“A PSICOPATIA E A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA”


 

 

RESUMO

O presente artigo tem o objetivo de analisar a possibilidade de mitigação do princípio da dignidade da pessoa humana aos portadores de psicopatia. Pretende-se conceituar e demonstrar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana, e descrever as característica dos psicopatas e suas peculiaridades em relação à pessoa humana não portadora dessa patologia. Busca, por fim, apresentar a prisão perpétua como solução mais adequada aos psicopatas que trazem graves ricos à sociedade e não possuem capacidade de ressocializarem-se.

Palavras Chave: Dignidade da Pessoa Humana; Princípio Constitucional; Mitigação; Psicopatia; Ressocialização; Progressão de Regime; Prisão Perpétua.

 

 I – O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; II – A Psicopatia; III – A Mitigação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em decorrência da Psicopatia; IV – Referências.

I – O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Definir dignidade da pessoa humana é tarefa difícil, pode-se dizer que se trata de valor de ordem moral e espiritual intrínseco ao ser humano. Sendo assim, possuir tal valor é pressuposto de ser um ser humano.

Tenta Alessandro Marques de Siqueira definir tal conceito:

“Definir Dignidade da Pessoa Humana é complexo. É certo que se pode contar com numerosas reflexões sobre o tema. Não há meios, contudo, para se aferir um conceito definitivo sobre o assunto. Algumas noções, entretanto, são convergentes: a) a felicidade é o fim do Ser Humano; b) o direito surge do homem e para o homem; e, c) a Dignidade está fora do contexto do que pode mensurar na esfera econômica, sendo parcela essencial dos Direitos da Personalidade. Desta forma a Dignidade deve, por estar no núcleo destes direitos, ser preservada no que alude fundamentalmente: integridade física e psíquica.” (SIQUEIRA, 2010)

Positivado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, III, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana consiste em princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido:

“O constituinte de 1988 deixou claro que o Estado democrático de direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1°, III, da Constituição Federal). Aquele reconheceu na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio.” (AWAD, 2006, p.113)

Perante a ordem jurídica vigente no Brasil, a Constituição Federal é a Lei Fundamental, portadora de supremacia, é o instrumento maior para a manutenção do Estado de Direito. Portanto a Constituição é a referência de toda a estrutura do Estado e da sua ordem jurídica, com o poder de invalidar todas as leis e atos que lhe forem contrários.

A supremacia da Constituição Federal perante o ordenamento jurídico brasileiro, aliada à positivação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, demonstra que tal princípio, mais que importante, é verdadeiro norteador de todo direito pátrio.

Corrobora o supramencionado Fahd Awad:

“Adotar a dignidade da pessoa humana como valor básico do Estado democrático de direito é reconhecer o ser humano como o centro e o fim do direito. Essa prerrogativa é o valor máximo, constitucionalmente falando, o valor absoluto. Esse princípio se tornou uma barreira irremovível, pois zela pela dignidade da pessoa, que é o valor supremo absoluto cultivado pela Constituição Federal.” (AWAD, 2006, p.113-114)

II – A PSICOPATIA

A psicopatia é uma patologia a qual seu portador se caracteriza por um comportamento impulsivo e de desprezo a direitos, sentimentos alheios e normas de conduta social. Biologicamente a patologia origina-se através de um transtorno químico causado pela carência dos neurotransmissores dopamina e noradrenalina, implicando na alteração do funcionamento lobo frontal do cérebro. Embora a genética tenha importância para existência da doença, fatores externos também influem em sua evolução. É importante frisar que a psicopatia não trás nenhum efeito danoso à capacidade intelectual de seu portador.

Nesse sentido:

“É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata literalmente significa doença da mente (do grego, psyche = mente; e pathos = doença). No entanto, em termos médico psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo). Ao contrário disso, seus atos criminosos não provêm de mentes adoecidas, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com sentimentos. Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros ‘predadores sociais’, em cujas veias e artérias corre um sangue gélido.” (SILVA, 2008, p.32)

Sabidas as características da personalidade dos psicopatas é possível deduzir que substancial parcela dos agentes de crimes, e consequentemente de presidiários, são portadores desse transtorno.

Nesse sentido, informa Luciana Reis Moreira e outros:

“no contexto psiquiátrico-forense acredita-se que os psicopatas são ‘responsáveis pela maioria dos crimes violentos em todos os países’, que ‘apresentam os mais elevados índices de reincidência criminal’, ‘insuficiente resposta aos programas de reabilitação’, entre outros. Uma estimativa aponta que a prevalência desse diagnóstico na população carcerária estaria em torno de 20%.” (MOREIRA e outros, 2010, p.301)

Mais que a punição, o sistema carcerário brasileiro objetiva que a pena seja meio de ressocialização do apenado. Tal objetivo é notório, visto as últimas decisões do Supremo Tribunal Federal que permitiram a progressão de regime a presos condenados por crimes considerados hediondos ou equiparados, como sequestro e tráfico de drogas, que apresentarem bom comportamento. Entretanto o bom comportamento de presos portadores de psicopatia nada teria relação com sua suposta ressocialização. Já que o motivo que os leva ao crime não é social ou moral, mas sim patológico e incurável.

Corrobora tal raciocínio, quanto à irrelevância do bom comportamento:

“O mais surpreendente é que, a princípio, os psicopatas aparentam ser melhores que as pessoas comuns. Mostram-se tão inteligentes, talentosos e até encantadores como o próprio conde romeno que o cinema imortalizou como o Conde Drácula. Inicialmente nos despertam confiança, simpatia e acabamos por esperar mais deles do que das outras pessoas. Ilusórias expectativas!” (SILVA, 2008, p.37)

E quanto a ineficácia da ressocialização:

“Sem conteúdo emocional em seus pensamentos e em suas ações, os psicopatas são incapazes de considerar os sentimentos do outro em suas relações e de se arrependerem por seus atos imorais ou antiéticos. Dessa forma, eles são incapazes de aprender através da experiência e por isso são intratáveis sob o ponto de vista da ressocialização.” (SILVA, 2008, p.159)

III - A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM DECORRÊNCIA DA PSICOPATIA

Como já abordado, o princípio da dignidade da pessoa humana é inerente a todo ser humano, independentemente de serem portadores de patologias, como é o caso dos psicopatas. Ficou, também, evidente que a impossibilidade de progressão de regime viola a dignidade da pessoa humana, já que inviabiliza o abrandamento da pena a indivíduos em processo de ressocialização. Em contraponto, foi demonstrada a incapacidade de ressocialização dos portadores de psicopatia, e, consequentemente, a incoerência de beneficia-los com a progressão de regime. Destarte, surge a problemática envolvendo a possibilidade de mitigação do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio que deveria, em rasa análise, salvaguardar, indistintamente, a integridade física e psíquica de todo ser humano.

A inexistência de tratamento e a não ocorrência de qualquer desorientação, como alucinações ou sofrimento mental, presentes em outras doenças psiquiátricas, faz com que se torne inadequada internação dos indivíduos portadores de psicopatia, para a aplicação de medida de segurança. Nesse caso, seriam dispensados, ineficazmente, recursos estatais no tratamento de paciente intratável, e que não é acometido por qualquer sintoma deletério em relação ao seu bem estar.

Dessa maneira, a solução plausível para os psicopatas seria a possibilidade de imputar prisão perpétua àqueles cujo transtorno coloque, permanentemente, em risco a sociedade, haja vista que inexistiria solução que não seja coloca-los fora do convívio social.  Contudo o princípio da dignidade da pessoa humana obsta a aplicabilidade de prisão permanente, já que danos imensuráveis seriam opostos a integridade física e psíquica de ser humano submetido a tal regime.

Para haver possibilidade de mitigar o princípio da dignidade da pessoa humana, é preciso entender que a compreensão de “pessoa humana” ultrapassa a seara biológica, ferindo a seara comportamental.

Aprofunda esse entendimento:

“Eles se opõem à maquinaria disciplinar, exercendo liderança, manipulando o diagnóstico, insuflando os outros presos. Um laudo produzido por um psiquiatra do sistema penitenciário traz o termo “carreirista da indisciplina”, para denominar esta “variedade de humanos” – ou não-humano.” (MOREIRA e outros, 2010, p.301)

“Nos seres humanos as reações de medo e de raiva se manifestam de forma bastante semelhante àquelas observadas nos animais. No entanto, entre os seres humanos as emoções são moduladas pela razão. Doses certas de razão e emoção é que fazem com que tenhamos comportamentos tipicamente humanos.” (SILVA, 2008, p.154)

Portanto, o que caracteriza alguém como “ser humano” não são, apenas, suas características biológicas, mas também sua consciência racional, moral e emocional. As emoções distinguem seres humanos de animais, e como estas estão ausentes nos psicopatas, é possível qualifica-los como “seres humanos incompletos". Dessa maneira, mostra-se possível mitigar a dignidade humana daqueles cuja humanidade não é completamente desenvolvida.

Quando há a colisão do mesmo princípio, resta ser feita uma ponderação entre os alvos do princípio. Não excluir do convívio social esses “indivíduos humanamente incompletos”, que serão eternamente criminosos, embasando-se na dignidade da pessoa humana, é ignorar a dignidade da pessoa humana não psicopata, que permanecerá ad aeternum vulnerável e insegura.

VI – REFERÊNCIAS

AWAD, Fahd. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista Justiça do Direito, Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, v. 20, n. 1, p. 111-120, 2006.

MOREIRA, Luciana Reis; FIGUEIREDO, Tatiana Fulton de; UZIEL, Ana Paula; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho de. A Construção da Psicopatia no Contexto da Cultura do Medo. Revista de Psicologia da IMED, Passo Fundo: Escola de Psicologia da Faculdade Meridional, v.2, n1, p; 297-306, 2010.

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Dignidade da pessoa humana. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 82, 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8510&revista_caderno=9>. Acesso em 1° de outubro de 2012.