A Publicidade Televisiva e o Consumidor Infantil do Ensino Fundamental no Município de Ijuí/RS

 

OLING, Jociane Marchesan (Publicitária e Pesquisadora)[1]

Grupo de Pesquisa GPESC - UFRGS/RS

 

 Resumo: Este artigo analisa alguns aspectos e características da propaganda televisiva e sua relação com o consumo infantil, suas estratégias de recepção, processos de persuasão, conceitos e hábitos culturais através de uma pesquisa de campo qualitativa com crianças entre oito e dez anos. O estudo realizado no Município de Ijuí, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, escolheu, aleatoriamente, duas escolas da cidade, uma pública e outra particular. O aporte teórico teve a contribuição epistemológica dos pensadores Christiane Gade, Gino Giacomini Filho, Nilda Jacks, Jesús Martín Barbero, John B. Thompson, Néstor García Canclini, Jean-Noël Kapferer, Inês Silva Vitorino Sampaio, Rafael Sampaio, entre outros. E os resultados preliminares indicam sinais de que a criança adquire a capacidade de filtrar mensagens e influenciar nas decisões familiares para compras de produtos anunciados. Sob esta realidade, a propaganda televisiva utiliza-se desta realidade para persuadir e induzir a criança ao consumo.

 

Palavras-chave: publicidade; consumo; cultura; televisão; criança

 

Introdução

  A velocidade das transformações tecnológicas e os debates na sociedade têm suscitado grandes modificações socioculturais, não somente no processo de produção da economia, da arte e da cultura, mas também no processo de recepção e percepção da mídia, resultando assim, novas interpretações de subjetivação da sociedade. A escala de possibilidades midiáticas desenvolve-se num fluxo incessante, e isto inclui a televisão, considerada um catalisador de grandes audiências que culmina na população o estímulo ao consumo através das percepções auditivas e visuais.

Esta mistura de movimento e cor é paralelamente aplicada à propaganda televisiva, cuja presença de comunicação corporifica e elucida os atuais padrões culturais e consumistas.  A propaganda atua sobre o consumidor ensinando formas de pensar, sentir e agir diante de um produto. Se a comunicação for bem sucedida, estará, automaticamente, incentivando o comportamento de compra em adultos, jovens e crianças.

Neste universo contextualizado pelas mídias, as crianças são participantes, qualificadas não só como independentes, mas como formadores de hábitos de consumo, ou seja, elas se constituem de um mercado potencial para uma série de produtos e serviços. O consumidor infantil deixa de ser uma questão de interesse particular de pais e educadores, tornando-se alvo do interesse da propaganda, principalmente quando este grupo de consumidores assiste mais televisão do que o público adulto.

A mídia, em especial a televisão, assume um papel importante na transformação das decisões, na socialização e na construção de conhecimento e de padrões. A TV procura alterar os comportamentos no dia-a-dia, mascarar atitudes, administrar conflitos e gerar cultura na tentativa de globalizar tendências e conteúdos sociais. Comportamentos estes que indicam regras e mexem com os padrões de comunicação no meio familiar. Assim como a família e o meio social, a televisão influi direta e ativamente na construção social da criança, tornando-se um mecanismo privilegiado de conhecimento e de interação com o mundo.

Criança Potencial Consumidora

Prepondera a cada dia o sujeito destinado a identificar-se com objetos e mercadorias que obtenham um grau de diferenciação em relação aos demais grupos sociais. O consumo colabora desde muito cedo com as experiências do sujeito, vai intensificando e transformando em comportamentos de natureza social, visto que este processo sistemático não é responsável, mas sim consequência dessa organização de diferenças exclusivistas.

Observando com mais atenção o ato de consumir, nota-se a alteração das diversidades de socialização e exercício moral. As configurações de identidade são baseadas na posse, no que se compra ou no que se pode comprar, percebendo uma insatisfação pelo que se tem. A nova realidade sociocultural dos órgãos e instituições públicas é substituída e movimentada pelos grandes núcleos empresariais, transformando os hábitos e padrões urbanos.  E este mercado que promete, seleciona e exclui, tem o apoio dos meios de comunicação, incluindo a TV, pois é através deles que os produtos saem das prateleiras e se instalam no cenário familiar.

A programação televisiva concebe conceitos, vícios, hábitos e diferencia de acordo com a idade, a classe socioeconômica, o desenvolvimento intelectual, afetivo, o ambiente social, escolar e urbano. E a propaganda usufrui dessa realidade, visto que os membros da família, principalmente as crianças, saem do âmbito neutro, incompleto para o âmbito crítico, participativo e consumista.

A criança que cresce neste ambiente desenvolve os mesmos padrões de consumo dos pais, tornando-se incapazes de mediar e selecionar o conteúdo da mensagem. Ela nasce imersa ao mundo interativo do telefone celular, dos computadores, tablets, televisão, câmeras, etc.. Aparelhos televisivos são como membros da família e permanecem ligados boa parte do tempo. E com esse hábito incorporado, paralelamente caminha a cultura do consumo.

Desta maneira, o poder da propaganda é multiplicado, desafiando a autoridade do adulto, questionando os valores de identidade da criança. A propaganda televisiva é supostamente apresentada como um agente estimulador de hábitos e estilos de vida, gerando uma nova fórmula de estratificação social e cultural. Tendo em vista esta problemática, esta pesquisa procura verificar o grau de mediação da propaganda diante da criança, as estratégias utilizadas e como ocorre esse processo de consumo. Diante disso, também é objetivo desta investigação, analisar as contribuições socioeconômicas, familiares e morais em conjunto com as mudanças de hábitos geradas no consumidor infantil.

No âmbito acadêmico, o intuito é propor uma reflexão sobre as estratégias utilizadas pelas empresas e agências publicitárias para persuadir o consumidor infantil, a fim de incentivar o desenvolvimento em curso para as pesquisas da área. Mais especificamente, entender os processos de recepção da criança consumidora, considerando os procedimentos culturais e eficazes que privilegiam este cenário.

 

Reflexões Epistemológicas

Dentro da realidade de uma sociedade consumista, a mídia desempenha um papel crucial praticamente em todas as áreas da coletividade. Segundo Luhmann apud Sampaio (1999), há três estruturas internas proeminentes da mídia, diferenciadas em áreas programáticas: notícia/reportagem, propaganda e entretenimento. Tais estruturas estão interligadas através da mesma tecnologia de difusão e do mesmo código informação/não-informação. Cada uma delas traz consigo uma forma de transmissão da mensagem, porém todas procuram estabelecer uma identificação com o público e legitimar uma sensação de proximidade, o que torna a mediação de comunicação imperceptível.

A TV, através da imagem, solicita respostas imediatas de quem a ela está submetida e que, sem dúvida, é um meio de comunicação ágil, imaginativo, colorido e dá liberdade de escolha. Barbero (1997) coloca que ela está sobre o eixo da proximidade e da magia de ver, principalmente na publicidade, trazendo a ideia preeminente de produzir a sensação de imediatez, um dos aspectos que dão forma ao cotidiano. E Sampaio (1997, p. 34) complementa que, “instalada na intimidade dos lares, a TV molda comportamentos, sugere modismos e coage principalmente no consumo da sociedade”, consumo este que provém basicamente de processos socioculturais.

Já Canclini (2010) apresenta este jogo sociocultural de desejos cujas mercadorias e o consumo ordenam politicamente cada sociedade. Consumo é um processo em que os desejos são convertidos em demandas e atos socialmente aceitos e controlados.

Também Schmidt apud Sampaio (1999, p. 23), contribui para refletir o papel da propaganda na mídia. Sua observação está elencada na propaganda que “suscitaria a atenção de alguém para, em seguida, dirigi-la para um determinado produto”. O propósito da propaganda é provocar substancialmente e cortejar o possível consumidor numa relação distanciada e mediada pela comunicação de massa.

Ainda, Giacomini Filho (1991) e Gade (1980) destacam que a publicidade nasceu com o propósito de fomentar a transação econômica. Ela foi aprimorando técnicas e meios para atingir milhões de pessoas através dos meios de comunicação, consequentemente surgir um desenfreado e crescente processo de consumismo globalizado. Um exame dos padrões de consumo e do seu desenvolvimento deve ser feito a partir de estudo da iniciação da criança como consumidora, pois é na infância e na adolescência que se estabelecem as expectativas a respeito de bens e serviços a serem usufruídos no futuro quando adulto. Para Gade, a criança de hoje será o consumidor de amanhã.

Sob outra perspectiva, Kapferer (1998) e Sampaio (1999) analisam a relação e algumas estratégias de produção utilizadas na publicidade infantil que acompanham o processo. Quanto mais nova a criança, mais sua atividade representativa às imagens e menos ao discurso verbal. Inversamente, quanto mais velha, menos às imagens e mais ao discurso verbal. E as estratégias movimentam-se desde promoções, patrocínios de eventos, inclusão de atrativos nas embalagens de produtos, até o uso do humor e da emoção nas campanhas publicitárias, ou mesmo o uso da criança como personagem. Kapferer separa três possibilidades de percepção: o produto apresentado, a criatividade da mensagem e a repetição.

Num conjunto de pesquisas sobre o campo da recepção e da produção televisiva brasileira na década de 1990, Jacks (2006) cita a perspectiva de que “ela não substitui a imaginação criativa da criança porque esta brinca com a televisão, exercita sua imaginação através dela, e a dispersão é uma forma da criança reagir à programação que não corresponde às suas necessidades”. Considerando também a dimensão socioeconômica, o que se observa é um número crescente de crianças com este comportamento, sendo maior quando as condições socioeconômicas são menores e que a escolha pela programação corresponde ao “amadurecimento intelectual”.

No contexto desse viés teórico, procurou-se buscar algumas comprovações analíticas e práticas através de uma investigação de campo. Seu propósito foi justamente complementar e dar continuidade a este conjunto de observações.

Procedimentos Metodológicos

No sentido de investigar estes comportamentos, realizou-se uma pesquisa qualitativa dentro de dois grupos de discussão, cujo instrumento de coleta foi a entrevista, juntamente com gravação audiovisual. A pesquisa teve como referência as normas técnicas do Livro “Metodologia da Pesquisa – Ação”, de Michel Thiollent. O trabalho ocorreu em duas escolas na cidade de Ijuí, Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, uma escola pública e outra particular. Em cada uma, formou-se um grupo com dez crianças escolhidas aleatoriamente, divididos em cinco meninos e cinco meninas com idades entre oito e dez anos, do segundo ano de ensino fundamental.

A primeira realizou-se no Instituto Municipal de Ensino Assis Brasil – IMEAB –, uma escola pública, com estudo e especialização em Técnico Agropecuária, incluindo alunos de ensino fundamental e médio. E a segunda, na Escola de Educação Integral Adventista, escola particular com alunos somente de ensino fundamental. Os dois grupos foram conduzidos a uma sala multimídia, onde foram apresentados quatro comerciais. No primeiro comercial, o produto anunciado foi o chocolate Kinder Ovo; no segundo, a Sandália da Carla Perez; no terceiro, o chocolate Tortuguita; e no quarto e último comercial, o Danoninho para beber da marca Danone.

O comercial do produto Kinder Ovo mostra o ambiente de um menino cabisbaixo em seu quarto e, ao ganhar o produto de sua mãe, tudo transforma em desenho animado com animais, palhaços e florestas. E no fundo um rápido jingle. A mensagem remetida é a diferença do ambiente entre antes e após consumir o chocolate. A propaganda da Sandália da Carla Perez conta a história de uma menina criticando a irmã por gostar dos produtos da Carla Perez e, ao ver o desfile da irmã com a sandália e o cinto, a protagonista também se apaixona e muda de ideia. No final, a apresentadora e dançarina Carla Perez aparece com a mensagem: “Sandália Carla Perez com cinto. Até quem não gosta de moda, vai gostar”. O objetivo é comunicar que todas, sem exceção, desejam o produto.

A composição do comercial do chocolate Tortuguita envolve uma discussão entre dois personagens ditos como “tartarugas falantes” feitas de chocolate, as quais uma delas conta à amiga o namoro com um capacete de motociclismo. A amiga tentando corrigi-la, procura provar que é um capacete colocando sua cabeça no interior do objeto. Em seguida, cai na armadilha da tartaruga apaixonada, baixando o visor do capacete e cortando sua cabeça. Entre o diálogo, uma subestima a outra com adjetivos irônicos chamando a outra de “estúpida” de maneira bem-humorada. E por último, comercial do iogurte “Danoninho para beber”, conta a história de um menino-gigante que salva a família de uma formiga-gigante ao pisar em cima do inseto. Tanto o animal, quanto o menino beberam o iogurte, consequentemente aumentou seu tamanho. No áudio, o filho vendo a apreensão do pai, desafia “Papai! Tá com medo de uma formiguinha dessas?”. Os quatro comerciais foram apresentados nos dois grupos e nesta mesma sequência.

Também foram escolhidos aleatoriamente quatro pais dessas crianças para coleta de dados, dois pais de cada escola. Os pais foram entrevistados em suas residências, logo após as discussões em grupo com os filhos.

Reflexões sobre as informações apuradas

Pesquisou-se com as crianças e seus pais a frequência que assistiam TV, horário, que programação as interessava, o discernimento entre propaganda e programas de televisão, seu gosto por propaganda, o que as atraía nos comerciais mostrados, seu tipo de envolvimento e se os mesmos as levava ao consumo. E observando os resultados, grande parte comprovou as contribuições dos autores. 

Em sequência, a maioria dos entrevistados respondeu que assiste pela manhã, sete alunos do IMEAB e nove da Escola Adventista. Nos dois grupos de discussão, a maior parte respondeu seu gosto por assistir desenhos animados. Ao perguntar aos pais, todos confirmaram a resposta dos filhos.

C (filho de Geane e aluno da Escola Adventista) respondera na entrevista que assistia pela manhã e à noite, e sua preferência era desenho animado. Sua mãe confirmou a resposta do filho: “pela parte da manhã e à noite algum filme que criança possa assistir, ou novela que eu assisto com ele”. Também o pai de K, João (Escola Adventista), confirmou a resposta da filha: “das dez horas ao meio-dia a K assiste a maioria dos programas de desenho animado em diferentes canais”.

Quanto à distinção entre propaganda e programa de televisão percebeu-se, no entanto, que, tanto na escola municipal quanto na particular, alguns alunos confundiam-se, mas a maioria sabia distinguir muito bem a propaganda de outras programações, conforme salienta Kapferer (1998) em suas análises. “É intervalo, onde aparecem os produtos”, explica K (aluna da Escola Adventista). E ao perguntar aos pais, João, pai de K, garantiu que sim. Geane, mãe de C (Adventista), da mesma forma: “O C consegue diferenciar até quando é horário de propaganda. Ele sai se precisa fazer alguma coisa, e depois ele volta”. As outras duas mães também confirmam que seus filhos distinguem propaganda de programa. “Ela é bem esperta, a gente vê que ela ‘pega bem’ o que é comercial e o que é programa”, responde, com orgulho, Neusa (mãe de J – IMEAB).

Ao investigar o gosto por propaganda, quatro alunos do IMEAB afirmaram gostar de propaganda, porém a aluna P contrapôs com veemência: “não gosto porque é chato!”. Já na Escola Adventista todos responderam que gostavam de propaganda e o motivo deveu-se às propagandas atrativas, bem humoradas e com produtos interessantes. Também isto foi observado no depoimento de C (Adventista): “Eu gosto daquela propaganda dos quatro carrinhos que desmontam e montam de novo”.

 Em seguida, foram apresentados os quatro comerciais. E questionadas suas preferências, R (Escola Adventista) explicou: “Eu gostei da propaganda Tortuguita quando a tartaruga diz ‘estúpida’!”. Isto vai ao encontro do que Sampaio (1999) coloca a respeito do uso humorístico e criativo na propaganda.

Isto também pode ser visto na análise do comercial do chocolate Kinder Ovo, cujas cenas da realidade misturam-se com desenhos animados e personagens coloridos, em que C (Escola Adventista) alegou sua preferência e o motivo: “Eu gostei desta porque é legal, tem mais coisas, é colorido”. Verificou-se a preferência por este comercial também no depoimento de M (IMEAB) quando declara: “Eu gostei porque ele estava triste e ficou feliz”.

Quanto ao questionamento sobre o gosto pela propaganda da Sandália Carla Perez, a maioria das meninas expôs empatia pelo comercial. “Eu gostei do da Carla Perez porque pareceu bem legal a menininha e a outra desfilando” (B - Adventista). A (IMEAB) explica a sua preferência: “eu gostei desse comercial porque eu achei mais de ‘guria’”. Os meninos também exprimiram sua opinião por este comercial: “eu gostei de todas as propagandas, menos daquela da Carla Perez”, comentou L (IMEAB). Seus colegas G e M concordaram: “é, de mulher não!” (M); “é muito de menininha” (G).

Ao questionar os alunos do IMEAB sobre a preferência pela propaganda do Danoninho, N respondeu: “Eu gosto dessa propaganda porque o iogurte parece um creme de morango”.

Investigando a influência da propaganda ao solicitar o produto aos pais, oito alunos da escola Adventista e seis do IMEAB reconheceram ser influenciados. Na opinião dos pais, João (pai de K - Adventista), afirma que sua filha é influenciada: “quando a propaganda é bem criativa, ou quando o produto interessa à K, há um interesse maior. Aí ela ‘mata’ o tempo dela se preocupando com a propaganda e exigindo que o pai compre aquela roupa, aquele aparelho de jogos...”. “Se algum produto aparece na TV, algum brinquedo, é fatal para eles pedirem. E se tu vê que é um negócio que vale a pena... porque nem tudo o que aparece na TV dá para comprar para as crianças”, afirma Geane, mãe de C (Adventista). As outras duas mães também garantiram que seus filhos são influenciados pela propaganda. “A N é influenciada. Ela pede tudo o que aparece na TV. Principalmente quando aparecem aquelas propagandas de chocolate. Às vezes até ‘eu’ fico com vontade de comer” (Sílvia – mãe de N, aluna do IMEAB). E tais depoimentos comprovam as observações de Sampaio (1997), Barbero (1997) e Canclini (2010).

Quanto à opinião dos pais sobre mensagens apelativas nos comerciais, Geane (mãe de C – Adventista) salienta que é natural, principalmente em datas comemorativas como Natal, dia das crianças, etc.. Já João afirma que há um apelo exagerado: “Se levarmos em conta o volume de propagandas que existe na TV, tanto gerais quanto infantis, é elevado para ao perfil da criança, no caso o perfil financeiro dos pais em geral, cujas rendas não são muito altas”. A mesma opinião teve Sílvia, mãe de N: “Têm propagandas que exageram um pouco e algumas crianças podem comprar e outras não. Acho que a propaganda não precisaria provocar tanto a criança”.

Análise dos Resultados

Baseado nas respostas apuradas, observa-se uma crescente utilização e preferência para que a programação infantil na TV seja condecorada com atrações que envolvem os gostos e as vontades da criança, e cada detalhe em sua estrutura é elemento de colaboração, desde o apresentador até as histórias contadas nos desenhos animados. E a partir do momento em que as crianças conseguem estabelecer a diferença entre propaganda e programa, estão mais preparadas para escolher seus padrões de consumo.

A partir do momento em que as crianças conseguem estabelecer a diferença entre propaganda e programa, estão mais preparadas para escolher seus padrões de consumo. E para algumas delas, a propaganda não atrai, muito menos persuade. Para estas, há necessidade de uma maior sintonia de interesses relativos a este perfil.

Por outro lado, as crianças que gostam de propaganda estabelecem alguns critérios para selecioná-la. Entre os entrevistados, isto é comprovado na predileção pelo comercial do chocolate Tortuguita, cujo humor provoca certa intimidade com o produto. Outra razão que assegurou a atenção pela propaganda foi o valor do produto. Se a criança consumia o produto, apreciava seu anúncio.

Sob o aspecto estratégico, a música, o som, as imagens coloridas, o envolvimento de personagens infantis e as animações também mantêm uma relação íntima com as crianças. Isto propõe uma identificação pessoal e um reconhecimento entre personagem e receptor junto ao seu grupo de convivência. O comercial “Danoninho para beber”, por exemplo, estabelece a relação entre o ambiente familiar e o social da criança, visto que a história contada está pronta para adquirir conexões particulares e coletivas. O que a criança receptora deseja está ali para projetar-se e usufruir-se do prazer em misturar sonho e realidade.

Verificou-se também, com a apresentação dos comerciais, as escolhas dos produtos pela diferença de gêneros. Culturalmente, a partir de oito anos, a menina não considera o menino como modelo. A menina gosta de propagandas que buscam referências de cuidado e aparência; já o menino, imagens e sons que transmitem força e poder como carros, jogos, aventuras visuais, barulhos. Ele não gosta de propagandas dedicadas ao público feminino porque temem ser comparados a elas.

Sob a perspectiva dos pais, a criança é apaixonada por brincadeiras, histórias engraçadas, histórias com bonecos e desenhos animados. Eles afirmam e reconhecem o gosto pela propaganda no ponto de vista dos filhos, embora julgarem apelativos certos anúncios e, em grande parte, coadjuvantes quando influenciam a criança nas decisões de compra da família.

Considerações Finais

É curioso perceber ao longo desse estudo como a propaganda constrói e reconstrói essa demarcação da criança e do adulto e, da mesma forma, como ela deixa pistas para diferentes leituras sem, contudo, tornar o comercial inverossímil. E sob a ótica estratégica de consumo, este trabalho investigativo foi interessante para refletir os gostos e tendências da criança, inclusive sua recepção, na qual percorre atração e rejeição pela mensagem publicitária. A criança é crítica, participante, tem preferências particulares de acordo com sua cultura e seus valores sociais.

Comparando o trabalho de pesquisa em campo e os conceitos dos autores, as ponderações do sujeito investigado aproximam-se, em grande parte, das observações bibliográficas, contribuindo para formular com mais veracidade essa perspectiva do consumo infantil através da publicidade televisiva. Juntamente com as análises de Canclini, Barbero, Kapferer, Jacks e demais autores, verifica-se que a publicidade é um elemento essencial na civilização da criança consumidora, apesar de não ser o principal. A propaganda televisiva informa os produtos, cria necessidades, instiga desejos, mas a família é quem participa do processo decisivo.

Sob o olhar receptivo dos pais, observou-se que a propaganda televisiva é criativa, porém ousada e provocativa. Para eles, o comercial concorre com as decisões familiares, sugerindo o que seus filhos devem consumir bem antes que os próprios pais.

Sob o ponto de vista das agências e dos empresários, para haver estímulo publicitário, é imprescindível entender a criança em seu contexto. Isto indica que a psicologia da criança precisa ser pesquisada, assim como sua recepção para, a posteriori, ser aplicada também nos anúncios publicitários. E entre os comerciais analisados na pesquisa, percebe-se que estes utilizam-se desta compreensão, apostando em linguagens bem-humoradas, fantasiosas, divertidas, construindo em seus anúncios um ambiente familiar aproximado à realidade infantil.  

Esse estudo propôs uma reflexão à sociedade acadêmica e aos investigadores, visto que a criança consumidora exige uma publicidade de qualidade. Essa concepção precisa ser compartilhada pelo publicitário, pelo empresário, pela mídia televisiva, pelos pesquisadores e educadores da infância, para que haja uma retomada de postura e uma recolocação do conceito responsabilidade. É lançado, portanto, o desafio de prosseguir o estudo, fundar discussões contundentes e acompanhar analiticamente essas perspectivas socioculturais, uma tarefa a ser assumida para uma reinvenção crítica do espaço de consumo.

 

Referências

BARBERO, Jesús Martin. Dos Meios às Mediações. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997. 356p.

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 8ª. Ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. 228p.

GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. São Paulo: E.P.U, 1980. 261p.

GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. São Paulo: Summus, 1991. 169p.

JACKS, Nilda. Recepção televisiva: pesquisas brasileiras da década de 1990. Global Media Journal. México, ISSN-e 1550-7521, Vol. 3, Nº 5, 2006. Disponível em: <http://gmje.mty.itesm.mx/jacks.htm>. Acesso em: 25 de julho de 2014.

KAPFERER, Jean-Noël. A criança e a publicidade. Tradução de Evaristo Santos. Paris: Rés, 1998. 280p.

SAMPAIO, Inês Sílvia Vitorino. Televisão, publicidade e infância. São Paulo: Annablume; Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto do Estado do Ceará, 2000. Tese de Doutorado – Universidade Estadual de Campinas, 1999. 298p.

SAMPAIO, Rafael. Propaganda de A a Z: como usar a propaganda para construir marcas e empresas de sucesso. Rio de Janeiro: Campus, ABR, 1997. 285p.

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa – Ação. São Paulo: Cortez, 2005. 129p.

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[1] Publicitária pela (UNIJUÍ/RS) e pesquisadora – Grupo de Pesquisa GPESC sob a coordenação de Alexandre da Silva, Ione Bentz, Lizete Oliveira e Nísia do Rosário / UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Pós-graduada em Marketing Primeira Gerência (ESPM/RS). http://lattes.cnpq.br/9605799683668752 - [email protected]