A REFORMA DO JUDICIÁRIO E O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: O ACESSO À JUSTIÇA COMO FORMA DE DEMOCRATIZAÇÃO NA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA

Anna Marcelle Cunha Sousa[1]

Lorena Carvalho Moraes 

Sumário: Introdução;1. As ondas renovatórias para o acesso à justiça;1.1. A reforma do judiciário e a criação do CNJ para o acesso à justiça; 2. O Conselho Nacional de Justiça como forma de deixar mais próximo do cidadão: a concretude do efetivo acesso à justiça; Conclusão; Referências

RESUMO

O seguinte trabalho tratará sobre reforma do judiciário e a necessidade da criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para o estabelecimento de um efetivo acesso à justiça, fazendo com que o judiciário recupere a sua credibilidade perante a sociedade. Ressaltando de que forma o CNJ atua para atingir os seus objetivos, de forma a problematizar se é efetivo ou não.

Palavras-Chave: Reforma do Judiciário. Acesso a Justiça.  Conselho Nacional de Justiça

 

  1. 1.                  INTRODUÇÃO

 

Iniciaremos o trabalho explicitando as ondas renovatórias, tentando mostrar a relação delas com a criação do Conselho Nacional de Justiça e de que forma elas contribuíram para um efetivo acesso à justiça e a reestruturação do Estado Democrático de Direito, tendo pro base a inclusão de todos os cidadãos no espaço público, posto que o Estado deve ser criado e governado em prol do povo.

Em um segundo momento trataremos da reforma do judiciário, tendo como ponto de partida trazer as mudanças sugeridas no parágrafo anterior como forma de reaver a sua credibilidade que fora perdida por causa de suas falhas e faltas com a sociedade brasileira no decorrer dos anos, quando deixou que uma parcela da população não tivesse acesso a ele e outra parte preferindo não levar seus litígios para lá, uma vez que o judiciário é visto como uma instituição excludente e morosa.

E em um terceiro momento explicitaremos acerca do papel do Conselho Nacional de justiça de deixar o judiciário mais próximo do cidadão e mais humano, de forma a se ter um acesso a justiça mais democrática e correspondente aos asseios populacional, resgatando assim a sua credibilidade.

  1. 2.                    AS ONDAS RENOVATÓRIAS PARA O ACESSO À JUSTIÇA

Antes de falarmos da inserção do CNJ pela emenda 45/04 (reforma do judiciário), é necessário ressaltar as ondas renovatórias que deram impulso para democratização da justiça brasileira, isto é, tornar o judiciário mais humano e eficiente voltado para a realidade no que diz respeito à democratização na promoção da justiça, foco do nosso trabalho.

    Conforme Cappelletti, ao introduzir as ondas renovatórias, diz que “o acesso à justiça pode ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”[2]. Cappelletti elenca em três as ondas renovatórias, quais sejam: a assistência judiciária para os pobres, a representação dos direitos difusos e enfoque de acesso à justiça.

A assistência judiciária refere-se ao direito de defesa aos que comprovarem insuficiência de recursos. “É proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que se pudessem pagar um advogado”[3]. A representação dos direitos difusos “tem por pressuposto que o conceito de pobreza não se adstringe ao indivíduo carente de recursos financeiros, ou de cultura, ou posição social... Trata-se de interesse fragmentado, pequeno demais para que o cidadão, individualmente, defenda seu direito”[4]. Já o enfoque de acesso à justiça refere-se ao “conjunto de geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas”[5].

Como visto acima, essas ondas renovatórias foram assentadas para diminuir a distância entre o judiciário e o cidadão de forma geral. Devemos ressaltar que, historicamente, o Estado brasileiro fora construído para atender aos interesses da classe dominante. É o que observa Comparato no sentido negativo para a construção desse Estado que “três fatores, estreitamente, ligados entre si, contribuíram para produzir esse efeito negativo – a escravidão, o sistema latifundiário, e a privatização do espaço público”[6].

Diante desses fatores históricos, houve a necessidade de pensar em um novo Estado qual seja o democrático, como forma de inclusão dos cidadãos no espaço público, pois estes são fundamentais para a mudança do processo histórico. Devemos ressaltar que a Constituição Cidadã é aberta a princípios de modo a proteger todos os cidadãos contra os atos arbitrários daqueles que estão na direção do poder público. É o que observamos em Paulo Bonavides: 

O princípio estabelece limites à ação do Estado e protege a liberdade humana nos espaços onde ela tem sido mais violentada e agredida e ignorada por quantos abusam do poder ou se arredam da fórmula cardeal do Estado de Direito, a qual reside, toda, na intransponibilidade da fronteira que a razão constituinte traçou entre autoridade e o arbítrio. [7]

Portanto, o acesso ao judiciário de que trata Cappelletti é um direito fundamental assegurado pela Constituição Cidadã tendo-se a influência das ondas renovatórias para um judiciário mais célere e democrático, pois esse princípio representa “a principal garantia dos direitos subjetivos, fundamentando-se no princípio da separação dos poderes”[8].

2.1              A reforma do judiciário e a criação do CNJ para o acesso à justiça

Diante do exposto, falar da reforma do judiciário é falar da vitória da democracia, posto que, como sabemos, durante muitos anos da história do judiciário brasileiro esteve consolidado em decisões judiciais com base nos interesses da classe dominante seja a favor de um senhor de escravo ou mesmo de um oligarca na famosa “troca de favores”. Barile da Silveira em sua tese de mestrado mostra essa aliança do poder judiciário, ao dizer que:

Essa engenharia social da troca de favores e apoio político se reproduzia também no Poder Judiciário, posto que a magistratura da época igualmente se rendia ao jogo de forças presentes nessa relação de barganha, na medida em que como se apresentava como consectária de uma perpetuação de relações sembióticas sedimentadas no cerne dessas alianças.[9]

Isso nos demonstra a necessidade de uma mudança efetiva propagada desde a Constituição de 88 que elevou os direitos e garantias fundamentais de modo a frear os abusos do Estado e que Poder Judiciário deve, nessa qualidade, primar por esses direitos para haver o verdadeiro exercício da cidadania tão relegados durante anos. Sadek, cientista política, ressalta a dificuldade do cidadão para o acesso à justiça, ao dizer que:

As dificuldades de acesso ao Judiciário são constantemente lembradas como um fator inibidor da realização plena da cidadania. O desconhecimento dos direitos, por um lado, e a percepção de uma justiça vista como cara e lenta, de outro, afastam dos tribunais a maior parte da população. Daí afirmar-se que a grande massa da população só procura a justiça estatal quando não há outra alternativa. Nestas circunstâncias, não se trataria de uma utilização voluntária, para a efetivação de direitos, mas compulsória. Isto significa que a face do Judiciário conhecida por largos setores de jurisdicionados não é a civil, mas é, sobretudo, a criminal[10].

É nessa acepção que houve a necessidade da reforma do judiciário, uma vez que ficou demonstrado a ineficácia de sua atuação perante a sociedade sedenta por uma justiça justa e mais próxima da realidade. Devemos ressaltar, além do exposto por Sadek, a omissão do Poder judiciário no que se refere ao julgamento dos responsáveis que cometeram graves crimes de violação contra direitos humanos, quais sejam o massacre do Carandiru, a violência no campo como é caso de Eldorado dos Carajás, rebeliões ocorridas na FEBEM de São Paulo dentre outros casos. Diante dessas denúncias, a EC 45/04 incluiu no artigo 109, § 5º da CF 88 a federalização dos crimes contra os direitos humanos, isto é, deslocamento de competência para a justiça federal suscitada pelo Procurador Geral da República.  

Neste momento, iremos abordar o CNJ como fruto da reforma do judiciário. O CNJ conforme a Constituição em seu artigo 103-B,§ 4º é um “órgão de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”[11]. Este órgão representa o ápice da democracia brasileira de modo a dar a credibilidade e legitimidade de um poder representante da justiça, pois este ,como se observa, já nascera patrimonialista, segundo os estudos de Barile ao constatar que: 

A presença marcante de uma prática social de corrupção, o nepotismo, os favorecimentos pessoais...todos esses vícios consentidos por essa classe de indivíduos, trouxeram para a época republicana uma marcante cultura política e burocrática completamente fragmentada, cujas marcas ainda se encontram furtivamente presentes em nosso Estado[12]. 

  1. 3.                   O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA COMO FORMA DE DEIXAR O JUDICIÁRIO MAIS PRÓXIMO DO CIDADÃO: A CONCRETUDE DO EFETIVO ACESSO À JUSTIÇA

 

Relacionando o CNJ ao efetivo acesso à justiça, revela-se a outra face de um judiciário mais humano aos anseios sociais que, diante disso, fora ausente diante dos conflitos sociais e sustentado por uma cultura do patrimonialista do nepotismo, corrupção, atraso nas demandas processuais sem dar soluções concretas às partes litigantes do processo seja na seara criminal ou mesmo civil.

Resumidamente, pode-se sustentar que o sistema judicial brasileiro nos moldes atuais estimula um paradoxo: demandas de menos e demandas de mais. Ou seja, de um lado, expressivos setores da população acham-se marginalizados dos serviços judiciais, utilizando-se, cada vez mais, da justiça paralela, governada pela lei do mais forte, certamente menos justa e com altíssima potencialidade de desfazer todo o tecido social. De outro, há os que usufruem em excesso da justiça oficial, gozando das vantagens de uma máquina lenta, atravancada e burocratizada.[13]

Para retirar essa visão negativa perante a sociedade e fazer valer o direito justo, o Conselho Nacional de Justiça, além de ser um órgão de controle externo, cumpre o papel humanizador nos estabelecimentos prisionais, promovendo projetos como os “Mutirões Carcerários” de forma a diminuir a superlotação de detentos nos presídios como julgamento de processos parados por conta da morosidade judiciária. Conforme esse projeto, o CNJ, “ao final de dezembro de 2009, já se contabilizava 93.524 processos examinados; 30.802 benefícios concedidos; e 18.823 alvarás de soltura”[14].   

Percebemos que, após a reforma do judiciário, houve um grande avanço no sentido de um novo olhar para aqueles que são “esquecidos” pelo direito, pois sabemos que “os espaços prisionais têm abrigado os filhos da pobreza, da indigência, da exclusão”[15], e retirando sua identidade de pessoa, isto é, descaracteriza com o rompimento dos laços familiares, dos amigos, em fim, acaba por perder outros de seus direitos fundamentais. “O cumprimento da pena privativa de liberdade sempre esteve marcado por uma série de graves violações de direitos, revelando o abandono completo da ressocialização do indivíduo, objetivo declarado pela lei”[16].       

Diante disso, não basta só haver mutirões, é necessário repensar a inserção dos ex-detentos dentro da sociedade, uma vez que esta também participa do processo de ressocialização. Através desse pensamento, que o CNJ lançou outro projeto, qual seja “Começar de Novo”. Este é composto “de um conjunto de ações voltadas à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil com o propósito de coordenar, em âmbito nacional, as propostas de trabalho e de cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar ações de cidadania e promover redução da reincidência”[17].

Portanto, o que percebemos é que o acesso à justiça promovido pelo CNJ demonstra o primeiro passo para a efetivação dos direitos humanos e de uma democracia voltada para a realização da verdadeira justiça na qual esta o Poder Constituinte Originário delegou atribuições ao órgão encarregado de fazer valer os direitos fundamentais conquistados pela democracia brasileira.

CONCLUSÃO

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As ondas renovatórias dizem respeito à assistência judiciária para os pobres, a representação dos direitos difusos e enfoque de acesso à justiça, dessa forma vemos que elas têm como objetivo que todos os cidadãos pertencentes à sociedade brasileira tenha um acesso a justiça, que nesse sentido se refere ao judiciário. É nesse sentido que surge o Conselho Nacional de Justiça.

O Conselho Nacional de Justiça vem para estabelecer uma mudança de paradigma, no que diz respeito à sua atuação nos litígios da sociedade, pois como fora observado, o que se tinha era uma população descrente de seus serviços perante ela, de modo a preferir, muitas vezes, evitar que seus conflitos chegasse até lá, visto a morosidade e até a imparcialidade processual. Dessa forma vemos que o CNJ vem não pra devolver a credibilidade do judiciário e sim fazê-lo ter.

Contudo não podemos falar ainda de um efetivo acesso à justiça, mas uma caminhada em direção a ela, que esta se dando por meio do CNJ, quando ele faz campanhas de conscientização, fiscaliza o judiciário, com o intuito de fazer mudar essa concepção paternalista que veio de mãos dadas desde o início de nossa cultura.

REFERÊNCIAS

BONAVIDES, Paulo. A dignidade da pessoa humana. In:__Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência por uma nova hermenêutica, por uma repolitização na legitimidade. 2 ed. São Paulo: Malheiros. 2003

BRASIL.Constituição (1988) .Constituição da República Federativa do Brasil.42.ed.atual. ampl.São Paulo: Saraiva, 2009

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CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, 1988

COMPARATO, Fábio Konder. A proteção dos direitos humanos nos 20 anos de vigência da Constituição atual. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo(coords).Vinte anos da Constituição Federal de 1988.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009

RIBEIRO, Antônio de Pádua. As novas tendências do direito processual civil. p.3. Disponível em: < http://www.bdjur.stj.jus.br>. Acesso em: 21 mai.2010

ROCHA, Lucia.Liberdade social.Sociologia ciência e vida.São Paulo,ano 2, n.20, INSTITUTO LATINO AMERICANO DAS NAÇÕES UNIDAS (ILANUD). Justiça penal e Sistema penitenciário. Disponível em: < http://www.ilanud.org.br/areas/justica-penal-e-sistema-penitenciario/ > Acesso em: 25 mai. 2010

SADEK, Maria Tereza Aina. Poder judiciário: perspectivas de reforma. Disponível em: < http://www.scielo.br >. Acesso em: 22 mai. 2010

SILVA, José Afonso da. Garantias constitucionais individuais. In:___. Curso de direito constitucional positivo.21.ed.rev.atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002,

SILVEIRA, Daniel Barile da.  Patrimonialismo e burocracia: uma análise do poder judiciário na formação do estado brasileiro.p.213. Disponível em: < http://www.repositorio.bce.unb.br>. Acesso em: 21 mai. 2010



[1] Alunas de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad.: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, 1988, p. 12.

[3] Ibid, p.35

[4] RIBEIRO, Antônio de Pádua. As novas tendências do direito processual civil. p.3. Disponível em: < http://www.bdjur.stj.jus.br>. Acesso em: 21 mai.2010.

[5] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Op. cit. p.67- 68. 

[6] COMPARATO, Fábio Konder. A proteção dos direitos humanos nos 20 anos de vigência da Constituição atual. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel; BINENBOJM, Gustavo(coords).Vinte anos da Constituição Federal de 1988.Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p.454.

[7] BONAVIDES, Paulo. A dignidade da pessoa humana. In:__Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência por uma nova hermenêutica, por uma repolitização na legitimidade. 2 ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p.231

[8] SILVA, José Afonso da. Garantias constitucionais individuais. In:___. Curso de direito constitucional positivo.21.ed.rev.atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 429.

[9] SILVEIRA, Daniel Barile da.  Patrimonialismo e burocracia: uma análise do poder judiciário na formação do estado brasileiro.p.213. Disponível em: < http://www.repositorio.bce.unb.br>. Acesso em: 21 mai. 2010.

[10]SADEK, Maria Tereza Aina. Poder judiciário: perspectivas de reforma. Disponível em: < http://www.scielo.br >. Acesso em: 22 mai. 2010.

[11] BRASIL.Constituição (1988) .Constituição da República Federativa do Brasil.42.ed.atual. ampl.São Paulo: Saraiva, 2009, p. 87.

[12] SILVEIRA, Daniel Barile da. Op. cit, p.183.

[13] SADEK, Maria Tereza Aina. Judiciário: mudanças e reformas. Disponível em: < http://www.scielo.br >. Acesso em: 22 mai. 2010.

[14] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Programas e ações: sistema carcerário. Disponível em: < http://www.cnj.jus .br >. Acesso em: 24 mai. 2010.

[15]ROCHA, Lucia.Liberdade social.Sociologia ciência e vida.São Paulo,ano 2, n.20, 2008.p22

[16] INSTITUTO LATINO AMERICANO DAS NAÇÕES UNIDAS (ILANUD). Justiça penal e Sistema penitenciário. Disponível em: < http://www.ilanud.org.br/areas/justica-penal-e-sistema-penitenciario/ > Acesso em: 25 mai. 2010.

[17] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Programas e ações: começar de novo. Disponível em: < http://www.cnj.jus .br >. Acesso em: 25 mai. 2010.