Resumo                                          

O trabalho busca ampliar as discussões acerca de gênero implícito nas propagandas direcionadas ao público infantil, que diariamente é chamado a consumir produtos de diversas naturezas pela mídia televisa, sem, contudo, ser remetido a uma reflexão sobre a aquisição de tais produtos.

Fica evidente que “os anúncios publicitários têm uma estrutura simbólica que se destina a nos convencer da importância e da necessidade que determinado produto pode ter em nossas vidas.” (SABAT, 2001). Sendo os anúncios ferramentas de larga utilização pela mídia televisiva, veiculando, postulando ideais de satisfação garantida, sucesso e felicidade na aquisição do produto.

As propagandas revestem em seu teor bastante incentivo ao consumo, independente de conhecimentos que remetam ao domínio financeiro, como é o caso das crianças. E dialogando com todo o consumismo revestido de necessidade de consumo imediato, está a lógica de segregação por estereótipos femininos e masculinos de vestir, calçar, brincar... Enfim, comportamentos, valores e ideais de necessidade e felicidade.

O artigo intenta compreender como as crianças entendem as propagandas veiculadas pela mídia televisiva para as mesmas, com a finalidade de dialogar as impressões colhidas com o arcabouço teórico utilizado na pesquisa. Como mecanismo de cientificar os dados empíricos encontrados através da observação doméstica, solicitaram-se a 15 crianças na faixa de 5 a 8 anos que após assistirem algumas propagandas televisivas discutissem sobre as considerações resultadas da atividade.

Ficou a constatação da consciência das crianças da separação de papéis de gênero pelos produtos e atividades que cada um possui de acordo com o que as propagandas demandam. Dados que corroboram, convergem, atestam com a perspectiva de estudos teóricos e empíricos aferidos.

Introdução

                                            

É evidentemente notória a grande quantidade de propagandas direcionadas ao público infantil e do conhecimento de que os mesmos corroboram com o comprometimento financeiro das famílias. Diante disso, empresas produzem propagandas específicas para esse grupo de consumidores, que por falta de maturação ou intervenção para refletir as informações, não se encontra preparado para administrar tantas propostas de felicidade e sucesso que são veiculadas pela mídia publicitária. E a criança tendo socializado cada vez mais com a televisão, como afirma Pereira (2008), encontra-se cada vez mais disponível para receber informações que não necessariamente reflitam a sua realidade econômica e/ou familiar e que resultem em satisfação garantida como anunciam as propagandas.

O que se prega diariamente nas propagandas, além do consumo de objetos “mágicos”, capazes de proporcionar prazeres específicos que só através da posse do produto pode-se alcançar, é a questão de gênero, da diferenciação de papéis na sociedade e de tipos de produtos e propagandas atreladas ao comprador de acordo com o sexo - feminino ou masculino. Dos principais objetos comercializados na televisão (TV), com foco na criança tevente, estão os calçados, brinquedos, roupas e alimentos. De posse de toda esta argumentação, oriunda da observação doméstica das propagandas voltadas a esse público, desenvolveu-se a necessidade de conhecer o que estudos científicos falam sobre isso e posteriormente a realização de um confrontamento das afirmativas com o que um grupo de crianças na faixa de 5 a 8 anos compreendia das propagandas infantis, em relação à questão de gênero implícita nas propagandas endereçadas ao público mirim, sequencialmente apresentada em uma atividade lúdica que se pautou em assistir uma série de propagandas que comercializavam produtos específicos para crianças.

A abordagem da pesquisa é qualitativa, dá-se pela captação de impressões que 15 crianças tiveram ao assistirem às diversas propagandas direcionadas ao público infantil, especialmente as que reafirmavam estereótipos sexuais e sobre este tipo de pesquisa Minayo (2011) afirma que a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes.” E nesta lógica pautou-se a investigação.

É no mês das crianças (Outubro) que tudo parece mais exacerbado, a lógica consumista que agrega valores morais aos brinquedos, vestimentas e calçados parecem eclodir em um verdadeiro superaquecimento de entusiasmo e deleite. E mais que incentivo à compra de brinquedos nas propagandas direcionadas às crianças que incentivam apelar emocionalmente para a generosidade dos pais, também é grande a massificação de ideais de separação de espaço dos meninos e meninas de acordo com gênero sexual.

Uma “enxurrada” de propagandas incita o consumo deliberado, para agradar as crianças, aos adultos, a mídia, ao comércio – uma verdadeira “febre do consumo” acometido pela permissividade da compra desregrada, com o intuito de “agradar a quem se ama”, culminando em uma vestimenta pedagógica de consumo diferenciado pela questão de gênero que permeia os produtos comercializados pela TV.

Toda essa lógica de consumo ocorre pela venda de sonhos veiculada pelas propagandas. E essa venda facilmente está impregnada de conceitos que envolvem uma moralidade sexual, que pregam a divergência de produtos para meninos e meninas. Frequentemente cheiros e cores são associados aos produtos que as propagandas afirmam enfaticamente agradar ao sexo oposto, conferindo também valores sexuais nos anúncios. E sobre a sexualidade ser tema de recorrência na mídia, Fischer (2002) afirma que somos chamados a percebê-la todos os dias.

Muito comumente é atrelada na fala das crianças a expressão que denota a diferenciação de produtos pelo gênero quando dizem que “isto é de menino” ou “isto é de menina”, facilmente vê-se aplicado a diferença do Ser menino ou menina pelas atividades que exercem ou ao menos deveriam exercer. Para as meninas veiculam-se a ideia de poder usar a cor rosa e estampas florais, vestimentas que tragam conceitos de sensibilidade; brincadeiras que remetam a ideia de cuidado com o lar como casinhas, bonecas e panelinhas, e para os meninos a ideia de usar produtos com estampas que tragam conceitos de aventura e agressividade; brincadeiras que requeiram mais destreza, força física como carrinhos e bolas de futebol. Tudo isto evidencia uma prática sexista, que incentiva o consumismo por produtos que reforçam estereótipos femininos e masculinos, como elucida BROUGÈRE (2004); e por a televisão já fazer parte indiscutível da realidade doméstica, como afirma Sanchéz (1999), que as propagandas têm lugar garantido nos lares.

São inúmeras as estratégias para que crianças consumam cada vez mais, sendo a apelação emocional aos pais prática recorrente das propagandas, assim como o uso de jingles e slogans para tornar a propaganda mais fácil de ser lembrada, como afirma (AGUIAR, s.d). Tudo culminando em uma lógica mercadológica perversa, porque os produtos à venda não são acessíveis a toda e qualquer criança, embora seja propagada a questão de equiparidade, de inserção de oportunidade de compra e uso dos produtos entre as crianças, em grau de gênero e entre seus grupos de iguais, quando consomem produtos midiatizados, que também trazem conceitos como glamour e status ao “bom consumidor” infantil, ou seja, aquela criança que se deixa vencer pelos apelos emocionais promovidos pela mídia televisiva, em especial pelas propagandas. E tudo isso em uma linguagem atraente, colorida, de cenários alegres e propícios à realização de desejos de consumo, tornando o indivíduo cada vez mais atrelado ao mundo da TV, que cativa pela satisfação ideológica das necessidades de cada gênero de modo bastante efetivo, atuante, simpático e aparentemente confiável.

A pesquisa resultou na constatação do interesse e consciência das crianças da separação de papéis de gênero pelos produtos e atividades de acordo com o que era posto nas propagandas como cores, tipos de vestimentas e brinquedos diferenciados para meninos e meninas. Dados que colaboraram para compor o enfrentamento de ideias sobre as propagandas e a diferenciação de tarefas pelo sexo que o indivíduo carrega biologicamente independente de eventuais e/ou frequentes particularidades, como desejos e necessidades especiais que estejam fora do padrão apresentado pela mídia como inerente ao sexo masculino ou feminino.

Fica evidente que a mídia publicitária detém de conhecimento sobre os papéis culturalmente impostos como pertencentes às crianças pelo seu gênero, e que as crianças se reconhecem nas propagandas de acordo com o sexismo impetrado nas propagandas veiculadas pela TV, reafirmando sua sexualidade e status provenientes de sua práxis diante do seu grupo de iguais pelos produtos que possui. Isto foi bastante expressivo na fala das crianças quando afirmavam categoricamente que aquele produto era para menina ou para menino.

Diante de toda a lógica capitalista, de consumo acirrado, que pouco ou nada exploram o ajuste dos sonhos sem avaria do financeiro, o consumidor infante vê-se circundado de ideais de satisfação emocional e glamour irresistível, culminando em atitudes de consumo desenfreado desprovido de reflexão sobre a aquisição dos “produtos dos sonhos” veiculados pela mídia, e alheio às questões de gênero que as propagandas trazem que corriqueiramente solidificam, segmentam a noção de desigualdade entre meninos e meninas pelo atributo sexual.

 E através dos novos moldes, sempre criativos e repaginados das propagandas, as crianças ao se sentirem representadas em seus desejos e movidos pelo ludibrio da igualdade de poder aquisitivo e emocional com os seus pares, de acordo com os bens que possui, suscita numa sociedade que acaba por conservar estigmas fundados na bifurcação de tarefas e desejos de consumo entre meninos e meninas.

Referências

AGUIAR, Mirella Cristina Sales. A influência da propaganda e a participação das crianças na tomada de decisão de compra na família. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/. Acesso em 05 de Abril de 2012.

BROUGERE, Gilles. Brinquedos e companhia; tradução de Maria Alice A. Sampaio Dória; revisão técnica de Gisela Wajskop. – São Paulo: Cortez, 2004.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. O dispositivo pedagógico da mídia: modos de educar na (e pela) TV. Revista Educação e Pesquisa. São Paulo,  vol. 28,  nº 1, 2002.  Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 19 de Março de 2012.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio da pesquisa social in. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 30ª edição, Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. P. 9-29.

PEREIRA, Sara. Crianças e televisão: convergências e divergências de um campo de estudo. (P. 222-245). In. SARMENTO, Manuel; GOUVEA, Maria Cristina Soares. (org.) Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

SABAT, Ruth. Pedagogia cultural, gênero e sexualidade. In. Revista Estudos Feministas, 1/2001. P. 09 – 21. Disponível em: http://www.scielo.com.brem. Acesso em 15 de Agosto de 2012.