Minha mãe também contava causos sobre a Rasga-Mortalha que faz um barulho esquisito perto da casa de um moribundo e só pára quando este morre! Mesmo sem crer nessas histórias, cresci fugindo de corujas e acauãs. Toda vez que via uma ave parecida por perto, corria para casa e tratava de procurar um terço ou rezar uma novena para espantá-la de perto dos parentes e dos conhecidos.
Quando ainda morava em Pernambuco, fiquei sabendo de uma pessoa que ouviu o canto da Rasga-Mortalha, contou para sua família e logo encomendou o caixão, a mortalha e a missa. No dia seguinte, ela morreu, sem antes avisar que mandaria a tal ave buscar seus parentes mais queridos.
Mudei para o Sul, por isso não tive notícias dos que a ave veio buscar. Entretanto, não foram poucos os casos de agouro da rasga-Mortalha que encontrei nas Ilhas do Paraná e de Santa Catarina. Geralmente, a ave agoureira, fica à beira de rios e lagos, sobre estacas ou em cima de muros, prevendo casos de morte e fatalidades.
Muito tempo depois, já no Estado do Pará, passei a morar perto de um bosque, com muitas árvores e,quem sabe, por ironia do destino, com muitas corujas, que, ao contrário do que eu pensava, não são feias como pintavam para mim: elas são lindas. Com seus grandes olhos e penas escuras com matizes em marrom, cinza e preto, todas as noites elas estão quietinhas sobre as estacas da cerca que rodeiam o bosque onde estava predeterminado a funcionar o Núcleo da UFPA em Itaituba. Todas as manhãs elas cantam, fazem uns gemidos tristes, treinam uns trinados sofridos e algumas até parecem chorar.
Falei para algumas pessoas que estavam olhando, curiosas, aquelas corujas, que elas não me causam medo, muito pelo contrário, acho-as simpáticas e não me parecem agoureiras, embora sejam tristonhas e soturnas.
Entretanto, ao mostrar simpatia pelas corujas, alguém me contrariando se dirigiu para a mim: elas parecem amigas suas porque ainda não agouraram nenhum parente seu, pois você não deve ter ninguém internado aqui. No momento, elas estão ocupadas, já tem clientela certa, de segunda à sexta, nesta avenida, pois aqui tem a Agência da Previdência, com pessoas idosas, a Secretaria de Saúde e o Posto de Saúde,que deveriam ser Centros de Doenças. Por isto, elas estão vigilantes pelos pacientes do Hospital Municipal, principalmente domingo e segunda –feira, que são os dias de chegar gente quebrada neste bairro.
No dia seguinte, logo cedo, estava na grade da minha casa, uma coruja negra, fazia um barulho que parecia alguém rasgando tecido. O meu coração disparou. Quase morri de medo. Foi um vizinho que teve aneurisma cerebral e morreu! Fiquei sabendo por pessoas que se aglomeravam na porta da casa, que, por sinal fica na Avenida em que moro, perto da funerária. Como ainda não boto fé em canto de coruja, não iria ficar sabendo da morte do vizinho. Garanto, portanto, que creditar mesmo, não acredito!
Agora, não quero brincadeira com agouro. Na dúvida, vou tanger essa ave para bem longe da minha casa, pois tenho muita história para contar para participar do concurso Prêmio Dalcídio Jurandir e não quero ser interrompida nessa minha missão, nem por doença, nem por agouro de rasga-mortalha.

Vocabulário:
Moribundo: pessoa enferma
Rasga-mortalha: espécie de coruja que faz um barulho semelhante ao de rasgar tecido novo.
Acauã: espécie de coruja que dizem ter mau agouro.