A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR E A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Eunizia Rodrigues Correia*

 

RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo demonstrar a importância do código de Defesa do consumidor, que foi elaborado para proteção da parte mais fraca na relação consumerista. Relata sobre os princípios abrangentes pelo protecionismo, dando maior ênfase na inversão do ônus da prova, que é uma das facilidades apresentadas ao consumidor. Descreve as divergências existentes no tocante ao momento certo para a determinação da inversão do ônus da prova, destacando seus requisitos e o entendimento jurisprudencial dominante.

Palavras chave: Direito do consumidor, inversão do ônus da prova, momento adequado para determinar a inversão.

SUMÁRIO: Introdução; 1-História do Direito do Consumidor; 2-Principios consagrados no CDC, 2.1- Princípio da transparência 2.2- Princípio da vulnerabilidade 2.3- Princípio da boa fé objetiva 2.4- Princípio da equidade e da confiança 2.5- Princípio da repressão eficiente a abusos 2.6- Princípio da harmonia no mercado de consumo 3-Inversão do ônus da prova 3.1-O ônus da prova à luz da Lei 8.078/90 3.2-Requisitos para a inversão do ônus da prova 3.2.1- Verossimilhança 3.2.2- hipossuficiência  3.3-Momento processual para determinar a inversão do ônus da prova 3.4- Entendimento Jurisprudencial 4-Conclusão 5-Referências.

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1-Eunizia Rodrigues Correia, ex- estagiária de direto da Prefeitura de Belo Horizonte- PROCON-BH, Advogada atuante no Escritório de Advocacia Paulo de Paula Reis Filho, Pós-graduada em Ciências Penais e Direito Público.  

2- Texto elaborado em maio de 2011 e revisado em  junho de 2015

 INTRODUÇÃO

                   A luta pelos direitos vem desde os primórdios, tendo surgido à proteção do consumidor inicialmente no antigo Egito, devido à existência de concorrência entre os fabricantes, o que ocasionou a competição entre os mesmos, no sentido de oferecer produtos com maior qualidade em razão das exigências dos respectivos consumidores.

                  No Brasil, a preocupação com o consumidor foi identificada após o início da industrialização, em meados da década de 1930, pois nesta época o Estado possuía características fortemente intervencionistas na ordem econômica.

                   No entanto, o marco significativo foi com a edição da Lei nº 7.347/85, conhecida como Lei da Ação Civil Pública, que visava à proteção dos interesses difusos da sociedade. Após, foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor e, posteriormente a Constituição Republicana de 1988, que determinou a elaboração da lei que protegesse o Consumidor, vindo em 1990 a ser estabelecido o Código de Defesa do Consumidor.

                   A metodologia a ser utilizada para descrever o trabalho será a teórica, baseando-se em livros, legislação e jurisprudências, que serão divididos em capítulos.

                  No primeiro capítulo será abordada a história do direito do consumidor, explanando desde o seu surgimento até os dias atuais.

                  O segundo capítulo descreverá os princípios do direito do consumidor –CDC- tendo em vista se tratar de um sistema de principiologia, que permite a interpretação do julgador quando da apreciação de ações cujo objeto é afeto às suas disposições.

                  No terceiro capítulo será narrado um dos principais princípios que é a inversão do ônus da prova, que veio como um instituto para igualar as partes, porém com específica proteção à parte mais vulnerável da relação, que é o consumidor, tendo em vista que este não detém a capacidade técnica para defesa de seus direitos.

                  Neste capítulo será analisado a inversão do ônus da prova à luz da Lei 8.078/90, demonstrando seus requisitos e finalizando com o questionamento do momento processual para determinar a inversão do ônus da prova, fundamentado com jurisprudências.

1- HISTÓRIA DO DIREITO DO CONSUMIDOR

      O Código de Defesa do Consumidor surgiu através de manifestações de desequilíbrio entre os fornecedores e consumidores, visto que havia uma enorme diferença fática entre ambos.

      Destaca-se que foi na época da Revolução Industrial do século XVIII e do aperfeiçoamento do liberalismo econômico do século XIX, que houve a descoberta da força do fornecedor frente ao consumidor, uma vez que este sempre estava sujeito às regras impostas pelo fornecedor, devido ao poderio e fortalecimento no setor industrial, detendo conhecimento suficiente para prevalecer seus objetivos.

                  Com a modificação causada pela Revolução Industrial, à produção manual e artesanal cedeu lugar à produção em massa, causando com isto a distância entre fornecedor e consumidor, devido a uma relação impessoal, com isto o consumidor passou a sofrer com as consequências da nova tecnologia, além de uma maior exposição do consumidor a produtos defeituosos decorrentes de erros técnicos e falhas no processo produtivo.

                  O liberalismo, porém estabeleceu o princípio da autonomia de vontades, tendo em vista que este voluntarismo consistia na liberdade de contratação e tinha como base a igualdade jurídica dos contratantes, desde que ficasse comprovada a demonstração da autonomia da vontade em contratar, sendo necessária a ausência do Estado nas relações de consumo.

                  No entanto, diante do desenvolvimento e com a expansão do comércio, houve conflito no setor da economia, sendo explicado pelas diferenças existentes entre produtor e consumidor, sendo a partir daí necessário a intervenção do Estado na economia, na esperança de uma relação mais justa e equilibrada entre produtor e consumidor.

      Em 1962, houve uma grande mudança no cenário mundial quando os consumidores norte-americanos solicitaram um programa de reformas, requerendo a defesa na relação consumerista, ao passo que na Europa era criado Associações para defesa do consumidor.

       No Brasil, a mudança somente ocorreu após a promulgação da CRFB/88, quando o legislador contemplou a defesa do consumidor nos artigos 5º, XXII e 170, V, da CRFB/88 e no art. 48 da ADCT, estabelecendo ao Estado o dever de promover na forma da lei a defesa do consumidor e incluir o Principio geral da Ordem Econômica. Já o art. 48 dos Atos das Disposições Transitórias, o legislador determinou ao Congresso Nacional a elaboração, no prazo de 120 dias, do Código de Defesa do Consumidor.

       Assim, em 1990 foi promulgada a Lei 8.078, que renovou o ordenamento jurídico pátrio, tutelando os direitos consumeristas, garantindo ao consumidor sua defesa e proteção devido a sua falta de conhecimento frente ao fornecedor.

                  O ilustre doutrinador Antônio Junqueira de Azevedo (AZEVEDO, 1996, p.17), salienta que:

Na impossibilidade de encontrar no velho Código Civil base para o desenvolvimento teórico do que há de mais apto para transformar, o sistema fechado em sistema aberto-por exemplo, a referência expressa a cláusulas gerais, como a da boa-fé e a princípios jurídicos, como a da exigência de igualdade real nos negócios jurídicos; é no Código de Defesa do Consumidor que se pode encontrar um “ersatz” do código civil que não veio ou não teve um ponto de apoio para avalancar à atualização.

      Na concepção do autor o Código Civil de 1916, não contemplava de forma justa a relação de consumo existente entre quem detém o poder e conhecimento em detrimento de quem é vulnerável, de forma que o fornecedor sempre estava com vantagem diante do consumidor, ocorrendo o mesmo no Código Civil de 2002, onde o legislador não distinguiu a relação entre vulnerável x potencial, tratando-os de forma igual na relação de consumo.

2-PRINCIPIOS CONSAGRADOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

       O Código de Defesa do Consumidor, por ser uma manifestação da cultura jurídica, contém valores e princípios consagrados que tutelam os direitos ali elencados.

      Os princípios são uma forma de interpretação de natureza teleológica que visa à busca de significados aceitos pelos operadores de Direito, bem como a sociedade em si, uma vez que apresenta como uma formulação de todo sistema jurídico, com o intuito de dar efetividade ao problema ali apresentado.

      Neste particular, o principio se apresenta como uma busca da concretização de valores, de forma que os operadores do direito não fiquem submissos a normas de sentido incompleto, podendo assim, solucionar a controvérsia alcançando o equilíbrio entre as partes, bem como o desenvolvimento da atividade econômica e a existência digna nos ditames da Justiça Social.

      Em análise ao art. 4º do CDC, podemos perceber que este trata da “Política Nacional das relações de consumo”, estabelecendo a responsabilidade dos poderes públicos, bem como dos agentes econômicos, garantindo a realização dos princípios consumeristas e ainda condicionando a aplicação das normas a esses objetivos jurídicos de prioridade, conforme pode ser verificado na leitura abaixo:

 Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

        I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

        II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

        a) por iniciativa direta;

        b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

        c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

        d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

        III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

        IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

        V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

        VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

        VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

        VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

       Diante da leitura do artigo é perceptível que o legislador deixou explicito uma série de princípios objetivando a efetivação dos direitos consumeristas, que serão analisados abaixo.

2.1-Principio da transparência

      O princípio da transparência se encontra no caput do art.4º, bem como no artigo 6°, III, ambos da Lei 8078/90, assegurando ao consumidor a informação exata das obrigações assumidas pelo fornecedor, ou seja, deve o fornecedor transmitir ao consumidor todas as informações de forma clara e precisa a respeito dos produtos e serviços, apontando a correta composição, quantidade, qualidade, características e preços dos mesmos.

      Ressalta-se que uma cláusula contratual que restringe o direito do consumidor, somente será considerada válida, se na época da contratação esta tenha sido satisfatoriamente informada ao consumidor quanto a sua existência, bem como do seu conteúdo; caso esta cláusula não tenha sido esclarecida ou informada de forma clara ao consumidor, a mesma será considerada nula, devido à falta de esclarecimento.

       Assim podemos entender que o principio da transparência tende a evitar as possíveis lesões ao direito do consumidor, uma vez que o mesmo está sujeito a vincular-se a obrigações ilegais. Neste sentido, denota-se que ao efetuar a compra de um produto ou de contratar um serviço, as informações devem ser claras e precisas, de forma que sejam compreensíveis quanto as suas propriedades e peculiaridades.

2.2-Princípio da vulnerabilidade

 

       O principio da vulnerabilidade é decorrente do princípio constitucional da isonomia, tendo em vista que os desiguais devem ser tratados de forma desigual na proporção de suas desigualdades, de forma a obter a igualdade desejada.

      Este princípio se encontra no artigo 4º, I, do CDC, objetivando a proteção do consumidor, por ser este a parte mais fraca na relação de consumo, uma vez que o mesmo pode ser afetado pela desinformação na influência das propagandas e ainda pela desvantagem econômica.

      Sustenta João Batista de Almeida (ALMEIDA, 1993, p. 11) que:

A vulnerabilidade é a espinha dorsal da proteção do consumidor, sobre o que se assenta toda a linha filosófica do movimento. É sem dúvida que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, por apresentar sinais de fragilidade e impotente diante do poder econômico.

       Na concepção do autor, o consumidor por ser a parte mais fraca na relação de consumo, deve ser protegido de forma a igualar a relação jurídica consumerista, principalmente no que tange a carência técnica, jurídica ou científica e fática ou sócio-econômica; uma vez que o fornecedor detém o saber especializado sobre o produto, que fabrica e comercializa, enquanto o consumidor não detém nenhum conhecimento sobre o mesmo, sendo levado pelas filosofias do comerciante.

       Neste particular, necessário se faz o esclarecimento acerca dos tipos de três de vulnerabilidade, que são:

        Técnica: Este tipo de vulnerabilidade é perceptível quando o consumidor não conhece especificamente o objeto adquirido, sendo facilmente enganado quanto às características ou ainda quanto à utilidade do bem ou do serviço.

      Jurídica ou científica: Esta vulnerabilidade é caracterizada pela falta de conhecimentos jurídicos específicos, de contabilidade ou de economia; podendo ser citado como exemplo os Contratos, em que o consumidor não sabe o que significa o teor de cada cláusula.

       Fática ou sócio-econômica: Este tipo de vulnerabilidade está relacionado à posição de monopólio fático-jurídico, que devido ao grande poder econômico do fornecedor ou em razão da essencialidade do serviço, este impõe sua superioridade a todos que com ele contrata.

2.3- Princípio da boa fé objetiva

 

      Este princípio é decorrente do art. 422 do Código Civil de 2002, em que determina aos contratantes a obrigação em guardar os princípios da probidade e da boa fé, tanto na formação do contrato como na conclusão e execução.

      Na relação de consumo o legislador elencou no art. 4º, III, parte final, do CDC, que é requisito fundamental para o enlace fornecedor-consumidor a existência da boa- fé objetiva de forma recíproca; logo, os contratantes e contratados devem manter uma política de lealdade no exercício das atividades jurídicas, sendo obrigatórios a lealdade e respeito desde a formação inicial da relação de consumo até o final da mesma, de forma que haja uma relação harmônica e transparente.

2.4-Princípio da equidade e da confiança

       A equidade contratual busca refletir o valor do justo, buscando o equilíbrio dos direitos e deveres no contrato, sendo necessária a intervenção do Estado para compensar o desequilíbrio fático entre fornecedor que redige o contrato e o consumidor que apenas adere ao mesmo em ato de submissão.

      Diante disto o legislador determinou no artigo 47 do CDC que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”, isto porque o contrato de adesão apenas tem a participação do fornecedor, cabendo ao consumidor tão somente a adesão e, ainda pelo fato do mesmo não ter a capacidade para compreender o conteúdo das cláusulas contratuais, podendo assim ser facilmente ludibriado pelo fornecedor.

2.5- Princípio da repressão eficiente a abusos

       Este princípio está implícito no artigo 4º, VI, do CDC, determinando que devem ser reprimidos todos os abusos, principalmente no que tange a concorrência desleal, bem como da utilização indevida de criações e invenções das marcas, nomes comerciais e signos distintivos que podem causar prejuízos ao consumidor.

       Assim, este princípio reprime ao fornecedor em usar dados falsos, pois este ao utilizar dados inverídicos estará abusando não só do autor real do produto, mas principalmente do consumidor por suprir informação.

 

2.6-Princípio da harmonia no mercado de consumo

 

       O princípio da harmonia no mercado de consumo é tratado no artigo 4º, caput e inciso III, do CDC, em que há determinação do legislador de haver harmonia no mercado consumista, de forma a perfazer a interação entre produção e consumo.

       Podemos citar como exemplos o “recall”, em que o fornecedor chama o consumidor para a realização de troca de peça defeituosa no produto e o “compromisso de ajustamento de conduta”, em que diante de uma atividade danosa ao consumidor, esta é retificada mediante a cominação de multa, a fim de evitar ações na Justiça.

 

   3. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

 

       O principio da inversão do ônus da prova decorre do artigo 6º, VIII, do CDC; proporcionando a facilitação na defesa do direito do consumidor, pelo fato deste não possuir as informações necessárias para a sua defesa.

      No entanto, para exercer este direito é necessário o preenchimento de um dos seguintes requisitos: a verossimilhança ou a hipossuficiência, pois sem estes não é possível a inversão, uma vez que é regra geral que cada parte prove suas alegações.

3.1- O ônus da prova á luz da Lei 8.078/90

         

      No direito as provas são os elementos de convicção do julgador que são produzidas nos autos para demonstrar a veracidade dos fatos alegados pelas partes (CPC, art. 332), sendo aceito somente provas obtidas de forma lícita, mesmo quando se estiver diante de um vulnerável, uma vez que a colheita de prova se faz necessária para que o juiz forme seu convencimento mediante o juízo de valor acerca dos fatos narrados.

      O Código de Processo Civil de 2002 determina no artigo 333, que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

       No entanto, devido à proteção dada ao consumidor por ser a parte fraca na relação de consumo, o ônus da prova passou a ser do fornecedor, uma vez que este detém o conhecimento jurídico, fático e econômico do produto; enquanto o consumidor apenas adere ao exposto a si, assim, deve ocorrer da inversão do ônus da prova para igualar as partes processuais.

       Na relação de consumo caberá ao fornecedor o ônus da prova, uma vez que o consumidor por ser vulnerável, não conseguirá provar os atos praticados pelo fornecedor, isto porque os dois polos da relação de consumo (consumidor/fornecedor) são partes desiguais em qualidade de entendimento e poderio, bem como técnica e econômica, visto que o fornecedor possui a técnica da produção que vai de acordo com seus interesses, além do poder econômico.

      Destaca-se que a inversão do ônus da prova é um direito básico conferido ao consumidor, que tem o intuito de facilitar sua defesa no processo civil, porém quanto a aplicação deste direito, o juiz somente concederá quando ficar comprovada a verossimilhança  ou  a hipossuficiência, segundo a regrado art. 6º , VIII, do CDC.

      Ressalta-se que mesmo diante do principio protecionista do Código de Defesa do Consumidor, é assegurado ao fornecedor sua ampla defesa, podendo fazer uso de todos os meios necessários a sua defesa, conforme descrição dos artigos 301 e incisos, 265, IV, a, e 267, IV, CPC.     

3.2- Requisitos para a inversão do ônus da prova

 

      O art. 6º, VIII, do CDC, determina que:

São direitos básicos do consumidor:

VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente segundo as regras ordinárias da experiência.

                       Assim, para que haja a inversão do ônus da prova deve o consumidor provar a verossimilhança em suas alegações ou que é hipossuficiente em relação ao fornecedor, uma vez que tal benefício somente será concedido mediante a comprovação destes requisitos em juízo, pois no processo civil o juiz estará ligado ao principio da legalidade, devendo assim, motivar suas decisões.

                  Passaremos a analisar os requisitos, para compreendermos o porquê da inversão do ônus da prova.

3.2.1 – Verossimilhança

 

      O requisito da verossimilhança requer que as alegações rogadas em juízo tenham uma noção de veracidade, de forma que fique evidente que o fato alegado é real, devendo assim, os argumentos serem plausíveis de forma a  ensejar a inversão do ônus da prova.

3.2.2 – Hipossuficiência

       A hipossuficiência é um requisito conferido ao consumidor que tem dificuldade em comprovar os fatos alegados, por se encontrar em situação de impotência ou de inferioridade na relação de consumo, seja quanto ao conhecimento técnico, jurídico ou econômico, conforme detalhado abaixo:

        - econômica: este tipo de hipossuficiência se relaciona a situação financeira do consumidor, assegurando os benefícios da gratuidade de justiça a todos aqueles que não podem arcar com as custas judiciais sem  prejuízo de seu  sustento  e de sua família.

                  -técnica: este tipo se diz respeito à fabricação e desenvolvimento do produto.

                  - Jurídica: esta se diz respeito ao conhecimento de leis e normas do mundo jurídico.

                   Ressalta-se que no CDC os tipos de hipossuficiência que dá direito a inversão do ônus da prova são a técnica e a jurídica, uma vez que estas se relacionam com a falta de conhecimento, que leva ao desequilíbrio na relação de consumo.

3.3-Momento processual

 

           De acordo com a legislação vigente, o juiz mediante requerimento da parte ou de oficio, analisará se há incidência de um ou de ambos os requisitos para inversão do ônus da prova, para posteriormente proferir sua decisão.

           Este é um ponto bastante polêmico, devido à falta de previsão legal do momento processual para inversão do ônus da prova, ocorrendo divergência no que tange ao momento adequado para que o juiz possa aplicar a inversão do ônus da prova.

           Diante desta discussão surgiram duas correntes que passaremos a analisa-las, destacando os argumentos defendidos pelos doutrinadores.

1ª corrente: momento processual adequado é a sentença

           Esta corrente é defendida pelos seguintes doutrinadores: Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Nelson Nery Júnior, alegando que a sentença é o momento processual mais adequado para a ocorrência da inversão do ônus da prova, isto porque somente após a instrução é que o juiz teria ciência das provas, podendo declarar com certeza se realmente o consumidor preencheu os requisitos solicitados.

           Os defensores desta corrente entendem que a inversão neste momento processual não seria fator de surpresa à parte ré, pois o Juiz poderia informá-las que ao proferir a sentença inverteria o ônus da prova, uma vez que constava na petição inicial o pedido expresso do autor, sendo este previamente conhecido pelo réu quando da contestação.

2ª corrente: momento processual adequado é o saneador

                   A 2ª corrente é defendida pelos seguintes doutrinadores: Carlos Barbosa Moreira, Teresa Arruda Alvim e Luiz Antônio Rizzato Nunes, que sustentam que o momento correto da inversão do ônus da prova é logo após a fase postulatória, ou seja, quando o juiz após o exame da legitimidade da relação processual, nega ou admite a continuação do processo ou da ação, de forma a declarar livre de quaisquer vícios que podem impedir o regular processamento do feito, desimpedindo o caminho para a correta  instrução  e conseqüente solução da causa.

           Os defensores desta corrente alegam que a inversão neste momento permite a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, garantindo o devido processo legal.

           Sustenta que a inversão do ônus da prova no momento da sentença seria uma afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa, determinado pelo artigo 5°, LV da CRFB/88, causando o cerceamento da defesa do fornecedor, pois neste momento o juiz já estaria julgando a causa, não sendo possível alegar mais nada em seu favor, nem mesmo em sede de recurso, pois neste ato não é aceito argüir o que não questionado em primeira instância e ainda por não ser mais possível  a produção de provas,  tendo como consequência o resultado desfavorável, lesando os direitos constitucionais consagrados.

3.4-Entendimento jurisprudencial

 

      Os nossos tribunais, tem entendido ser o momento processual adequado para a inversão do ônus da prova o despacho saneador, conforme abaixo:

 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - CDC - APLICABILIDADE - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - REQUISITOS - ART. 6º, VIII, DO CDC - NÃO CONFIGURAÇÃO - MOMENTO ADEQUADO - FASE DE SANEAMENTO - RESPONSABILIDADE CIVIL - CORPO ESTRANHO NA GARRAFA DE REFRIGERANTE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ATO ILÍCITO - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. - Consoante se depreende do art. 6o, VIII, do CDC, deve o juiz proceder ao juízo de verossimilhança das alegações do consumidor, bem como da hipossuficiência deste, entendida esta do ponto de vista técnico, de desconhecimento da questão ou dificuldade de obtenção de dados, para que, uma vez configurado algum dos referidos requisitos, ou ambos, aplique a regra de inversão do ônus da prova insculpida nesse dispositivo. -O momento processual oportuno para a inversão do ônus probatório é a fase de saneamento e não o julgamento da lide, em respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório, de forma a assegurar a igualdade das partes na relação jurídico-processual. - Em razão da adoção pelo CDC da teoria da responsabilidade objetiva nos casos de defeito na fabricação do produto, a responsabilidade civil do fabricante restará caracterizada quando presentes o vício do produto (conduta ilícita), o dano causado ao consumidor e o nexo de causalidade entre os dois primeiros elementos. - Se o produto contaminado com corpos estranhos não foi ingerido pelo consumidor que percebeu que este estava impróprio para o consumo, não há que se falar em dano. - Somente configura dano moral a dor, o constrangimento e a humilhação intensas e que fujam à normalidade, interferindo de forma decisiva no comportamento psicológico do indivíduo. Nesse diapasão, mero dissabor não é objeto de tutela pela ordem jurídica. Do contrário, estaríamos diante da banalização do instituto da reparabilidade do dano extrapatrimonial, que teria como resultado prático uma corrida desenfreada ao Poder Judiciário, impulsionada pela possibilidade de locupletamento às custas dos aborrecimentos do cotidiano.

 (Processo: 4048067-72.2007.8.13.0024 , Des.(a) ELPÍDIO DONIZETTI, Data do Julgamento:  26/01/2010 )

PRELIMINARES - OMISSÃO - ALCOOLISMO E SUICÍDIO - ALEGAÇÕES QUE NÃO COMPUSERAM A CAUSA DE PEDIR INICIAL - APRESENTAÇÃO TARDIA - DECLARAÇÕES DA PRÓPRIA AUTORA-APELANTE EM CONTRÁRIO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO ADEQUADO - ATÉ O DESPACHO SANEADOR - REQUERIMENTO EXPRESSO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO AVIADOS CONTRA A SENTENÇA - REJEIÇÃO. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA - MORTE DO SEGURADO - SEGURADORA - PAGAMENTO DO CAPITAL DEVIDO POR MORTE NATURAL - BENEFICIÁRIA - AÇÃO DE COBRANÇA - MORTE ACIDENTAL - CLÁUSULAS FIXADAS RIGIDAMENTE PELA SUSEP - CONCEITO DE ACIDENTE DE TRABALHO - ART. 1º DO ANEXO À CIRCULAR Nº 29, DE 20.12.91 - EXCLUSÃO DAS DOENÇAS - PROVAS - FALECIMENTO DECORRENTE DAS COMPLICAÇÕES DA DIABETE - SUICÍDIO NÃO CONFIGURADO - INCIDÊNCIA DO CDC - CLÁUSULA QUE EXCLUI COBERTURA EM CASO DE ALCOOLISMO - AUSÊNCIA DE APLICAÇÃO PELA PRÓPRIA SEGURADORA - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - PEDIDO TOTALMENTE EXTEMPORÂNEO - CONTRADITÓRIO - AMPLA DEFESA - IGUALDADE ENTRE AS PARTES - IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ART. 20, DO CPC - AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO - APRECIAÇÃO EQÜITATIVA - POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO EM PORCENTAGEM SOBRE O VALOR DA CAUSA - QUANTUM RAZOÁVEL.

A autora apenas começou a respaldar sua argumentação diretamente no suicídio e no alcoolismo, após a prolação da sentença, quando, então, percebeu que não fora aceito o entendimento de que a morte por hipoglicemia e parada cárdio-respiratória, relacionadas à diabete, caracterizava acidente. Na inicial, e mesmo na impugnação à contestação, sequer se mencionou o suicídio, tendo a requerente afirmado, categoricamente, que a morte de seu irmão decorrera apenas e diretamente das complicações da diabete.

A autora, em seu depoimento pessoal, assegurou que seu irmão não cometera o suicídio, sendo inaceitável, portanto, seu pleito de que, em grau recursal, seja considerado verdadeiro fato totalmente contrário às suas próprias declarações.

A definição do momento processual adequado, para que se tome uma decisão sobre a concessão ou não da inversão requerida, é de extrema importância, não só porque a inversão representa uma exceção à regra geral de distribuição do ônus da prova, como também para que se resguardem garantias constitucionais, como a ampla defesa, o contraditório e a igualdade entre as partes da relação litigiosa. O procedimento correto é esperar seja oferecida a resposta, e, só após, até o despacho saneador, tomar a decisão acerca da inversão requerida.

A parte interessada deve requerer a inversão do ônus probatório, antes da prolação do despacho saneador, sendo totalmente descabida a dedução de tal pedido, apenas em embargos declaratórios, após a prolação da sentença. Nos termos do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90, o Juiz pode promover a inversão de ofício. Se não o fez, é óbvio que a considerava incabível. Se a autora desejava que houvesse manifestação expressa a respeito, deveria ter apresentado requerimento, tempestivamente. Tendo, porém, feito o pedido específico de inversão, apenas nos embargos declaratórios, é claro que o Juiz não tinha qualquer obrigação de se manifestar a respeito, na sentença, que, destarte, não apresenta qualquer nulidade.

As seguradoras não têm liberdade de fixação do conteúdo das cláusulas constantes dos seus contratos, as quais são quase que integralmente estabelecidas pelo poder público, especialmente através da SUSEP.

No art. 1º, do anexo à Circular nº 29, da SUSEP, de 20.12.91, fixou-se o conceito de acidente pessoal, como "o evento com data caracterizada, exclusiva e diretamente externo, súbito, involuntário e violento, causador de lesão física que, por si só, e independentemente de toda e qualquer outra causa, tenha como conseqüência direta a morte ou invalidez permanente total ou parcial do segurado, ou torne necessário tratamento médico", deixando-se claro, no §3º, que não podem ser aí incluídas as doenças.

O endocrinologista que acompanhava o segurado garantiu que qualquer diabético pode apresentar hipoglicemia, decorrente do uso de insulina, e que é raro que a intoxicação por álcool contribuísse para a hipoglicemia, em diabéticos, jogando por terra a frágil tese da apelante de que a hipoglicemia apenas poderia decorrer de fator externo, alheio às implicações normais da diabetes, e também seu argumento de que o alcoolismo, certamente, é que teria causado o suposto acidente.

Definitivamente afastada a hipótese de suicídio, por inexistir, nos autos, qualquer prova a respeito, indicando os elementos probatórios que a morte do segurado foi natural, tendo decorrido, como dito pela própria requerente, na impugnação à contestação, das complicações da diabete grave de que padecia o segurado.

A relação entre segurado - pessoa física - e seguradora desenvolve-se sob a égide do Código do Consumidor, mas isso em nada aproveita ao pleito da recorrente, pois, ainda que se considere abusiva a cláusula que exclui a cobertura, em caso de alcoolismo, é preciso registrar que a própria seguradora deixou de aplicar tal dispositivo contratual, tendo pago à autora o capital devido, em virtude da morte natural, apesar de estar ciente de que o segurado era alcoólatra.

Desenvolvida a relação processual, sob a égide do art. 333, do CPC, produzidas todas as provas requeridas pelas partes, é absurdo que, apenas após a prolação da sentença, a autora venha requerer a inversão do ônus da prova, já ciente de que não se desincumbira idoneamente do ônus de provar suas alegações, tanto assim, que a ação foi julgada improcedente. Acolher seu pedido significaria violar, frontalmente, o princípio da igualdade entre as partes, invertendo o ônus da prova, após encerrada a fase probatória, inclusive já decidido o feito em primeiro grau, instituindo-se inaceitável privilégio, em prol da apelante, afrontando-se os princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, então, não haveria como a ré-apelada demonstrar fatos que, até então, não sabia caber-lhe provar.

Os honorários advocatícios foram fixados corretamente pelo juiz, em 10% sobre o valor da causa, tendo se valido de sua discricionariedade, mas absolutamente dentro dos limites legais, aplicando, adequadamente, o §4º do art. 20, do CPC, que não veda a utilização dos parâmetros do §3º, mas apenas não deixa o Juiz a eles adstrito, permitindo que este fixe a verba, de acordo com sua apreciação eqüitativa. O quantum arbitrado é adequado, sendo razoável para remunerar a atividade do patrono da apelada, pois a causa exigiu considerável dispêndio de esforço, com produção de várias peças e tipos de prova, inclusive oral, tendo o mesmo atuado com o zelo esperado.

(APELAÇÃO CÍVEL Nº 378.262-9 - 12.12.2002, Des.(a) EDUARDO MARINÉ DA CUNHA, Data do Julgamento:  12/12/2002)

       Diante da análise destes acórdãos podemos perceber que a jurisprudência tem entendido que o momento processual mais adequado é a fase do saneamento, pois nesta não ocorre a lesão à parte contrária e consequentemente o cerceamento de defesa, além de fornecer ao juiz a faculdade de determinar providências de natureza probatória.

4- CONCLUSÃO

 

       Podemos perceber que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078/90 – consistiu em um verdadeiro avanço no que tange a proteção do consumidor, por permitir a aplicação dos institutos nele previstos, de forma a dar efetividade aos direitos da parte mais fraca na relação de consumo, tendo em vista a situação vulnerável em que o consumidor está perante o fornecedor.

       Sendo assim, necessário se faz a inversão do ônus da prova determinada pelo Código de Defesa do Consumidor por garantir a ordem jurídica e o equilíbrio entre as partes na relação de consumo, devendo esta ocorrer no despacho saneador, no intuito de não causar o cerceamento de defesa.

      

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais.

AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Responsabilidade pré- contratual no Código de defesa do Consumidor: estudo comparativo pré-contratual no direito comum. Caderno da Pós- graduação da Faculdadede direito da UERJ, Rio de Janeiro, v. 02, abril, 1996.

BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Matos. Teoria geral do Processo e Processo de conhecimento. 11ª edição reformada, Sinopse Jurídica. Vol. II, 2010.

CÂMARA, Alexandre  Freitas. Lições de direito Processual Civil. Vol. I, 16ª edição. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007.

DALLASTA, Viviane Ceolin- Momento processual para a inversão do ônus da prova no CDC. Disponível em :  WWW.ufsm.br/direito/artigos/ processo civil/inversão-pova CDC.htm. Acesso em :17/10/2011.

SOARES, Ricardo Mauricio Freire. A nova interpretação do Código Brasileira de Defesa do Consumidor. Ed. Saraiva, 2007.