados disponibilizados pelo mesmo estudo acima citado dão conta de que a Contribuição para o PIS/PASEP teve um aumento de arrecadação de 77.63%, a COFINS percebeu uma variação de 157.99% e a extinta CPMF obteve um aumento de 211.53% na sua arrecadação entre 1997 e 2006.

4 INSTRUMENTOS DISPONÍVEIS PARA O COMBATE ÀS DISTORÇÕES
DO SISTEMA VIGENTE

Após análise exposta até o momento, infere-se serem dois os principais problemas do sistema tributário nacional: a regressividade deste sistema em razão da excessiva tributação sobre o consumo e a concentração das fontes pagadoras nas pessoas jurídicas, em especial, nas grandes empresas.
A tributação indireta, ou incidente sobre as relações de consumo, tem como traço característico a difícil associação ao princípio da capacidade contributiva em razão de os mais influentes instrumentos realizadores deste princípio serem a progressividade e a pessoalidade da tributação, institutos diametralmente opostos ao principal efeito daquela forma de tributação (indireta).
Quanto à opção do Estado de arrecadar muito de poucos, substanciada pelo utilitarismo fiscalizatório, direcionando as mais significativas hipóteses de incidência tributária à pessoa jurídica, foi visto que, ainda que se foque a tributação em tributos diretos, estes tenderão a ser repassados nos preços dos bens ou serviços produzidos, acarretando o mesmo efeito regressivo da tributação indireta, em razão da ampliação do conceito econômico de custos da atividade empresarial.
Deste modo, sugerir-se-á adiante dois instrumentos para a tentativa de enfrentamento destas distorções averiguadas, com a finalidade de buscar uma conciliação do sistema tributário nacional com o princípio da capacidade contributiva, e, por conseguinte, com a justiça fiscal, quais sejam estes instrumentos a seletividade das alíquotas em razão da essencialidade dos produtos tributados em se tratando da tributação indireta, e a mudança do foco da tributação para os tributos de incidência direta na pessoa física, visando uma maior progressividade e pessoalidade do sistema, com os mesmo objetivos visados pelo outro instituto mencionado.

4. 1 SELETIVIDADE EM RAZÃO DA ESSENCIALIDADE

Conforme leciona Luciano Amaro, a seletividade das alíquotas aplicadas em função da essencialidade do produto alvo da norma tributária encontra-se positivada constitucionalmente no artigo 153, §3º, inciso I e no artigo 155, §2º, inciso III, ambos da Carta Política brasileira. (2006, p. 148)
No texto constitucional, encontra-se a previsão de que este instituto será de aplicação obrigatória no IPI, e autorizada no ICMS.
Consiste a seletividade em uma valoração da alíquota, no momento de sua definição, pelo legislador de modo a desencorajar, através do estabelecimento de uma alíquota mais alta, ou encorajar, com a redução dessa alíquota, determinados comportamentos de consumo da população em razão da essencialidade do bem tributado.
Aliado a esta faceta extrafiscal que este instituto proporciona, estímulo ou desestímulo de comportamentos econômicos, defende Aliomar Baleeiro cumpir a seletividade papel substitutivo da progressividade e da pessoalidade nos tributos indiretos, fundado na concepção de aflorescimento da capacidade contributiva somente após satisfeito o mínimo existencial da pessoa, ao opinar que: "Tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operação de circulação de mercadorias de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para consumo." (BALEEIRO, 2005, p. 694)
E completa: "Por isso, a Constituição Federal, seguindo a melhor doutrina, fala em pessoalidade sempre que possível e estabelece em substituição, o princípio da seletividade [,,,]" (BALEEIRO, 2006, p.694).
Deste modo, quão mais essencial for a mercadoria tributada, menor será sua alíquota, e quão mais for supérfluo o produto tributado, maior será sua alíquota.
Muito embora o Texto Constitucional faça referências expressas à obrigatoriedade da aplicação deste instituto ao IPI e menção autorizativa em sede de ICMS, não há qualquer empecilho da extensão deste princípio às demais espécies tributárias vigentes no ordenamento nacional, em especial àquelas de natureza indireta, seja em substituição à pessoalidade, seja com a finalidade extrafiscal já versada.
De certa forma, tem começado a agir desta forma, ainda que timidamente, o Governo, com a desoneração de PIS e Cofins na venda de computadores de mesa (desktops) e portáteis (notebooks), visando estimular o consumo destes produtos entre a população, sem falar na recente redução do IPI do setor automobilístico, devido à crise econômica que abalou o EUA.
Falta mais arranjo do Estado na redução dessas desigualdades, a título exemplificativo, tome-se a alíquota de ICMS incidente sobre a energia elétrica praticada no estado da Bahia, atualmente fixada no máximo legal permitido, embora seja o bem energia elétrica, nos tempos atuais, considerado um bem essencial à vida urbana.

4. 1. 1 O PROBLEMA DE ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES

Embora a seletividade possa se afigurar como um instrumento redutor da regressividade causada pela tributação indireta, em algumas espécies tributárias, sua aplicação encontra sérios óbices.
Tome-se de exemplo a extinta CPMF, popularmente conhecida por imposto do cheque, cuja hipótese de incidência é a movimentação financeira. A regressividade deste tributo era multi-facetária, incidindo à mesma razão para todos (alíquota de 0,38%), ignorando por completo as diferentes potencialidades econômicas dos indivíduos (afronta à pessoalidade e igualdade) e onerando as cadeias de produção de todos os bens e serviços produzidos e ofertados no mercado nacional, cujo repasse, por óbvio, encontrar-se-á embutido no preço pago pelos consumidores.
Da mesma forma encontrará dificuldade o Governo caso tente desonerar a tributação indireta quando incidente numa cadeia de produção cumulativa, como é o exemplo do modelo antigo, ainda em vigor em alguns casos, de incidência do PIS e da COFINS.

4. 2 DESONERAÇÃO DO CONSUMO E INCREMENTO DA TRIBUTAÇÃO
SOBRE A RENDA E O PATRIMÔNIO DA PESSOA FÍSICA

Conforme já debatido, o fenômeno da tributação incidente na empresa, ainda que direta, gera uma regressividade no sistema tributário em função desta repassá-la aos seus consumidores no preço dos bens ou serviços por si ofertados.
Embora possa soar estranho aos ouvidos, a empresa aufere renda da mesma forma que a pessoa física. O lucro obtido na empresa não tem o condão de gerar acréscimo de patrimônio na pessoa jurídica, mas sim de remunerar seus sócios. Deste modo, os dispêndios com tributos são considerados custos da atividade empresarial, numa visão ampliada deste instituto, de forma que se possa avaliar a taxa de retorno, e conseqüente viabilidade, que aquela atividade empresarial oferece.
Desta forma, a progressividade e a pessoalidade irão melhor desempenhar seu papel de instrumentalização da capacidade contributiva para obtenção de justiça fiscal quando atingirem a renda e o patrimônio da pessoa física, por óbvio que feita a ressalva do respeito ao mínimo existencial quando da valoração da capacidade econômica do indivíduo tributado.
Interessante ainda ressaltar que o único imposto autorizado pela Constituição Federal e não instituído pelo ente federativo a quem lhe foi atribuída competência para tal (a União, in casu) é o incidente sobre grandes fortunas.
A despeito do argumento apresentado por Fernando Aurélio Zilveti de que a tributação sobre o patrimônio lhe soa injusta, em razão de ser o patrimônio nada mais do que o acúmulo de renda, já tributada quando da sua aquisição, esta modalidade tributária é de fundamental importância para a realização da justiça social, dado o seu caráter distributivo de riquezas, reduzindo, por conseqüência, a desigualdades sociais tão inerentes ao sistema capitalista.
Por fim, insta ressaltar a necessidade de ampliação da quantidade de alíquotas incidentes sobre o imposto de renda da pessoa física. Sem entrar em maiores pormenorizações acera da sistemática vigente para apuração do quantum debeatur deste imposto, cinco faixas de tributação (isenção, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%) são insuficientemente expressivas da desigualdade social experienciada pelo Brasil.

4.3 DISTORÇÕES INSANÁVEIS

A despeito das sugestões acima propostas, certo grau de regressividade é inafastável de qualquer ordenamento jurídico tributário.
Ainda que a tributação tenha um claro enfoque na tributação direta da pessoa física, o mundo moderno não pode abrir mão da tributação, direta e indireta da pessoa jurídica.
Como visto, há espécies tributárias que não permitem a substituição da pessoalidade pela seletividade.
A complexidade das relações jurídico-econômicas, inerentes ao mundo moderno impossibilita a não atuação do Estado nas relações comerciais e consumeristas, sendo necessária a tributação nestas áreas, ainda que com enfoque meramente extrafiscal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cumpre ressaltar que o princípio da capacidade contributiva, constitucionalmente inserido no §1º do artigo 145 não mais é norma meramente programática, como outrora fora na Constituição de 46, mas sim um princípio auto-aplicável, cuja observância é indispensável ao legislador no processo de gênese da norma tributária.
A aplicação deste princípio serve de instrumento para a garantia dos direitos fundamentais da igualdade e da proteção à propriedade privada (vedação ao confisco), através da pessoalidade da tributação (individualização) na medida da capacidade econômica do indivíduo (progressividade da tributação), visando a obtenção de justiça fiscal.
Partindo-se da concepção aristotélica de que a obtenção da igualdade se dá ao tratar-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, a progressividade é esta medida de desigualdade que se mostra mais eficaz para, através do princípio da capacidade contributiva, se obter a justiça fiscal.
Se a ratio essendi do princípio da capacidade contributiva e sua conseqüente aplicação às espécies tributárias existentes, seja na elaboração pelo legislador da norma tributária, seja na individualização do caso concreto pelo magistrado, é a obtenção da justiça fiscal através da instrumentalização do princípio da igualdade, considerando-se a concepção aristotélica de busca da igualdade via tratamento desigual dos desiguais, o mundo fático apresenta situações em que, justamente para se obter esta justiça fiscal, essencial se faz desvincular a norma jurídico-tributária do princípio da capacidade contributiva.
Os fenômenos da progressividade e da pessoalidade tenderão a estarem mais presentes nos tributos diretos, dando chance ao legislador de incutir sobre estas espécies o princípio da capacidade contributiva na busca da distribuição de riquezas, ao respeitar-se de forma mais efetiva a capacidade de contribuir para os custeios do Estado, e a obtenção da tão almejada justiça fiscal.
Dificuldade maior de convivência com o princípio da capacidade contributiva encontra-se nos tributos indiretos, cuja marcante característica de onerar o consumo de bens e serviços, fato econômico indispensável à sobrevivência nas sociedades desde a Revolução Industrial, afronta diretamente o princípio da capacidade contributiva na sua usual concepção de exigir dos cidadãos de contribuir para o custeio das despesas do Estado em razão de seus haveres.
Além da regressividade observada, a tributação sobre o consumo, nos moldes em que é realizada implica em flagrante desrespeito ao princípio da transparência dos impostos e gera um efeito psicológico sobre o contribuinte, que, ao não perceber o grau real de carga tributária que sobre si incide, não se revolta contra a incapacidade de seus governantes de reverterem estes montantes em serviços públicos de qualidade acessíveis a todos os cidadãos.
Quanto à tributação direta nas empresas, importa dizer que, ainda que num plano lógico jurídico-contábil a esta seja efetivamente o contribuinte de fato e de direito dos tributos ditos diretos, ainda assim o real impacto fático desta tributação há de ser suportado pela pessoa humana consumidora dos bens e serviços produzidos pela atividade empresarial, ao menos hipoteticamente.
Os principais instrumentos para concretização do princípio da capacidade contributiva são a progressividade das alíquotas e a pessoalidade dos tributos.
Deste modo, se sugere dois instrumentos para a tentativa de enfrentamento destas distorções averiguadas com a prevalência da regressiva tributação indireta, com a finalidade de buscar uma conciliação do sistema tributário nacional com o princípio da capacidade contributiva, e, por conseguinte, com a justiça fiscal, quais sejam estes instrumentos a seletividade das alíquotas em razão da essencialidade dos produtos tributados em se tratando da tributação indireta, e a mudança do foco da tributação para os tributos de incidência direta na pessoa física, visando uma maior progressividade e pessoalidade do sistema, com os mesmo objetivos visados pelo outro instituto mencionado.
Consiste a seletividade em uma valoração da alíquota, no momento de sua definição, pelo legislador de modo a desencorajar, através do estabelecimento de uma alíquota mais alta, ou encorajar, com a redução dessa alíquota, determinados comportamentos de consumo da população em razão da essencialidade do bem tributado.
Muito embora o Texto Constitucional faça referências expressas à obrigatoriedade da aplicação deste instituto ao IPI e menção autorizativa em sede de ICMS, não há qualquer empecilho da extensão deste princípio às demais espécies tributárias vigentes no ordenamento nacional, em especial àquelas de natureza indireta, seja em substituição à pessoalidade, seja com a finalidade extrafiscal já versada.
Embora possa soar estranho aos ouvidos, a empresa aufere renda da mesma forma que a pessoa física. O lucro obtido na empresa não tem o condão de gerar acréscimo de patrimônio na pessoa jurídica, mas sim de remunerar seus sócios. Deste modo, os dispêndios com tributos são considerados custos da atividade empresarial, numa visão ampliada deste instituto, de forma que se possa avaliar a taxa de retorno, e conseqüente viabilidade, que aquela atividade empresarial oferece.
Desta forma, a progressividade e a pessoalidade irão melhor desempenhar seu papel de instrumentalização da capacidade contributiva para obtenção de justiça fiscal quando atingirem a renda e o patrimônio da pessoa física, por óbvio que feita ressalva do respeito ao mínimo existencial quando da valoração da capacidade econômica do indivíduo tributado.

REFERÊNCIAS

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BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias: teoria e análise da jurisprudência do STF. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

MACHADO, Hugo de Brito. Temas de Direito Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MOTA FILHO, Humberto Eustáquio César. Introdução ao princípio da capacidade contributiva. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Receitas administradas pela RFB ? período 1994 a 2001. Disponível em
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Tributos/RecAdmSRF94a2001/default.htm>. Acesso em 21 de out. de 2009.

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ZILVETTI, Fernando Aurélio. Princípio de Direito Tributário e a Capacidade Contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004.