1 DESCRIÇÃO DO CASO

O case em questão aborda as discussões existentes quanto à amplitude do Direito ao mínimo existencial e se é possível nesse âmbito que o Estado, como uma de suas obrigações, deva garantir gratuitamente a cirurgia de redesignação sexual. Trata-se de um caso bastante controverso, pois são questionáveis os limites do Direito ao mínimo existencial e da responsabilidade do Estado, assim, o antagonismo se faz presente em saber o que aquele direito abrange, qual sua atuação, a quem se aplica, se há limite a responsabilidade deste último e se dentro do que é de sua obrigação garantir também cabe a de arcar com a cirurgia de mudança de sexo. São questões que se farão analisadas neste trabalho.   

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição das Decisões Possíveis

  • Não autorização para realização da Cirurgia de Redesignação sexual
  • Autorização para a realização da Cirurgia de Redesignação sexual

 

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão

  • Não autorização para realização da Cirurgia de Redesignação sexual

 

O Direito ao mínimo existencial está fundamentado no principio da dignidade da pessoa humana e implica na porção mínima que cada cidadão necessita para garantia de sua sobrevivência, vida digna, garantindo o bem estar da sociedade, na qual o Estado mediante arrecadação de impostos e promoção de políticas públicas eficientes tem o dever de garantir.

Em consonância com os princípios da Isonomia, da Igualdade Democrática, da Liberdade e da Cidadania o mínimo existencial deve ser estendido a todos os indivíduos, porém o que se vê na realidade devido à escassez de recurso é que tal direito abrange apenas a classe pobre. O que se analisando pela ótica de limitações orçamentárias, não é contraditória, uma vez que é a classe que está mais desprotegida, mais exposta a problemas como falta de saneamento básico, moradia insalubre, má qualidade na saúde e educação, portanto, requerem atenção especial.  

O Estado tem o dever de satisfazer o mínimo existencial mesmo com restrição de verba, por isso a possibilidade de abertura de crédito especial, contudo quando não há essa viabilidade, ocorre um exercício de ponderação, no qual incide a atuação do Judiciário para analisar o caso concreto, examinando então quais direitos são mais necessários, emergenciais para coletividade, como foi o caso narrado por Ricardo Lobos Torres em seu livro Direito ao mínimo existencial, em que o Ministério Público utilizou a ponderação em favor da satisfação da construção de creches em face da construção do museu Gugenheim, que se encontrava abandonado, em que priorizou os interesses de crianças e adolescentes em detrimento da realização de despesas suntuárias. (Torres, Ricardo Lobos. Direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: renovar, 2009. p. 102 e 103) 

Assim, é necessário analisar mediante um contexto de limitação de verbas, se o caso trata de uma questão emergencial para o bem estar da sociedade, assim como a educação, saúde e segurança; se refere a indivíduos carentes de recurso; se a efetivação do caso impedirá a efetivação de requisitos necessários para uma qualidade de vida social, coletiva, por isso a utilização da ponderação judicial diante de inexpressividade da lei.

  • Autorização para a realização da Cirurgia de Redesignação sexual

O Direito ao mínimo existencial deve garantir o mínimo, mas não deve restringir sua atuação apenas a esse quesito, deve primar por assegurar uma vida digna, pois o mínimo na realidade nunca é o mínimo, como por exemplo, a sociedade que tem direito a uma saúde eficiente não precisa apenas de hospitais, mais de hospitais que tenham uma boa estrutura, bons profissionais, equipamentos de qualidade. Logo, se faz necessário a realização máxima do Direito ao mínimo existencial. 

O qual é possuidor de um conteúdo universal, pois para assegurar uma vida digna todos os indivíduos têm as mesmas necessidades, como exemplos, precisam da garantia de sua vida, felicidade, alimentação, de liberdade, saúde e educação de qualidade, saneamento básico, infraestrutura adequada para moradia, proteção à integridade física, dignidade sexual, honra.

Constata-se que existe uma diferença na atuação do mínimo existencial quanto ao grau de desenvolvimento de um país. Em países que possuem baixo desenvolvimento este se limita a garantia de condições de sobrevivência do individuo, enquanto em países de alto desenvolvimento, o mínimo existencial, se aplica em função da segurança de uma boa vida a seus cidadãos. Como se verifica na tese de Pós-Graduação da autora Cláudia Honório:

“A opção pelo Judiciário nacional não impediu que fossem trazidas contribuições do direito estrangeiro, na medida em que contribuem para melhor pensar o tema no Brasil. Nessa esteira, foram mencionadas decisões provenientes da Colômbia, com sua ampla jurisprudência sobre o mínimo vital, da Alemanha e de Portugal, ressaltando o princípio da dignidade humana, da África do Sul, com forte defesa dos direitos sociais, ainda que não de um mínimo, e da Índia, com a compreensão da vida em sua plenitude.” (HONÓRIO, Cláudia. Olhares sobre o mínimo existencial em julgados brasileiros. Pós-Graduação em direito da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 2009. 309p. p. 284)

No Brasil a questão da resignação sexual gratuita pelo Estado já é proferida, como na Jurisprudência brasileira no Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, no qual o relator, o juiz federal Roger Raupp Rios, decidiu que o SUS (sistema Único de Saúde) fizesse a Cirurgia de Redesignação sexual, sobre a égide da concretização dos direitos fundamentais, garantindo a igualdade e a proibição da discriminação por motivo de sexo, assim como se pôde constar  que  fez o mesmo o Tribunal de Travesso na Itália. Situações em foram deferidas a garantia da cirurgia de redesignação sexual como um mínimo a ser satisfeito pelo Estado, tendo base da dignidade da pessoa humana. Uma vez que a teoria do mínimo existencial, não se limita apenas a garantia de um mínimo necessário para a sobrevivência, mas no mínimo necessário para se viver bem, deve-se pretender sua aplicação de modo maximizado, afim de que os indivíduos tenham uma vida digna.

Ricardo Lobos Torres, define em seu livro Direito ao mínimo existencial os fundamentos de tal direito: 

“A proteção do mínimo existencial, sendo pré-constitucional, está ancorada na ética e se fundamenta na liberdade, ou melhor, nas condições iniciais para o exercício da liberdade, na ideia de felicidade, nos direitos humanos e nos princípios da igualdade e dignidade humana. Não é totalmente infensa á ideia de justiça e ao princípio da capacidade contributiva. Mas se extrema dos direitos econômicos e sociais.” (TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: renovar, 2009. p. 13)

E Cita o autor John Rawls, o qual apregoa sobre o tema:

“a essência constitucional é que abaixo de um certo nível de bem-estar material e social e de instrução e educação, as pessoas simplesmente não pode tomar parte na sociedade como cidadão, muito menos como cidadãos iguais” (Apud: TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: renovar, 2009. p. 57)

3 DECISÃO

  • Indeferimento da Cirurgia de Resignação sexual

Com base na realidade em que se vê um contexto de uma limitação de recursos, o Estado deve primar pela proteção dos mais desamparados economicamente e atuar em áreas mais necessárias a população como promover, por exemplo, a garantia do tratamento de pessoas portadoras de câncer, AIDS; assegurar a saúde, educação, segurança e o transporte de modo eficaz. A Cirurgia de Redesignação sexual não possui caráter emergencial, como estes outros aspectos anteriormente citados, preponderantes para obtenção de uma qualidade vida coletiva, visto ser fator particular e haver questões coletivas emergenciais intrínsecas ao bem estar social.  Podendo a sua realização gratuita pelo Estado incidir na restrição destas questões mais essenciais para a vida. Tal conclusão baseia-se no exercício de ponderação, haja vista o âmbito de escassez de verba e dever do Estado de prover condições para uma boa vida.   

  • Deferimento da Cirurgia de Resignação sexual

Trata-se de uma questão que envolve diversos preceitos constitucionais como a garantia do direito a uma qualidade de vida, dignidade sexual, felicidade, liberdade, igualdade, integridade física, respeito à identidade sexual, liberdade de dispor da própria sexualidade, além de incidir transtornos de identidade, doenças psíquicas, atentar a integridade metal, por isso, tal matéria é detentora sim um de caráter emergencial, estando contida no direito ao mínimo existencial. O Estado deve, portanto, promover políticas públicas eficientes para a garantia da cirurgia gratuita de mudança de sexo a quem não possui recurso para sozinho garantir tal efetividade.