A RECONTEXTUALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO PROFISSIONAL NO TRABALHO: saberes e práticas de alunos trabalhadores em empresas do setor de petróleo e gás do estado da Bahia.

 

 

Ana Carolina Santos de Lima[1]*

                              Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 A pesquisa teve por objetivo estudar o Conhecimento Profissional e sua Recontextualização a partir da relação entre Saberes Profissionais, Reflexividade e Autonomia, buscando compreender como os estudantes/ estagiários do curso de Automação e Controle Industrial do Instituto Federal da Bahia (IFBA) mobilizam os conhecimentos construídos na escola (formais) e nos demais espaços de aprendizagem (tácito). Conceitos como os de recontextualização do conhecimento e saberes formais e tácitos, foram utilizados para nortear a discussão dos dados colhidos nas entrevistas realizadas com os alunos estagiários sobre como mobilizam os conhecimentos construídos na escola (formais) e nos demais espaços de aprendizagem (tácito). Os resultados da pesquisa evidenciaram que os estagiários têm a consciência de que somente os conhecimentos formais adquiridos no decorrer do curso não são suficientes para construção de suas competências e identidades profissionais.

 

Palavras - chaves: Recontextualização do conhecimento, Saberes Profissionais, Conhecimentos formais e tácitos

Introdução

Neste trabalho estudamos a Mobilização do Conhecimento Profissional de alunos-estagiários em situação de estágio, com o objetivo de compreender como os alunos trabalhadores (estagiários), técnicos de nível médio, mobilizam o conhecimento formal e tácito e os recontextualizam no exercício efetivo de trabalho. Os sujeitos da pesquisa são os estudantes do Curso Técnico de Automação e Controle Industrial do Instituto Federal da Bahia-IFBA que estão em situação de estágio, uma vez que, as atividades realizadas no estágio, de acordo com a coordenação desse setor no IF-BA, propõem os mesmos procedimentos de trabalho e as mesmas exigências que se fazem aos trabalhadores contratados. Portanto, esses tornam-se sujeitos ideais.   

No intuito de atender aos objetivos do trabalho tomamos como base as seguintes questões: como os trabalhadores estagiários mobilizam os conhecimentos (formais e tácitos) e o recontextualizam na prática profissional? Que significados atribuem a tais conhecimentos? Como relacionam o aspecto da autonomia frente às rotinas específicas, representadas pelas normas e instruções da empresa para a execução do trabalho? E, sobretudo, de que maneira enfrentam as situações imprevistas no exercício de suas funções? Para respondê-las, tomaremos como base o pensamento de autores como Polanyi, Charlot, Schön, Bernstein dentre outros. A partir das idéias desses autores é possível apresentarmos diversas contribuições acerca do conhecimento profissional e sua recontextualização tanto no contexto educacional como no trabalho.

Metodologia

 

A metodologia se baseou na pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso. Apesar de a pesquisa ter como sujeitos alunos trabalhadores de empresas de petróleo e gás do estado da Bahia, todo o processo investigativo se deu no IFBA, pois os alunos estudam nessa instituição, de modo que todos os contatos e encontros aconteceram lá. Vale ressaltar que, o Instituto Federal é referência no ensino profissional não só na Bahia, mas em todo o país.  Para atingir os objetivos da pesquisa, entrevistamos alunos do curso de Automação e Controle que estão estagiando ou trabalhando em empresas de petróleo e gás, tendo sido usado como critério para a escolha dos alunos a disponibilidade dos mesmos para a participação na pesquisa. A quantidade de alunos entrevistados se limitou a cinco em função do resumido números de alunos em atividade de estágio no período da pesquisa, o que inclusive é motivo de queixa por parte da turma.

Foram feitas entrevistas individuais semi-estruturadas. Neste tipo de abordagem, o entrevistador utiliza um amplo roteiro de entrevista, cobrindo diversos aspectos do fenômeno a ser estudado, de modo que, por meio de suas respostas, os informantes estão revelando sua representação sobre a realidade, suas experiências e percepções básicas. Este formato é interessante também porque permite que a ordem das questões seja modificada de acordo com o andamento da entrevista, ou seja, os entrevistadores têm flexibilidade para explorar informações e idéias mais interessantes ou inesperadas, levantadas pelos informantes (ABRAMOVAY, 2003).

Resultados da pesquisa

          Uma série de modificações e novas formas de trabalho têm caracterizado a sociedade moderna. A crise do taylorismo - fordismo constituiu configurações distintas não apenas nos instrumentos de trabalho, como também nas relações dos sujeitos em situação efetiva de trabalho. As modificações no mundo do trabalho são caracterizadas também pelo Neoliberalismo, definido como uma corrente de pensamento que influencia diretamente na ausência de políticas econômico-social que provoca um redirecionamento na intervenção do Estado e conseqüentemente, garantia da liberdade econômica e política por meio do Mercado Livre.

 A competição é um aspecto que se acentua, em meio a essas transformações. Com isso a busca por qualificações profissionais ganham evidência em todos os níveis de profissões. Contudo, a formação para o trabalho em um primeiro momento da história se configurou na própria dinâmica da vida social e comunitária, juntamente com a própria atividade de trabalho e constituía um conjunto de práticas educativas, contribuindo para a formação da cultura no trabalho, sendo a única escola de que homens, mulheres, jovens e adultos, dispunham (MANFREDI, 2005). 

           A reestruturação produtiva, outra característica da modificação no mundo do trabalho, surgiu no início dos anos 70 do século XX. Contudo, esse processo no Brasil se iniciou na segunda metade da década de 1980 e acentuou-se nos anos 1990, com a abertura econômica do governo Collor. Este fenômeno é resultado da crise sofrida pelos países capitalistas centrais, após 25 anos de crescimento econômico, resultando na aceleração das taxas de inflação, na redução da produtividade e dos níveis de crescimento, na elevação dos déficits públicos, no aumento do desemprego e, sobretudo, no fim do modelo fordista de produção. A reestruturação produtiva acelera as transformações estruturais no âmbito da produção e do trabalho, marcada pelo paradigma tecnológico/organizacional do processo de trabalho, ou seja, flexibilidade, substituição da automação rígida pela automação flexível, o que permite rápidas mudanças no processo produtivo.

           Esse novo modelo nos coloca diante das novas tecnologias, de novas formas e métodos de gestão. Nesse sentido há um movimento cíclico de adaptação às novas exigências, tanto do mercado, constituídos pelas grandes empresas quanto pelos profissionais. Ambos precisam se adequar as esses processos, entretanto, para os profissionais esse processo é mais acentuado, pois muitas vezes as condições objetivas de busca, de aperfeiçoamento são marcadas pela velocidade do tempo e o curto período que se tem para construir e ressignificar seus conhecimentos. Muitas vezes questões de ordem subjetiva e objetivas os impedem de voltar aos bancos das escolas ou curso de aperfeiçoamento para atenderem as exigências do mercado de trabalho.

As novas tecnologias relacionadas à noção de “just-in-time” geram eficiência na produção e diminuição de custos, sem desperdício ou sobra de tempo morto durante a jornada de trabalho. Dessa forma, as empresas necessitam de uma força de trabalho também flexível, profissional polivalente, aquele capaz de realizar várias tarefas. Em conseqüência os profissionais são obrigados a buscar o aperfeiçoamento e melhorias nas suas condições de realizarem o trabalho. A sociedade do conhecimento, tecnológica e informatizada, provoca mudanças no tempo e no espaço, o sujeito dessa sociedade precisa pensar bem e com razão, mobilizar conhecimentos, ter discernimento e apesar da velocidade em que se dão os fatos e acontecimentos, ser centrado.

Em meios a essas modificações, busca-se compreender como os sujeitos inseridos nesse contexto, constituídos por suas particularidades e sua pluralidade, suas diferenças, constroem e reconstroem conhecimento, mobilizam seus saberes, saberes estes constituídos de suas experiências e os recontextualizam, contribuindo para a formação das identidades e culturas profissionais, como os mesmos lidam com as situações de imprevisto no seu espaço de trabalho, chamadas Zonas Indeterminadas da Prática ( SCHÖN, 2007 ), caracterizadas  pelas incertezas no cotidiano de trabalho.

Análise dos resultados

       Para uma melhor apresentação dos resultados, as falas dos estagiários serão identificadas como E1; E2; E3; E4; E5.  Esses estagiários têm uma faixa etária entre 21 e 33 anos, todos iniciaram o curso apenas com o segundo grau completo, com exceção de dois, que ao entrarem no IFBA, um possuía o ensino superior no curso de medicina veterinária e outro possuía o curso técnicoem enfermagem. Atualmentetodos já concluíram a parte teórica do curso de Automação e Controle Industrial, fazem o estágio e, à noite, estão cursando o nível superior. Uma parte está cursando Engenharia de Controle e Automação de Processo em uma universidade pública e outra parte faz curso superior de administração em uma universidade particular. Desse grupo um já concluiu o estágio e a empresa o efetivou, ou seja, já está na condição de funcionário da empresa.  É importante destacar que o estágio nessas empresas tem duração de um ano, é remunerado e de acordo com os entrevistados tem a possibilidade de serem efetivados, dependendo da sua atuação e do grau de necessidade da empresa com relação ao quadro de funcionários.    

  • · Mobilização dos conhecimentos formais e tácitos

      Os entrevistados revelaram que o estágio é uma condição não só de relacionar o conhecimento teórico e prático, mas uma oportunidade de agregar valor para a vida de um modo geral, como nos revela o estagiário abaixo, que trabalha na planta de injeção de uma das empresas citadas, acompanhando atividades técnicas do técnico de injeção. Nós o identificaremos como E1. 

Em relação a trabalho meu comportamento no trabalho é sempre aquela atitude de aprendizagem, sempre buscando informações porque afinal de contas a gente tá lá estagiando..., a gente tem o conhecimento teórico, mas agente procura também ta vendo lá na prática como são as coisas, sempre realmente agregando valor tanto para o estágio como para a vida mesmo. (E1)

     Podemos perceber diante dessa fala que a aprendizagem para esse estagiário não se esgota no conhecimento teórico que traz, mas na constante busca em conhecer, em construir conhecimento, agregando valores para a vida. Isso está de acordo com as idéias de Polanyi, (1996), para quem a construção do conhecimento se dá justamente a partir do envolvimento e compromisso pessoal que os sujeitos estabelecem com os objetos, o que ele chama de “residir em”. Para esse autor significa que saber algo é estar em constante processo de aprendizagem, e que esse processo não ocorre somente a partir dos conhecimentos científicos, mas também na formação de conceitos espontâneos ou cotidianos que ocorrem nas interações sociais.

       A aprendizagem para esse estagiário não é apenas estar em contato com os conhecimentos construídos na escola, mas também colocar em prática os conhecimentos que trazem das suas experiências de vida, do que aprenderam com seus familiares, das relações de amizade que construíram. É justamente a partir dessa condição que ocorre a mobilização dos conhecimentos formais e tácitos.

       Esses conhecimentos também precisam ser considerados no trabalho, além do conhecimento formal, para que a aprendizagem tenha um sentido, alcance o objetivo, para que realizem as funções que lhes foram designadas. Esses aprendizados para esse outro estagiário, que será identificado como E2, é um conjunto, segundo ele aprendizados vividos na família e no trabalho estão relacionados:  

...é um conjunto e eu acho que não se separa não, porque a família quer queira quer não, está ligado ao meu trabalho e o meu trabalho quer queira quer não está ligado à família, porque nós somos  único, nós  somos humanos, nós não entramos na empresa e esquecemos de casa e também nos não chegamos em casa esquecemos da empresa (E2)

     Essas empresas possuem características próprias no modo de se relacionar com o estagiário. Em uma dessas empresas, ao chegar, o estagiário passa os primeiros seis meses em um processo dividido em três partes, como é o caso do E2: no primeiro momento há um treinamento, no segundo momento há a construção do processo; eles elaboram um projeto em equipe, são vinte e quatro pessoas, divididas em duas equipes onde há presença de estagiários de todas as áreas, química, elétrica, automação. Segundo eles um processo de interdisciplinaridade, e depois da construção desse projeto cada equipe apresenta o que construiu.

Lá eles têm uma metodologia muito boa, aquilo que aprendemos em sala de aula, vemos isto, aprendemos como fazer essa prática com pessoas mais experientes, depois retornamos a sala de aula e reinventamos isso e apresentamos isso ou seja, nós  construímos na fábrica então isso agrega muito mais conhecimento do que só na sala de aula. (E2)

      

       Podemos observar que na prática esses sujeitos articulam seus saberes, mobilizam conhecimento e dão um sentido a sua prática no trabalho. Os conhecimentos que trazem da escola são relacionados às aprendizagens estabelecidas nas relações interpessoais, demonstrando dessa forma que não se pode fragmentar saberes. Com isso constroem suas identidades profissionais considerando não apenas o saber da sua área específica, mas os saberes como um todo, aquele que aprenderam na família, na escola, nas relações de amizades.

     Outra questão que merece destaque diz respeito ao processo seletivo que as empresas realizam. Como dito anteriormente, os estagiários da empresa 1 (E2 e E5) passam por um processo de formação antes de assumirem  de fato a área que irá trabalhar.

     A esse respeito o E5 afirma que apesar da bagagem dos conhecimentos técnicos que trazem do curso, eles continuam em processo de estudos na empresa, realizando atividades de pesquisa, apresentação de seminários e estudo em grupos.  Nesse processo formativo são considerados não apenas os conhecimentos teóricos, mas  também os aspectos interpessoais, as relações entre eles, a questões de liderança, autonomia e criatividade.

    Desse modo observamos também que as empresas mudaram a sua forma de  organização e gestão, diferente  de períodos anteriores,  quando  exigiam dos funcionários apenas o domínio de conhecimento técnico especializado. Hoje nota-se que elas dão uma visibilidade aos saberes que seus funcionários trazem de outras esferas.                  .

                    

  • · A recontextualização dos conhecimentos e a autonomia no trabalho

     A condição vista acima permite que o sujeito recontextualize o conhecimento, construindo nesse caso um novo projeto, a partir da troca de sabres com outras pessoas mais experientes. Essa pratica está relacionada ao conceito de recontextualização proposto por Basil Bernstein (1995). Esse autor afirma que um determinado conhecimento ou informação ao ser transmitido de uma determinada instancia para outra, passa por modificações, é colocado em prática de acordo com a realidade objetiva, com a necessidade real dessa instância receptora. 

     Outro estagiário, que aqui será identificado como E3 e trabalha na área de hidrogênio realizando a função de operação de processo, nos revela que iniciativa e autonomia é muito importante para o desenvolvimento e construção de conhecimento. No seu cotidiano as iniciativas são um fator primordial para melhorar o seu trabalho e de um modo geral, o trabalho da empresa.

Como estagiário logo quando eu cheguei, tem um negócio chamado SKD, dados de produção diária isso é muito importante porque isso vai para o diretor da empresa. E eu comecei a ter conhecimento da área, dos problemas, do que acontecia, das coisas boas que acontecia na produção de sistemas que eu poderia melhorar lá com a instrumentação que é relacionada à instrumentação melhorada. Beleza!  Comecei a reter esses conhecimentos. Quando passou uns dois meses, três meses por aí eu já comecei a mandar sozinho esse relatório, é o relatório que é realmente muito importante aos olhos do pessoal. (E3)

     Nessa outra fala desse mesmo estagiário podemos notar a prática da recontextualização do conhecimento de acordo com o conceito de Basil Bernstein. Diante das normas e rotinas de trabalho ele exerce autonomia e tem iniciativa.

Mas o que eu fazia mesmo para melhorar era: eu pegava os desenhos os fluxogramas, e você não têm noção! Tipo, a diferença do que está no desenho  para o que está aplicado na área, ai, tipo,  tem manômetro  diversos outros instrumentos na área  que está  no  desenho e não existe na área .Ai agente fez esse processo de melhoria mesmo contínua pra o processo do que está aplicado,  tá na  área, tá no desenho.Então acho de verdade o mais importante que eu fiz, foi diferença para mim, foi isso. E foi uma coisa que eu  perguntei, posso fazer? O pessoal perguntou: você tem conhecimento pra isso? Estudei, estudei muito para isso, o fluxograma , os desenhos, os significados, a simbologia que é super importante na instrumentação, na automação é a simbologia.  (E3)

     A aprendizagem tem um sentido no momento que esse sujeito coloca em prática os conhecimentos teóricos, ou seja, mobiliza os conhecimentos formais e os transforma em conhecimentos tácitos, recontextualizando esses conhecimentos. Se observarmos no final da fala quando ele afirma , “Estudei, estudei muito para isso”, ou seja, tem o domínio dos conhecimentos teóricos e os formais construídos na escola, e além de ter esse conhecimento consegue de forma autônoma e segura mobilizá-los, construindo dessa forma os saberes profissionais que de acordo com Tardif (2000), são saberes que têm um sentido amplo, ou seja, relacionam os conhecimentos, as competências, as habilidades ou aptidões e as atitudes, nesse caso a atitude autônoma foi fator importante para a construção desses saberes.

     Os conhecimentos de outras áreas também estão presentes na rotina desses estagiários, e a presença desses conhecimentos os ajudam a criar novas estratégias de aprendizagem. Observemos o que diz ainda esse estagiário. 

O pacote Office que a gente tem o Power Point, Word, Excel tem tudo lá em inglês, em inglês técnico que eles falam eu estou muito mais além do inglês técnico justamente por isso, ex; quando abre uma tela de erro em inglês e eu visualizo dou um OK, NOT, YES.  Pode ser besteira pra muitos mais me evoluiu de uma forma extraordinária. (E3)

      A visualização do conhecimento teórico na pratica lhes ajudam a apreender os conhecimentos e identificar seus instrumentos de trabalho de uma maneira mais fácil. O E3  afirma que essa condição lhe permite visualizar determinados equipamentos da área em que trabalha. Isso é outro fator importante para a construção do conhecimento profissional e a recontextualização desse conhecimento, uma vez que o sujeito precisa de fato se apropriar dos saberes aos quais se propõem a aprender para que possa recontextualizá-los.   

 ....os cursos principalmente de operador do processo porque eu vi coisas básicas, eu vi em  automação, em eletrônica, em mecânica mas eu vi o professor falando, eu não vi na área, eu não vi uma bomba  aberta antes. Eu já vi agora, eu sei identificar qualquer equipamento industrial qualquer não vai, é muita pretensão, eu sei identificar muitos equipamentos industriais.  (E3)

    A experiência também se torna importante nos processos de aprendizagem no trabalho para esses estagiários. O E2  nos mostra que 

O trabalho é um  constante aprendizado,  a gente tá o  tempo todo aprendendo inclusive com pessoas  que já conhece isso. Então nós conseguimos aproveitar isso de pessoas mais experientes, nós não fomos feitos prontos, nascemos e a cada dia é um novo, é uma nova ação, é um novo aprendizado. (E2)

  

    Ter essa dimensão da aprendizagem é estar em processo de reflexividade sobre a prática, é o estado de compromisso ao qual Polanyi se refere quando fala do “residir em”, da relação que o sujeito estabelece com o objeto, com os seus pares.

     Esse processo de reflexividade é entendido, de acordo com Castoriadis (apud Burnham 1998), como a possibilidade de que a própria atividade do sujeito se torne objeto, ou seja, que esse sujeito tenha a dimensão das suas ações, se distancie de si com o objetivo de se conhecer melhor, refletindo sobre si próprio como objeto do conhecimento humano, portanto, a possibilidade de questionamento sobre si mesmo.

    Dubet (2003) atesta ainda sobre isso que essa distância critica, quando acontece, define a autonomia dos atores tornando-os sujeitos, já que os atores não podem ser enclausurados nos seus papéis.

    Com relação à autonomia e a criatividade frente às normas e rotinas de trabalho, o E4, que trabalha em um laboratório de automação e controle industrial na área direta de automação, afirma que:

Nesse ponto o estágio foi bem interessante porque  o ambiente de trabalho foi bastante favorável, os colegas de trabalho maravilhosos, pessoal muito alto astral, e com relação ao conhecimento,  a metodologia utilizada pelo supervisor para mim foi bem interessante, aquele tipo de coisa de não pegar na sua mão para te dizer o que você tem que fazer mas apenas dar  ferramenta e você se vire, você busque, você descubra como é que você vai fazer.Então foi bem interessante assim de certa  forma o que você aprendeu você demora para aprender, mais o conhecimento  dificilmente você vai conseguir esquecer. (E4)

    E ainda:

Com relação à autonomia, na medida em que você precisa tomar decisões,  iniciativa, você tem de ter iniciativa tem que ter criatividade. Por exemplo, lá  tínhamos  que elaborar um documento, é O DDS Diálogo Diário de Segurança, então isso assim já envolve conhecimento do comportamento da organização, das rotinas da organização, você ficava bem entrosado a respeito disso, não apenas participar mais ter a iniciativa de elaborar o DDS você ficar cinco minutinhos durante cada manhã para fazer isso,  daí então de certa forma  permitiu utilizar mais esse lado criativo.  (E4)

 

 

     Esse estagiário ainda afirma que a busca pelo conhecimento deve ser constante e o contato com pessoas experientes e com as tecnologias são fundamentais para o crescimento profissional e pessoal do sujeito.   

 Sala de aula é importante, mas existem outras formas de você aprender, o contato com pessoas mais experientes isso é importante. A Internet hoje em dia é um suporte maravilhoso para qualquer área, você encontra informações diversificadas, é uma ferramenta muito boa, porém a sala de aula também é  importante, mas  sala de aula só não te leva muito longe não, você tem que realmente percorrer seus caminhos, é fazer cursos e o contato com a área em si é primordial .Se você ficar com conhecimento restrito apenas do curso  você não consegue ir  muito longe porque é uma área muito ampla.(E4)

 

 

    Isso significa que o sujeito está em processo de construção, de aprendizagem a todo tempo e segundo Burnham, no processo de interação mediado por uma pluralidade de linguagens.

Os sujeitos intersubjetivamente, constrói, reconstrói a si mesmo, o conhecimento produzido e que produzem, as suas relações entre si e com a realidade, assim como pela ação (tanto na dimensão do sujeito individual quanto social) transformam essa realidade num processo multiplamente cíclico que contém em si próprio tanto a face da continuidade como a da construção do novo. (BURNHAM, 1998 P. 37)

     Não há um “parada” para aprender, o aprendizado ele é constante, o sujeito nas suas experiências mobiliza os saberes que aprendem, sejam eles acadêmicos, científicos ( formais) , sejam eles pessoais ( tácitos). O sujeito interpreta aquilo que aprende até para que possa adaptar à sua cognição novos conhecimentos, não desprezando aquilo que já possui esquematizado na sua mente e no processo de interação utiliza desses conhecimentos para aprender, elabora novos conceitos a partir do que já possui, independente do grau de conhecimento que tenha a respeito de determinado assunto, entretanto, para que isso ocorra é preciso que haja uma mediação.

                                                  É o sujeito que aprende (ninguém pode fazê-lo em seu lugar), mas ele só pode aprender pela mediação do outro (frente a frente ou indiretamente) e participando de uma atividade. (CHARLOT,2005, P.45)

      A construção do conhecimento não se dá apenas pela ação do sujeito sobre a realidade, mas também a partir da mediação feita por outros sujeitos, na troca de sabres. Esse mesmo autor afirma que o sujeito é relação com o saber, não ocorre uma relação restrita com o saber (CHARLOT, 2005), ou seja, está o tempo todo aprendendo, e é justamente partir da mediação com seus pares que este realiza seus processos de aprendizagem, alcançado de acordo com Vygotsky a Zona de Desenvolvimento Proximal, ou seja, distancia entre aquilo que o sujeito é capaz de aprender sozinho e o que é capaz e fazer com a intervenção de outro.

     Em relações as situações de imprevistos, quando perguntados os estagiários afirmaram que ainda não se defrontaram com tais situações, embora no plano de curso conste como uma das competências a ser desenvolvida, às atividades de trabalho em equipe nas soluções de situações problemáticas. Contudo, entendemos que em tais situações a teoria ou as resoluções de situações hipotéticas podem até ajudar, no entanto, o sujeito só saberá efetivamente como agir quando estiver diante das zonas indeterminadas da prática, pois conforme Schön (2007 p. 17) essas zonas indeterminadas da pratica - a incerteza, a singularidade e os conflitos de valores - escapam aos cânones da racionalidade técnica.

      Durante a pesquisa foi possível observar que os estagiários têm a consciência de que somente os conhecimentos formais adquiridos no decorrer do curso não são suficientes para construção de suas competências e identidades profissionais.  Isso fica claro quando eles afirmam que, ao saírem do curso serão necessários apenas 30% do que aprenderam em sala de aula para essa construção e os 70% restantes sairão dos conhecimentos construídos no dia-a-dia, nas relações pessoais. Eles afirmam  ainda a importância do convívio com pessoas mais experientes na construção de suas aprendizagens, pois desenvolvem com isso sua autonomia e criatividade. Desse modo tornam-se sujeitos da experiência, motivados sempre pela vontade de conhecer e agregar valores de um modo geral, não só para a profissão, como também para a vida. Apesar de trabalharem em empresas distintas, a prática de construção de conhecimento entre eles se aproximam, pois conseguem identificar que a aprendizagem está além dos conhecimentos que trazem da sala de aula, que é um processo diário.   

    Assim, foi possível verificar que os alunos-estagiários do curso de automação e controle industrial do IFBA recontextualizam seu conhecimento, saberes e práticas em situação de estágio de maneira que atribuem sentido as suas aprendizagens, constroem experiências e criam novas estratégias para aprender.

Considerações

    Os resultados da pesquisa nos permitiram responder de forma satisfatória às nossas questões norteadoras com relação à mobilização e recontextualização do conhecimento   profissional, que como foi visto é constituído das experiências que os sujeitos vivem,  experiência social a qual é  capaz de dar um sentido às práticas sociais vivenciadas por ele. Esse sujeito apesar da sua pluralidade, é único, singular, passa por experiências, interpreta tais experiências, construindo assim suas aprendizagens, caracterizadas pela mobilização de conhecimentos tanto no contexto acadêmico, profissional, como no contexto pessoal.

    A mobilização dos saberes é histórica se pensarmos na evolução do homem primitivo que para construir seus instrumentos de sobrevivência, para descobrir elementos como o fogo, foi preciso identificar as suas necessidades, mobilizar saberes que iam sendo elaborados no dia-a-dia de modo espontâneo, passando de uma geração para outra com o objetivo de sobrevivência. Mais tarde esses saberes foram sendo reconfigurados, ganhando outras formas, sendo recontextualizados às situações as quais a humanidade  necessitava do ponto de vista econômico, político e social.

    Podemos perceber que ao longo das suas vivências o homem tornou-se sujeito que interage desde um contexto local ao global, fazendo seu percurso na história, atribuindo sentido as suas aprendizagens, construindo e reconstruindo saberes, sua condição humana lhe diferenciando de outros animais, pois somente o homem é capaz de realizar o processo de reflexão.

    Assim, refletir sobre sua pratica, sobre sua condição humana lhe possibilitou e possibilita criar novas estratégias de aprendizagens diante de uma sociedade onde as exigências no mundo do trabalho são cada dia mais crescentes.  É justamente a partir da reflexividade que os sujeitos definem sua autonomia, tornando-se sujeitos da experiência, este que é constituído do saber de experiência, esse saber que se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana. ( BONDÍA, 2002).           

     Esse trabalho se deteve em compreender a recontextualização do conhecimento profissional no trabalho, o que nos permitiu perceber através do contato com os entrevistados, que hoje é preciso não só ter o domínio dos conhecimentos técnicos sobre determinada área, mas é preciso compreender que esses conhecimentos técnicos estão dentro de um conjunto maior de conhecimentos, o conhecimento de vida, conhecimento de mundo. Essa noção distancia o homem da pratica de trabalho meramente técnica, onde apenas realiza determinada função e não valoriza as relações interpessoais que ocorrem no setor de trabalho. Hoje podemos notar que até as relações entre as hierarquias nas empresas mudaram, não existem mais empregados de determinada empresa, existem associados, aproximações entre lideranças e, sobretudo, aproximações entre as áreas, contribuindo para a interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento.

              

REFERÊNCIAS.

ABRAMOVAY, Miriam.  Ensino Médio: múltiplas vozes / Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro – Brasília: UNESCO, MEC, 2003.

BERNSTEIN, Basil.  A estruturação do discurso pedagógico: classe, código, controle. Petrópolis:Vozes, 1996

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o Saber de Experiência. Revista Brasileira de Educação, São Paulo p. 20-28, janeiro de 2002.

 

BURNHAM, Teresinha Fróes. Complexidade, Multirreferencialidade, Subjetividade: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar., São Paulo , EDUFSCar, 1998. .      

CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, Formação de Professores e Globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005. Petrópolis: Vozes, 1996.

DUBET, François. Para Uma Sociologia da Experiência. Uma Leitura Contemporânea: Sociologias,Porto Alegre, ano 5, n 09 , p. 174 -214, janeiro/junho 2003.

FARTES, Vera Lúcia BuenoAquisição da qualificação: a multidimensionalidade de um processo contínuo. 2000.260f. Tese (Doutorado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Educação UFBA/FACED, Salvador, 2000.  

MANFREDI, Silvia Maria. Educação Profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

SCHÖN, Donald A. Educando o Profissional Reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem /  Donald A. Schön; trad.  Roberto Cataldo Costa – Porto Alegre : Artmed  2000.

TARDIF, Maurice. Saberes Profissionais dos Professores e Conhecimentos Universitários. Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação a formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação. São Paulo p. 7, abril

 



[1] Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia