A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES – IPVA: UMA ANÁLISE ACERCA DE SEU CRITÉRIO MATERIAL E A (IM) POSSIBILIDADE DE SUA INCIDÊNCIA EM AERONAVES E EMBARCAÇÕES.[1]

 

Laryssa Zilma Bringel Vieira Lins[2]

Valquíria Serafim Lima Limeira[3]

Antonio de Moraes Rego Gaspar[4]

Sumário: Introdução; 1 Breve análise da regra-matriz de incidência tributária, na doutrina de Paulo de Barros Carvalho; 1.1 O critério material da regra-matriz de incidência tributária do IPVA; 2 Controvérsia quanto à (im) possibilidade da incidência do IPVA em aeronaves e embarcações; 2.1 O construtivismo lógico semântico no que tange ao critério material do IPVA como resposta à controvérsia; 3.2 IPVA e a sucessão da Taxa Rodoviária Única – TRU; 3 Entendimento da legislação do Estado do Maranhão; Conclusão.

 

RESUMO

A regra-matriz de incidência tributária é tida como uma norma instituidora de tributos, trata-se de um esquema lógico-semântico para produzir normas a serem aplicadas em casos concretos. Contudo, o critério material da regra-matriz de incidência tributária do IPVA enseja em controvérsias a respeito da aplicação deste imposto em aeronaves e embarcações. A doutrina é bastante divergente, no entanto, o STF tem sua posição, entendendo ser incabível a incidência em veículos aéreos e aquáticos. A legislação do Estado do Maranhão, por sua vez, explicitamente na lei 5.594/92, entende de forma contrária, ou seja, que o IPVA tem como fato gerador não só a propriedade de veículo automotor terrestre, mas, também, aeronaves e embarcações.

PALAVRAS – CHAVE: Regra-Matriz; IPVA; Aeronaves; Embarcações; TRU.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A Constituição Federal de 1988 assegura em seu artigo 155, inciso III, a imposição do Estado em instituir o Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor - IPVA. Apesar de haver algumas análises sobre o critério material da regra-matriz de incidência do IPVA, o texto normativo é escasso acerca de sua estrutura, ou melhor, da abrangência do termo “automotor”, presente no inciso III do artigo mencionado nas linhas anteriores, que é o critério material do imposto supracitado.

Nesse sentido, concretiza-se a relevância de uma análise minuciosa, apresentando as controvérsias acerca da possibilidade ou impossibilidade do IPVA incidir sobre embarcações e aeronaves definindo, como dito, o conceito de “veículo automotor” utilizando o seu aspecto semântico, ou seja, realizando uma análise semântica, uma análise a fim de verificar a possibilidade, ou não, de alargar tal conceito, de tal forma que qualquer objeto apto a transportar algo, locomovendo-se por si só, poderia, ou não, ser objeto da tributação (BENINI, 2010, p. 97).

Desta forma, faz-se mister levar em consideração no estudo a ser realizado a regra-matriz de incidência tributária do IPVA, no que concerne ao seu critério material, ou seja, o comportamento praticado por um sujeito de direito, seja pessoa física ou jurídica (BENINI, 2010, p. 42), bem como o construtivismo lógico-semântico no que se refere ao termo “veículo automotor” e, ainda, a questão do imposto supracitado ser ou não sucessor da Taxa Rodoviária Única – TRU, vez que o Supremo Tribunal Federal e parte da doutrina entendem ser verdadeira tal sucessão, o que serve de argumento para a posição que sustenta não alcançar, o imposto estadual, a propriedade de aeronaves e embarcações.

1 BREVE ANÁLISE DA REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA, NA DOUTRINA DE PAULO DE BARROS CARVALHO

 

O Código Tributário Nacional trata sobre “tributo” em seu artigo 3º afirmando ser uma “prestação pecuniária, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.  Os tributos são as receitas que derivam do Estado, onde este recolhe de todos os indivíduos diminuindo seu patrimônio, contudo devendo haver previsão normativa para a coleta, sendo essas normas de direito público que constituem o Direito Tributário (NOGUEIRA, 1995. p. 155).

No que tange aos elementos do dispositivo supracitado, Eduardo Sabbag (2012) afirma que a prestação pecuniária se trata da obrigação em prestar ao Estado, afim de que este efetive seus propósitos; a prestação compulsória independe da vontade do indivíduo, pois se refere à supremacia do interesse coletivo. Logo, se observa que a prestação além de ser obrigada, age de forma coerciva.

Ademais, deve ser paga em moeda, pois o ordenamento brasileiro não admite outra forma de pagamento a não ser em dinheiro, além disso, não devendo ser vista como sanção por ato ilícito, já que não se trata de uma punição; Deve ser instituído por lei, seguindo, assim, o princípio da legalidade e, por fim, devendo ser cobrada por meio de atividade administrativa, ou seja, em conformidade com a lei, não de forma aleatória (MACHADO, 2012, p. 56 a 61).

No que concerne às espécies dos tributos, o artigo 5º do Código Tributário Nacional - CTN afirma que são os impostos, taxas e contribuições de melhoria. Vale ressaltar que ainda pendem divergências sobre a classificação desses tributos. Para este paper, cumpre salientar a posição de Paulo de Barros Carvalho, isto pois, aduz que são tributos as três espécies supracitadas e que os empréstimos compulsórios podem se encaixar com qualquer uma das três espécies e as contribuições só se configuram como imposto ou taxa (CARVALHO, 2007, p. 27 a 45).

Outrossim, destaca-se o Imposto, tributo que possui como fato gerador circunstância alheia ao Estado, atinente ao indivíduo e seu patrimônio, de acordo com o artigo 16 do CTN. Paulo de Barros Carvalho (2007), afirma que sua incidência está impertinente ao Poder Público e vinculada a pessoa. Logo, para a percepção dessa obrigação, deve o indivíduo realizar o fato gerador, tornando-o unilateral, por não precisar de qualquer atividade estatal (SABBAG, 2012, p. 402 a 404).

A regra matriz de incidência, tido com uma norma instituidora de tributos trata-se de “um esquema lógico-semântico”, melhor dizendo são “as normas padrões de incidência, aquelas produzidas para serem aplicadas em casos concretos, que se inscrevem entre regras gerais e abstratas, podendo ser de ordem tributária”, ou de qualquer outro ramo do direito (CARVALHO, 2010, p. 371 e 371).

Cumpre afirmar que as normas no ordenamento são divididas em duas, conforme Paulo de Barros Carvalho (2007), ou regras de comportamento ou de estrutura. As primeiras envolvem as condutas de pessoas e suas relações, então, pode-se perceber que a regra-matriz de incidência tributária é uma regra de comportamento. Ela “está a disciplinar a conduta do sujeito devedor da prestação fiscal, perante o sujeito pretensor, titular do direito de crédito (CARVALHO, 2007, p. 250 a 252)”.

Nesse sentido, faz-se mister versar da hipótese da regra-matriz tributária que o renomado autor Paulo de Barros Carvalho criou. Ela é formada consoante a vontade do legislador, isto pois tenta recolher informações da realidade social que quer regular. Entende-se que as hipóteses são normas que são válidas ou não, melhor dizendo, o legislador cria conceitos quando há circunstâncias que abrem possibilidade para gerar efeitos jurídicos. O modelo esquematizado é constituído pela hipótese também chamada de antecedente e pelo consequente (CARVALHO, 2007, p. 255 a 257).

 

Ao conceituar o fato que dará ensejo ao nascimento da relação jurídica do tributo, o legislador também seleciona as propriedades que julgou importantes para caracterizá-lo. E, desse conceito, podemos extrair critérios de identificação que nos permitam reconhecê-lo toda vez que, efetivamente, aconteça (CARVALHO, 2007, p. 257).

 

O autor sub examine aduz que o “enunciado hipotético” ou antecedente possui três critérios que possam identificar o fato, quais sejam o critério temporal, o espacial e o material. Este último será tratado de forma específica no próximo subtítulo. Para análise da regra matriz, deve-se atentar para esses critérios, isto, pois, com eles será permitida a análise pragmática e semântica. Essa análise tem a finalidade de buscar o resultado, conjunto, da lógica com o conteúdo material, para possibilitar a prática (CARAVLHO, 2007, p. 260).

 

Além de oferecer ao analista um ponto de partida rigorosamente correto, sob o ângulo formal, favorece o trabalho subsequente de ingresso nos planos semântico e pragmático, tendo em vista a substituição de suas variáveis lógicas pelos conteúdos da linguagem do direito positivo (CARVALHO, 2008, p. 147).

 

Esses critérios são necessários para determinar um fato jurídico, a hipótese determina todas as coordenadas para abrir viabilidade ao tributo que venha a incidir em determinado caso (CARVALHO, 2010, p. 367). Primeiramente, sobre o critério temporal, o ilustre autor Paula de Barros Carvalho (2010) afirma que se trata de “um grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor”. Para o aludido autor a marcação do tempo denota o momento exato em que nasce um direito subjetivo para o Estado, como também, nasce um dever do cidadão (CARVALHO, 2010, p. 260).

No que tange ao critério espacial se perfaz pela identificação do local em que ocorre o fato que dá ensejo à obrigação tributária e isto não quer dizer que seja o mesmo local onde se deve pagar, tendo em vista que o fato gerador já se definiu. E para configurá-lo, Paulo de Barros Carvalho (2010) definiu três tipos de previsões, quais sejam a hipótese de quando em um lugar restrito irá ocorrer determinado fato, ou na hipótese da conduta ser importante para a incidência do fato quando ocorrer dentro da delimitação precisa pelo legislador ou, enfim no caso de ocorrer uma conduta, qualquer que seja, em determinado território.

E, por fim, cumpre tratar do critério material que encontra-se definido no tópico a seguir.

 

1.1 O critério material da regra-matriz de incidência tributária do IPVA

 

O critério material centra-se no comportamento praticado por uma pessoa física ou jurídica condicionadas por situações temporais e espaciais. E para defini-lo não se pode utilizar verbos no impessoal ou sem o sujeito, posto que se torna inviável aplicar o que está previsto para um indivíduo (CARVALHO, 2010, p. 259).

Esse critério se relaciona a um determinado fato que deve conter conteúdo econômico, tendo em vista que se trata de uma prestação pecuniária. Ademais, determinando-se as condutas a serem aplicadas, esse critério possibilita que haja incidência tributária conforme o princípio da capacidade contributiva (CARVALHO, 2010, p. 260). Este princípio se trata de uma garantia para aqueles que contribuem com o Estado por meio de seu patrimônio (SABBAG, 2012, p. 153).

O artigo 155, inciso III da Constituição Federal (BRASIL, 1998) prevê a norma tributária que torna exigível o pagamento do imposto em análise. O dispositivo aduz que o Estado possui o direito de exigir a prestação do sujeito passivo quando este passa a obter propriedade de um veículo automotor, por ser este seu fato gerador.

Ao se tornar proprietário o sujeito passivo (cidadão) instaura um vínculo obrigacional com o sujeito ativo (Estado). Esta relação que faz com que haja o direito de exigir do Estado. O critério material da norma se perfaz pelo verbo que aponta uma conduta pretérita e, além disso, deve ter um complemento que possibilita discernir quais as circunstâncias que há a incidência (CARVALHO, 2010, p. 257).

No que tange à propriedade de veículo automotor, o Código Tributário Nacional afirma que a posse é “o fato gerador por extensão”, por está protegida por lei em razão da propriedade. Não havendo, por tanto, antinomia entre o CTN e a Constituição Federal em se tratando dos enunciados que englobam a posse (CARVALHO, 2010, p. 390). E, no que se refere à posse se tem inúmeros deveres, como exemplo transferir propriedade.

Enfim, no que concerne à problemática a ser analisada neste paper a dificuldade está na definição do conceito de veículo automotor, o que se trata de suma importância, tendo em vista que a partir do conceito estabelecido, poderá ser exigível ou não o tributo (PIROTTA; SEUGLING, 2007, p. 2 - 4).

 

2 CONTROVÉRSIA QUANTO À (IM) POSSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DO IPVA EM AERONAVES E EMBARCAÇÕES

 

Como supracitado o critério material se refere aos proprietários de “veículos automotores” e não como proprietário de “veículo automotor de qualquer espécie” como era tido no art. 1º da Lei 6.606/1989 já revogada.

Nesse sentido, compreende-se que há uma renúncia por parte do legislador sobre a tributação de embarcações e aeronaves e, pode-se afirmar que tal modificação obteve influência do Recurso Extraordinário prolatado pelo Supremo Tribunal Federal que definiu ser inconstitucional o art. 6º, inc. III da Lei 6.606/89 que afirmava sobre a tributação aeronaves e embarcações.

Inexistindo Lei superior, as estaduais definem o conceito de veiculo automotor e ainda estendem tal definição às embarcações e aeronaves, ou seja, doas ficam a serem de fato tributadas pelo Estado. Contudo, a doutrina entende de forma diversa, ou melhor, que não há incidência do IPVA com inclusão desses veículos, posto que não são terrestres (PIROTTA; SEUGLING, 2007, p. 6).

E, para fundamentar tal definição, afirmam que o imposto sub examine “é sucessor da taxa rodoviária única, e, por isso, não se aplicaria à propriedade de barcos e aeronaves” (PIROTTA; SEUGLING, 2007, p. 6)”.

Cesar Mazzoni Augustus (2005) afirma que é inaplicável a tributação do IPVA em aeronaves e embarcações, pois estes não possuem nenhum “ato registral à célula da partição constitucional da receita deste tributo, que é o município, vez que o banco de dados é de registro nacional”. Como não há vínculo de registros nacionais e estaduais, muitos menos com portos estrangeiros, não há que se falar que complementam tal tributo.

Entretanto, diverge de todo o exposto Gladston Mamede (2002) quando afirma que o significado de automotor repercute por todos os veículos que se movimentam por meio de um motor. Além disso, a Carta Magna não limitou os veículos terrestres, mas aqueles que possuem motor, logo, estes bastam para incidir a carga tributária.

Compreende-se, conforme Fernanda Pirotta e Priscila Seugling (2007) que majoritariamente se entende que a tributação do IPVA não se limita aos veículos automotores terrestres, basta se mover por motor.

Estas divergências quanto à impossibilidade de definir o critério material do IPVA comprovam que há necessidade de uniformizar as normas tributárias acerca da possibilidade de incidência ou não da norma tributário em embarcações e aeronaves ou criar uma norma superior que possa tutelar o Estado.

2.1 O construtivismo lógico semântico no que tange ao critério material do IPVA como resposta à controvérsia

 

                   Por meio da metodologia do Construtivismo Lógico-Semântico, cujos precursores são Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, pode-se tomar o Direito Positivo como “objeto cultural expresso em linguagem e que parte de categorias da Filosofia da Linguagem para, inicialmente, realizar uma análise analítica do objeto, para em seguida reconstruí-lo, dando ênfase aos aspectos sintático, semântico e pragmático dos termos” (BERNINI, 2010. p. 05).

                   Pois bem, Paulo de Barros Carvalho ensina que “há uma relação dialética entre sujeito e objeto, de tal sorte que um, não sendo o outro, não existe sem o outro; em última instância, um é pelo outro” (CARVALHO, 2008. p. 14). Dessa forma, compreende-se que o Construtivismo Lógico-Semântico tem como seu ponto central o ser cognoscente, ou seja, o homem que estuda alguma coisa, que procura conhece. Nas palavras de Miguel Reale, o conhecimento é produto de uma relação dialética entre o ser cognoscente e o objeto de estudo. Um é definido pelo outro, em outras palavras. (REALE, Miguel, 2000).

                   Outra característica desse método de investigação é que este propõe uma reconstrução do objeto de estudo, a qual se dá justamente por meio da linguagem. Para este método, “(...) o mundo e a realidade que nos cercam só são objetos passíveis de investigações científicas enquanto extratos de linguagem”. Assim sendo, objeto imediato desta metodologia é a expressão em linguagem que representa o mundo, isto é, a expressão linguística enquanto signo (BERNINI, 2010. p. 27).

                   Desta forma, o construtivismo lógico semântico acaba por ser uma resposta à controvérsia em estudo, justamente por trabalhar o Direito Positivo, a norma, em uma realidade equivalente à linguagem. Ou melhor, através desta (da linguagem) o sujeito cognoscente chega ao objeto cognoscível. Então, Paulo de Barros ensina, por meio de uma Filosofia da Linguagem, realizar uma análise do objeto, da norma, in casu o IPVA, quanto o aspecto semântico do termo “veículo automotor”.

                   Nesse sentido, tem-se a semântica, parcela do estudo semiótico que tem como objeto as relações de significado que os signos possuem com os objetos que pretendem representar. “Seu escopo é verificar os modos e as leis segundo os quais os signos são aplicados a determinados objetos” (BERNINI, 2010. p. 23). Nesse sentido, Luiz Alberto Warat completa que a problemática da semântica centra-se na verdade; uma expressão só é semanticamente bem formulada se o objeto a que tal expressão se refere for verificável empiricamente (WARAT, 1984. p. 40). Ou seja, se a mesma puder ser empregada para representar um objeto verificável no mundo, se corresponde aos fatos, se a situação significada é aceita como existente.

                   Pois bem, como já estudado nos itens anteriores, o critério material do IPVA é ser proprietário de veículo automotor. Diante da vaguidade e ambiguidade da expressão “veículo automotor”, realizar-se-á uma análise semântica da mesma, através do estudo das definições que constam nos dicionários.

                   O termo “automotor” é o que centra a problemática da expressão “veículo automotor” como critério material do IPVA e, assim, é o que dá margem a várias interpretações acerca da incidência ou não deste imposto sobre aeronaves e embarcações. Pois bem, no Dicionário Houaiss é encontrado assim: “automotor /ô/ adj. s. m. m.q. AUTOMÓVEL Etim. Aut(o) - + motor; ver motor e mov-.” Assim sendo, significa a qualidade de um objeto que se movimenta por meio de mecanismo próprio, sem a intervenção de força exterior, movido por um motor, ou ainda qualquer veículo movido a motor de explosão, geralmente de quatro rodas, cuja finalidade é transportar passageiros ou carga.

                   Na doutrina, há quem diga, pois, que o conceito de “veículo automotor” não se confunde com o de “aeronaves” e “embarcações”, a exemplo de Ricardo Alvarenga, ao sustentar que o Código Brasileiro de Aeronáutica, estabelecido pela Lei nº 7.565/86, define, em seu artigo 106, caput, o termo “aeronave” de forma incompatível com o termo “veículo automotor” (ALVARENGA, . p. 65-66).

                   No entanto, há quem entende em sentido contrário, a exemplo de Luciano Garcia Miguel e Elaise Ellen Leopoldi, os quais entendem que a expressão “veículo automotor” equivale ao objeto destinado ao transporte de pessoas ou coisas, capazes de mover-se por si próprio (MIGUEL, Luciano; LEOPOLDI, Elaise, 2003).

                   No que tange à jurisprudência, destaca-se o julgamento do Recurso Extraordinário nº 134.509-8/AM, pelo Supremo Tribunal Federal, o qual examinou a problemática em estudo, decidindo, pois, pela não incidência do IPVA nos casos de propriedade de aeronaves e embarcações. Confira-se a ementa da decisão: “EMENTA: IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (CF, art. 155, III; CF 69, art. 23, III e § 13, cf. EC 27/85): campo de incidência que não inclui embarcações e aeronaves” (RE 134.509-8/AM). O ministro Francisco Rezek, em seu voto, diz:

Se se fizer a análise etimológica da expressão ‘veículos automotores’, como fez o autor citado nos autos, é sempre possível concluir que se pode enquadrar no conceito de veículo automotor o navio e aeronave. Pode ser enquadrada também qualquer criatura do reino animal, veículo que é porque capaz de transportar coisas, e automotor porque independe de qualquer tração à sua própria estrutura física. Dos animais mais lentos, na espécie dos moluscos, aos mais velozes; dos animais robustos, como a formiga que carrega vinte e cinco vezes o seu próprio peso, aos mais frágeis, todos incluiríamos no conceito de veículo automotor se ele devesse ser compreendido semanticamente. Já se viu que não é isso. Inúmeras discussões em nosso plenário sobre o que é circulação de mercadorias nos fazem ver que a concepção literal dessa fórmula conduziria ao ridículo (REZEK, 1996. p. 374).

                         Portanto, o STF, como bem resume o voto acima, entende que ao definir o conceito de veículo automotor utilizando-se o seu aspecto semântico implica alarga-lo, de tal forma que qualquer objeto apto a transportar algo, locomovendo-se por si só, poderia ser objeto da tributação.

2.2 IPVA e a sucessão da Taxa Rodoviária Única – TRU

 

A Taxa Rodoviária Única – TRU foi instituída pelo Decreto-Lei nº 999, de 21 de outubro de 1969 e tinha como seu maior objetivo a instituição de uma única taxa que fosse uniforme em todo o território nacional, com a finalidade de eliminar as diversas exações previstas por Estados e Municípios, as quais eram cobradas dos proprietários de veículos automotores terrestres, como forma de remuneração pela prestação de serviços públicos e pelo exercício do Poder de Polícia, relacionados ao registro anual e licenciamento de tais veículos.

No entanto, conforme Virgílio Barros de Medeiros Campos (1977. p. 234), o fato gerador da TRU é definido pela expressão “para circular”, presente no artigo 1º do Decreto-Lei que a instiuiu, o qual dita: “É instituída a Taxa Rodoviária Única, devida pelos proprietários de veículos automotores registrados e licenciados em todo o território nacional”. E, adiante, seu §1º: “A referida taxa, que será cobrada previamente ao registro do veículo ou à renovação anual da licença para circular será o único tributo incidente sobre tal fato gerador”. Assim sendo, nas palavras de Virgílio Campos (1977, p. 234): “(...) é contribuinte o possuidor do veículo, pois somente esse é que poderá pôr o veículo em circulação, seja quando ele próprio dirige, seja quando um servidor da posse, (...) aquele que conserva a posse em nome de outro, em cumprimento de ordens ou instruções dirige”.

O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, por sua vez, foi criado com a Emenda Constitucional nº 27 de 1985, inserindo no artigo 23, da Constituição Federal de 1967 que, embora os Estados e Distrito Federal tenham a competência de instituírem impostos sobre a propriedade de veículos automotores, a eles fica vedada a cobrança de impostos ou taxas que incidam sobre a utilização de veículos, sendo tal vedação confirmada pelo artigo 155 da atual Constituição (1988) que, apesar de não dispor sobre a vedação, como fazia a de 1967, possuem a mesma essência, explicitam a mesma materialidade, qual seja, ser proprietário de veículo automotor.

Nesse sentido, a instituição do IPVA acabou por revogar o dispositivo que tratava acerca da TRU, cobrada anualmente pela União no licenciamento dos veículos, pois a finalidade de suas receitas angariadas centrava-se na construção e conservação das rodovias federais, vez que tratava-se de uma taxa e o sendo, têm, ao contrário dos Impostos, uma destinação específica, há uma vinculação a uma atuação estatal em relação ao fato gerador, a um serviço específico, nos ditames do artigo 145, inciso II e 167, inciso IV da Constituição Federal/88. Além disso, como já explanado nas linhas anteriores, a TRU era uma taxa que incidia sobre a utilização de veículos e não sobre a propriedade destes, esta última, atualmente, tem incidência  da materialidade do IPVA.

       Ocorre que a sucessão da TRU pelo IPVA é um dos argumentos utilizados pela parcela da doutrina e, até pelo Supremo Tribunal Federal - STF, ao sustentarem que o imposto de competência estadual não alcança a propriedade de aeronave e embarcações, argumentação esta que justifica a inserção dessa suposta sucessão neste estudo.

                   Por conseguinte, o STF, no Recurso Extraordinário nº 134. 509-8/ AM, estabeleceu relação de sucessão entre o IPVA e a TRU, servindo como argumento para fundamentar a decisão que afastou a incidência do IPVA sobre aeronaves e embarcações. O Ministro Francisco Rezek, em seu voto, diz:

Tentei saber, mediante pesquisa sobre a realidade objetiva, o que está acontecendo, qual a trajetória histórica da norma, e o que neste momento sucede sob o pálio da regra constitucional que atribui aos Estados competência para instituir imposto sobre a propriedade de veículos automotores. Verifiquei que temos neste caso um imposto que, na trajetória constitucional do Brasil, sucede à Taxa Rodoviária Única, e não me pareceu, examinados os sucessivos textos constitucionais recentes que, em qualquer momento, tenha sido intenção do constituinte brasileiro autorizar aos Estados, sob o pálio do imposto sobre propriedade de veículos automotores, a cobrança sobre a propriedade de aeronaves e de embarcações de qualquer calado (REZEK, 1996. p. 373 e 374).

                   No entanto, faz-se necessário esclarecer que tal argumento é rebatido pelo fato de o critério material da TRU diferir-se do IPVA, vez que o deste relaciona-se a uma ação de um particular, qual seja, a de ser proprietário de determinado veículo automotor; ao passo que o daquela caracteriza-se com a atuação estatal, ou seja, como a contraprestação devida pela atuação do Estado. Logo, “do ponto de vista histórico, o IPVA não é sucessor da TRU, tratando-se, portanto, de novo tributo, da espécie imposto” (BERNINI, 2010. p. 55).

3 Entendimento da legislação do Estado do Maranhão

                   Muito se discutiu no decorrer deste estudo se há ou não possibilidade de incidência do IPVA em aeronaves e embarcações. É notório que tal assunto tem pontos bastante divergentes, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Levando em consideração a análise semântica do termo “veículo automotor”, bem como o argumento utilizado por uma parcela da doutrina e, até pelo STF, da sucessão da TRU pelo IPVA, ambos já explanados nas linhas anteriores, não há que se falar nesta possibilidade, o IPVA não alcança a propriedade de aeronaves e embarcações.

                   Contudo, a legislação do Estado do Maranhão, compondo o outro polo divergente desta discussão, por meio da lei estadual nº 5.594/92, em seu artigo 2º, institui de forma clara e explícita que “o imposto sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA, devido anualmente, tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor terrestre, aquático e aéreo” (MARANHÃO, 1992).

                   Portanto, os maranhenses, regidos pela lei estadual supracitada, têm em suas aeronaves e embarcações a incidência do IPVA, assim como o “automóvel, caminhão, ônibus, trator, motocicleta e similares”, como define a lei nº 8132/90 os veículos automotores, de via terrestre (BRASIL, 1990).

CONCLUSÃO

Como supracitado entende-se que a hipótese tributária é identificada a partir dos critérios material, espacial e temporal. Conjutamente cedem ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) a legitimidade ou não para a tributação sobre as circunstâncias que atendem. Concluiu-se, ao longo desse trabalho, qie a regra matriz formada pelos critérios acima se trata de uma norma jurídica geral e abstrata que resulta em uma relação jurídica na medida em que há sua incidência.

A problemática acerca daquele tributo está no que concerne o critério material, tendo em vista seu verbo e complemento para a incidência fiscal da norma. Como foi visto o problema estar em denifir esse critério, definir o que seria o conceito de veículo automotor, entender se esses veículos compreendem somente os terrestre ou incluem também as embarcações náuticas e as aeronaves.

Nesse sentido, para tal conclusão, compreende-se que o IPVA não sucede a  Taxa Rodoviária (TRU), tendo em vista que possuem critérios materiais totalmente divergentes. O IPVA possui como fato gerador um comportamento típico de um indivíduo (particular), já a TRU se trata de uma contraprestação de indivíduos devida ao Estado, por atuar no licenciamento e registro de veículos automotores.

O alcance do IPVA em relação às embarcações e aeronaves está na compatibilidade de suas características e o critério material desse imposto, posto que o termo “veículo automotor” se caracteriza, omo supramencionada, como objeto capaz de transportas coisas e pessoas movido por uma força, o motor. Tal característica se coaduna com os critérios do IPVA, tendo em vista que a sua incidência em nada está atrelada a veículo que precisa de força externa para a sua locomoção e muito menos que não possui capacidade de transportar bens e pessoas.

Sendo assim, toda embarcação e aeronave que tenha a capacidade de transportar objetos e pessoas, tenha como força um motor e, principalmente, possua a propriedade sobre tal veículo pode ser alcançado pelo IPVA.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALVARENGA, Ricardo. IPVA na propriedade de aeronaves. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 29, 1998.

 

BERNINI, Cassiano Inserra. A regra-matriz de incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. São Paulo: PUC/SP, 2010. 161 p. Dissertação – Mestrado em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 999, de 21 de outubro de 1969. Institui Taxa Rodoviária Única, incidente sobre o registro e licenciamento de veículos e dá outras providências. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-999-21-outubro-1969-375215-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 27 out. 2014.

 

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[1] Paper apresentado à disciplina Direito Tributário I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Acadêmica do 7º período vespertino, do curso de Direito da UNDB. E-mail: [email protected].

[3] Acadêmica do 7º período vespertino, do curso de Direito da UNDB. E-mail: [email protected].

[4] Professor Me., orientador.