Sempre soube que o tempo é relativo, embora nunca fique sentado em uma barra de gelo para sentir o tempo passar devagar nas situações desfavoráveis. Sua situação atual é a mais desfavorável que já viveu. Em menos de 55 segundos de falta de oxigênio, vivencia uma existência inteira, sua vida, de duração média, passa inteira em sua mente. Pensa tanto que esquece até de respirar. Com isso agüenta mais tempo no seu aceno nervoso de mão.
O quê mais lhe incomoda é lembrar-se do tanto de tempo em que desperdiçou na sua média duração de vida. Lembra-se de como gostava de ficar parado, sem fazer nada, olhando e pensando sobre um canto de uma sala em branco. Agora, enjaulado em baixo d?água, não quer nem saber o porquê de analisar o encontro das três dimensões no canto da sala. Submerso só pensa na importância da geometria fractal, e sua quarta dimensão desafiadora: o tempo. O tempo é o caos aleatório na precisão do espaço ordenado. Com isso seu ar acabou de vez e sua mão desiste de acenar por socorro.
Quando mergulha em um túnel espiralado num fractal infinito, sua dor insuportável no peito cessa. Até parece que respira novamente, no entanto totalmente inconsciente, está a cair ou a voar, nesta dimensão a gravidade o ilude. Só repara o túnel furta cor passar. Tudo é muito rápido e cheio, muito cheio mesmo, de informação. Como colocar um século de conhecimento, em um minuto de aprendizado. Realmente aprendeu: o tempo é relativo.
Com a vista embaçada e turva consegue perceber que está em um hospital normal, se está morto, o tratamento médico no além é igual ao no mundo material. Não. Não morreu! Não sabe como, mas visualiza os rostos familiares. Todos falam dele sem notar sua consciência e o seu acordar. Alguém o salvou daquela grade na Lagoa Preta. Resolveu estudar mais o ambiente antes de anunciar seu despertar surpreendente.
Ouve as pessoas do quarto falarem sobre um cara chamado Oburé, e seu salvamento heróico. Oburé? Quem será? Donde surgiu essa pessoa? Lembra da lagoa deserta ao avistar o aceno macabro. Não quer nem saber. O que importa é que está salvo. Pode até ter sido um sonho. Ou estar ainda sonhando. Relaxado, puxando o ar em um ótimo suspiro, dorme.
Durante o sono vive o controle de seu tempo, e mesmo sonhando, percebe como a dimensão tempo controla a vida das pessoas. Continua seu sonho não linear, e se vê em um deserto de sol escaldante, bem ao longe uma mão a lhe acenar, um homem de bigode lhe seduz para o seu oásis, não por bondade ou caridade, apenas com a intenção de capturar mais um escravo, e com seu trabalho aumentar suas riquezas. No auge do sonho uma surpresa, o bigodudo vira o aceno de metal, que quase o matara. No meio do sono começa a gritar.
Os parentes e amigos no quarto do hospital, olham para o paciente agitado, e comemoram seu sinal de vida. Vai acordar! Gritava um. Graças a Deus seu Oburé o salvou a tempo. Comemorava outro.
As últimas horas de sua vida o marcaram muito. Lembra de coisas sem saber se aconteceram ou não, não sabe o quê o prendeu no meio da lagoa preta. Muito menos o quê o libertou da prisão. Sua cabeça era só interrogação. Ao abrir os olhos a primeira visão: vários acenos de mãos.