A Questão Da Identidade Do Povo Brasileiro
Publicado em 25 de fevereiro de 2008 por SANDRA VAZ DE LIMA
Atualmente não há loja de moveis um pouco menorzinha que não ponha cartazes dizendo furniture. Pizzarias espertas não anunciam entrega a domicilio, mas um serviço de delivery. Há propagandas na televisão sem tradução. Loja de bicicletas é coisa impressionante: tem que ser "bike shop". Mesmo cantinas italianas proclamam a sua especialidade em "pizza and pasta".
O interessante disso tudo é que as palavras estrangeiras que são muito usadas por nós passam por tantas mudanças que, algum tempo depois, começamos a considerá-las como palavras portuguesas, esquecendo que elas vieram de outras línguas. Mudamos a maneira de pronunciá-las, mudamos a maneira de escrevê-las, colocamos desinências de plural ou de feminino ( quando são substantivos ou adjetivos ), de passado ou de futuro ( quando são verbos), por exemplo. Esse processo é chamado aportuguesamento.
Uma palavra como xerox, por exemplo, vem de uma palavra americana que representa a marca de uma máquina que tira fotocópias. Passou a ser muito usada, no Brasil, para representar a cópia tirada na máquina ( "vou tirar um xerox deste documento ") e, finalmente, aportuguesou-se - mudamos a sua sílaba tônica ( no inglês era xerox , no português passou a xerox), colocamos um apoio de uma vogal i depois da última consoante, produzimos um verbo ( " vou precisar xerocar alguns documentos" ), podemos criar um diminutivo ( "vou tirar um xeroxizinho ").
Entrega em domicílio como já foi citado virou delivery. Nas vitrines, a liquidação é anunciada como sale. Nem o popular campeonato de futebol resistiu, e foi invadido por expressões como play-off.
Se no dia-a-dia o uso de palavras em inglês é um hábito comum, no ambiente corporativo os estrangeirismos já podem ser considerados uma verdadeira epidemia.
O certo é que o Português precisa e deve ser protegido, mas não pode ficar imune às influências enriquecedoras, venham elas do estrangeiro ou de um inventor de palavras. Afinal, é uma língua viva.
Acompanhando a história de nossa língua, podemos ver que já recebemos palavras de muitas outras línguas. Isso aconteceu porque o povo português (desde a época do império romano até o descobrimento do Brasil) e o povo brasileiro (desde o descobrimento até os nossos dias) entraram em contato com outros povos.
Isso acontece quando a cultura de um povo é muito valorizada. Os outros povos com quem eles entram em contato passam a valorizar os hábitos, a língua, as artes, a literatura, tudo que é produzido naquela cultura.
Sabemos, também, que há diferentes maneiras de estabelecer esse contato: a dominação militar, a dominação econômica, a dominação religiosa, a dominação cultural, a vizinhança, a convivência no mesmo espaço são algumas delas.
O estrangeirismo é um fenômeno natural, que revela a existência de uma certa mentalidade comum. Os povos que dependem econômica e intelectualmente de outros não podem deixar de adotar, com os produtos e idéias vindas de fora, certas formas de linguagem que lhes não são próprias. O ponto está em não permitir abusos e limitar essa importação lingüística ao razoável e necessário.
O estrangeirismo tem vantagens: aumenta o poder expressivo das línguas, esbate a diferença dos idiomas, tornando-os mais compreensivo, e facilita, por isso mesmo, a comunicação das idéias gerais.
Os estrangeirismos fazem parte de nossa vida. Bons exemplos são abajur, futebol, chofer, buquê, filé, balé, entre outros. É inegável a influência da cultura norte-americana no Brasil e no mundo: os melhores empregos exigem conhecimento de inglês e quem trabalha com computadores deve ter noções dessa língua. A economia privilegiada dos Estados Unidos faz crer que o que vem de lá parece mais sofisticado, moderno e vendável.
Os motivos dessa "influência cultural" são claros, trata-se da preponderância econômica americana, sofremos uma imposição esmagadora dos ideais de consumo e dos padrões de vida vigentes no Estados Unidos.
Como o uso de termos oriundos de línguas estrangeiras é, sempre, uma conseqüência e não uma causa, esse fenômeno denuncia situações que são características da nossa língua.
Essa "influência cultural" reflete a nossa permanente dependência de outras culturas, seja pela questão econômica e/ou tecnológica, seja pela influência de comportamentos culturais que, infelizmente, revelam o nosso cinismo colonial.
Passamos por momentos de dominação americana, não é mais influência, mas imposição, quanto a ideologia de Hollywood, a linguagem musical, as roupas e atitudes.
A massificação cultural no mundo não exerce poder somente sobre as elites, mas em toda a população mundial, através do cinema, das estórias em quadrinhos, da música popular, do rádio e da TV. São os meios de comunicações e os produtos de consumo os responsáveis pela massificação cultural no mundo.
A penetração da língua inglesa no Brasil e no mundo tem, como variável que não pode ser ignorada, a presença hegemônica dos Estados Unidos no mundo. O terceiro mundo não está mais sendo dominado essencialmente pelas forças armadas, mas pela língua, matéria prima do imperialismo culturalcausado pela dependência econômica .
A língua inglesa circula entre nós como uma mercadoria de alta cotação no mercado. A importância de palavras estrangeiras atende muito mais a uma necessidade simbólica de identificação com uma sociedade de grande poder político e econômico do que a necessidade de nomear novos conceitos e objetos.
Como qualquer mercadoria, os empréstimos também sofrem variações de "cotação de mercado". Aqueles que passam a ser usados pelas camadas populares são abandonados pelas elites e substituídos por outros, pois perdem o valor ao deixarem de se caracterizar como propriedade privada das classes privilegiadas.
A língua inglesa é ouvida nas novelas de televisão, nos documentários, propagandas, programas de rádio como BBC, Voz da América e até na rádio de Moscou. O inglês aparece no rock estrangeiro e também no nacional, está presente nos adesivos dos carros, nas marcas de carros, nos nomes de casascomerciais (apesar da resistência do governo), nos produtos, nas pichações em muros e até mesmo na palavra Supemarket, que veio substituir a palavra apropriada em grego.