Discutir sobre antigo/moderno é participar de uma situação tensa, visto que essa oposição carrega em si um conflito, direcionado para questões de valorização, que atravessa muitos séculos. Pode-se dizer que moderno é quase sempre antigo, pois só se descobre o moderno depois que este se cristaliza com o tempo. Mas essa oposição foi/é benéfica para a história social, política e literária de qualquer nação.

 Segundo a visão do historiador Jacques Le Goff (1994, p.167), essa oposição está ligada à história do Ocidente e desenvolve-se num contexto equívoco e complexo; equívoco porque nem sempre houve essa oposição, visto que antigo estava ligado ao sentido de tradicional, e moderno estava ligado ao sentido de recente; complexo por que tanto ‘antigo’ quanto ‘moderno’ pode ter conotação pejorativa ou neutra, provavelmente depende do contexto em que for usado. Reflete também que o maior problema dessa oposição está do lado “moderno”, mas que a atitude das sociedades diante do passado  corroborou para a existência desse antagonismo.

O termo antigo pode ter o sentido neutro de longínquo ou remeter a outro período que não a Antiguidade; conota também para o sentido de uma época remota e exemplar, mas ultrapassada. Entretanto, no Renascimento, o jogo conceitual oculto pela oposição antigo/moderno transformou-se, isso porque antigo passou a designar a Antiguidade greco-romana, que os humanistas viam como um modelo a imitar:

 Com efeito, na maior parte das línguas européias, antigo distanciou-se de todos os termos semelhantes que podiam valorizar a antiguidade e, em especial de ‘velho’ que, pelo contrário oscilou para o lado pejorativo (...). Mas precisamente o jogo conceitual oculto pela oposição antigo/moderno transformou-se quando, no Renascimento, antigo passou a designar Antiguidade greco-romana, uma antiguidade que os humanistas consideram um modelo a imitar. (LE GOFF, 1994, p. 171-172) 

Para o autor, o termo moderno assinala a tomada de consciência de uma ruptura com o passado, defronta-se com o que se situa na esfera do “progresso”. Nesse contexto, os partidários dos “antigos” vêm decadência nos “modernos”; em contrapartida, os partidários dos “modernos” proclamam a igualdade entre as duas épocas. Le Goff também dialoga com alguns movimentos estéticos realizados por volta de 1900 – entre eles o Modern Style – que marca a rejeição das tradições acadêmicas, o adeus ao modelo antigo em arte, e põe fim a alternância antigo/moderno na arte.

 Assim, o estilo antigo seria o inimigo, que produzia (artificialmente) a obra-prima para uma elite; o estilo moderno (naturalista) tinha por objetivo abolir a barreira entre artes maiores e menores e invadir a vida cotidiana, torna-se social, não se dirige a uma elite, mas ao povo. É assim que a arte vai se modernizando cada vez mais e circula continuamente pelo mundo, em cada canto uma nova visão, e pode ser praticada de  todas as formas. O Modern Style, ou o estilo moderno, como diz o autor, “desce às ruas com Hector Guimard, (arquiteto), que faz das estações de metrô de Paris templos de arte moderna” (LE GOFF, 1994, p. 183).

O mundo moderno, como analisa o autor, se apropria do passado também para recriar visões de mundo, (ou para rever fatos), ou mesmo, como quer esse historiador, re-avaliar a credibilidade de um documento. Um exemplo disso é realizado por Carlos Ginzburg em sua micro-história O queijo e os vermes. Através dela o escritor faz “um passeio” pela cultura popular do passado, fazendo uma relação com a cultura erudita de um período específico: é a história pessoal de um moleiro Domenico Scandella, em um lugar específico (a aldeia de Montereale), em uma determinada época (século XVI). O autor narra a vida e o julgamento do moleiro italiano, também chamado Menocchio, analisando o processo inquisitório que ocorreu nos campos italianos do século XVI, bem como a pessoa do moleiro e a reflexão de seus pensamentos singulares. Faz uma análise investigativa e criteriosa para revelar fatos da vida desse personagem, que poderiam nunca ter sido revelados, nem chegar ao conhecimento das épocas posteriores a ele.

Para Hans-Georg Gadamer, “toda a interpretação de uma obra do passado consiste num diálogo entre o passado e o presente” (Apud EAGLETON, 2006, p.109). Nesse contexto, o discurso é, até certo ponto, as ações concretas daqueles que o elaborou; é percebível que um conflito se move entre o antigo e o moderno, que dialoga entre essas duas sensibilidades distintas no eixo temporal. Sendo assim, não parece possível falar de moderno sem dialogar com o passado.

Pode-se refletir sobre a oposição antigo/moderno e todos os conflitos gerados por ela, tanto no âmbito da vida social, política, quanto literária. Discute-se parcialmente, neste trabalho, sobre um gênero literário específico: o romance folhetinesco do século XVIII, que traz uma nova forma de narrar, e narrativas contemporâneas que também se encontram neste perfil de folhetim, chamado na atualidade de best-seller. Para isto usou-se o romancista José de Alencar, o mais ousado ficcionista de sua época (Romantismo) e Paulo Coelho, com suas narrativas de sucesso de vendas, para refletir a atualidade. Tentar-se-á fazer uma análise entre o antigo e moderno na perspectiva de estética da recepção de folhetins/best-seller.

O romance no Brasil começou no momento em que aqui se formava um novo público leitor, pronto para buscar, através da literatura, a evasão da monotonia e do cotidiano. Os primeiros romances brasileiros possuíam características de folhetim, novela publicada nos jornais e revistas em capítulos semanais ou quinzenais. Antes de serem escritos aqui no Brasil, os modelos de folhetins vinham da Europa, mas precisamente da França. Possuíam enredo longo e cheio de aventuras, dividia-se em capítulos que terminavam num impasse a ser resolvido, deixando o leitor ansioso para ler o capítulo seguinte, como assinala Muniz Sodré:

Folhetim é, desde o início, o romance publicado no rodapé dos jornais, por sua vez vendidos a preços baixos e com grande tiragem. A expressão (Roman-feuilleton) origina-se no jornal La Presse, de Émile de Girardin, por volta de 1836. OLa Presse simboliza a imprensa industrializada francesa do século XIX, pelo uso mais racional da publicidade e de técnicas avançadas de impressão. (...) trata-se na verdade – vale acentuar – de uma literatura não legitimada pela escola ou por instituições acadêmicas, mas pelo próprio jogo de mercado. (1988, p. 10-11).

Durante muito tempo os escritores foram influenciados pelos seus financiadores, ou seja, os mecenas, que não apenas financiavam, mas também davam proteção e prestígio ao escritor, legitimando a atividade que exerciam (LAJOLO e ZILBERMAN, 1991, p.50). Não havia, necessariamente, uma preocupação com o leitor. Mas, como afirma a autora, somente

“com as mudanças ocorridas depois do século XVIII, uma delas sendo a consolidação do publico burguês, (é que se) dá a emancipação do leitor; porém este não pode fugir demasiadamente do gosto dominante, que é sobretudo o da camada dirigente” (ZILBERMAN, 1989, p. 17).

Entretanto não se pode dizer que essa emancipação foi efetiva, isso ainda vem acontecendo gradativamente. 

Levando em conta o passado, é necessário lembrar que é a partir do século XVIII que a narrativa vai realmente se desenvolver, ocupando um lugar de maior destaque que a poesia; entretanto, não interessava aos portugueses que houvesse publicação de livros no Brasil-colônia, porque “isto poderia ajudar a criar um pensamento autônomo e independente” (KOTHE, 1987, p. 52-53). Esta situação foi se modificando gradativamente. O romancista José de Alencar, que fez muito sucesso, principalmente entre o público feminino, foi um dos maiores destaques em publicação nesta época. Desde sua infância, o escritor teve contato com os folhetins franceses, que ele mesmo lia para sua mãe e pessoas da família. Essas leituras marcaram sua escrita. Era um escritor que se preocupava com seu país, isso pode ser comprovado em sua obra que destaca as regiões brasileiras, bem como tipos humanos diversos: o sertanejo, o gaúcho, entre outros, sempre buscando a idealização. Utilizava uma linguagem menos rebuscada, mais acessível aos leitores da época. O personagem protagonista precisava ser corajoso e incorruptível, devendo enfrentar dificuldades terríveis antes de sair vitorioso, era esse o tipo de protagonista preferido do seu público leitor.

Nesse contexto, podemos refletir o quanto a interação entre leitor/texto é relevante, não importando a época, se passado ou presente; na Antiguidade ou na Modernidade o texto é um “processo integral que abrange desde a reação do autor ao mundo até sua experiência pelo leitor” (ISER, 1996, p. 13).

Alencar escreveu muito, e em pouco tempo, e seus livros foram bastante vendidos, lidos, por isso é possível dizer que a obra desse escritor, um cânone da literatura nacional, pode também ser enquadrada como best-seller, e de uma época em que a demanda de público leitor ainda era muito pequena.  Porém esse público tinha preferência por determinados tipos de leituras o que, provavelmente, contribuiu para a consolidação de certos gêneros artísticos como o romance, por exemplo. Era um público que possuía sua maneira particular de recepção e, como diz Regina Zilberman, “o leitor alcançou maior visibilidade a partir do século XVII, quando sua predileção por determinados tipo de obra provocou o aparecimento e consolidação de certos gêneros artísticos, tanto quanto induziu à adoção de medidas pedagógicas(2000, p.73).

Se em seu tempo, Alencar foi um escritor de sucesso, numa época ainda repleta de regras para se fazer arte, principalmente no que concerne a literatura, pode-se dizer que a leitura de seus textos causou efeito nos leitores; ou seja, ocorreu a catarse. Pode-se afirmar que Alencar, um entre os vários cânones da literatura brasileira, escreveu romances-folhetins, e que estes foram publicados nos rodapés dos jornais, vendidos a preços baixos e com grande tiragem, fazendo deste, um autor de sucesso naquele momento, é esse contexto que possibilita uma visão desse cânone literário também como autor de best-sellers em sua época.

Em contrapartida aos romances-folhetins alencarianos, os best-sellers modernos do escritor Paulo Coelho, apesar de também possuírem uma linguagem mais acessível, possuem temáticas que giram em torno de misticismos, questões existenciais, maniqueísmos, e um pseudo-herói em busca da realização pessoal, e que no final sairá vencedor, segundo Kothe:

Esses “heróis” aparentemente correm grandes perigos e só no último instante salvam a situação e a si mesmos, um resultado já esperado pelo espectador ou leitor, pois pertence á poética normativa e ao código do gênero: isto corresponde à situação do próprio receptor (1987, p.72).

São histórias que possuem apenas verossimilhança com a realidade do leitor, que pode se situar (ou não) nela, mas que de certa forma encontra pontos em comum com sua própria vida; esses “romances-fabulosos” de Paulo Coelho encontram-se no contexto da narrativa trivial que possui “implícita a tese de que a felicidade é manutenção do status quo” (KOTHE, 1987, p. 72); esse happy end é uma característica das narrativas triviais, onde “o final feliz corresponde ao desejo de felicidade inerente ao homem” (p.73). Nesse contexto, ocorre a catarse no leitor, já que este se “conecta” com o que lê, e sente prazer nessa leitura.

Portanto, se a recepção estética tem como ponto de partida as sensações que despertará no leitor, ou o prazer que trará a este, é possível dizer que Paulo Coelho, tendo, noção ou não disto, acaba norteando seus escritos dentro deste processo de recepção estética; o autor consegue abstrair a catarse no leitor. Segundo Cleise Mendes, a catarse pode ser um circuito entre um sujeito e outro, como uma atração entre o texto e o leitor:

Mas seja como efeito da predominância de uma ou outra tendência, a catarse caracteriza-se como um processo, um acontecimento, um circuito que vai de um sujeito a outro sujeito, de um desejo a outro desejo. (...) o processo catártico parte da emoção e a ela retorna, mas nesse percurso possibilita uma aventura de natureza afetiva e intelectual a um só tempo. (MENDES, 2008, p. 07).

Seja na recepção da obra de José de Alencar (século XIX), seja na recepção da obra Paulo Coelho  (século XX), a catarse entre texto e leitor aconteceu/acontece. Pode-se dizer que ocorre a Katharsi quando o leitor “mergulha” na história e se deixa levar por ela, quando esta opera efeitos ou mesmo prazer no leitor; em Zilberman (1989, p.57), catarse é “o prazer afetivo resultante da recepção de uma obra verbal” e, citando Jauss, motiva não apenas uma transformação das convicções do leitor, como também a liberação de sua mente. Portanto, não é inverossímil dizer que a obra de Paulo Coelho se encaixa dentro desta perspectiva, visto que consegue operar efeitos no leitor. Esse efeito (sentido) seria “aquilo que o leitor elabora enquanto está lendo”, nas palavras de Fish, citado por Zilberman (1989, p.27).

A idéia de efeito aqui colocada em relação a Paulo Coelho adveio de uma reflexão sobre a demanda de procura de seus livros, sucesso de vendas que permanece em constante crescimento. Se vende muito é porque conquistou um grande público, mesmo que essa conquista tenha a máquina industrial e a propaganda a seu favor; porém, isso não é garantia para a conquista do leitor (apesar de influenciar na venda do livro): é o texto que causa ou não efeito no receptor. Esse efeito provavelmente está ligado ao conteúdo de seus textos: narrativas “mágicas”, ligadas ao suspense, à busca da felicidade, que geralmente são de interesse de um público maior, não apenas em quantidade, mas de idades diferentes. Ainda em Zilberman, este sentido elaborado pelo leitor é o processo que ocorre durante a leitura, subordinado as transformações mentais deste. O texto, então, “confunde-se à experiência que proporciona e a que o leitor carrega consigo” (ZILBERMAN, p.27).

Encontrando-se ou não dentro do conflito gerado pela oposição antigo/moderno, a recepção de uma obra artística está em sintonia tanto com a tradição cultural e estética, quanto literária. Entretanto, é justamente essa oposição antigo/moderno que vai corroborar para um preconceito em torno da obra literária, formando juízos de valor. Diferentes períodos históricos constroem sua própria maneira de fazer ou entender arte, portanto,

Uma obra pode ser considerada filosofia num século, e como, literatura no século seguinte, ou vice-versa, também pode variar o conceito de público sobre o tipo de escrita considerado como digno de Valor. Até as razões que determinam a formação do critério de valioso podem se modificar. Isso não significa necessariamente que venha a ser recusado o título de literatura a uma obra considerada menor: ela ainda pode ser chamada assim, no sentido de pertencer ao tipo de escrita geralmente considerada como de valor. (EAGLETON, 2006, p.17).

O século XVIII, por exemplo, punha em dúvida se a forma recém surgida do romance viria a ser literatura, visto que haviam critérios ideológicos já instituídos sobre a mesma, ou seja, os valores de “gosto” estavam submetidos a uma determinada classe social; se tivesse um viés popular era considerado sem valor. Apesar de antigo (na atualidade), em determinado contexto ter viés pejorativo, há uma idéia de “nobreza” em relação à antiguidade. Mas, parece que ocorre uma relutância por parte de alguns especialistas, historiadores e mesmo críticos da literatura em aceitar o moderno como tão bom e relevante quanto o antigo, o contrário é que seria o correto. Sobre isto, Hauser coloca que:

Seja, porém qual for a explicação adequada, não há dúvida de que a convicção de que o antigo é sempre melhor, possui ainda tanta força que  historiadores e arqueólogos nem sempre se coíbem de forçar a história para tentar provar que a expressão artística que mais a solicita é também a mais antiga (HAUSER, 1982, p. 11)

Le Goff (1989, p.188) discute sobre essa problemática utilizando Baudelaire, que lançou o termo ‘modernidade’ e não justifica o valor do presente, logo do moderno, para além do fato de ser presente, mas pela essência de eternidade que a idéia da palavra apresenta. Neste contexto o presente está tanto no antigo quanto no moderno, por isso deve-se manter a “memória do presente”. Essa implicação que ocorre entre o par antigo/moderno gera uma idéia de modernidade como um choque que interrompe o curso da experiência tradicional; como a concepção moderna de vida implica transformação, essa “parceria” não é vivida pacificamente, mas em constante estado de tensão. 

Moderno, então, pode significar qualquer coisa, até antigo, levando em conta as palavras de Rosenberg, citado por Le Goff (1994, p.198), para quem a ‘arte moderna’ já não tem relação com as palavras que a formam, visto que uma obra de arte moderna não precisa ser moderna nem ser arte, nem mesmo ser uma obra, e coloca como exemplo um graveto qualquer encontrado numa praia que pode ser transformado em uma obra arte.

Destarte, é plenamente aceitável a idéia do autor de que este par traz em si um paradoxo, pois o moderno, à beira do abismo do presente, volta-se para o passado; recusa o antigo, mas refugia-se na história. Também verbaliza que “este período, que se diz e quer totalmente novo, deixa-se obcecar pelo passado: memória, história” (LE GOFF, 1994, p.198).

O passado em José de Alencar, com seus folhetins de grande sucesso, e o presente com Paulo Coelho, com seus best-sellers de elevado número de vendas e de sucesso junto ao público leitor, se opõem em relação à questão temporal (antigo/moderno), também na visão da crítica literária, porém, ambos podem ser estudados dentro da perspectiva da teoria da recepção estética, levando-se em conta que o leitor tem papel relevante para que uma obra possa se instalar no panorama literário. Além disso, é sempre possível encontrar pontos de diálogos entre uma obra e outra, se não se objetiva fazer comparações. Os dois autores, por exemplo, têm pontos em comum, que a primeira vista, por causa da distancia literária que há entre eles, parece impossível, entretanto, ambos são autores de sucesso, cada um em sua época e estilos diferentes, mas que “se tocam” em alguns aspectos, como a linguagem, a economia de personagens, história razoavelmente curta, obstáculos, um ou dois personagens principais que estão sempre em busca de algo em que se realize, tendo um “final feliz”, ou que se encaixa na perspectiva do leitor. 

Alencar utilizava uma linguagem pouco rebuscada, mais acessível aos leitores de sua época, com enredos simples, com poucos personagens, dentre eles um ou dois protagonistas; mas seus romances, inseridos numa perspectiva estética, também se norteia para a crítica da sociedade de sua época. No romance Diva, a personagem principal do romance, Emília, é uma jovem mimada e rica que busca incansavelmente um marido mais interessado em amor que em dinheiro. Nota-se aqui o estilo folhetim: traz personagens centrais que se amam, um obstáculo (a dúvida) e, no final, a realização dos seus desejos. Esse romance de Alencar, especificamente, pode ser identificando como dentro da perspectiva da narrativa trivial, levando-se em conta que ocorreu o esperado happy end.   

Apesar de um estilo diferente, Paulo Coelho também traz em sua obra uma linguagem pouco rebuscada, ou sem nenhum rebuscamento, enredos também simples, poucos personagens e concretização de desejos ao final dos romances, depois de o(s) protagonista(s) passar(em) por algumas dificuldades. A trama está, geralmente, inserida no tempo em que ocorre (atual), uma época em que o fluxo de mudanças tanto de ordem cultural quanto social e pessoal ocorrem rapidamente, são narrativas construídas a partir de perspectivas sociais desse tempo. Coelho não é um autor “erudito”, não foi canonizado pela literatura, nem está acima de qualquer suspeita, é um intelectual do trivial e da banalidade necessário ao cotidiano da vida moderna.

Em Veronika decide morrer (1998), por exemplo, Coelho nos apresenta a personagem Veronika como uma jovem bem sucedida, que já experimentou de tudo, que está sempre rodeada de amigos, não lhe falta namorados, mas infeliz; existe uma lacuna que ela não consegue preencher e busca a morte como solução. O suicídio fracassa e a garota, internada num hospício, recebe a notícia que lhe resta somente alguns dias de vida; o que não é verdade, mas ela será usada como cobaia para uma experiência psiquiátrica sobre o medo da morte. Essa expectativa levou-a repensar sobre seu comportamento diante da vida e, fechada naquele lugar e dentro de si mesma, Veronika queria, agora, aproveitar cada minuto da vida que lhe resta com muita coragem, pois “sabia que ia morrer logo: para que sentir medo? Não ajudaria em nada, nem evitaria o ataque fatídico do coração; o melhor era aproveitar os dias ou horas que restavam fazendo o que nunca tinha feito” (COELHO, 1998, p.110). Ela encontrou não apenas o gosto pela vida, mas o amor em Eduard, com quem ela foge do hospício.

As duas histórias trazem análise psicológica das personagens, que buscam realização pessoal, escritas numa linguagem simples, com poucos personagens, obstáculos, concretização de desejos. Tanto Diva,  romance do passado (século XIX), quanto Veronika decide morrer, do presente (século XXI), alcançaram grande sucesso, conseqüência de uma recepção de leitura bastante aceitável pelo leitor. A oposição entre os dois romances, entretanto, ultrapassa a questão temporal, seus autores também estão nos extremos da crítica literária: um é cânone, o outro não se encaixa na literatura erudita, é autor de best-seller, encaixa-se na trivialidade. Entretanto, vê-se que o romance, em qualquer época, é sempre bem recebido pelos leitores, mesmo que cada um tenha seu estilo, que cada leitor tenha sua experiência estética, seu prazer estético, que cada história produza um efeito diferente em seus receptores.

Em relação a esse prazer, Barthes diz que este não tem necessidade de se curvar, pode tomar a forma de uma deriva e “ser arrastado ao sabor das ilusões, seduções e intimidades de linguagem” (1973, p.55). Romance antigo ou romance moderno, clássico, folhetim, best-seller, narrativa trivial, o que conta é o que acontece entre ele e aquele que o recebe: o leitor; é ele quem dá a verdadeira relevância ao texto; é através de sua leitura que a escritura existe, e/ou que uma obra se faz ou não sucesso de venda; ou ainda, como reflete Kothe, uma leitura que possa levá-lo esquecer o cotidiano, encontrar na obra literária a felicidade que não encontra na vida: “O grande público prefere em geral o cômico assim como prefere o trivial, pois sua formação cultural tende a não ir além do trivial e a sua vida já é tão atribulada que mais se prefere esquecer que lembrar” (1987, p.45).

Essa discussão sobre o par antigo/moderno envolve também uma reflexão sobre questões de valorização, tanto no âmbito cultural, social, quanto literário. Ao repensar as reflexões de Le Goff, utilizando a teoria de recepção estética da literatura, pode-se observar que, antiga ou moderna uma obra será sempre atual quando ocorrer o processo de leitura. Muitas mudanças ocorreram, variadas, intensas e velozes, é a modernidade em ação, mas o passado jamais será descartado, pois essas mudanças trazem novas luzes às obras antigas, fazendo com que este passado seja repensado e re-avaliado pelo que se diz moderno.

Antigo e o moderno sempre se cruzarão, e o que hoje é passado, já foi moderno em outras épocas, mesmo sem sabê-lo. Entretanto, ocorrem muitas rupturas para que o novo se instaure no seu tempo, e mesmo no tempo atual, o antigo está subtendido nas várias formas do fazer literário. Na visão legoffiana (1994, p.176), “o moderno é exaltado através do antigo”, por isso não é aconselhável dizer que algo é legitimamente moderno, visto que este sempre parte de uma experiência do passado.

Passado e presente estarão sempre dialogando, mesmo que esteja implícito nesse diálogo que o moderno tem certo “preconceito” em relação ao antigo; nesse “cruzamento” ganha a arte, ganha a literatura que se democratiza cada vez mais, se estende por caminhos mais longos, mais firmes e flexíveis. É assim que se faz possível, no presente, atualizar o passado, através de pesquisas, histórias e memórias, também através de estudo entre autores (antigo/moderno), buscando encontrar pontos comuns entre eles, não na intenção de compará-los, de marcá-los como melhor ou pior, mas para fazer descobertas que possam fundamentar teorias literárias, como foi a intenção deste trabalho, em relação à recepção estética na leitura de folhetins (passado) versus best-sellers (moderno). Além disso, como reflete Zilberman (1989, p.06), a estética da recepção oferece um leque de sugestões, sobretudo à história da literatura, colaborando com a crítica literária e o ensino da literatura.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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GINZBURG, Carlos. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. Tradução: Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

HAUSSER, Arnold. História social da Literatura e da arte. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1982.

ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. (volume I) Tradução:  Johannes Krets Chmer. São Paulo: Editora 34, 1996.

JAUSS, Hans Robert. A estética da recepção: colocações gerais. In: LIMA, Luis Costa. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

KOTHE, Flavio R. O herói. Série Princípios. São Paulo: Editora Ática, 1987.

LAJOLO Marisa; ZILBERMAN, Regina. A leitura Rarefeita. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução: Bernardo Leitão et al. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1994.

MENDES, Cleise Furtado. A gargalhada de Ulisses: a catarse na comédia. São Paulo: Perspectiva/Salvador: Fundação Gregório de Matos, 2008.

SODRÉ, Muniz. Best-Seller: A literatura de mercado. São Paulo: Ática, 1988.

ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Editora Ática, 1989.

ZILBERMAN, Regina. Fim dos livros, fim dos leitores? São Paulo: Editora SENAC,  2001.

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