A quem interessa

 

A quem interessa a verdade?

Não! Não estamos querendo discutir o que é a verdade. Mesmo porque quase três milênios de história da filosofia ainda não deram conta de responder a essa indagação. Aqui estamos partindo do pressuposto de que verdade são aqueles elementos sobre os quais existe algum consenso. Não se trata de unanimidade, mas de convenção.

Caso contrário permaneceríamos em um emaranhado de subjetividade que não nos levaria a lugar algum. Assim sendo, partimos da convenção de que algumas coisas e posturas são verdadeiras ou aceitas como válidas. Desse ponto de vista é que procede a nossa indagação: a quem interessa a verdade.

Por exemplo, a quem interessa que um determinado candidato diga a verdade em seus discursos em época de campanha eleitoral? .... e, diga-se de passagem, os políticos sempre estão em campanha. Quando é que o discurso político é verdadeiro?  Essa verdade é verdade para quem? A quem interessa que o vendedor diga a verdade a respeito do produto que está vendendo? A quem interessa que a propaganda diga a verdade sobre os produtos divulgados?

Caso nos indagássemos com estas perguntas possivelmente constataríamos algumas verdades que nem sempre seria aquela a qual gostaríamos de chegar.

Por exemplo: muitos daqueles que são candidatos a algo (vereador, prefeito, deputado senador, governador presidente...), na maioria das vezes não dizem a verdade quando falam de seus planos para a coletividade. O que, em geral ocorre é que dizem aquilo que a população deseja ouvir, mas não estão se comprometendo em fazer aquilo que os eleitores desejam que seja feito.

Assim sendo, um determinado candidato a governador do estado pode, por exemplo, se inflamar, esbravejar, prometer mundos e fundos para solucionar os desmandos e ingerência e falta de rumo em relação à educação pública. E o que ele diz sobre os problemas em que o sistema escolar está envolvido é verdadeiro. Mas não é verdade que ele pretenda EFETIVAMENTE, resolver os problemas aos quais faz referência em seu discurso. Assim faz um discurso verdadeiro, mas com intenções muito distantes daquilo que está falando. Efetivamente diz verdades, mas não age com verdade. Seu discurso, em termos de veracidade é impecável, pois comenta aspectos que se evidenciam como falhos, no processo da educação pública. Entretanto sua postura – e aqui já estaríamos no universo da ética – é mentirosa... e é bom notar que após a eleição as ações deixarão o campo do discurso para se tornarem a prática cotidiana. E, como a ação cotidiana é resultado não do discurso e sim da postura e a postura é mentirosa...

E aqui está o ponto central da questão. Os “políticos” fazem seus discursos sempre dizendo verdades: as verdades que agradam aos ouvidos dos ouvintes; mas não agem com verdade, pois suas intenções não são verdadeiras em relação às expectativas daqueles a quem dirigem seus discursos. Mas por que isso ocorre? Porque pretendem convencer os ouvintes. São, portanto, bons oradores, uma vez que convencem seus ouvintes, os eleitores. São aquilo que o sofista Górgias teria dito: “O bom orador é aquele que consegue convencer qualquer pessoa sobre qualquer assunto”. Mesmo que não seja verdade! Observemos o discurso dos políticos, em época eleitoral... notemos que dizem aquilo que o povo deseja ouvir, mas em suas intenções está a defesa dos interesses não da coletividade, mas dos grupos inconfessos que os apoiam.

Convencer o interlocutor, ou o ouvinte, é a grande virtude, não da ética, mas daqueles que assumem a principal característica daquilo que podemos considerar o avesso das relações humanas: a necessidade de convencer para tirar vantagem. E nisso podemos observar aquilo que efetivamente caracteriza o espírito mais mesquinho do ser humano.

Observemos os vendedores... notemos como tentam impor os produtos que estão vendendo, apresentando suas maravilhas, sem mostrar ou ocultando possíveis falhas eventuais problemas que podem apresentar. Observemos a publicidade e as maravilhas que são apresentadas nos produtos divulgados pela propaganda... notemos que nas propagandas o produto é o que menos importa, pois em seu lugar aparecem as belas mulheres, os lugares paradisíacos, os aspectos de felicidades... tudo que, efetivamente, o produto não oferece. Os políticos, os vendedores, os publicitários fazem o discurso do convencimento. São os sofistas do mundo atual.

O que desejam, com seus discursos e tentativa de convencer o ouvinte? Convencer! Não pela verdade da postura, mas pelo convencimento mediante o discurso. E onde isso nos leva? À crise de valores que acossa a humanidade. Notemos que estamos vivendo uma época em que o valor da honestidade acaba sendo algo como que vergonhoso. Daí, então, onde está a verdade? Nas intenções de satisfação pessoal. No discurso que pretende convencer o interlocutor... e, quanto aos atos verdadeiros? Principalmente em tempos de eleição!!!...

Ah! Isso, a verdade, quem interessa?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador.

Rolim de Moura -RO